Principle of non-confiscation: an analysis from legal realism
RESUMO
Princípio é uma ideia quase intuitiva, tendo como essência certo instituto. Todavia, no pós-positivismo, estes passam a ter status de norma e são aplicados pelos tribunais, que muitas vezes passam a estabelecer critérios para sua aplicação. O princípio tributário da vedação do uso do tributo com efeito de confisco é, reconhecidamente, um desses princípios que, por ausência de densificação legislativa, levou os tribunais na sua aplicação a estabelecer vetores interpretativos para configurar sua incidência. É clara a posição da doutrina que se trata de um conceito indeterminado, assim que, apenas no bojo do processo, sua definição é ou não confirmada em casos concretos, produzindo assim uma rica fonte de para estudo do tema. A própria configuração do sistema judiciário em instâncias com competências específicas para cada tribunal acaba por afetar este processo de definição. O presente estudo, partindo de uma visão realista do direito, se propõem a analisar alguns dos critérios apontados pelos tribunais brasileiros na aplicação desse importante princípio.
Palavras-chave: direito tributário, princípios, confisco, realismo jurídico.
ABSTRACT
Principle is an almost intuitive idea, having as essence certain institute. However, in postpositivism, they have achieved the status of law and have been applied by courts, which often begin to establish the criteria for their application. The principle of non-confiscation taxation is, admittedly, one of these principles which, in the absence of legislative densification, led the courts in their application to establish interpretive vectors to determine their incidence. The position of the scholars is clear that it is an indeterminate concept, so that, only in the process, its definition is confirmed in concrete cases, producing a rich source of study of the subject. The very configuration of the judicial system in instances with specific competences for each court ends up affecting this process of definition. The present study, based on legal realism, propose to analyze some of the criteria pointed out by Brazilian courts in the application of this important principle.
Keywords: tax law, principles, confiscation, legal realism.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS. 2 DA JURISPRUDÊNCIA E SUA IMPORTÂNCIA – UMA VISÃO DO REALISMO JURÍDICO. 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O REALISMO JURÍDICO E PRAGMATISMO. 4 JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO. 5 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. 6 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 7 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 7.1 TEMAS EM REPERCUSSÃO GERAL. 7.2 ACÓRDÃOS. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, ao contrário de outras como a espanhola[1] ou americana[2], não institui explicitamente o dever de os cidadãos contribuírem com o Estado ou o poder de taxar de forma genérica, apesar de dedicar um largo tratamento ao assunto tributário e distribuir competências. Mesmo assim, uma vez que o Estado não produz riqueza própria, pode-se entender que há um dever de todos de contribuírem com os gastos públicos, dentro, é claro, de certos limites. Casalta Nabais considera esse um dever implícito (2015).
Por essa razão, em geral, considera-se que os tributos são devidos. Não apenas pela presunção de legalidade dos atos estatais, mas também pela lógica de que é legítima a transferência de recursos privados ao Estado, uma vez que estes, de forma direta ou indireta são revertidos de volta a população, o que inclui o próprio contribuinte[3], na forma de serviços públicos.
Essa transferência é compulsória, uma vez que o direito cria essa obrigação geral. Ensina Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 34) que, sendo o direito instrumental, representa uma intervenção do Estado no seio da sociedade, em prol do bem comum. Na sua essência, e como elemento caracterizar que o diferenciar de demais sistemas normativos, está a possibilidade de, no limite, se materializar sua coatividade no constrangimento físico ou na execução forçada. Assim, o Estado se vale do direito para constituir essa obrigação, determinando transferência de parcela da propriedade privada para o Estado, sob pena de execução forçada.
Todavia, o exercício desse poder é limitado constitucionalmente de diversas formas, seja pela própria atribuição de competência, por meio dos diversos princípios constitucionais gerais e outros específicos do ramo tributário, além da previsão de direitos fundamentais.
Até mesmo filosoficamente, defensores de uma corrente igualitária enxergam limites a uma abordagem extrema de utilitarismo que vise, a custo da exploração de alguns, prover benefícios a uma maioria, devendo-se proteger direitos individuais[4].
Dentre os princípios previstos constitucionalmente está o princípio da vedação da utilização do tributo com efeito confiscatório. Esse princípio, defendem alguns, nem precisaria estar explícito, vez que o Estado deve proteger o direito de propriedade, não devendo, portanto, ele mesmo, a pretexto de cumprir de um dever constitucional vir a dizimar o direito propriedade privada (CARRAZZA, 2017, p. 21).
O princípio do não confisco, todavia, é deveras aberto e embutido de uma alta carga valorativa, além de não contar com regulamentação infraconstitucional. Sendo norma jurídica, é aplicado pelos tribunais, uma vez que existe eficácia das normas constitucionais. Todavia, no exercício de fazer incidir a norma, os tribunais acabam definindo quando resta configurado o confisco, ou seja, qual a hipótese de incidência, cuja consequência direta e imediata é a inconstitucionalidade da exação. Em que pese ser esta a tarefa hodierna do judiciário, a ausência de parâmetros legais faz com que exista um maior esforço por parte da jurisprudência na definição de vetores para configuração da figura do confisco.
Daí que tem sido incumbência do judiciário, uma vez que o princípio em tela consta do direito positivado, o dever de densificar o princípio e transformá-lo em verdadeira regra do caso concreto posto perante si, como quer Dworkin. A tarefa é ainda mais delicada em vista, como já se disse, da ausência de definições legislativas, uma vez que cabe ao judiciário resolver os casos apresentados ante estes não podendo alegar ausência de normas, conforme art. 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB). Nessa incumbência há a construção de vetores interpretativos para que se possa, ainda que com um grau de vagueza, chegar-se a uma definição de o que é confisco.
Outra dificuldade surge do fato do direito não ser estanque, de forma que não só é necessária uma interpretação a partir da composição sistêmica, mas ela tem de se situar no tempo e no espaço, num eterno exercício de contextualização. A doutrina, nesse aspecto, tem um fundamental papel de, utilizando de uma abordagem científica, auxiliar essa construção estruturante do relacionamento dos mandamentos legais.
