INTRODUÇÃO
O Tribunal Regional Federal suspendeu a nomeação da Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O juiz que deferiu a decisão, de caráter liminar, afirmou que a nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra para o cargo de presidente fere o artigo 2°, inciso II, do Decreto nº 9.727, onde é exigido a necessidade de perfil profissional compatível com o cargo. A União, havia defendido que Larissa trabalha há onze anos no Ministério do Turismo, órgão que abriga o IPHAN. Contudo, o megistrado afirmou que não há compatibilidade para a indicação. Logo, em razão da decisão proferida pelo TRF, faz-se necessário a avaliação da doutrina, legislação e jurisprudência vigentes, para uma análise do ocorrido.
1 – DA NOMEAÇÃO
Em maio do presente ano, após cinco meses sem titular, foi nomeada para a presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a servidora do Ministério do Turismo Larissa Rodrigues Peixoto Dutra[1]. A portaria de nomeação foi assinada pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto. Larissa ocupava a direção do Departamento de Desenvolvimento Produtivo da Secretaria Nacional de Integração Interinstitucional, subordinada ao Turismo. Desde o início da indicação, ocorreram muitas críticas em razão da não capacitação da servidora para o cargo. O ex-presidente do órgão, Ângelo Oswaldo, relatou que nunca houve uma intervenção assim na instituição, nem mesmo no regime militar:
“— Uma pessoa sem vivência no setor dificilmente terá condições de exercer uma missão que é mais de Estado que de governo. O Iphan sempre foi reconhecido internacionalmente como um paradigma no campo do patrimônio, e os problemas que enfrenta desde o ano passado já repercutem negativamente nos fóruns a que ele está ligado. ”
2 – DO PEDIDO DE SUSPENSÃO PELO MPF
Pouco tempo após a nomeação para a presidência do Iphan, o Ministério Público Federal deu um prazo de cinco dias para o Governo Federal justificar a nomeação da servidora Larissa para o órgão[2]. O MPF apurava que a indicada não havia capacidade técnica para exercer a função. O Ministério Público Federal pediu então, a apresentação do currículo da servidora para a avaliação dos critérios de perfil profissional estabelecidos na forma da lei. Assim, caso houvesse dispensa dos atributos do cargo, o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio, deveria demonstrar documentação que explicasse a nomeação, conforme os casos de excepcionalidade previstos por lei.
3 – DA SUSPENSÃO DA NOMEAÇÃO
No mês de junho do ano atual, o juiz Adriano de Oliveira França, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, deferiu liminar para suspender a indicação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra para a presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional[3]. A decisão foi concedida em ação popular movida pelo deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ex-ministro da Cultura. O parlamentar afirmou que a nomeada não possui os requisitos para ocupar o cargo, estabelecidos no Decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019. O magistrado relatou que:
“No presente caso, a demanda imputa violação ao princípio da legalidade e ao princípio da eficiência em órgão de projeção nacional, bem como dano à preservação e proteção do patrimônio histórico e cultural nacional, pelo que são competentes os juízos que se encontram na capital de qualquer estado da União ou do distrito federal, de forma concorrente, inclusive o de domicílio da parte autora. “
“A nomeação de profissional sem compatibilidade para o exercício da função de presidente de autarquia com finalidade determinada por lei pode esvaziar as funções da instituição, o que equivaleria à extinção, por via transversa, de entidade, a a qual somente pode ser extinta por lei. Sobre a necessidade de lei para extinção de autarquias, por todos:
Para a extinção de autarquias, é também a lei o instrumento jurídico adequado. As mesmas razões que inspiraram o princípio da legalidade no tocante à criação de pessoas administrativas, estão presentes no processo de extinção. Trata-se, na verdade, de irradiação do princípio da simetria das formas jurídicas, pelo qual a forma de nascimento dos institutos jurídicos deve ser a mesma para a sua extinção Ademais não poderia ato administrativo da por finda a existência de pessoa jurídica instituída por lei, já que se trata de ato de inferior hierarquia (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Lumen Juris: Rio de Janeiro. 2009 p. 448).
Assim, verifica-se a probabilidade do direito alegado pela parte autora.
