POLIAFETIVITY AND THE JURIDIC VALIDATION OF NEW FAMILY STRUCTURES
FILGUEIRAS, Alberto Lima;[1]
SILVA, Rômulo Castro;[2]
ALMEIDA, Evenise Ribeiro de.[3]
RESUMO
O presente artigo visa debater a respeito da poliafetividade, e a validação jurídica das novas estruturas familiares, uma vez que, apesar de não haver expressamente o reconhecimento legislativo sobre as uniões poliafetivas, já se identifica no Brasil o registro cartorário da união de “casais” formados por mais de duas pessoas. Diante disso, o objetivo deste trabalho é identificar as principais normas e princípios norteadores inerentes ao Direito de Família e demais legislações vigentes com enfoque na nova estrutura familiar pautada na poliafetividade. Para tanto, dispôs-se da metodologia científica de pesquisa de revisão bibliográfica e documental, por meio de pesquisas qualitativas e descritivas. Justifica-se a realização deste estudo diante da relevância em se realizar um levantamento de informações e conhecimento mais detalhados sobre as novas modalidades de família, em especial, as relações familiares pautadas na poliafetividade, buscando-se constatar qual a real validade e convergência da nova estrutura familiar poliafetiva perante o ordenamento jurídico nacional.
Palavras-chave: Direito de Família. Poliafetividade. Validação Jurídica.
ABSTRACT
The purpose of this article is to debate about the poly-affectivity, and the legal validation of the new family structures, since, although there is no express legislative recognition on the poly-affective unions, the registry of the union of “couples” is already identified in Brazil. ”Formed by more than two people. Given this, the objective of this paper is to identify the main norms and guiding principles inherent to the Family Law and other current legislation focusing on the new family structure based on poly-affectivity. For this, the scientific research methodology of bibliographic and documentary revision was made available, through qualitative and descriptive research. This study is justified in view of the relevance of conducting a survey of more detailed information and knowledge about the new family modalities, especially the family relationships based on poly-affectivity, seeking to verify the real validity and convergence of the new family. multi-purpose family structure before the national legal system.
Keywords: Family Law. Polyafectivity. Legal Validation.
1. INTRODUÇÃO
A família é tida como uma entidade, a qual é um dos pilares da nação brasileira, sempre devidamente “protegida” pelo Estado, em especial em seus moldes tradicionais. Ocorre que, a sociedade em si é mutável e dinâmica, e tal fato reflete diretamente em suas relações, a incluir-se as relações familiares e como estas passam a se formar.
Dessa forma, com o passar do tempo a família começou a tomar novos moldes, rompendo os moldes de suas estruturas limitadas e engessadas anteriormente, e assim o direito, amiúde, passa a reconhecer as novas estruturas outrora segregadas, acolhendo assim as novas formas sociais e familiares, deixou-se de ter como critério e centro elementar da família o matrimônio, passando-se assim reconhecer como núcleos familiares aqueles constituídos, por avós e netos, tios e sobrinhos, irmãos, ou, apenas um dos genitores e sua prole, a título de exemplo.
Dentre estas novas modalidades está a união socioafetiva, que surge com a possibilidade da relação afetiva-amorosa partir simultaneamente de um casal, aonde permite-se outras relações estáveis e com o mesmo escopo, extra ao primeiro casal, ou mesmo uma relação vivenciada não mais só por dois parceiros, mas sim por uma pluralidade de pessoas envolvidas nesta relação simultânea, acordada e fundada em um mesmo escopo: constituição de uma única família abarcando todos os envolvidos.
No entanto, esta nova estrutura familiar confronta-se com a visão ocidental tradicional, em especial quanto ao princípio monogâmico e a visão primária de fidelidade, a qual desliza desde de sua repercussão na seara cível, no direito de família, constitucional até alcança diretamente a normatização penal atual, sendo uma realidade inevitável ao qual o sistema jurídico brasileiro necessitará confrontar, observando a dignidade da pessoa humana e seus princípios norteadores.