No cenário posto, a problemática surge justamente quando frente ao caso concreto, deve-se chegar a uma definição de confisco e identificar ou não sua ocorrência. Como o efeito confiscatório é conceito indeterminado, é necessária uma análise do caso concreto para sua aplicação.
Buscando socorro no Realismo Jurídico e utilizando a jurisprudência como fonte do direito, além do direito positivo posto e da doutrina, busca-se responder a pergunta sobre a definição do instituto do não-confisco e os possíveis vetores interpretativos de sua aplicação na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, mormente o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe o papel de intérprete final da Constituição.
Assim, em que pese não ser uma questão processual per si, sua definição acaba ocorrendo no bojo do processo, dado que, como são uníssonos os doutrinadores, sua constatação acontece no caso concreto. E, como se mostrará, o próprio desenho do sistema judicial acaba por influenciar o processo de definição do conceito. O papel das Cortes Superiores é fundamental, pode-se até mesmo dizer que não só das Cortes Nacionais, mas também das alienígenas, que podem vir a influenciar o direito brasileiro, como sói acontecer em alguns casos.
1 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
É importante, inicialmente, para que haja uma clareza conceitual, que se tenha sempre em mente a distinção entre termos como texto, norma, princípios, regras e valores. Não se desconhece que há uma falta de harmonização no tratamento ou conceituação entre os referidos termos. Não obstante, é fundamental que se estabeleça as bases e sentidos aqui empregados.
Inicialmente, e tomando auxílio nas lições de Humberto Ávila, pode-se distinguir entre norma e texto nos seguintes modos:
Normas não são textos nem conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativo. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte[5].
(destaque no original)
Não é outro o sentido para Paulo de Barros Carvalho:
A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para que nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador.[6]
Assim, é plenamente possível cogitar uma norma sem dispositivo, assim como normas (plural) extraídas de um único dispositivo. A norma é construída (e reconstruída) pelo intérprete, é produto de um processo hermenêutico. O texto é a letra da lei positivada. A diferença conceitual é enorme, em que pese a possível (e corriqueira) confusão entre os institutos.
Outra categoria fundamental à temática é a de valor. Em relação aos valores, ensina Reale, há uma “impossibilidade de defini-los segundo exigência lógicos-formais” (1999, p. 187). Para o autor, constituem os valores, ao lados dos objetos naturais e ideias, uma terceira categoria na Teoria dos Objetos[7].
Sobre valor, diz Reale, apenas se pode dizer que “vale”. O valor é sempre bipolar. Ensina o mestre que “um valor contrapõe um desvalor; ao bom se contrapõe o mau; ao belo, o feio; ao nobre, o vil; e o sentido de um exige o do outro”. O direito, continua o mestre, resulta da concretização de elementos axiológicos. O direito tutela valores que considera positivo e repudia outros que julga negativos. Os valores se implicam mutuamente, influindo na realização dos demais. O valor, embora transcenda o fato, o pressupõe como condição de realizabilidade. Implicam tomada de posição:
O valor implica sempre uma tomada de posição do homem e, por conseguinte, a existência de um sentido, de uma referibilidade. Tudo aquilo que vale, vale para algo ou vale no sentido de algo e para alguém. (…) A nossa vida não é espiritualmente senão uma vivência perene de valores. Viver é tomar posição entre valores e integrá-los em nosso ‘mundo’, aperfeiçoando nossa personalidade na medida em que damos valor às coisas, aos outros homens e a nós mesmos.[8]
Os valores, todavia, não formam um conjunto único compartilhado por todos, não são uniformes e não tem um mesmo peso para todos. Sobre valores, ensina Miguel Reale que são entidade vetoriais, apontando direções e determinando condutas humanas:
(…) os valores são entidades vetoriais, porque apontam sempre para um sentido, possuem direção para um determinado ponto reconhecível como fim. Exatamente porque os valores possuem um sentido é que são determinante da conduta.[9]
Os valores, assim, como orientação implicam uma preferibilidade. A sociedade, assim, opera sob uma “tábua de valores”, segundo Reale (1999, p. 191). O valor é um motivo de conduta e comporta uma graduação de hierarquia. O autor continua a explorar outras características do valor numa extensa lista, que por restrições e extensão, apenas apontamos a referência.
Tamanha a força dos valores como vetor interpretativo, que o Supremo Tribunal até mesmo aplica os valores na configuração do próprio princípio da legalidade:
6. A moderna concepção do princípio da legalidade, em sua acepção principiológica ou formal axiológica, chancela a atribuição de poderes normativos ao Poder Executivo, desde que pautada por princípios inteligíveis (intelligible principles) capazes de permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos da Administração. [STF, ADI 4923 / DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08/11/2017]
Partindo para o conceito de regras e princípios e, não desconhecendo o amplo debate sobre diferenciação entre eles[10], agarra-se aqui às definições de Humberto Ávila para sua conceituação. Inicialmente, o conceito de regras para o autor é posto da seguinte forma:
Regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos[11].
O autor, na sequência, define princípios como normas de caráter finalístico:
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.[12]
Define Regina Helena Costa princípios jurídicos já apontando seu papel orientador interpretativo:
(…) são normas fundantes de um sistema, tipificadas pelo forte conteúdo axiológico e pelo alto grau de generalidade e abstração, ensejadores do amplo alcance de seus efeitos, que cumpre papel fundamental de orientar a interpretação e a aplicação de outras normas.[13]
(grifos no original)
O pensamento não diverge da clássica definição de princípio do professor Roque Carrazza que explicita o marcante caráter vinculador interpretativo do instituto:
“Segundo pensamos, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.[14]
(grifo no original)
Na visão do americano Dworkin princípio é um padrão (standard), exigência de justiça ou equidade, segundo o autor:
Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão de moralidade.[15]
A diferença entre regras e princípios, diz Dworkin, um dos mais consagrados doutrinadores dessa construção, é de natureza lógica. Os primeiros apontam para solução “tudo ou nada” (2002, p. 39). Já um princípio “enuncia uma razão que conduz ao argumento em uma certa direção”. Os princípios têm, ao contrário das regras, dimensão de peso e importância quando se intercruzam. As regras são funcionalmente importantes ou desimportantes, e, em caso de conflito, apenas uma é válida[16]. Essa distinção, por vezes, não é clara. Depois que um dos ‘casos difíceis’ é resolvido, ele ilustra uma regra particular, que não existia antes da decisão[17].
