Direito Penal

Criminologia feminista e cultura do estupro: um breve compêndio

Jeannine Soares Cardoso Brito[1]

RESUMO

Este trabalho busca desenvolver conceitos ligados a criminologia feminista e como esta se porta diante das questões relacionadas à cultura do estupro, traçando uma análise dos referenciais teóricos que já se posicionaram quanto ao tema bem e como se efetiva a construção de uma criminologia sob a perspectiva feminista e qual sua contribuição em um cenário comportamental cultural como o do estupro, perpassando pela construção do papel feminino refletida pelo patriarcado. Em seguida, manifestações de personalidades públicas reforçadoras da cultura de estupro. Subsequente, foram expostas posições doutrinárias de criminólogas feministas. E por fim, apresentados dados quantitativos dos casos de estupro no âmbito nacional a nível local.

Palavras-chave: Criminologia. Feminismo. Cultura do estupro

1. Introdução

O presente artigo se classifica, segundo a tipologia proposta por Gil (2002), quanto aos objetivos, como exploratória, devido haver poucos estudos sistematizados sobre o tema; quanto aos procedimentos técnicos como bibliográfica e documental, em decorrência de ser elaborado a partir de fontes já publicadas, constituídas principalmente de livros, de artigos e materiais disponibilizados na Internet e também de documentos que não receberam tratamento analítico como as informações sobre as denúncias sobre os casos de estupro a nível estadual e municipal; e quanto à abordagem do problema como qualitativa e quantitativa, pois tanto interpretará fenômenos e atribuirá significados quanto irá se basear em registros e análises de dados numéricos e estatísticos que se referem às atitudes e comportamentos do público-alvo em destaque.

Quanto ao modelo, será apresentado na forma de artigo, exposição de um problema ou assunto específico investigado cientificamente.

O presente estudo tem como objetivos analisar os referenciais teóricos existentes relacionados ao tema, estudar de que forma as redes sociais e a mídia “incentivam” e revelam a existência de uma cultura do estrupo, e identificar por fim os dados encontrados a nível de Maranhão e São Luís, fazendo um comparativo e uma análise crítica. E se justifica pela carência de material produzido sobre tal temática como já afirmado anteriormente.

Portanto, diante do exposto, este artigo tem o intuito de tentar esclarecer o seguinte questionamento norteador: Como se dá a construção de uma criminologia sob a perspectiva feminista e qual a contribuição dela em um cenário comportamental cultural como o do estupro?

2. Criminologia feminista: conceito e caracterização dentro do cenário da Criminologia Crítica

Inicia-se o presente capítulo com a fala de que não existe uma Criminologia, mas muitas criminologias (Lola Aniyar C. apud Soraia, 2012). Logo, dentro do contexto amplo da Criminologia Critica oriunda de bases marxistas e concebida pelo renomado autor Alessandro Barata, identifica-se a existência de múltiplas criminologias, que se caracterizam e se distinguem a partir da perspectiva sob que nascem. E nesse cenário encontramos a Criminologia Feminista, que surge como uma ramificação da criminologia crítica e sobretudo fruto de uma perspectiva de gênero crescente.

A autora Soraia Mendes traz em sua tese de doutorado, que é considerada, assim como o seu livro, marco teórico na área, a constatação de que, para o autor Baratta, a criminologia feminista pode desenvolver-se somente na perspectiva epistemológica da criminologia crítica, o que ao seu ver revela-se um posicionamento incoerente e acrescenta ainda que “pelas reais necessidades metodológicas e epistemológicas da criminologia crítica, que a criminologia crítica somente poderá sobreviver na perspectiva epistemológica de uma criminologia feminista” (MENDES, 2012, p. 193-194)

A autora é categórica ainda ao afirmar que a criminologia nasceu como um discurso de homens, para homens, sobre as mulheres. E, ao longo dos tempos, se transformou em um discurso de homens, para homens e sobre homens. Pois, já não era mais necessário, para alguns, “estudar” as mulheres” (MENDES, 2012, p. 187). Verifica-se que a Criminologia continua com o seu objetivo de identificar e estudar a existência da seletividade penal classista e racial, só que agora acrescentando-se a questão de gênero.

Com base nas pesquisas realizadas pela autora, verifica-se que todos os elementos do direito penal perpassam por uma diferenciação sob o ângulo de visão de gênero, como exemplo a sentença condenatória a nível criminal proferida para um homem e para uma mulher, no caso da mulher as motivações, circunstâncias e sua condição ou não de mãe influenciam drasticamente na fundamentação da sentença e mesmo na sua possível ressocialização.

