BROWN, Peter G. Restoring The Public Trust. 1ª Edição. Beacon Press, 1994.
Mateus Stallivieri da Costa[1]
Gustavo Costa Ferreira[2]
O Livro Restoring The Public Trust, do professor Peter G. Brown é um elemento importantíssimo para a compreensão da política econômica norte americana nos anos 80 e 90, sobretudo na dinâmica dos governos Republicanos de Ronald Reagan e George H.W Bush (O Bush pai), marcados principalmente pela ascensão das políticas liberais no país. Apesar de em primeiro momento o contexto parecer distante, a realidade atual brasileira em diversos momentos parece seguir as mesmas linhas escritas pelo autor, sobretudo no que toca a desvalorização do serviço público e as campanhas de privatização das companhias estatais. Assim a leitura de Restoring The Public Trust ultrapassa o mero relato político dos EUA chegando a uma proposta de reação para época, mas também fornece um importante elemento de compreensão dos efeitos da globalização e do Neo-liberalismo por todo continente e, talvez, no mundo.
A biografia do autor já nos fornece informações relevantes para o entendimento do formato de construção do pensamento da obra, sendo interessante atentar-se a alguns fatos marcantes da vida de Peter Brown. O professor leciona atualmente na McGill of Environment, tendo como área de pesquisa destacada as ações relacionadas ao meio ambiente e as políticas de prevenção e contenção da poluição. Porém Browm também já foi professor de uma universidade pública Norte Americana, a Universidade de Maryland e hoje é membro do Instituto de Filosofia e Políticas Públicas dos EUA, que financia atividades de pesquisa relacionadas a gestão estatal e ao meio ambiente. Destaca-se, então, da biografia do professor a atuação em pesquisas relacionadas a políticas públicas e atuação no setor estatal, além do financiamento de pesquisas nesse ramo.
O livro por sua vez é dividido em 3 partes, uma inaugural, de situação da questão fática, uma segunda crítica em relação às políticas liberais, situada no primeiro capítulo, e, por fim, uma terceira, no segundo capítulo, que busca fornecer uma solução aos apontamentos do capítulo anterior. A escolha do título contrasta com a metodologia de divisão do autor. Não fica claro ao leitor se Restoring de Públic Trust refere-se à necessidade de se recuperar a confiança no setor público (foco do primeiro capítulo) ou na ideia de construção do Trust como instituto de justificação do Estado (foco do segundo capítulo).
Outro fator importante para o entendimento da obra é a contextualização histórica. Brown não possui filiação partidária, nem sequer se considera um Democrata, tecendo em diversos momentos críticas ao partido, porém mesmo assim é nítida a sua desilusão com as Republicanos, foco maior de seus apontamentos. O período da publicação da obra é marcado pelo fim de uma hegemonia Democrata, que chegou no começo do século passado a governar por 20 anos seguidos. Em 1977, Jimmy Carter assume o governo dos EUA, não conseguindo a reeleição em 1981 e sendo sucedido por Ronald Reagan, que garante 12 anos de governo Republicano, maior período do século XX. Assim a obra inicia com um resgate dos motivadores que permitiram a ascensão das políticas liberais e conservadoras dos Republicanos, para propor em sequência um novo modelo.
A primeira parte do livro começa justamente partindo das justificativas para essa contextualização exposta no paragrafo anterior. O autor acredita ser reducionismo creditar as derrotas Democratas ao péssimo governo Carter ou ao carisma de Reagan, acusando essa visão de simplista. Para Brown existia uma apatia na academia no sentido de se defender as políticas públicas, primeiro devido a inexistência de financiamento, o surgimento de institutos liberais de propagação do pensamento liberal (Como a Heritage Fundation criada em 1973) e até mesmo uma dificuldade dos Democratas de contraporem as ideias do mercado devido a noção de eficiência. Repare que essa construção de pensamento é intimamente ligada à biografia do autor.
Um dos marcos dessa ausência de defesa das políticas públicas estaria materializada no Mandate of Leadership, documento utilizado como mantra por Reagan e construído pela Heritage Foundation, onde eram defendidas abertamente privatizações e a diminuição da participação do Estado na economia. As ideias de mercado também possuíam ampla adesão acadêmica por estarem intimamente ligadas a estudos das ciências exatas, enquanto a defesa das políticas públicas focava-se em argumentos ligados às humanas, linha de argumentação que enfrentava ampla resistência. Tanto o documento da Mandate of Leadership, como as pesquisas desenvolvidas nas universidades e financiadas pelos institutos liberais possuíam como marco teórico principal Milton Friedman, autor que Brown faz questão de relatar a teoria ponto por ponto.