Importante contextualizar a construção de Dworkin que, em um ataque ao positivismo, defende a posição dos princípios como normas jurídicas (integrarem o direito) frente a posição positivista vigente até então, que assumia que os mesmos não eram mandamentos obrigatórios justamente por serem considerados extrajurídicos. É de extrema relevância para definição do próprio direito e do papel discricionário dos juízes tal conceituação. Para os positivistas, na ausência de regras claras, o juiz pode usar de sua discricionariedade utilizando-se de argumentos extrajurídicos. O poder discricionário, defendem os nominalistas, existe mesmo na existência de regras. Esse seria o sentido fraco do termo, pois o juiz deve formar seu próprio juízo ao aplicar regras. Os positivista a usam no sentido forte, dando livres poderes ao juiz na ausência de regras (2002, p. 54-55). Esse modelo de regras dos positivistas, segundo Dworkin, apesar de simples, não é fiel a complexidade e sofisticação da prática legal (2002, p. 72). Por essa razão o autor advoga pela existência de princípios como normas jurídicas, ao lado das regras.
2 DA JURISPRUDÊNCIA E SUA IMPORTÂNCIA – UMA VISÃO DO REALISMO JURÍDICO
Como já exposto os tribunais têm aplicado o princípio da vedação do uso do tributo com efeito de confisco, de forma que não restam dúvidas sobre a viabilidade de sua aplicação. Antes de iniciar-se a análise propriamente dita de acórdãos, votos, teses e decisões monocráticas, considera-se aqui importante, ainda que brevemente, tecer algumas considerações sobre a importância da jurisprudência e sua classificação como fonte do direito, posicionamentos meramente mencionados na introdução do trabalho. Essa decisão e visões implicam uma tomada de posição que carece de uma justificativa.
Nota-se, inclusive no Novo Código de Processo Civil, uma verdadeira valorização da Teoria dos Precedentes, com uma expansão dos mecanismos de resolução de casos repetitivos, fixação de teses pelo judiciário que devem ser seguidas, além de orientações sobre mudança de jurisprudência.
Assim que não cabe realizar a análise da jurisprudência nos mesmos moldes que se realizava no passado. Há de se considerar a existência e importância de teses de repercussão geral, efeitos vinculantes de decisões em controle concentrado e em recursos repetitivos, para mencionar alguns.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O REALISMO JURÍDICO E PRAGMATISMO
Referenciar o Realismo Jurídico, no contexto do atual momento onde há um (amplo) predomínio da visão neoconstitucionalista, não implica em afastar as bases jusfilosóficas da valorização da Constituição e dos Direitos Fundamentais, mas sim realçar e resgatar a visão de que o direito, na prática, acaba amoldando-se às decisões e interpretações aplicadas pelos tribunais, mormente, no caso brasileiro, do Supremo Tribunal Federal. A valorização da Teoria dos Precedentes traz, de certa forma, a recuperação de ideias encontradas nesse movimento.
O realismo jurídico, marcadamente de origem americana, apesar de sua vertente escandinava e européia, prega pela ausência (de utilidade) do conhecimento metafísico, exaltando a valorização do real, do direito como fato social e criação dos tribunais, a quem, diferente da visão pura do positivismo jurídico, cabe um papel de suma importância. A análise da jurisprudência seria, como objeto do conhecimento, a forma de se conhecer o direito (FONTES, 2014, p. 113).
O realismo tem sua origem ligada ao pragmatismo, corrente filosófica que procura descrever a realidade (um verdadeiro existente) como é. Uma de suas ferramentas, a Semiótica, é uma ciência da linguagem. Uma maneira de ver o direito como objeto da cultura e fenômeno da linguagem. Essa visão do direito permite aplicações de modelos comunicativos de outras áreas do conhecimento e sistematização mais próxima do tangível, como fontes do direito, destinatários da norma, canais oficiais de comunicação, repertório do direito etc. O direito é visto como linguagem artificial que utiliza das funções da linguagem, mormente a função referencial ou denotativa.
O sistema metafísico, segundo o filósofo Charles Peirce, é muito mais curioso que útil[18]. Para o filósofo americano “nada de novo se pode aprender a partir da análise de definições”[19]. Mesmo a idéia de universais necessariamente verdadeiros, segundo ele, ultrapassa o que a experiência permite garantir. Ele questiona os métodos de Descartes, Hegel, Kant. Defende que esses métodos se confundem com a ficção, porque partem de elementos imaginados e suas características. O sistema da escolha das proposições, ainda que conduzido conforme uma lógica, não garante seus resultados pois assume como verdadeiras suas proposições sem confronto com a realidade[20].
A ordem jurídica, para a visão de Peirce, pode ser concebido como um sistema vivo, apresentando a capacidade de reprodução, readaptação, transformação e de regeneração[21]. O conhecimento é, assim, perseguido numa busca contínua, onde se aprimora o conceito do que seria o verdadeiro, numa geração contínua de interpretantes mais próximos a um conceito final.
Da mesma forma que o positivismo, o realismo (filosófico) é guiado pelo relativismo axiológico ou moral. Segundo essa concepção, é negada a possibilidade de conhecimento objetivo de valores da moral. Pode-se até dizer que o realismo tem uma postura cética em relação a realidade e desacredita de uma bandeira que represente o que é o justo ou moral, preocupando-se com a definição do seu objeto de estudo a partir de seus efeitos.
O realismo prega a visão do direito a partir dos seus eventos práticos. A definição de conhecimento para o pragmatismo (peirceano), pode ser descrita como: “considerem-se quais efeitos, que podem concebivelmente ter consequências práticas, que concebemos ter o objeto de nossa concepção. Desse modo, nossa concepção desses efeitos é a totalidade de nossa concepção”[22].