Constata-se que a mulher historicamente precisa da proteção do estado, de forma que tenha amparado e garantido direitos fundamentais como o de proteção e autodeterminação perante um direito penal sexista e uma sociedade machista. Sendo que os próprios operadores do direito carecem por muitas vezes de formação educacional específica na área, já que nos próprios cursos, na grade curricular, tal assunto consiste em apenas um tópico dentro do assunto Penal ou Criminológico, dado as vezes com descaso em uma única aula.

Dessa forma, destaca-se a importância e a necessidade de um diálogo diário entre membros do Sistema Penal e mulheres protagonistas da criminalização e da vitimização, para que sob a perspectiva feminista se tenha um olhar mais realista capaz de responder eficientemente às situações apresentadas.

3. A questão da cultura do estupro

3.1 Conceito e incidência no Brasil

O termo cultura de estupro foi utilizado na década de 70 por feministas americanas e, segundo o Centro das Mulheres da Universidade Marshall, nos Estados Unidos, é usado para descrever um ambiente marcado pela incidência considerável de casos de estupro e no qual a violência sexual contra as mulheres é normalizada na mídia e na sociedade em geral.

Números divulgados em agosto de 2017 pelo Ministério da Saúde[2] apontaram no ano passado o país registrou 3.526 casos de estupros coletivos, o que em média significa dez casos desse tipo de abuso por dia. O que trouxe à tona a discussão sobre a temática da cultura do estupro, termo bastante debatido no país atualmente e que se refere aos valores e ideias produzidos e reproduzidos pela sociedade que banalizam ou naturalizam práticas de violação do corpo das mulheres.

Segundo a socióloga francesa Colette Guillaumin, a coação sexual é uma prática utilizada para oprimir as mulheres, ameaçá-las, demonstrar sua subjugação nas relações privadas e também públicas.[3] No espaço privado, nos referimos à norma própria da cultura patriarcal, ainda muito sedimentada na sociedade brasileira, de obrigação do sexo no casamento, o que leva a que muitos casos de estupro ocorram no casamento.

O Código Penal brasileiro tipifica o estupro no Art. 213 com o título dos crimes contra a dignidade sexual. A conduta prevista na referida lei estabelece que o estupro ocorre quando a pessoa é constrangida, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pelas características em que o crime é praticado, o Superior Tribunal de Justiça entende que esse tipo de crime é considerado hediondo, uma vez que é visto como um dos crimes mais violentos e repugnantes à dignidade humana.

3.2 A construção social do papel feminino no patriarcado

Vera Regina Andrade (2016) assevera que a dicotomia masculino/feminino construída pelo patriarcado, embora seja perceptível, encontra-se em desconstrução. E isso resulta na divisão entre espaço público e privado com correspondente divisão social do trabalho, atribuição de papéis diferenciados aos sexos nas esferas da produção, da reprodução e da política e estereótipos.

Enquanto a esfera pública constitui-se nas relações de propriedade e trabalhistas, tendo como seu protagonismo o homem racional, ativo, forte, viril, público, possuidor. A esfera privada, caracterizada pelas relações familiares (casamento, sexualidade reprodutora, filiação e trabalho doméstico), tem seu protagonismo reservado à mulher, limitando sua sexualidade na função reprodutora e seu trabalho no cuidado do lar e dos filhos.

Criou-se um estereótipo da mulher femininamente como um ser emocional, subjetiva, passiva, frágil, impotente, pacífica, recatada, doméstica e possuída. Isso reflete o simbolismo dos papeis de gênero, de caráter estigmatizante. Por conseguinte, a autora menciona que este simbolismo enraizado expõem as diferenças entre homens e mulheres, oriundas de questões culturais e históricas como se fossem naturais, biológicas.

Vera Regina salienta que nos crimes de violência sexual contra a mulher, sobretudo nestes, o sistema penal mais uma vez é seletivo, visto que o foco neles são autor/vítima em detrimento do fato-crime.

Outrossim, existe um outro fator para a criminalização das condutas sexuais, qual seja, a denominada “lógica da honestidade”, que seria uma espécie de vertente da seletividade, em que haveria uma classificação entre mulheres consideradas honestas e vítimas, e mulheres desonestas (sendo a prostituta o principal representante), as quais o sistema não abarca por não se comportarem segundo os padrões de moralidade sexual impostos pelo patriarcado à figura feminina.

Cumpre ressaltar, que embora a previsão legal do estupro não mencione a divisão acima citada, na prática, ocorre uma separação entre mulheres ‘honestas’ e mulheres ‘não honestas’. Apenas as primeiras segundo a sociedade podem ser consideradas vítimas de estupro.

