Direito Constitucional

As distorções da representatividade a partir do sistema eleitoral brasileiro

Vitor Marques[1]

Vidal Serrano Nunes Junior[2]

Sumário

I – Introdução

II – Contribuições de Montesquieu para as formas de Governo

III – O Presidencialismo e o presidencialismo de coalizão no Brasil

IV – Sistemas Eleitorais

V – Sistemas Majoritários

VI – Sistemas de dois turnos

VII – Voto alternativo

VIII – Sistemas majoritários em distritos plurinominais: o STVN e o voto em bloco

IX – Sistema Proporcional

X – Lista partidária

XI – Método para dividir as cadeiras

XII – Método aplicado no Brasil

XIII – Listas: aberta, fechada e flexível

XIV – Sistemas Mistos

XV – Sistema eleitoral brasileiro

Conclusão

Bibliografia

Resumo

Trata o presente artigo do sistema político eleitoral aplicado aos Estados democráticos, a partir da construção histórica das formas de governo desenvolvidas com advento do século XVIII. O foco é o sistema eleitoral praticado no Brasil, considerando suas características e obstáculos para uma maior representatividade política.

Summary

It deals with the present article of the electoral political system applied to democratic states, starting from the historical construction of the forms of government developed with the advent of the eighteenth century. The focus is the electoral system practiced in Brazil, considering its characteristics and obstacles to greater political representativeness.

Palavras-chave:

Formas de governo; modelos de sistema eleitoral; sistema eleitoral brasileiro.

I – Introdução

A partir das revoluções americana e francesa no século XVIII, instituiu-se a noção de “Estado-Nação”, retirando-se do Monarca a prerrogativa de comando do Estado, e transformando os súditos, submissos ao então Monarca, em cidadãos, munidos de direitos e deveres perante o Estado moderno.

Nesta conformação, caberá ao Estado o monopólio do uso da força para garantir o cumprimento do ordenamento jurídico face aos cidadãos.

Nos Estados regidos por Constituições promulgadas, ordenados pela separação de poderes, tendo suas prerrogativas condicionadas pelo interesse público primário, e garantindo direitos aos cidadãos, teremos o Estado de Direito.

A forma de governo passa a ser então a estrutura que garantirá o funcionamento deste Estado, bem como, será a sua composição.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, construiu-se no Brasil um novo pacto federativo político responsável por embasar o Estado Democrático de Direito. É neste pacto que se estrutura o sistema político eleitoral, pilar de uma Constituição.

Ao longo da história tivemos diversos estudiosos pesquisando sobre as formas de governo e os mecanismos para se garantir uma maior participação social nas decisões dos assuntos públicos.

A necessidade deste tema, em ampla análise, tem como escopo a resolução de conflitos humanos, a convivência e organização coletiva, garantindo, assim, a existência e a perseguição de objetivos comuns. Uma vez que, os bens em uma sociedade são escassos e há divergências humanas sobre as vias para resolução de conflitos, quando ocorre o choque de interesses.

A opção pelo Estado Democrático de Direito indica que a escolha dos representantes políticos, bem como, as deliberações e encaminhamentos de escolhas de natureza pública, serão tomadas sob os olhares de toda a sociedade, estando estas, portanto, passíveis de contribuições e críticas.

A forma de governo em um estado é responsável por ordenar e regular a prática do poder político, sendo este, o poder que disporá sobre os interesses gerais da sociedade.

Fruto deste momento histórico, temos elementos da sociedade que influenciam a escolha dos atuais representantes políticos e incidem, portanto, na forma de governo, como as mídias sociais, as quais aproximam o eleitor de seu representante e permitem uma maior pressão popular; e o capital econômico daqueles que pleiteiam uma função eletiva.

Desta forma, garantir uma forma de governo que considere as complexidades sociais contemporâneas e os elementos que influenciam o processo eleitoral é o desafio que os países democráticos enfrentam nesta quadra da história.

Ocorre que, atualmente no Brasil, temos um cenário complexo, de pouca representatividade, considerando a diversidade da sociedade brasileira, e alta fragmentação política.