A concepção é atingida através de vários processos semióticos, no sentido de ter uma melhor compreensão ou interpretante do signo (que representa um objeto). Mas, nada garante que haverá um interpretante final. Esse é um dos aspectos do pragmatismo (puro) e da semiótica – sua ferramenta – ao qual se atribui o conceito de ceticismo científico.
Aqui, há de se divergir da aplicação do relativismo axiológico ao direito. Diferentemente do realismo filosófico puro, é inegável o papel do valor no direito, principalmente no pós-positivismo. Lembrando Reale “a dialeticidade que anima a vida jurídica, em todos os seus campos, reflete a bipolaridade dos valores que a informam” (1999, p. 189). Considerar que os valores não integram o direito seria negar a teoria tridimensional de Reale, a valorização dos direitos fundamentais e transformar o direito em um fim em si mesmo.
4 JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO
Ensina Alf Ross que “quem conheça somente as normas pouco conhece da realidade social correspondente” (2000, p.45). O direito vigente, para o autor, é aquele adotado “como bases para decisões em disputas jurídicas futuras” (2000, p.101). O realismo, sendo um movimento contrário ao positivismo, se vale da experiência. Leciona que “uma doutrina realista das fontes do direito apoia-se na experiência, porém reconhece que nem todo direito é direito positivo no sentido de formalmente estabelecido” (2010, p. 28).
Ainda, segundo o realismo, é possível classificar as fontes do direito em completamente objetiva, parcialmente objetiva e não-objetiva. A primeira seria a legislação em sentido amplo, a segunda os costumes e jurisprudência, e a última a razão. Sendo o juiz um ser não autômato, mas um fenômeno cultural, biológico, feito de carne e osso, não aplica o juiz a lei num processo lógico-formal, mas utiliza também de seus credos, preconceitos, aspirações, padrões, valores, enfim, da cultura a qual pertence. Parte dessa cultura é a jurídica, na qual está inserida a jurisprudência.
O autor acrescenta ao direito um “elemento fundamental de incerteza” (2000, p. 45), pois não se sabe ao certo como julgará os tribunais, todavia, pode-se levar em conta neste cálculo que ele (provavelmente) continuará a julgar da mesma forma. Para o autor, o que não é puramente lógico-matemático, está sujeito a prova da experiência. E, não sendo possível observar diretamente o que se passa na cabeça dos juízes, é necessário construir hipóteses com base na jurisprudência. A definição de direito, do direito vigente, é considerada dessa forma, pois o direito a ser aplicado é aquele que será assim definido pelos tribunais quando da análise e julgamento das causas presentes.
A jurisprudência, como colocado por Clarice de Araújo, compõe, na visão pragmática e semiótica do direito, parte do repertório do direito. Repertório, no conceito da autora, é:
O repertório, assim, é uma memória, assemelha-se a um acúmulo de experiências – as quais, no universo jurídico, ficam registradas pela jurisprudência. A jurisprudência sistematiza a experiência tanto no âmbito das condutas, ao proferir decisões que devem ser cumpridas, como no código, ao deixar o restrito de uma interpretação concreta, contribuindo para a formação do repertório jurídico de forma interna ao código (sistema) e externa (conduta, contexto).[23]
Além disso, ainda na visão apresentada pela doutrinadora Clarice Araújo, as decisões judiciais possuem um duplo aspecto: comando e formadora de jurisprudência[24]. Diferentemente da Ciência do Direito, que é uma metalinguagem descritiva e sistematizadora do direito, a jurisprudência é prescritiva, pois compõe o universo do repertório produzindo efeitos no interior da ordem jurídica, sendo registro da interpretação concreta, e, no seu aspecto externo (contexto na qual se insere diretamente) é comando.
O próprio papel do julgador é, de certa forma, construir a norma para o caso concreto, servido de fonte de obrigação para as partes do processo, e até mesmo para além destes, haja vista definições serem aplicadas a outros julgados.
É inegável o papel da jurisprudência como fonte o direito, haja vista a existências de inúmeros instrumentos processuais, dentre os quais as súmulas vinculantes, as próprias súmulas não vinculantes que ganharam um papel de destaque com o novo CPC/15, decisões em controle concentrado e de casos repetitivos que definem teses e autorizam decisões monocráticas de relatores nos tribunais, órgão onde as decisões são, via de regra, colegiadas.
Bobbio defende a jurisprudência como fonte, ainda que em maior ou menor intensidade em cada ordenamento:
Uma vez liberta a jurisprudência de modelos impróprios, uma reflexão crítica, ou, como foi dito, realista sobre o trabalho dos juristas, vai mostrando que a jurisprudência, a despeito dos modelos, desempenhou em cada ordenamento, com maior ou menor intensidade, uma função, primária ou secundária, de fonte do direito.[25]
Na visão de Bobbio[26], dizer que jurisprudência é uma ciência normativa significa dizer duas coisas: em sentido fraco que tem a ver (ou trata de) normas e em sentido forte que estabelece ou propõe normas.