Desse modo, a autora frisa que no julgamento de um crime sexual o enfoque não é o reconhecimento de violência contra a liberdade sexual feminina, mas sim, as forças autor/vítima e a vida pregressa desta. A autora faz uma interessante analogia, comparando a importância do status social na criminalização do homem ao passo que a reputação sexual tem para a mulher nos crimes sexuais.

De uma forma geral, nos processos de estupro, o acervo probatório é fundado apenas nas provas pericial, testemunhal e no depoimento da vítima. A palavra da vítima, todavia, deve ser corroborada pelas demais provas nos autos.

Entretanto, a autora levanta a indagação de que os outros elementos probatórios são na verdade a vida pregressa da própria vítima, sua moral sexual ilibada, seu recato e pudor. Ainda que o crime tenha ocorrido em flagrante delito, o depoimento da vítima torna-se frágil se ela não for tida como mulher honesta, inclusive quando a vítima não é maior de quatorze anos.

Ainda que as sentenças sejam fundamentadas na legislação, doutrinas, jurisprudências, a análise da vida pregressa da vítima integra a motivação real.  

Importante destacar, que a autora sustenta que o sistema penal promove uma inversão de papéis e do ônus da prova. A vítima recorre ao Judiciário, e acaba sendo “julgada” pela visão masculina da lei, da Polícia e da Justiça, cabendo-lhe comprovar que merece ser considerada uma vítima.

Insta assinalar que, além das vítimas terem suas vidas expostas, sofrem com teses vitimológicas mais conservadoras, que atribui-lhes culpa no crime, sob o argumento de que teriam “gostado” ou “tido prazer”, “provocado”, “forjado o estupro”, principalmente se o autor não se enquadrar no estereótipo de estuprador, pois isso é fator fundamental para a condenação.

Por derradeiro, persiste ainda o estereótipo do estuprador como um ser anormal, de lascívia desenfreada, estranho à vítima e, a visão limitada de que o estupro consiste no encontro sexual, com o coito vaginal antes da violência. O sistema penal é impregnado por este estereótipo, condicionando tanto a seleção quanto a impunidade, pois os dados apontam que a violência ocorre no espaço familiar e entre conhecidos, contudo os sujeitos selecionados são externos a esse espaço, etiquetando aqueles de classes sociais mais baixas como estupradores.

3.3 Análise de manifestações de personalidades públicas na cultura do estupro

Os casos na mídia, como o do cantor Biel que em uma entrevista faz menção de estuprar a jornalista e do cantor Lobão que declara que a vítima é culpada no estupro e que o país é uma fábrica de mini putas revelam uma violência intersubjetiva, institucional, estrutural e uma estrutura ainda patriarcal.

São figuras públicas, que por serem formadoras de opinião, acabam por reforçar violência de gênero, a coisificação da mulher e inferiorização. Essas práticas de dominação e de opressão permitem que as vidas e os corpos das mulheres sejam explorados, comercializados, coisificados e, inclusive, agredidos, mutilados, estuprados e assassinados.

Outro exemplo emblemático foi o estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro. A mesma em entrevista ao programa Fantástico, contou que após todas as agressões sofreu ainda uma série de humilhações, pois foi culpabilizada por muitos, inclusive o delegado designado para cuidar de seu caso, além de milhares de críticas e ameaças de morte vindas de pessoas do país inteiro.

Nota-se que a vítima sofre um controle social da Policia, da Justiça, do Ministério Público e da opinião pública.  O senso comum policial e o judicial acabam por não se distinguir do senso comum social. Consoante, Vera Regina, o sistema penal distribui a vitimização sexual feminina com o mesmo critério que a sociedade distribui a honra e a reputação feminina: a conduta sexual.

4. Posicionamentos dos criminólogos quanto a cultura do estupro

No contexto da violência sexual, verifica-se que não é apenas o corpo da mulher a ser violado. Contudo, a sua dignidade, bem-estar, orgulho, saúde física e mental, e a própria identidade é denegrida, pois perde o domínio sobre o próprio corpo. O estupro é capaz de privar a mulher, instantaneamente, de todos os direitos que a ela deveriam ser garantidos bem como é capaz de destruir a vida da vítima, causando um trauma severo.

No que tange a cultura do estupro vale reforçar que não há um julgamento do crime, mas sim do comportamento da vítima, uma espécie de julgamento moral da mulher, buscando se através de suas ações e forma de ser, qualificá-la como merecedora do estupro ou não. Porém, de nenhuma forma, a violência deve ser justificada por estas razões, afinal, a culpa não deve ser transferida para a vítima.