Segundo o professor, Milton Friedman não apresenta uma solução total para desvendar os feitos das falhas de mercado. Na teoria do economista, em um resumo de forma rasa e direta, o Estado apenas se envolveria nos casos de falha de mercado, sendo esses para ele os bens públicos; os efeitos vizinhos (externalidades) e os monopólios. O tema dos monopólios é passado de forma rápida, mas o foco das críticas se concentra na definição, tida como genérica, de Friedman para os bens públicos e efeitos vizinhos. Para Brown, Friedman descreve de forma muito sucinta os casos de intervenção, não permitindo uma aplicabilidade mais prática, assim como não apresenta uma definição pragmática do que seriam as falhas de mercado.
No final da segunda parte (Primeiro capítulo) o livro traça uma crítica a ideia de falhas de mercado, afirmando não ser as 3 definições de Friedman as únicas e nem elas completas a ponto de garantir uma aplicabilidade. É apresentado uma crítica à direita americana, que ao mesmo tempo que reage de forma positiva a diversas regulamentações comportamentais, tendo um aspecto conservador, apresenta dificuldade de aceitar outras regulações econômicas. A proposta de Brown então é apresentada: ao invés do Estado se preocupar apenas com as falhas do mercado, deveria se preocupar em garantir 4 prontos nessa ordem de importância: a manutenção da Biodiversidade; a defesa dos direitos; da tradição (Aqui no sentido de bens públicos, sagrados, parques) e só então das eventuais falhas do sistema de mercado .
O segundo capítulo então inicia a defesa desse sistema apresentado no final da segunda parte. Para o autor a maneira de institui-lo seria através de um Trust, instituto presente no direito norte americano, mas não existente no nosso ordenamento pátrio. Nessa proposta o governo seria o Trustee, ao passo que o povo seria, ao mesmo tempo, o Settlor e os beneficiários do Trust. Em um resumo simplório, o Estado administraria os ativos do povo, administrando-os em benefício desse mesmo povo, em uma perspectiva abrangente que inclui não só as gerações presentes, mas também as gerações passadas e futuras. O objetivo do trust, chamado por Brown de obrigação fiduciária, seria garantir a estabilidade e proteção dos 4 pontos defendidos pelo autor.
Para o autor esse modelo geraria 6 consequências: O governo deve aprimorar o bem estar de todas as pessoas; Os poderes devem executar suas funções no sentido de almejar o bem comum; Os direitos humanos devem ser promovidos e respeitados; O modelo proíbe desperdícios; O Trustee deve respeitar a propriedade e as virtudes do comercio; Essa concepção de governo deve transcender a territorialidade e expandir as políticas internacionais, buscando a proteção da comunidade geral. Após citar as consequências o autor passa a destacar motivos para a aceitação desse modelo, em que se destacam a conservação e respeito aos bens naturais, melhor utilização dos meios disponíveis pelo estado e o reconhecimento de diferentes tipos de bens tutelados, assim como de direitos.
Após narrar as consequências e motivos de se adotar o modelo, Brown apresenta algumas propostas em diferentes áreas, não só para a implementação, mas também para a correção do atual sistema, passando por propostas para restaurar a integridade dos cargos públicos, para o aprimoramento da autonomia individual, proteção aos vulneráveis e construção de deveres transfronteiriços. Segundo o autor são precisos mecanismos para impedir a depreciação da herança das gerações futuras, sendo esse um dos principais deveres do Trustee, para isso seria necessário um modelo de coerção financeira, os tributos. Essa tributação e criação de subsídios não pode ser limitada a custo/benefício no mesmo modelo que o mercado, pois possui os deveres e objetivos já citados.
A construção da visão do Trustee de Brown segue em encontro aos seus posicionamentos políticos e atuação profissional, onde atua como financiador de pesquisas públicas e é professor atuante na defesa do meio ambiente. As propostas de Brown no fim do livro buscam uma solução para toda crítica que é traçada ao longo da leitura, mas não se apresentam como opção final ou definitiva, mas sim como um processo de construção de pensamento. A importância da obra está justamente em oferecer uma possibilidade de reação para época, possibilidade inclusive que é debatida na realidade política atual do Brasil, como por exemplo na proposta do controle de armas sugerido por ele e também na proibição das doações privadas de campanha, recentemente julgadas no Supremo Tribunal de Justiça. O tempo não parece ter tornado obsoleta a obra Restoring The Public Trust, permitindo que 24 anos depois ela ainda se apresente como reflexiva e crítica a políticas e projetos que vieram anos depois.