Segundo Bobbio a metajurisprudência, a reflexão crítica sobre a jurisprudência, se inspira em um modelo científico e busca a ele adaptar o trabalho do juiz, ocupando-se do que a jurisprudência deve ser, devendo prescrever aquilo que o juiz deve fazer, assim ela seria normativa, ao menos no sentido mais amplo da palavras referente à função. Sua tarefa, assim seria prescrever aquilo que juízes devem fazer. Kelsen teria afirmado que a jurisprudência tem função descritiva, até mesmo porque não dotada de imperatividade. Assim que jurisprudência e metajurisprudência tem funções opostas, em relação a ser e dever-ser. Ao fazer uma comparação com o pensamento pós-positivista, conclui Bobbio que
Enquanto a metajurisprudência prescritiva, própria da concepção positiva, propõe o ideal de uma jurisprudência meramente descritiva, a metajusrisprudência descritiva da era pós-positivista redescobre a função prescritiva do jurista na sociedade. De tal modo ocorreu uma verdadeira inversão de papéis. Enquanto a metajurisprudência positivista encontra sua vocação, como foi dito, em prescrever a descrição, a metajurisprudência atual, desempenha a própria vocação para descrever, descobre que a jurisprudência não descreve, mas prescreve.[27]
Alexy, ao discorrer sobre os direitos fundamentais ressalta o papel da jurisprudência em delimitá-los e, assim, evitar uma eterna discussão sobre sua definição, destacando o papel da Corte Suprema alemã:
Se a discussão sobre os direitos fundamentais não pudesse ter outra sustentação além do texto constitucional e do vacilante solo de seu surgimento, seria de se esperar uma Juta de idéias sem fim e quase sem limites. Se não é isso o que ocorre, isso se deve, em grande medida, à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal. Ao longo de sua práxis jurisprudencial de mais de cinqüenta anos, ele nunca deixou de criar novas determinações dentro do amplo campo de possibilidades aberto pelo texto constitucional. O significado atual dos direitos fundamentais é devido sobretudo à jurisprudência desse tribunal. A ciência dos direitos fundamentais – a despeito das controvérsias em torno do efeito vinculante das decisões do Tribunal Constitucional Federal considerável medida, uma ciência da jurisprudência constitucional.[28]
Não ocorre de modo diverso no caso dos princípios constitucionais tributários, mormente no princípio do não confisco. As definições dos tribunais devem levar ao desenho normativo deste princípio, evitando uma eterna discussão.
5 CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS
Em que pese o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) não ser um órgão jurisdicional, suas decisões tem grande peso também nos tribunais, frente ao grande caráter técnico, vez que é órgão especializado na matéria. Por aplicação de seu regimento interno[29] e entendimento sumulado[30], não declara a inconstitucionalidade de normas, assim sendo, não pode aplicar o princípio do não-confisco, de modo a afastar lei. A título de exemplo o acórdão abaixo:
MULTA. CARÁTER CONFISCATÓRIO. A vedação ao confisco pela Constituição Federal é dirigida ao legislador, cabendo à autoridade administrativa apenas aplicar a multa, nos moldes da legislação que a instituiu. (…)
CONCOMITÂNCIA DE RUBRICAS MORATÓRIAS. INCONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. MATÉRIA SUMULADA. Efeito vinculante do verbete sumulado nº 2 no âmbito deste colegiado impede pronunciamento acerca da (in)constitucionalidade de leis no âmbito do CARF.
(Processo nº 10920.002559/200569. Acórdão nº 1002000.013. Turma Extraordinária / 2ª Turma Sessão: 7/02/2018. Relator: Julio Lima Souza Martins.)
Todavia, pode o CARF aplicar o princípio nas hipóteses permitidas, o que inclui decisões vinculantes do STF e decisões administrativas como súmulas da AGU. Portanto, o próprio espectro de sua competência acaba por influenciar na aplicação do princípio, revelando um ponto de contato entre o referido princípio e o processo administrativo tributário.
6 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A competência do STJ é definida no art. 105, CF, dentre as quais não se encontra o controle de constitucionalidade das leis. Como o tema do efeito confiscatório é constitucional, não caberia a este tribunal, portanto, apreciar essas questões. Entendimento este que prevalece não somente em relação ao tema do confisco, mas aos demais de natureza constitucional. Este é um outro ponto de toque entre o processo e o princípio sob análise.
O STJ já decidiu, em recurso repetitivo, que, por tratar-se de matéria constitucional, é tarefa do STF avaliar a aplicação do referido princípio:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INDENIZAÇÃO DE HORAS TRABALHADAS – IHT. PETROBRÁS. CARÁTER REMUNERATÓRIO.
(…)
4. É que, fundando-se o acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional.
(REsp 1049748 / RN, Relator: Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Seção. Data do Julgamento: 24/06/2009 Data da Publicação: DJe 03/08/2009)
Todavia, e como citado no julgado, é possível vislumbrar o STJ atuando no sentido de uniformização da jurisprudência, quando da aplicação do princípio de forma diversa em casos similares. E, também, poderia se valer do princípio aplicando jurisprudência vinculante.
7 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Conforme previsto na Diploma Constitucional (art. 102), cabe ao STF decidir em única instância controle abstrato de normas tendo como parâmetro a Constituição Federal[31] e em recurso extraordinário temas constitucionais.
Assim, é na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que deveríamos encontrar acórdãos tratando da questão.
De maneira geral, procurou-se analisar julgados com repercussão geral reconhecida e os mais recentes (2015 em diante), selecionando-se aqueles com maior densidade e aprofundamento. É importante para esse estudo a fundamentação dos julgados, o que nem sempre é extraível de ementa. Recursos representativos foram eleitos quanto reiteradas decisões sobre o mesmo tema foram encontradas. Não foi considerada uma sistematização geral, tabelando os vários julgados, vez que o que interessa é o conteúdo da decisão em si, principalmente a fundamentação quanto à configuração (ou não) do efeito confiscatório[32]. Inclusive recursos não admitidos, quando chegam a expressar a opinião do tribunal com relação ao princípio em tela foram apresentados[33].
Assim, e em razão da delimitação da extensão do trabalho, são apresentados os temas em que ainda se discute a aplicação do princípio (temas atuais sem respostas, mas reconhecidamente relevantes à possibilidade de incidência do princípio) e acórdãos onde foram aplicados (temas com jurisprudência confirmada).
De maneira geral, nas recentes decisões, o tema central da discussão de confisco tem sido em relação às multas tributárias, havendo jurisprudência consolidada em relação a algumas questões, porém ainda existem variações de casos de aplicação na relação sancionatória ainda pendentes de análise em sede de repercussão geral, de forma que pode-se dizer que é possível uma mudança na jurisprudência, ainda que, como dito, esteja sendo aplicada de modo uniforme uma orientação em questões específicas (inclusive com as orientações sendo aplicadas em outros tribunais).