Logo, o sistema eleitoral é crucial para o processo de escolha e resultado do pleito eleitoral, representando o conjunto de normas que regulamentam o processo eleitoral, envolvendo a escolha a partir do voto pelos cidadãos e influenciando o resultado.

II – Contribuições de Montesquieu para as formas de Governo

É antiga a preocupação por encontrar formas de governo e sistemas políticos capazes de garantirem estabilidade e eficiência para o governo e o país.

Por vários séculos, sobretudo a partir da Idade Moderna, teorias de formas de governo surgiram com o propósito de contribuir.

Dos mais notáveis neste assunto, Montesquieu, propôs-se a estudar diversos Sistemas Políticas para assim, encontrar semelhanças e diferenças entres os sistemas aplicados àquele contexto histórico.

Resultado importante para a civilização, reflete-se na separação de funções, ilustrada com riqueza no livro “O espírito das Leis”. A conclusão pelo supracitado autor é de que ao Legislativo caberia “fazer as leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas”; já ao Judiciário teria como função “punir os crimes ou julgar as demandas dos particulares”; tendo por fim, o Executivo a finalidade de “exercer a administração geral do Estado, executar as leis em geral”. [3]

Tal separação de funções foi utilizada, com variações, por diversos países desde então. O escopo de Montesquieu era de que não houvesse a concentração de poderes em um determinado poder, garantindo assim, liberdade para os cidadãos.

Para Montesquieu as formas de governo se dividiriam em três: República, em que o governo pode ser de muitos (democracia) ou de poucos (aristocracia); Monarquia, em que o governo é executado por um só, mas submetido às leis; e o Despótico, sendo o governo exercido por um tirano, sem respeitar as leis.

Para cada uma destas formas de governo, há segundo o autor, um princípio que embasa a forma de governo. Para a República o princípio é o patriotismo; na Monarquia revela-se a honra e no Despotismo tem-se o medo.

Tal estudo em muito contribuiu para a construção dos sistemas políticos atuais. Com variações, considerando o contexto histórico, político, geográficas, sociais, etc; buscaram em Montesquieu a fonte de organização, sendo a tripartição de funções praticada quase que na totalidade dos países.

III – O Presidencialismo e o presidencialismo de coalizão no Brasil

O presidencialismo representa um sistema político que garante destaque institucional ao Presidente da República, de modo que, no modelo de separação de funções de Montesquieu, permite ao Presidente uma atuação independente do Legislativo.

Sendo assim, o Presidente é o chefe de Governo e de Estado, a partir de uma eleição que o legitimou. A independência do Parlamento se revela, na medida em que, nem o Presidente pode ser retirado por razões de confiança política, e nem ele, pode destituir o Parlamento na condição de Chefe de Estado.

Tal independência não exime o Presidente de encontrar mecanismos para se construir uma maioria no Parlamento, de modo que, consiga executar o programa de governo com eficiência e manter a estabilidade institucional.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, aprovada em 22 de setembro de 1988, estabeleceu em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil é formada e indissolúvel por União, Estados e Municípios, constituindo-se em um Estado Democrático de Direito, o que, portanto, explicita a opção por um sistema Democrático de governo.

Ocorre que, no atual modelo de sistema eleitoral, tem-se um Presidente com poderes concentrados e um parlamento com excessiva fragmentação partidária, incapaz de responder as demandas complexas da sociedade moderna. Segundo o professor Carlos Blanco de Morais, o presidencialismo de coalizão praticado no Brasil revelou-se um modelo consociativo e débil.

Diante deste cenário, inúmeras são as mudanças no sistema eleitoral que poderiam contribuir para alterar esta realidade do Parlamento brasileiro, sendo uma delas, a forma de captar a vontade dos cidadãos e consequentemente o modelo de composição das forças políticas atuantes.

IV – Sistemas Eleitorais

O sistema eleitoral de um país é responsável por estabelecer o método de organização e captação de votos para que seja composta a representação política.

Sendo assim, é tema de extrema relevância, pois a depender do método adotado, o resultado poderá ser alterado.

Os três grandes grupos adotados nos países são: os majoritários, os proporcionais e os mistos.

A partir destes três grandes grupos encontraremos variações de acordo com cada país.