Diante disso, o presente artigo buscou como objetivo geral, identificar as principais normas e princípios norteadores inerentes ao Direito de Família e demais legislações vigentes com enfoque na nova estrutura familiar pautada na poliafetividade, havendo ainda como objetivos específicos, a análise e o cabimento da legitimidade da inserção e reconhecimento destas relações no ordenamento jurídico brasileiro e antever os resultados práticos sociais e jurídicos desta nova modalidade defronte as liberdades individuais e suas contraposições ainda existentes quanto a literalidade das normas aplicáveis ao direito de família consolidado na preponderância dos aspectos socioafetivos.
Para elaboração deste estudo dispôs-se da metodologia científica de pesquisa de revisão bibliográfica e documental, por meio de pesquisas qualitativas e descritivas, buscando assim aglomerar-se um conjunto de informações e conhecimentos em toda versatilidade de obras de renome, com discurso autorizado, amparando-se em obras valoráveis que com profundidade pensam o ordenamento e sua repercussão sobre o meio social. Passando assim, especificadamente por diversas etapas, desde leitura crítica, contraposição de estudos, compreensão da evolução histórica das estruturas familiares, fichamento e produção textual.
Assim sendo, pautando-se na busca da compreensão dos fatores envoltos a formação da estrutura familiar defronte a atual normatização e princípios norteadores de nosso ordenamento jurídico aplicado ao Direito de Família, em especial nas estruturas familiares poliafetivas, a presente pesquisa obteve o intuito de responder ao seguinte problema de pesquisa: Qual a validade e convergência da nova estrutura familiar poliafetiva perante o ordenamento jurídico brasileiro?
Ademais, justifica-se a realização do presente trabalho diante da relevância em se realizar um levantamento de informações e conhecimento mais detalhados sobre as novas modalidades de família, em especial, as relações familiares pautadas na poliafetividade, em vista de se tratar de uma realidade social que já gera reflexos jurídicos e não se encontram regulamentadas ou asseguradas pelo direito, de modo a gerar insegurança aos envolvidos no plano cível, sendo que, não pode o ordenamento ignorar esta realidade, nem mesmo, o judiciário negar-se a apreciar tais matérias quando repercutirem futuras demandas, o que demonstra uma imperiosa necessidade de conhecimento social e legal sobre a temática.
Como forma de alcançar os resultados almejados para esta pesquisa, optou-se por abordar inicialmente a respeito da atual visão do Direito Brasileiro sobre a família e os seus tipos, para em seguida ser explanado sobre o conceito de poliafetividade e os princípios jurídicos em favor da união poliafetiva, para por fim, ser analisado a validade jurídica desta nova entidade familiar.
2. A ATUAL VISÃO DO DIREITO BRASILEIRO SOBRE A FAMÍLIA E SUAS ESPÉCIES
A partir da análise das Constituições anteriores que persistiram no ordenamento jurídico brasileiro e de institutos como o Código de Civil de 1916, verifica-se que os significados a respeito da família foram sendo modificados ao longo do tempo.
Segundo Gonçalves (2017) pode-se extrair a partir da leitura das legislações supracitadas que a família possuía uma estrutura patriarcal e hierarquizada, de forma que somente as famílias advindas do matrimônio eram reconhecidas juridicamente e socialmente, e os filhos que não faziam parte do matrimônio eram tidos como ilegítimos e, além disso, o Código Civil de 1916, instituía a família como patriarcal, hierárquica, heterossexual e patrimonializada, onde o homem era o chefe da família e a mulher era considerada como incapaz.
No entanto, com o advento da Constituição de 1988, e de institutos como o Código Civil de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), passou o ordenamento jurídico pátrio a consagrar uma série de mudanças que sofreu a família no decorrer do século XX, de forma que a sociedade contemporânea deixou de aderir à natureza patriarcal da família, na qual não existe mais a supremacia do marido no tocante à mulher, nem mesmo a ideia de que o filho tido fora do casamento seria ilegítimo ou de que a família seria apenas aquela advinda com o matrimônio, prevalecendo atualmente o elemento da relação de afetividade entre os indivíduos.
Desse modo, para Dias (2016, p. 161):
Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que permita nominá-las como família. Este referencial só pode ser identificado na afetividade.