Aqui uma outra questão processual é relevante, obtida a partir da análise dos acórdãos, principalmente os não conhecidos ou conhecidos e não providos: o STF, com a sua jurisprudência defensiva e a Súmula 279, que reza que “para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário” simplesmente veda, em recurso extraordinário, o exame de questões fático-probatórias, o que, como visto, é central na análise do efeito confiscatório. Some-se a isso o fato de que, em controle concentrado de constitucionalidade, há um verdadeiro processo objetivo sem partes, de forma que, dada a natureza da análise dos pressupostos para ocorrência do confisco, se vê prejudicada a possibilidade de sua arguição no tribunal constitucional. E, mesmo em sede de recurso extraordinário, vários casos, os recursos são inadmitidos em razão da defensiva jurisprudência que afasta a análise fático-probatória. É claro que faz sentido o posicionamento da corte, frente ao seu papel constitucional conforme contornos da Lei Maior, todavia, em determinados casos concretos, talvez fosse razoável afastar a regra, para que se pudesse, numa cognição profunda e aliada ao caso concreto, formar uma jurisprudência de qualidade, a exemplo do que ocorre na formação do stare decisis nos sistemas de common law[34]. Um exemplo é o caso seguinte:
Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISS. (…). REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. MULTA PUNITIVA. PATAMAR DE 100% DO TRIBUTO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO CONFISCO. PRECEDENTES. 1. A resolução da controvérsia demandaria o reexame dos fatos e do material probatório constantes nos autos, o que é vedado em recurso extraordinário. Incidência da Súmula 279/STF. Precedentes. (…).
[STF, ARE 1058987 AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 01/12/2017]
Outro exemplo dessa questão processual é o julgado abaixo, o qual reproduzimos apenas parte da fundamentação do Min. Celso de Mello:
Vê-se, portanto, que a pretensão deduzida pela parte recorrente revela-se processualmente inviável, pois o recurso extraordinário não permite que se reexaminem, nele, em face de seu estrito âmbito temático, questões de fato ou aspectos de índole probatória (RTJ 161/992 – RTJ 186/703), ainda mais quando tais circunstâncias, como sucede na espécie, se mostram condicionantes da própria resolução da controvérsia jurídica. [STF, ARE 831377 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, p. 06/02/2015]
7.1 Temas em repercussão geral
Em sede de repercussão geral, há quatro temas com repercussão reconhecida e aguardando julgamento. São os casos, como se disse, atuais e ainda sem uma resposta da corte, porém já foi reconhecida a repercussão geral do tema e possibilidade de aplicação (ou não) do princípio a essas temáticas. Mesmo que decisão venha a ser negativa, esses serão vetores interpretativos para identificação (positiva ou negativa) do princípio aqui analisado.
A. Tema 933: Balizas constitucionais para a majoração de alíquota de contribuição previdenciária de regime próprio de previdência social
Agravo contra decisão pela qual inadmitido recurso extraordinário em que se discute, com base nos arts. 37, caput, 40, 150, inc. IV, e 195, § 5º, da Constituição da República, quais seriam as balizas impostas pela Constituição a leis que elevam as alíquotas das contribuições previdenciárias incidentes sobre servidores públicos, especialmente à luz do caráter contributivo do regime previdenciário e dos princípios do equilíbrio financeiro e atuarial, da vedação ao confisco e da razoabilidade.
[STF, Rel. Min. Roberto Barroso, Leading Case: ARE 875958]
Na decisão de origem[35] o Tribunal de Justiça de Goiás reconheceu a inconstitucionalidade de lei complementar estadual que aumentou as alíquotas da contribuição previdenciária sem o devido cálculo atuarial, ferindo a relação custo/benefício. A base do aumento seria o déficit público, de forma que, sendo inconstitucional a instituição, configurar-se-ia confiscatória a majoração.
O STF reconheceu a repercussão geral e também a possibilidade de análise do confisco em relação a alíquota. No processo que deu origem, foi arguido não só o caráter confiscatório isolado da alíquota mais elevada, como também sua conjugação ao imposto de renda.
B. Tema 863 – Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 150, IV, da Constituição Federal, a razoabilidade da aplicação da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, no percentual de 150% sobre a totalidade ou diferença do imposto ou contribuição não paga, não recolhida, não declarada ou declarada de forma inexata (atual § 1º c/c o inciso I do caput do art. 44 da Lei 9.430/1996), tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.
[STF, Rel. Min. Luiz Fux, Leading Case: RE 736090]
O tribunal tem uma consolidada jurisprudência quanto a aplicação do princípio do não-confisco em multas tributárias e também multas moratórias. Todavia, no caso em tela, previsto na legislação do imposto de renda, há possibilidade de multas de até 150%, o que, no caso específico de fraude, levou o Tribunal a não simplesmente aplicar a sua jurisprudência, mas a discutir a possibilidade de multas superiores a 100% dada a suposta má-fé do contribuinte.
C. Tema 816 – Limites para a fixação da multa fiscal moratória, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 93, IX, 150, IV, 153, § 3º, II, 155, § 2º, e 156, III, da Constituição Federal, a possibilidade de incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN em operação de industrialização por encomenda, realizada em materiais fornecidos pelo contratante, quando referida operação configura etapa intermediária do ciclo produtivo de mercadoria. Debatem-se, ainda, as balizas para a aferição da existência de efeito confiscatório na aplicação de multas fiscais moratórias.
[STF, Rel. Min. Luiz Fux, Leading Case: RE 882461]
O tribunal deixou a questão do patamar máximo da multa moratória a ser discutida em repercussão geral (vencido o Ministro Teori Zavascki), todavia, há uma jurisprudência já pacificada no tribunal quanto ao percentual de multas moratórias (20%) não configurarem confisco, inclusive em sede de repercussão geral (Tema 214/2011[36]). O distinguish foi feito em razão de não ter sido apreciado um valor máximo para multa moratória, penas que o valor de 20% não configura confisco.
D. Tema 487 – Caráter confiscatório da “multa isolada” por descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever instrumental:
Recurso Extraordinário em que se discute, à luz do artigo 150, IV, da Constituição Federal, se multa por descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever instrumental, aplicada em valor variável entre 5% a 40%, relacionado à operação que não gerou crédito tributário (“multa isolada”) possui, ou não, caráter confiscatório.