De acordo com o doutrinador Jairo Nicolau em “Sistemas Eleitorais” [4], a partir de um estudo de 95 países, em que as eleições são consideradas limpas e democráticas, 55 destes países (58% dos casos) adotam o sistema proporcional; já o sistema de maioria simples é utilizado por 17 países (18%); o sistema misto se apresenta em menos de 10% dos casos: sendo o misto de correção em (7%) e o paralelo, em seis (6%).

Portanto, a partir da organização política do Brasil, cabe a avaliação de quais formas poderiam se apresentar como opção para que garantíssemos uma sensibilidade maior para garantir representações mais próximas da complexa sociedade brasileira.

V – Sistemas Majoritários

O sistema majoritário em síntese adota o critério do mais votado em determinada circunscrição. Determinado território é delimitado e dele é escolhido o representante mais votado, sendo este método conhecido como maioria simples, o mais utilizado dentro do sistema majoritário. No Brasil esse método é denominado como distrital.

Tal sistema, de maioria simples, é adotado em 17 países democráticos do mundo, em que, o território nacional é recortado pelo número de cadeiras existentes na Câmara Federal, e cada partido indica um candidato, sendo o candidato mais votado, eleito como representante daquele distrito. Entre os países que adotam este modelo, tem-se Reino Unido, EUA e Canadá.

Questão relevante ao se adotar esse sistema, é a divisão do território nacional. Nas circunscrições não pode haver discrepância populacional. Embora exista uma avaliação periódica dos distritos para que se mantenha uma igualdade numérica de pessoas, isso nem sempre é possível e comumente ocorrem distorções.

Outro ponto de suma importância é como recortar o território nacional sem que ocorra favorecimentos a determinado partido. Nos EUA esta avaliação sobre o recorte territorial ocorre a cada10 anos, sendo o traçado definido pelas assembleias legislativas.

Ao eleger o candidato mais votado, esse sistema permite que o eleito vença sem ter a maioria do território (50%), e também, em eleições acirradas, faz com que o segundo colocado, ainda que a diferença para o primeiro tenha sido mínimo, fique sem representatividade.

Além disso, supondo que dois partidos tenham o mesmo percentual de votação nacional, ocorre que o partido A obteve tal percentual concentrado em poucos distritos, enquanto que o partido B obteve o mesmo percentual mais espalhado por todo território. Neste sistema de maioria simples, possivelmente o partido A terá maior sucesso em garantir cadeiras, uma vez que, o que importa é ter a maior votação no distrito, sem relevância, portanto, ter votos espalhados por todo o território.

Logo, o percentual obtido numa determinada eleição não corresponde necessariamente em espaço na Câmara Federal, pois o que vale nesse sistema é ser o mais votado nos distritos. Por outro lado, não há vínculo entre o maior número de cadeiras e a maior votação de um partido no território nacional, de modo que, determinado partido possa ter um percentual de cadeiras superior ao percentual de votos obtido em todo o território nacional.

Em detrimento da representatividade, este sistema prioriza a construção de maiorias com escopo de garantir a estabilidade do governo, além de permitir, segundo seus defensores, um melhor acompanhamento da população face ao seu representante do distrito.

VI – Sistemas de dois turnos

O sistema majoritário de dois turnos garante que um determinado candidato na respectiva circunscrição, caso não obtenha 50% dos votos, tenha que disputar um segundo turno com o segundo candidato mais votado.

Para o caso de determinado candidato atingir 50% dos votos já no primeiro turno, ele estará eleito.

São raros os casos de segundo turno com mais de dois candidatos.

Tal sistema garante que o eleito na circunscrição tenha de fato a maioria dos votos.

VII – Voto alternativo

Este sistema de matriz majoritário, e pouco praticado, prevê uma eleição em uma determinada circunscrição, em que cada partido escolhe o seu candidato, todavia, a população ao votar, em vez de escolher um candidato, estipula uma ordem de preferência entre os candidatos.

Assim, para que um candidato seja eleito, ele precisa atingir 50% dos votos. Caso isso não ocorra, há uma transferência de votos dos outros candidatos para os mais votados, considerando as preferências ordenadas da população. Este sistema é praticado na Austrália, e nas eleições de 2010 proporcionou uma sobrerrepresentação dos grandes partidos em detrimento dos pequenos partidos.