Complementa ainda Gonçalves (2017, p. 19) que:
Atualmente, para o ordenamento jurídico brasileiro o vocabulário família abrange todas as pessoas ligadas por vinculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidades pela afinidade e pela adoção. […] Constata-se que família é uma relação de afinidade, afeto, vinculo e convivência.
Pode-se citar como novas famílias, a Família Monoparental, que foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988, onde em seu §4º do artigo 226 diz: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. (BRASIL, 1988).
Para Rolf Madaleno (2018, p. 9):
Famílias monoparentais são usualmente aquelas em que um progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivos. Tecnicamente são mencionados os núcleos monoparentais formados pelo pai ou pela mãe e seus filhos, mesmo que o outro genitor esteja vivo, ou tenha falecido, ou que seja desconhecido porque a prole provenha de uma mãe solteira, sendo bastante frequente que os filhos mantenham relação com o progenitor com o qual não vivam cotidianamente, daí não haver como confundir família monoparental com lugar monoparental.
Fala-se também em Família Informal ou Extramonial que são provenientes de união estável, prevista na Lei Maior de 1988 em seu §3 do artigo 226, in verbis: “Para efeito da proteção do estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. (BRASIL, 1988).
Para Paulo Lôbo (2017), a união estável trata-se de uma entidade familiar em que duas pessoas se unem para viver com aparência de casamento, ou seja, com o objetivo de constituição familiar.
Mas persistem também novas modalidades de família presentes no cenário atual brasileiro que ainda não possuem previsão legal, mas para a doutrina, merecem a mesma proteção dada as famílias legais já analisadas que são regulamentadas pela Constituição Federal de 1988.
Cumpra-se mencionar que o alicerce desses novos modelos, uma vez que é em razão do afeto que os indivíduos se unem com intenção de constituir família, as quais, dentre elas estão: a família reconstituída, homoafetiva, paralela, anaparental e poliafetiva.
No que diz respeito a família reconstituída, Maria Berenice Dias (2016) aduz que tais famílias advêm da pluralidade das relações parentais, em razão do divórcio, seguido pelo novo casamento.
Já a família homoafetiva, Almeida e Rodrigues Junior (2012) consideram como sendo as famílias constituídas pela união ou casamento entre pessoas do mesmo sexo, que conforme Nascimento (2011) com a omissão do legislador ao reconhecer a união homoafetiva, passou-se fazer uma analogia com a união estável para que pudessem ter os mesmos direitos cívicos, pois o não reconhecimento da união de casais do mesmo sexo está em desacordo com os princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana, bem como as garantias fundamentais.
Quanto às famílias paralelas, para os autores Farias e Rosenvald (2015) são as famílias surgidas das relações de traições, ou seja, aquelas em que há a presença da pessoa do (a) amante.
Além dessas, é muito comum que amigos e/ou parentes vivam juntos, sendo então criada a família anaparental em razão desse convívio, portanto, “[…] A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito […]”. (DIAS, 2016, p. 216).
E por fim, há de se mencionar a família poliafetiva, que é um dos mais recentes modelos de família, e que em síntese reflete sobre a probabilidade de uma união em conjunto, na qual mais de duas pessoas se unem no intuito de constituir família entre si, conforme será demonstrado a seguir.
3. DA POLIAFETIVIDADE
A poliafetividade ou união poliafetiva é descrita por Madaleno (2018, p. 66-67) como:
Esta é a família poliafetiva, integrada por mais de duas pessoas que convivem em interação afetiva dispensada da exigência cultural de uma relação de exclusividade apenas entre um homem e uma mulher, ou somente entre duas pessoas do mesmo sexo, vivendo um para o outro, mas sim de mais pessoas vivendo todos sem as correntes de uma vida conjugal convencional. […] Trata-se de um triângulo amoroso, constituído pela relação afetiva de um homem e duas mulheres, vivendo todos sob o mesmo teto, em convivência consentida e que no passado era veementemente reprimida e socialmente maculada como uma abjeta, ilegítima e antissocial poligamia. […] Em tempos de exaltação do afeto como condição de formação do núcleo familiar, a relação amorosa triangular é denominada de união poliafetiva, e tantas outras pode se supor que existam neste imenso território brasileiro.