“Num sentido fraco, o sistema penal é ineficaz para proteger as mulheres contra a violência porque, entre outros argumentos, não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas, não contribui para a compreensão da própria violência sexual e a gestão do conflito e, muito menos, para a transformação das relações de gênero.” (ANDRANDE, 2016, p.101)

Enfoca com isso a questão da crise que sintetizando o que denomina de incapacidade preventiva e resolutória do sistema penal.

“Num sentido forte, o sistema penal duplica a vitimação feminina porque as mulheres são submetidas a julgamento e divididas. O sistema penal não julga igualitariamente pessoas, ele seleciona diferencialmente autores e vítimas, de acordo com sua reputação pessoal.” (ANDRANDE, 2016, p.105).  

Em seu posicionamento no caso das mulheres, de acordo com sua reputação sexual, estabelecendo uma grande linha divisória entre as mulheres consideradas “honestas” (do ponto de vista da moral sexual dominante), que podem ser consideradas vítimas pelo sistema, e as mulheres “desonestas” ( das quais por exemplo a prostituta é o modelo radicalizado), que o sistema abandona na medida em que não se adequam aos padrões de moralidade sexual impostas pelo patriarcalismo à mulher.

“Num sistema fortíssimo, o sistema penal expressa e reproduz do ponto de vista da moral sexual, a grande linha divisória e discriminatória das mulheres tidas por honestas e desonestas e que seriam inclusive capazes de falsear um crime horripilante como estupro, para reivindicar direitos que não lhe cabem.” (ANDRANDE, 2016, p.109).  

O problema se inicia, quando julgamentos de ordem moral começam efetivamente a serem feitos, e concorrer para a responsabilização da vitima pelo ato violento sofrido. O perfil social, as práticas cotidianas, as vestes, os lugares comumente frequentados, a profissão, e o fato de ter ou não ingerido bebida alcoólica, na ocasião que sofreu a violência, dentre outros pontos, são determinantes para a construção do depoimento da vítima e como este será interpretado pelos policiais e profissionais da justiça (VARGAS, 2000, p.22).

Nesse sentido também está direcionado as análises de Magalhães (2014) quando analisou o processo de construção do crime de estupro, e a lógica de responsabilização da vítima. A autora afirma que, para a maioria da sociedade, o crime de estupro está diretamente relacionado com as condutas inadequadas que as mulheres eventualmente adotam, e que para evitá-lo: “A mulher deve comportar-se adequadamente. A violência sexual poderia ser considerada, de certa forma, uma espécie de correção para as mulheres que não se comportaram da forma esperada socialmente, seja com atitudes liberais seja com o uso de roupas sedutoras”.

Com isso, uma concepção de senso comum, o homem é visto como um animal incapaz de autocontrole, impossibilitado de respeitar seu/sua semelhante, frente aos seus instintos e desejos. Dessa forma, a prática da violência sexual estaria justificada, devido as mulheres serem consideradas meramente um instrumento criado para saciar os desejos masculinos.

Essa premissa vai de encontro a princípios de convivência civil pacifica, e pressupostos da própria dignidade humana, da liberdade de ir e vir, e desta forma contrária a inúmeros Tratados Internacionais e a própria Constituição Federal do Brasil.

5. Inanição estatística: os números do estupro

A conjunção carnal ou ato libidinoso, levada a efeito por violência ou grave ameaça, coibindo qualquer reação eficaz da vítima para opor-se ao ato é considerado crime contra a liberdade sexual punível com reclusão. No Brasil são numerosas as questões culturais que fomentam a prática do estupro, nossa sociedade que em sua maioria ainda é machista, misógina, heteronormativa e acima de tudo preconceituosa convive com dados alarmantes acerca do estupro ( no Brasil uma mulher é estuprada a cada 11 minutos) e somente a bem pouco tempo começou a discutir com o mínimo de lucidez essa questão.

Por essa razão os dados relacionados a este tipo de crime são rarefeitos e bem incipientes, e a situação fica ainda mais periclitante quando retrocedemos no tempo. O Estado do Maranhão é um exemplo cabal desta situação, procurou-se a Secretaria de Segurança Pública para saber os dados oficiais ligados ao registro de ocorrência desta espécie, e os registros mais antigos que puderam ser disponibilizados datam de 2011. Os anos anteriores simplesmente não possuem uma catalogação numérica, o que nos suscita a análise de que somente a pouco tempo (sete anos) estas ocorrências passaram a ser monitoradas.