VIII – Sistemas majoritários em distritos plurinominais: o STVN e o voto em bloco

O Sistema de Votos Não Transferível (STVN) em distritos plurinominais garante que uma mesma circunscrição eleja mais que um representante e que os partidos, possam apresentar mais de um candidato. Neste sistema, aos partidos é facultado a apresentação de candidaturas até o limite das vagas no parlamento da respectiva circunscrição. Portanto, se há 10 cadeiras para a Câmara Federal, um mesmo partido poderá apresentar 10 candidatos.

Este sistema permite uma chance maior para os partidos pequenos. Uma vez que não será eleito só o mais votado, mas também, aqueles que atingirem uma boa votação e conseguirem estar dentro do número de vagas disponibilizadas na circunscrição para a Câmara Federal.

Por outro lado, este modelo acirra a disputa dentro dos partidos, vez que companheiros partidários concorrem entre si.

Já o voto em bloco permite, assim como o STVN várias candidaturas, sendo a única diferença entre ambos, de que no voto em bloco o cidadão vota na mesma quantidade de vagas para a Câmara Federal, ou seja, se para determinada circunscrição há cinco vagas, o eleitor votará em cinco candidatos.

IX – Sistema Proporcional

O modelo proporcional surge com um grande propósito de garantir representatividade às minorias.

Encabeçado por Thomas Hare e John Stuart Mill, o sistema proporcional questionava os limites geográficos à escolha dos candidatos. Afirmavam que seria possível que uma mesma ideia estivesse espalhada por todo o país e não concentrada unicamente em um determinado território.

O sistema proporcional fortalece a correlação lógica entre o número de votos obtidos por determinado partido e o espaço que este terá na Câmara Federal.

X – Lista partidária

O sistema proporcional de lista partidária tem como escopo o fortalecimento dos partidos e a garantia de que a votação obtida no território nacional seja refletida em cadeiras na Câmara Federal. Tal sistema privilegia os partidos pequenos, vez que deixa de existir a necessidade de se ter a votação concentrada em uma determinada circunscrição.

A lista partidária, com variações específicas, é o modelo adotado por metade dos países democráticos. Na Europa é utilizado por 29 dos 37 países e na América Latina é aplicado por 15 dos 20 países.[5]

Ao priorizar a representatividade, é comum que tal sistema possibilite uma fragmentação partidária, o que para alguns doutrinadores, comprometeria a governabilidade.

O método de ordenamento nas cadeiras varia de país para país, a depender de como o total de vagas na Câmara Federal seja repartida entre as circunscrições (estados, distritos, províncias). Para os partidos pequenos, quanto maior o número de vagas em uma determinada circunscrição, maior a chance de alcançar uma vaga na Câmara Federal.

XI – Método para dividir as cadeiras

Tradicionalmente são dois os métodos utilizados para se chegar à distribuição das cadeiras no parlamento: maiores sobras e método dos divisores.

O método de maiores sobras estipula que, ao somar os votos válidos, ele será dividido pelo número de cadeiras disponíveis, de modo que, encontraremos um determinado número, esse mecanismo de computação para se chegar à cota foi idealizado por Thomas Hare. Para se alcançar uma vaga, os partidos concorrentes terão suas vagas garantidas na medida em que alcançarem esse número médio, também conhecido como cota.

Ocorre que após definir-se esta cota, e os partidos checarem o número de cadeiras conquistadas, a partir do preenchimento desta cota, certamente estar-se-á diante de número quebrados, de “sobras”. Segundo o critério de maiores sobras, as cadeiras serão preenchidas por aqueles partidos que mais se aproximarem da cota.

Com este método, ainda que um partido pequeno não alcance a cota, ele poderá disputar as cadeiras que sobrarem pelas “sobras”.

O outro método de divisores estabelece que a votação recebida pelos partidos será dividida em série, alcançando as cadeiras os partidos que tiverem o maior número de votos após a divisão.