Dessa forma, a união poliafetiva pode ser considerada como uma família única, mas composta por três ou mais pessoas que vivem em conjunto com objetivo de constituir família e que foi feita de comum acordo entre os seus integrantes, onde todos possuem a maioridade civil e são considerados como juridicamente capazes.
Além disso, até mesmo a concepção jurídica a respeito do significado do casamento também passa por transformações, de maneira que a idealização de um casamento monogâmico e tradicional em que se exige fidelidade entre ambas as partes, ou seja, uma relação de exclusividade, já não existe em uma união poliafetiva, mas isto não quer dizer que não deva ser reconhecida assim como as demais entidades familiares.
Neste sentido Maria Berenice Dias faz o seguinte apontamento:
Ná união poliafetiva todos moram sob o mesmo teto. Tem-se, portanto, um verdadeiro casamento, com uma única diferença: o número de integrantes. Isto significa que o tratamento jurídico a poliafetividade deve ser idêntico ao estabelecido as demais entidades familiares reconhecidas pelo direito. Há que se reconhecer como transparente e honesta a instrumentalização levada a efeito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três. (DIAS, 2016, p. 215).
Logo, verifica-se que esta nova modalidade de família tem como base uma coabitação que se respalda no livre desejo de criar um núcleo familiar que se destoa do tipo de família tradicional, mas que apesar dessas diferenças possui a característica da afetividade que atualmente é tido como um dos principais elementos para o reconhecimento de uma entidade familiar.
Ademais, deve ser levado em consideração pelos juristas que tratam-se de sujeitos de direitos que convivem em uma união afetiva, e que não se confunde com uma família paralela onde um indivíduo convive ao mesmo tempo com duas pessoas, mas em residências diferentes, consistindo assim em um perfil de família plural.
4. PRINCÍPIOS JURÍDICOS EM FAVOR DA UNIÃO POLIAFETIVA
Apesar de a união poliafetiva ser uma entidade familiar não prevista em lei, alguns doutrinadores sustentam que é possível a sua validação com base em diversos princípios que convalidam o Direito Brasileiro vigente, dentre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da liberdade de constituir família, princípio do pluralismo das entidades familiares e princípio da afetividade.
A Dignidade da pessoa humana é o princípio que abarca todo o direito brasileiro. Possui previsão legal na Constituição Federal de 1988, como sendo um fundamento constitucional, conforme se alude em seu artigo 1°, inciso III:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988).
Contudo, existe uma dificuldade quanto a sua definição, uma vez que possui um significado amplo.
Segundo Dias (2016, p. 48) este princípio significa a igualdade entre todo tipo de entidade familiar, pois seria indigno tratar de maneira diferente os vários tipos de constituição de família, e por isso a autora destaca a amplitude da mesma.
Enquanto que para José Afonso da Silva (2011, p. 105): “Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.”
Esse princípio aborda no que concerne à garantia mínima da dignidade humana, que o ser humano nasce com a necessidade de proteção de sua dignidade, através de um mínimo necessário de qualidade de vida, e o direito de família transmite que há necessidade de que aquela entidade familiar tenha dignidade minimamente protegida e tutelada pelo estado. (SILVA, 2011).
Sendo assim, percebe-se a importância fundamental do referido princípio, que deve ser seguido rigorosamente, tendo em vista que está elencado na Lei Maior, bem como por ter o objetivo de impedir a indignidade entre os componentes de qualquer que seja o núcleo familiar.
Quanto ao princípio da liberdade de se constituir família, este tem como fundamento o artigo 1.513 do Código Civil de 2002 que dispõe, em outras palavras, ser de total liberdade dos cidadãos a sua própria composição familiar sem que haja interferência de terceiros, sejam estas pessoas do direito privado ou público.
De acordo com Gonçalves (2017), este princípio encontra-se vinculado ao do livre exercício da autonomia privada, uma vez que é um direito dos cidadãos atuarem como queiram em relação as suas vidas privadas, sendo que, sob a ótica do Direito de Família, se refere a atos como como escolher com quem se relacionar e/ou constituir família.