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NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

até o mês de agosto

972

967

1034

1019

952

995

729

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão/ Polícias do Brasil

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NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

até o mês de agosto

324

366

369

256

205

224

161

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão/ Polícias do Brasil

Os dados estaduais demonstram que há uma oscilação no número de ocorrências ano a ano, contudo mesmo a diminuição, quando houve, não superou valores expressivos, apesar de que em situações como esta que lida com questões psicológicas, sociais, de saúde pública, inclusive, tão profundas que cada vítima a menos tem relevância. A capital do estado por sua vez também oscila na quantificação dos casos o que se destaca é, por exemplo, o fato de que a capital contar sozinha com praticamente 30% dos casos ao longo dos anos

As diversas searas do direito que lidam com a administração pública são unânimes em determinar que políticas públicas, e por conseguinte, a ação efetiva do Estado só consegue se consubstanciar através da programação orçamentária, que por sua vez é pautada na análise de dados para gerar e aplicar recursos, daí é possível se admitir que aquilo que não foi mensurado também não contou com a visibilidade para recebimento de melhorias, e é exatamente nesse contexto que se encontra combate a cultura do estupro.

Considerações finais

A discussão acerca da cultura do estupro é um passo importante para se estabelecer novas perspectivas acerca do papel das mulheres na sociedade, bem como da aplicação penal e do posicionamento social que se observa tanto no que diz respeito à vítima quanto ao criminoso. Essa discussão carece de dados oficiais e estes precisam urgentemente ser tratados com mais cuidado, ou mesmo produzidos. A sociedade precisa superar o patriarcado que ainda nos rodeia e consubstancia nossa mentalidade coletiva.

O que as mulheres têm feito cada vez mais é levantar suas vozes para apontar as violências sofridas no cotidiano e que também atentam contra sua liberdade sexual.

Não adianta a sociedade se incomodar apenas com os casos brutais de estupro, pois a violência também está presente no assédio.

A cultura do estupro, portanto, abrange todo o espectro comportamental e cultural que subjuga o corpo da mulher, criando contexto para a violência. Esses comportamentos e culturas não são necessariamente aceitos ou legitimados pela sociedade, mas estão sendo negligenciados e naturalizados.

Face ao exposto, nota-se que o enfrentamento da problemática cultura de estupro revela uma estrutura patriarcal e de gênero. E como bem pontua Vera Regina, o sistema penal não é o mecanismo mais adequado nesse enfrentamento, tendo em vista que o encarceramento não soluciona a raiz do problema. Por outro lado, cabe mencionar o papel de destaque dos movimentos feministas que vem crescendo no país e que contribuem na visibilidade a opressão feminina.

REFERÊNCIA

ANDRADE ,Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: Códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 101-112.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MAGALHÃES, Lívia. A culpabilização da mulher, vítima de estupro, pela conduta do seu agressor.Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27429/a-culpabilizacao-da-mulher-vitima-de-estupro-pela-conduta-do-seu-agressor Acesso em: 20 de novembro. 2017.

Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão. Dados sobre o registro de ocorrências dos casos de estupro no Maranhão e na Capital.

VARGAS, Joana Domingues. Crimes Sexuais e Sistema de Justiça. 1 ed .São Paulo: IBCCRIM 2000.

Tese: “ (Re)pensando a criminologia: reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista, da autora Soraia Mendes acesso em 13/11/2017 e disponível em: <http://www.repositorio.unb.br/bitstream/10482/11867/1/2012_SoraiadaRosaMendes.pdf>

EM NÚMEROS: A violência contra a mulher brasileira < https://emais.estadao.com.br/blogs/nana-soares/em-numeros-a-violencia-contra-a-mulher-brasileira/ > acesso em 10 de outubro de 2018.

Debate | A cultura do estupro em questão Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/11/22/debate-or-a-cultura-do-estupro-em-questao/> acesso em 10 de outubro de 2018.



[1] Graduanda de Direito pela Universidade estadual do Maranhão cursando atualmente o 10º período

[2] Disponíve em< https://emais.estadao.com.br/blogs/nana-soares/em-numeros-a-violencia-contra-a-mulher-brasileira/ > acesso em 10 de outubro de 2018.

[3] Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/11/22/debate-or-a-cultura-do-estupro-em-questao/> acesso em 10 de outubro de 2018.

Como citar e referenciar este artigo:
BRITO, Jeannine Soares Cardoso. Criminologia feminista e cultura do estupro: um breve compêndio. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/criminologia-feminista-e-cultura-do-estupro-um-breve-compendio/ Acesso em: 21 nov. 2024