XII – Método aplicado no Brasil

No Brasil há uma mistura dos dois métodos explicitados anteriormente. Para se distribuir as cadeiras, primeiro é encontrada a “cota”, ou seja, a divisão dos votos válidos pelo número de cadeiras. Tal resultado, a “cota” no Brasil é conhecida como quociente eleitoral.

Este número será o divisor da votação de cada partido, sendo o resultado o número de cadeiras a serem preenchidas. Ocorre que certamente terão sobras nesta divisão.

Para preencher as cadeiras restantes, no Brasil não se considera as maiores sobras. Nesta segunda etapa de preenchimento de vagas no Parlamento, socorre-se a divisão em série, de modo que, a votação de cada partido será divida pelo número de cadeiras obtidas ao atingir o quociente eleitoral acrescido de 1, depois acrescido de 2 e assim sucessivamente até preencher o número total de cadeiras.

Acoplado a este cálculo, cabe mencionar a existência da cláusula de barreira. Em alguns países há um percentual definido. No Brasil, em toda eleição é feito um cálculo (votos válidos / cadeiras) o resultado representa a cláusula de barreira, de modo que o partido que não atingir o quociente eleitoral não estará habilitado para disputar as sobras.

Além da cláusula de barreira que interfere no cálculo de cadeiras, há também as coligações.

As coligações representam a junção de partidos na campanha eleitoral e no cálculo da votação. Em vez de se considerar a votação de um partido a título de cálculo para as cadeiras, considera-se a votação da coligação e esta será utilizada para definir o número de vagas obtidas pelos partidos que a compuseram.

Para se chegar ao número de vagas de cada partido, há dois métodos: considera-se o percentual que cada partido contribuiu para a votação da coligação e este percentual refletirá no número de cadeiras na mesma proporção, ou, utiliza-se o critério dos mais votados, ou seja, dentro da coligação preencherão as vagas os candidatos mais bem posicionados. Esta segunda opção é a utilizada no Brasil.

No Brasil com a aprovação da PEC 33/2017, haverá uma cláusula de barreira para acesso ao Fundo Partidário, e também a partir das eleições de 2020 estarão proibidas as coligações proporcionais, de modo que os partidos não poderão se juntar para alcançarem cadeiras para o Legislativo.

XIII – Listas: aberta, fechada e flexível

Após definir o método de cálculo no sistema de listas, cabe agora detalhar os possíveis modelos praticados nos países.

Trata-se, em verdade, de como será definido a escolha dos candidatos dentro de um partido.

Na lista aberta o eleitor escolhe diretamente o candidato, ou seja, ele vota no candidato de determinado partido. Este modelo, aplicado no Brasil evidencia uma maior competição entre os candidatos do mesmo partido e um enfraquecimento partidário, uma vez que, as pessoas ganham relevância em detrimento do partido.

Já na lista fechada, o partido apresenta uma lista ordenada dos candidatos e a partir da representatividade obtida pelo partido, a lista será seguida conforme apresentada previamente. Notadamente, este modelo fortalece as estruturas partidárias, pois o eleitor vota em um projeto e não em uma pessoa. A lista fechada pode-se revelar um importante instrumento de garantia da participação das mulheres na política, uma vez que, ao definir a lista previamente, alguns partidos tem adotado a prática de reservar ao menos um percentual de mulheres nesta lista.

Por fim, a lista flexível mescla os dois métodos supracitados anteriormente, em que uma lista é ordenada e é apresentada, mas ao eleitor é concedida a possibilidade de altera-la.

XIV – Sistemas Mistos

Os sistemas mistos representam uma junção do sistema proporcional com o sistema majoritário. Tal modelo foi construído a partir da realidade histórica e política na Alemanha após a II Guerra Mundial.

Após a concretização deste modelo na Alemanha, outros países como Itália, Rússia, Ucrânia entre outros, passaram a adotar.

O objetivo do sistema misto é permitir uma representação proporcional dos partidos, mas assegurar que maiorias sejam construídas e a população consiga ter um acompanhamento mais próximo do seu representante.

O modelo de sistemas mistos apresentam duas configurações: o paralelo e o de correção.