Já o princípio do pluralismo das entidades familiares ou do pluralismo familiar, tem o seu significado extraído da Constituição Federal de 1988, conforme relata Dias (2016, p. 46):
Desde a Constituição Federal, as estruturas familiares adquiriram novos contornos. Nas codificações anteriores, somente o casamento merecia reconhecimento e proteção. Os demais vínculos familiares eram condenados à invisibilidade. A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. […] O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares.
Neste sentido, tal princípio ressalta o rompimento com o ideal de que existe apenas um modelo único de entidade familiar, sendo necessário reconhecer os novos modelos familiares, como a união estável, a família monoparental e até mesmo a união poliafetiva.
Por fim, o princípio da afetividade, em resumo, trata-se da maneira pela qual os indivíduos se relacionam e criam vínculos entre si, de modo que esta ligação afetiva recíproca e o interesse em constituir família, seria capaz de reconhecer juridicamente um núcleo familiar.
Nos dizeres de Madaleno (2018, p. 66):
Não há uma única definição para o conceito de afetividade, mas, no geral, ele está ligado à ideia de emoções e sentimentos. […] O princípio constitucional da afetividade, sobrepõe o afeto sobre o aspecto patrimonial e econômico que antigamente identificava a família exclusiva do casamento.
Logo, o elemento da afetividade constitui atualmente algo tão importante quanto os demais elementos que identificam um núcleo familiar, de maneira que deve ser levado em consideração pelo poder judiciário para o reconhecimento dos vínculos familiares.
5. ANÁLISE QUANTO A VALIDADE JURÍDICA DA UNIÃO POLIAFETIVA
No ano de 2012 fora oficializado em cartório a primeira união estável poliafetiva formada por um homem e duas mulheres no Brasil, em um cartório de notas da cidade de Tupã, no Estado de São Paulo e, diante deste fato, o tema da união poliafetiva passou a ser constantemente debatido por diversos doutrinadores e também pelos tribunais e órgãos da justiça do país. (CARIGÉ, 2019).
É notório que o posicionamento de diversos autores é favorável a este reconhecimento, haja vista que outras formas de entidade familiar já vêm sendo reconhecidas pelos tribunais, tais como a união homoafetiva e a família formada apenas pela união estável sem a necessidade de matrimônio.
Neste diapasão, assim se manifesta a autoria Maria Berenice Dias (2016, p. 136):
[…] a escritura pública declaratória de união poliafetiva de um homem com duas mulheres repercutiu como uma bomba. Foi considerada por muitos como nula, inexistente, além de indecente, é claro. E acabou rotulada como verdadeira afronta à moral e aos bons costumes. Eventual rejeição de ordem moral ou religiosa a dupla conjugalidade não pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificável de um ou de mais de um frente aos outros partícipes da união. Negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório. […] Há que se reconhecer como transparente e honesta a instrumentalização levada a efeito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três.
Sobre o tema, Magalhães (2018, p. 65) se pronunciou da seguinte forma:
Este é, portanto, o perfil da família plural, que se estrutura e convive a partir da afetividade, razão da existência da tradicional família matrimonial, da constituição da união estável, […] e igualmente identificado na família poliafetiva, da qual os periódicos deram notícia a partir de uma escritura pública lavrada em agosto de 2012, em cartório localizado na cidade de Tupã, no interior de São Paulo. Trata-se de um triângulo amoroso, constituído pela relação afetiva de um homem e duas mulheres, vivendo todos sob o mesmo teto, em convivência consentida e que no passado era veementemente reprimida e socialmente maculada como uma abjeta, ilegítima e antissocial poligamia.
Há, portanto, um suporte favorável quanto ao reconhecimento da união poliafetiva por alguns doutrinadores diante da argumentação de que o elemento da afetividade e a livre escolha dos indivíduos em constituírem-se como uma família são as características centrais que definem quaisquer das espécies de famílias que existem no país e que são reconhecidas pelo ordenamento jurídico.