[STF, Rel. Min. Roberto Barroso, Leading Case: RE 640452]
A questão da multa isolada, quando não há tributo devido, feita em razão da inobservância de algum dever acessório, é multa aplicada no regime administrativo. Nesse caso, avalia-se o percentual da alíquota e seu caráter confiscatório.
Este é mais um exemplo da jurisprudência ainda não consolidada no STF, porém, é aplicação direta do princípio, seja qual for a decisão que a corte venha a adotar, esse será (dada nossa premissa de considerar a jurisprudência como fonte do direito) um parâmetro de aplicação do princípio, novamente, em uma relação sancionatória.
7.2 Acórdãos
O que é possível notar de forma muito clara, é que o STF tem aplicado seu critério jurisprudência quanto a multa pecuniária, que em patamar superior a 100% é confiscatória, e em valores iguais ou menores não, independente de outros fatos, dados ou contexto.
Ementa: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DECISÃO AGRAVADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A decisão agravada apresenta orientação afinada com a jurisprudência pacífica do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. Agravo interno a que se nega provimento. Fixam-se honorários advocatícios adicionais equivalentes a 10% (dez por cento) do valor a esse título arbitrado nas instâncias ordinárias (Código de Processo Civil de 2015, art. 85, § 11).
[STF, ARE 939497 AgR / SE, Primeira Turma, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 20/02/2018]
No julgamento do ARE 939.497, o Min. Alexandre de Morais não admite o recurso, uma vez que a decisão anterior considerou que a multa não é confiscatória, quando fixada em valor não superior a 100% da obrigação principal.
No julgamento dos ED-ED no RE 218287, Ministro Dias Toffoli deixa claro que o efeito extrafiscal é utilizado de forma direcionar o comportamento e para que se configure o confisco. Todavia, não há uma clara definição de o efeito extrafiscal afasta por completo ou não o princípio da capacidade confiscatória:
EMENTA Embargos de declaração nos embargos de declaração no recurso extraordinário. Conversão dos embargos declaratórios em agravo regimental. Julgamento monocrático. Possibilidade. Tributário. IOF. Transmissão de ações de companhias abertas e das consequentes bonificações. Artigo 1º, IV, da Lei nº 8.033/90. Imposto não incidente sobre o patrimônio. Alíquota. Artigo 5º, III, da mesma lei. Alegada ofensa à capacidade contributiva e ao não confisco. Impossibilidade de análise. Ausência de indicação da peculiaridade do caso concreto. Fiscalidade e extrafiscalidade.
4. O efeito extrafiscal ou a calibração do valor do tributo de acordo com a capacidade contributiva podem ser obtidos pela modulação da alíquota. Em princípio, portanto, não ofende a Constituição a utilização de impostos com função extrafiscal com o objetivo de compelir ou afastar o indivíduo de certos atos ou atitudes. [STF, RE 218.287 ED-ED, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30/06/2017]
Neste julgado (citado acima), o Min. Relata que fundamentou seu posicionamento na decisão que deu origem aos Embargos de Declaração com base nos vetores da clássica jurisprudência do ADI nº 2.010/DF-MC, retratando uma valorização da jurisprudência da própria corte, até transcrevendo parte do acórdão, reproduzido abaixo:
(…) [A] identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público.
No ARE 982682, o STF destacou o princípio da separação dos poderes, ao julgar a correção da tabela de faixas de alíquotas do IR:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Tributário. Prequestionamento. Ausência. Súmulas 282 e 356/STF. Correção monetária. Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física. Ausência de previsão legal. Legislador Positivo. Impossibilidade. 1. A matéria constitucional contida nas alíneas a e b do inciso III do art. 150 da Constituição Federal carece do necessário prequestionamento explícito. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. A jurisprudência da Corte é assente no sentido de que a não correção da tabela progressiva do imposto de renda não afronta os princípios da proibição do confisco ou da capacidade contributiva, bem como que o Poder Judiciário não pode impor atualização monetária na ausência de previsão legal, uma vez que isso é afeto aos Poderes Executivo e Legislativo. 3. Não provimento do agravo regimental. A título de honorários recursais, a verba honorária já fixada deve ser acrescida do valor equivalente a 10% (dez por cento) de seu total, nos termos do art. 85, § 11, do novo Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º do citado artigo e a eventual concessão de justiça gratuita.
[STF, ARE 982682 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 02/12/2016]
Essa jurisprudência favorece a visão do Tribunal como legislador negativo no momento executivo[37].
Por fim, e novamente outra questão processual, ao tratar da aplicação do princípio em taxa majorada em portaria, o Supremo considerou o assunto matéria infraconstitucional, aplicando a Súmula 636, deixando de apreciar a causa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. TAXAS. SISCOMEX. MAJORAÇÃO PELA PORTARIA MF 257/11. CONSTITUCIONALIDADE. 1. A jurisprudência do STF é firme no sentido de que o art. 237 da Constituição Federal imputa ao Ministério da Fazenda a fiscalização e o controlo sobre o comércio exterior, dando-lhe poderes administrativos, inclusive de índole normativa, para perseguir seu mister constitucional. Precedentes. 2. A verificação de suposta violação ao princípio da legalidade, por reputar a majoração da taxa desproporcional e confiscatória, demanda necessariamente a análise de atos normativos infraconstitucionais. Súmula 636 do STF. (…)
4. A temática relativa a defeitos na formação de atos administrativos cinge-se ao âmbito infraconstitucional. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.