Em síntese, no modelo paralelo não há comunicação entre os votos dados na lista de candidatos e os votos direcionados a um determinado candidato, há na realidade duas votações paralelas, para a escolha do candidato pela via majoritária e a eleição proporcional. A distribuição das cadeiras a serem alcançadas por cada uma das vidas varia de país para país. Há locais em que metade é reservado para cada via, em outros, a eleição majoritária acaba por ter maior espaço de representação, o que prejudica os partidos menores, os quais terão menos cadeiras para disputar pela via proporcional.

Já no modelo de correção, há a comunicação e uma relação entre ambas as votações, em que o voto proporcional é fundamental para delimitar a representatividade que o partido terá no parlamento. Já o voto majoritário tem relação direta com o eleito. Para se chegar aos representantes, considerando a lista proporcional e o voto majoritário, é feito o seguinte procedimento: identifica-se o percentual obtido pelo partido na eleição proporcional; identifica o número de candidatos vitoriosos nos distritos; das vagas garantidas pela via proporcional subtrai as vagas já conquistadas pela via majoritária; tendo mais vagas para serem preenchidas pelo partido em razão da votação atingida pela via proporcional, recorre-se a lista fechada preordenada anteriormente

São sete países que adotam este modelo de correção: Alemanha, México, Nova Zelândia, Hungria, Bolívia, Albânia e Lesoto.

No sistema de correção, o país ao adota-lo necessita criar uma solução para a eventualidade de, nas eleições majoritárias determinado partido alcançar uma representatividade maior que aquela obtida pela via proporcional. Diante desta situação, a Alemanha optou por garantir as vagas alcançadas pela via majoritária ampliando o tamanho da Câmara Federal; há também, para os casos em que seja fixo o número de representantes federais, de se subtrair as vagas de um partido pela de outro, baseado na votação.

Atualmente, os países que adotam o modelo de correção garantem ao eleitor dois votos, e aos partidos a possibilidade do candidato disputar a vaga pelo distrito pela via majoritária e pela lista, pela via proporcional.

XV – Sistema eleitoral brasileiro

O Brasil se organiza a partir dos seus 26 (vinte e seis) estados e o Distrito Federal.

Conforme estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 44:

O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.

E no seu artigo 45:

A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

§ 2º Cada Território elegerá quatro Deputados.

A Lei Complementar 78/93 em sintonia com o artigo 45 da Constituição Federal estabelece que:

Art. 1º Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da Federação.

Parágrafo único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas.

Art. 2º Nenhum dos Estados membros da Federação terá menos de oito deputados federais.

Parágrafo único. Cada Território Federal será representado por quatro deputados federais.

Art. 3º O Estado mais populoso será representado por setenta deputados federais.

Art. 4º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.

Diante deste cenário, temos o estado com maior número de representantes, São Paulo com 70 (setenta), e, os estados com menor número de representantes com 8 (oito) são Acre, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins. O que se nota, é uma grande distinção populacional entre os estados. [6]

Conforme explicitado anteriormente, o modelo adotado no Brasil é o proporcional idealizado por Thomas Hare seguido pelo critério da divisão por série, de lista aberta, em que os cidadãos votam direto no candidato.

Atualmente há 35 (trinta e cinco) partidos registrados no país, dos quais 25 (vinte e cinco) possuem representação no Congresso Nacional.[7]

Considerando a fragmentação partidária no Brasil, é razoável aferir que este modelo de lista aberta acaba por acirrar a competição entre candidatos do próprio partido, enfraquecendo a estrutura partidária, evidência constatada a partir do número de partidos existentes.

Poder-se-ia afirmar que tal fragmentação garante uma representatividade maior no Congresso Nacional, mas tal afirmação não prospera. Embora a sociedade brasileira, por exemplo, tenha mais da metade de mulheres, na Câmara Federal a representatividade feminina foi de 10,5% [8], na legislatura 2010/2014, e agora, na atual legislatura, 2018/2022, chegou a 15%[9], muito distante de uma igualdade real.

Além de não garantir o benefício idealizado do sistema proporcional que é a representatividade, ele acaba por gerar um problema da sua prática: a instabilidade, tendo em vista a dificuldade de se formar maioria sólidas que garantam a sustentabilidade programática do Presidente da República.