Todavia, alguns institutos, como a Associação Brasileira de Direito de Família – ADFAS, são contrárias a este reconhecimento, dispondo em um pedido de providências interposto perante o Conselho Nacional de Justiça no ano de 2016, que o reconhecimento das famílias poliafetivas seria incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro ao compará-la com a poligamia[4], ato este que é expressamente vedado pela legislação vigente, sendo considerado inclusive como um ato ilícito pelo Código Penal e por ferir o princípio da monogamia (CARIGÉ, 2019).
Além disso o próprio Conselho Nacional de Justiça já se manifestou na data de 13 de abril de 2016, a partir de uma recomendação da ADFAS, recomendando que os cartórios não reconhecessem mais esse tipo de entidade familiar, uma vez que ainda não há uma regulamentação legal sobre este tema. (CARIGÉ, 2019).
Sobre isto, Madalena (2018, p. 67):
A Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, pretende subsidiar uma possível norma do CNJ sobre os registros civis das uniões entre mais de duas pessoas, tendo sugerido, mas não proibido, que os Cartórios de Ofício de Notas aguardem a conclusão deste estudo para lavrar novas escrituras declaratórias de uniões poliafetivas. Somente o Poder Judiciário está habilitado para reconhecer circunstanciais efeitos jurídicos aos contratos de relações Poliafetivas prestando-se a escritura como simples declaração e prova de uma convivência triangular.
Porém, ressalta-se que tal manifestação do CNJ trata-se apenas de uma recomendação e não de uma proibição, cometendo ao Poder Judiciário interpretar, quando convocado, a extensão dos efeitos jurídicos das uniões estáveis poliafetivas, além de que, recentemente, fora emitido por esta mesma instituição o Provimento n. 63/2017, o qual dispõe sobre um regramento que permiti aos cartórios o registro da filiação socioafetiva, ato este que demonstra o reconhecimento da afetividade como o elemento primordial para o reconhecimento de vínculos familiares, o que poderá, portanto, influenciar para o alcance de decisões futuras em favor do reconhecimento das uniões poliafetivas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que fora exposto ao longo deste trabalho, restou demonstrado que o tema da poliafetividade ainda é alvo de discussões pelos doutrinadores brasileiros, uma vez que o reconhecimento das uniões poliafetivas ainda carecem de regulamentação legal.
Mas apesar deste vácuo legislativo, identificou-se que as concepções atuais do ordenamento jurídico brasileiro sofreram modificações relevantes, de maneira que, ao invés de se considerar apenas a união advinda com o casamento e apenas entre homem e mulher já se reconhece a união estável, ainda que entre pessoas do mesmo sexo, algo que dá margem para que futuramente outras espécies de família também sejam juridicamente aceitas e tenham os seus direitos reconhecidos.
Além disso, alguns princípios que regem o direito de família também tornam propícia a manutenção desta nova forma de entidade familiar, em especial, os princípios da pluralidade das entidades familiares e o princípio da afetividade, os quais preconizam serem legítimas a existência de diversos moldes familiares e que estes tem como cerne a relação afetiva e o desejo de estarem juntos para formação de um núcleo familiar.
Destarte, a partir de uma análise a respeito do posicionamento doutrinário e da manifestação de instituições como a Associação Brasileira de Direito de Família (ADFAS) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de modo que, apesar das argumentações a favor ou contrárias a este tipo de união, é certo que a única forma de se pôr fim a estas discussões quanto a legitimidade deste tipo de entidade familiar será por meio de uma decisão a ser emitida pelo poder judiciário.
REFERÊNCIAS
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CARIGÉ, Silvio Dayube. A poliafetividade no direito de família. A possibilidade de reconhecimento jurídico das entidades familiares poliafetivas no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5739, 19mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72773. Acesso em: 22 jul. 2019.
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
[1] Graduado em Direito pela CULP/UBRA. Pós-Graduando em Direito Civil e Processo Civil do ITOP. E-mail: advalbertolima@outlook.com.
[2] Graduado em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil do ITOP e Pós-Graduado em Direito e Processo Penal Pela LFG, Advogado inscrito na OAB/TO 7804-A e OAB/DF 54.013. E-mail: castrojur@gmail.com.
[3] Mestre em Desenvolvimento Regional, professora do curso de Especialização em Direito Civil e Processo Civil do ITOP.
[4] O ato de compartilhar o cônjuge com outras pessoas.