Quanto ao periculum in mora, também verifico a presenta de tal requisito no presente caso. Isso porque a nomeação para presidência da autarquia ré de servidor com formação profissional e acadêmica incompatível – e até contraposta – com o cargo põe manifestamente em risco a própria eficiência da instituição e, de forma ainda mais preocupante, o direito fundamental à cultura. ”
“Isso posto, DEFIRO a tutela vindicada para determinar a suspensão dos efeitos da nomeação de LARISSA RODRIGUES PEIXOTO DUTRA, para exercer o cargo de Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, código DAS 101.6, ocorrida em 11 de maio de 2020, até final julgamento deste feito.[4] ”
4 – DO DECRETO Nº 9.727 DE 15 DE MARÇO DE 2019
O Decreto nº 9.727 de 15 de março de 2019 trata sobre os critérios e o perfil profissional para o preenchimento de cargos públicos. Dessa forma, a ocupação de cargos do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS e das Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE, devem obedecer a alguns requisitos, assim como podem ser destacados os artigos 2° e 5°, que estabelecem o perfil profissional para o preenchimento da vaga comissionada[5]:
“Art. 2º São critérios gerais para a ocupação de DAS ou de FCPE:
I – idoneidade moral e reputação ilibada;
II – perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado; e
III – não enquadramento nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
Parágrafo único. Os ocupantes de DAS ou de FCPE deverão informar prontamente a superveniência da restrição de que trata o inciso III do caput à autoridade responsável por sua nomeação ou designação.
Art. 5º Além do disposto no art. 2º, os ocupantes de DAS e FCPE de níveis 5 e 6 atenderão, no mínimo, a um dos seguintes critérios específicos:
I – possuir experiência profissional de, no mínimo, cinco anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função;
II – ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS de nível 3 ou superior em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, três anos; ou
III – possuir título de mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função. “
5 – DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública, em seus atos, deverá observar preceitos estabelecidos na legislação brasileira. Desse modo, no artigo 37, caput, da Constituição Federal, são elencados os princípios que regem a atuação do Poder Público no Brasil:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência… “
5.1 – DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
O princípio da eficiência do Poder Público, inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 19/98, estabelece que, o agente público deve desperdiçar o mínimo de recursos públicos, isto é, apresentar um bom custo benefício para seus atos, desenvolvendo assim o melhor desempenho. Conforme é preceituado por Odete Medauar[6], o princípio da eficiência trata do interesse público, na medida em que a Administração Pública deve satisfazer as necessidades da população, agindo de forma precisa:
“Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se à lentidão, a descaso, à negligência, à omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções. “ (Medauar 2018, 122)
O Tribunal Regional Federal também destaca a violação do princípio da eficiência em sua jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PEDIDO DE ANÁLISE. MORA DA ADMINISTRAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA – ARTIGO 37 DA CF/88. ART. 5º, LXXVIII, DA CF/88. PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE – PRESERVAÇÃO DE LESÕES OU AMEAÇAS A DIREITOS. 1 – A conduta omissiva da administração, sem justificativas relevantes, afronta direito do administrado à razoável duração do processo administrativo e, em decorrência, o princípio da eficiência, estando, portanto, sujeita a omissão da Administração ao controle do Poder Judiciário, que tem o dever de preservar lesões ou ameaça a direitos. 2 – Não é lícito a Administração Pública prorrogar indefinidamente a duração de seus processos, pois é direito do administrado ter seus requerimentos apreciados em tempo razoável. O inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88 prevê que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 3 – O transcurso de quase um ano sem a conclusão do processo administrativo do Impetrante afigura-se, a toda evidência, excessivo e demonstra violação aos princípios constitucionais da razoabilidade e da eficiência, bem como o desrespeito à garantia de duração regular do processo. 4 – Remessa necessária desprovida. Sentença confirmada. “[7]
5.2 – DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade estabelece que a Administração Pública somente poderá realizar suas ações com base na lei, evitando assim, atos discricionários que sejam diversos a legalidade. Assim, Odete Medauar aborda que o referido princípio tem a intenção de garantir a limitação do poder do agente público, além de realizar a materialização do Estado Democrático de Direito:
“…buscou-se assentar o princípio da legalidade em bases valorativas, sujeitando as atividades da Administração não somente à lei votada pelo Legislativo, mas também aos preceitos fundamentais que norteiam todo o ordenamento. A Constituição de 1988 determina que todos os entes e órgãos da Administração obedeçam ao princípio da legalidade (caput do art. 37); a compreensão desse princípio deve abranger a observância da lei formal, votada pelo Legislativo, e também dos preceitos decorrentes de um Estado Democrático de Direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme reza o art. 1º, caput, da Constituição; e, ainda, deve incluir a observância dos demais fundamentos e princípios de base constitucional. Além do mais, o princípio da legalidade obriga a Administração a cumprir normas que ela própria editou. “ (Medauar 2018, 112)
Em observância ao princípio da legalidade, o Supremo Tribunal de Justiça tratou sobre a necessidade de lei expressa para beneficiar servidores do judiciário do estado do Rio de Janeiro, onde o foi ressaltado que o Poder Público é submisso ao princípio a legalidade:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA. ARTS. 30 E 44 DO CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO DORIO DE JANEIRO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AJUDA DE CUSTO ETRANSPORTE A SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO REMOVIDOS PARA COMARCASNÃO CONTIGUAS. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI ESTADUAL N.º 220/74 E DO DECRETO ESTADUAL N.º 2.479/79. NORMAS DIRIGIDAS AOSSERVIDORES DO PODER EXECUTIVO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRECEDENTES. 1. A autoridade coatora é o agente que, no exercício de atribuições do Poder Público, é responsável pela prática ou omissão do ato impugnado, possuindo poderes legalmente atribuídos para, de forma voluntária ou compulsória, promover a revisão deste. 2. As disposições do Decreto-Lei Estadual n.º 220/74 e do Decreto Estadual n.º 2.479/79 são dirigidas exclusivamente aos servidores do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro e, portanto, os benefícios nela previstos não podem ser estendidos aos servidores do Poder Judiciário, ante a ausência de expressa previsão legal. 3. A Administração, por ser submissa ao princípio da legalidade, não pode levar a termo interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido. “ [8]
6 – CONCLUSÃO
O Poder Público, na realização de seus atos, deve pautar-se nos princípios que regem o Direito Administrativo. Assim sendo, o princípio da legalidade e da eficiência traçam a linha tênue de atuação da legalidade e ilegalidade da Administração Pública, onde, os atos realizados deverão ser pautados na legislação vigente e também serem eficientes, de modo que os atos sejam benéficos para a população, em razão do interesse público. Além disso, o Decreto nº 9.727 de 15 de março de 2019, estabelece perfeitamente os requisitos para a contratação de cargos comissionados e de direção, bem como foi exemplificado nos artigos 2° e 5° da referida norma.
Portanto, conforme é observado, o magistrado, ao proferir a decisão liminar, agiu de acordo com o Decreto nº 9.727, diante de uma possível violação de seus artigos 2° e 3°, pelo fato da servidora não cumprir a qualificação mínima para o cargo. Diante então, de uma possível violação ao decreto, o Poder Público deixa de agir em conformidade com o princípio da legalidade, pois o ato, obviamente, se torna ilegal, além de não estar também em conformidade com o princípio da eficiência, em razão da indicação de um profissional não qualificado para o cargo, o que poderia gerar danos à instituição e consequentemente, aos cofres públicos.
Referências
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9727.htm. s.d.
https://www.conjur.com.br/2020-jun-11/juiz-suspende-nomeacao-larissa-dutra-presidencia-iphan. s.d.
https://www.conjur.com.br/dl/liminar-iphan-larissa-dutra.pdf. s.d.
Medauar, Odete. Direito Administrativo moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
STJ – RMS 29452 RJ 2009/0085040-6 – 6 de Dezembro de 2011 – Quinta Turma – Ministra LAURITA VAZ. (s.d.).
TRF-2 – REO 201251020009320 – 5 de Fevereiro de 2013 – Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM. (s.d.).
Autor:
Pedro Vitor Serodio de Abreu: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, auxiliar jurídico na área do Direito Empresarial, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica. Formação complementar em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Senado Federal, Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão, Gestão das Finanças Públicas pela Organização das Nações Unidas e Conselhos de Direitos Humanos pela Escola Nacional de Administração Pública.
[3] (https://www.conjur.com.br/2020-jun-11/juiz-suspende-nomeacao-larissa-dutra-presidencia-iphan s.d.)
[4] (https://www.conjur.com.br/dl/liminar-iphan-larissa-dutra.pdf s.d.)
[5] (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9727.htm s.d.)
[6] (Medauar 2018)
[7] (TRF-2 – REO 201251020009320 – 5 de Fevereiro de 2013 – Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM s.d.)
[8] (STJ – RMS 29452 RJ 2009/0085040-6 – 6 de Dezembro de 2011 – Quinta Turma – Ministra LAURITA VAZ s.d.)