[STF, ARE 927125, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22/06/2016]
CONCLUSÃO
É importante, como visto, a análise da concretização do princípio sob estudo feita pelos tribunais. O tema toca várias questões processuais, desde sua definição ser feita no bojo de um caso concreto, portanto dentro de um processo, quanto da influência do sistema processual (e administrativo) e a própria competência das cortes. Pode-se destacar a jurisprudência do Supremo que, ao afastar a análise de fatos e provas, veda o acesso de vários processos para conhecimento. Nota-se que a Corte se vale de uma jurisprudência extremamente defensiva, afastando o julgamento de questões que dizem respeito diretamente ao tema. Existem ainda, em sede de repercussão geral, alguns casos em aberto, em sua maioria relacionados as multas, que com o crescimento da importância da jurisprudência e de seu papel vinculante, destacado no Código de Processo Civil de 2015, vão em muito contribuir à definição do instituto. Além disso, o Supremo Tribunal Federal já tem estabelecidos alguns vetores interpretativos importantes para identificação e aplicação do princípio, reutilizando sua própria jurisprudência, porém ainda não se valendo de institutos como razoabilidade e proporcionalidade de forma científica e uniforme.
A visão do realismo, em que o tribunal produz o direito, parece ser bastante adequada para a análise do princípio do confisco, vez que, ante a ausência de parâmetros legais infraconstitucionais, e até mesmo discussão sobre a sua viabilidade, é papel do julgador aplicar o princípio constitucional protetivo do contribuinte, construindo a regra interpretativa de sua aplicação, valendo-se não somente do texto, mas construindo a norma com auxílio da jurisprudência e de sua própria razão, fontes do direito segundo doutrina realista e lição de expoentes como Alf Ross.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
BIBLIOGRAFIA
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SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, v. 798, ano 91, p. 23-50, abr. 2002.
[1] “Artículo 31.1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio“. Constituição Espanhola. Disponível em: <https://www.boe.es/ legislacion/documentos/ConstitucionCASTELLANO.pdf>. Acesso em: 24 nov.2018.
[2] “Article I, Section 8, Clause 1: The Congress shall have Power To lay and collect Taxes, Duties, Imposts and Excises, to pay the Debts and provide for the common Defence and general Welfare of the United States; but all Duties, Imposts and Excises shall be uniform throughout the United States;” Constituição dos Estados Unidos Da América. Disponível em: <http://constitutionus.com>. Acesso em: 24 nov.2018
[3] “In the United States people do not normally think of taxation as confiscatory. Confiscation implies a compulsory transfer of private property to public ownership without compensation. Since all tax monies collect by government are made available to promote the general welfare, there is theoretically always some compensation, however amorphous, which inure to taxpayer. Viewed in this light, taxation can never be confiscatory“. DARBY, Joseph J. “Confiscatory Taxation.” The American Journal of Comparative Law, vol. 38, 1990, p. 545–555. JSTOR. Disponível em; <www.jstor.org/stable/840558> Acesso em: 10 jan.2019.
[4] “Each person possesses an inviolability founded on justice that even the welfare of society as a whole cannot override. For this reason justice denies that the loss of freedom for some is made right by a greater good shared by others. It does not allow that the sacri?ces imposed on a few are outweighed by the larger sum of advantages enjoyed by many“. RAWLS, John. A Theory of justice. ed. rev. Harvard: Harvard University Press, 1999. p. 3
[5] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 4. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 22.
[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.
[7] Para Reale, a Teoria dos Objetos busca determinar a natureza ou estrutura daquilo que pode ser posto como objeto do conhecimento, é ‘tudo aquilo sujeito a um juízo lógico’ (1999, p. 177), aquilo do qual pode ser feito um juízo. Juízo, por sua vez, é o enunciado de algo a respeito de algo.
[8] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 190.
[9] Idem, ibidem.
[10] Cf. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 230.
[11] ÁVILA, 2005, p. 70.
[12] Idem, ibidem.
[13] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 70.
[14] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 49.
[15] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36.
[16] Idem, p. 41-43.
[17] Idem, p. 46.
[18] PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1975, p. 69.
[19] Idem, p. 51.
[20] Idem, p. 40-92.
[21] SANTELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2006, p. 7-31.
[22] PEIRCE, Charles. Collected Papers. CP5-402. Apud SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa. Curso de Semiótica Geral. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 182.
[23] ARAUJO. Clarice von Oertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo, Quartier Latin, p. 48.
[24] SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa. Curso de Semiótica Geral. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 12.
[25] BOBBIO, Noberto. Estudos por uma teoria geral do direito. Barueri: Manole, 2015, p. 152.
[26] Idem, p. 141.
[27] Idem, p. 152.
[28] ALEXY, 2015, p. 27.
[29] Portaria MF n. 343/2015 Art. 62. Fica vedado aos membros das turmas de julgamento do CARF afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
[30] Súmula CARF nº 2: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.
[31] Uma exceção seriam as normas de repetição obrigatória, em que os Tribunais de Justiça podem usar a Constituição Federal como parâmetro no controle de constitucionalidade em nível estadual:
Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. [STF, RE 650898-RS, Plenário, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Roberto Barroso, j. 01/02/2017].
[32] Site do STF. Jurisprudência. Pesquisa de Jurisprudência. Parâmetros:
Pesquisa Livre: ‘confisc$’. Todos os Ministros. Período: ’01/01/2015′ . Todas as decisões. Resultado: 61 acórdãos encontrados. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 24 mar. 2018.
[33] Um interessante estudo monográfico sobre o assunto, porém com recorte em decisões mais antigas é encontrado em REIS, Tamara. O Princípio do não confisco em matéria tributária no Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/223_Tamara%20Helen.pdf>. Acesso em: 25 mar.2018
[34] Cf. Nesse sentido, e comparando o stare decisis ao IRDR implementando no CPC: ABBOUD, George e CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. In: Revista de Processo. vol . 240, fev/2015, p. 221-242.
[35] Ação Direta De Inconstitucionalidade Nº 92447-30.2013.8.09.0000 Comarca de Goiânia, Relator : Des. Leobino Valente Chaves. Acórdão disponível em: <http://ino.tjgo.jus.br/tamino/SGE/NXML_SGE/nXML/ _924473020138090000_23042014_BDC453FEE5.PDF>. Acesso em: 25 mar. 2018
[36] Tese: I – É constitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na sua própria base de cálculo; II – É legítima a utilização, por lei, da taxa SELIC como índice de atualização de débitos tributários; III- Não é confiscatória a multa moratória no patamar de 20%.
[37] Cf. BECHO, 2014, p. 226-228.