Restringindo-se a uma avaliação a partir dos sistemas eleitorais aplicados pelo mundo, é possível aferir que há um esgotamento do atual modelo proporcional no Brasil. Tal modelo, por óbvio influenciado por outros fatores, gerou um cenário de muitos partidos, muita fragmentação e na prática, pouca representatividade.

Conclusão:

Considerando o histórico social, geográfico e político do Brasil, constituído em Federação, deveria se pensar num modelo que contemplasse a proporcionalidade, mas que também permitisse, até pela grande dimensão territorial um modelo de acompanhamento mais próximo por parte dos cidadãos.

Da forma como está organizado o sistema eleitoral brasileiro, com representação política fragmentada e número excessivo de partidos, tem-se um modelo que não favorece nem a estabilidade e nem a eficiência.

É preciso também encontrar um mecanismo que altere a distorção de votos existentes para um deputado federal de estados que possuem somente 8 representantes para estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Isso porque, a diferença de eleitores acaba por gerar uma distorção na quantidade necessária de votos para se preencher uma vaga na Câmara Federal, entre os estados. Hoje no Brasil, é comum ouvirmos que determinado político alterou seu domicílio para outro estado, pois assim, terá maiores condições de se eleger.

Por fim, para fortalecer a Democracia e a representatividade, fundamental é construirmos um sistema eleitoral capaz de incentivar e promover a participação das mais diversas classes sociais, etnias, gêneros, etc.

Neste sentido, a lista partidária pode-se revelar um importante instrumento de incentivo a participação, pois a partir dela, é possível que se garanta cotas para estas minorias qualitativas, hoje sub-representadas na política brasileira.

Sem ter a pretensão de ser taxativo, um modelo que contemplasse a lista fechada e garantisse a participação proporcional, poderia alterar a realidade, de pouca representatividade e esgotamento do sistema eleitoral, que temos hoje.

Bibliografia:

ARAÚJO, Luiz Alberto David; Júnior, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 21ª Edição. São Paulo: Editora Verbatim, 2017.

BRAGA, Claudio Mendonça. Partidos Políticos e Federação. 1ª Edição. São Paulo:Editora Verbatim, 2012.

BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 1ª Edição. São Paulo: Editora Edipro, 2017.

JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. A Cidadania Social na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Verbatim, 2009.

MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. 3ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

MORAIS, Carlos Blanco de. O Sistema Político. 1ª Edição. Editora Almedina.

NICOLAU, Jairo. Sistemas Eleitorais. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

POGGI, Gianfranco. A Evolução do Estado Moderno. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1981.

SILVA, Virgílio Afonso da. Sistemas Eleitorais: tipos, efeitos jurídicos-políticos e aplicação ao caso brasileiro. 1ª Edição. São Paulo: Editora: Malheiros, 2009.



[1] Advogado, Professor Assistente em Direito Administrativo na PUC-SP, Mestrando em Filosofia do Direito na PUC-SP.

[2] Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988), obteve os títulos de Mestre (1995), Doutor (2000) e Livre-docente (2008) em Direito pela mesma Universidade. É professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP e do Programa de Estudos pós-graduados da Instituição Toledo de Ensino de Bauru. Exerce a função de Diretor- Adjunto da Faculdade de Direito da PUC-SP.

[3] (MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. 3ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1994. Pag. 24)

[4] (NICOLAU, Jairo. Sistemas Eleitorais. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. Pag. 16)

[5] (NICOLAU, Jairo. p. 47)

[6] ( http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/quantos-sao-e-de-que-forma-e-definido-o-numero-de-deputados)

[7] ( http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse) (http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/bancadas/bancada-atual)

[8] ( https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-tem-menos-parlamentares-mulheres-do-que-151-paises-22462336)

[9] ( https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/564035-BANCADA-FEMININA-NA-CAMARA-SOBE-DE-51-PARA-77-DEPUTADAS.html)

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Vitor; JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. As distorções da representatividade a partir do sistema eleitoral brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/as-distorcoes-da-representatividade-a-partir-do-sistema-eleitoral-brasileiro/ Acesso em: 05 jul. 2025