Direito do Trabalho

Direitos materialmente fundamentais contemplados em norma coletiva sem previsão expressa na Constituição Federal de 1988

Laíse Rodrigues Dos Santos[1]

Camila de Carvalho Brito[2]

Resumo

Neste artigo pretende-se analisar os direitos fundamentais concernentes ao âmbito trabalhista na concepção material advindos de norma coletiva sem previsão expressa na Constituição vigente, de forma a aferir normas consagradoras de direitos fundamentais em sentido material como medidas de efetiva inclusão social e de garantia da dignidade do trabalhador.

Palavras-Chave: Direitos fundamentais. Norma coletiva.Trabalhador.

INTRODUÇÃO

O objetivo proposto consiste em analisar e fundamental a concepção de direitos humanos e fundamentais no âmbito trabalhista, analisando os princípios norteadores dos direitos fundamentais como o Princípio a dignidade da pessoa humana e o princípio da vedação ao retrocesso social, analisando também as concepções material aberta de direitos fundamentais e formal e por fim objetivando a força normativa das normas coletivas trabalhistas, por meio da abordagem de temáticas interdisciplinares relacionadas aos Direitos Humanos, ao Direito Internacional, ao Direito Constitucional e ao Direito do Trabalho.

A análise crítica da doutrina, dos textos normativos e da jurisprudência, pertinentes ao assunto, visa à reflexão a respeito da admissibilidade e do alcance dos direitos fundamentais em sentido material nas relações de trabalho.

Inicialmente, foram traçados elementos concernentes aos direitos humanos e fundamentais, sua evolução, origem e marcos históricos, inclusive no tocante às relações de trabalho e na criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT e o Princípio da dignidade humana.

Em seguida, foram tratadas temáticas atinentes à concepção formal e material dos direitos fundamentais, a força normativa dos acordos e normas coletivas trabalhistas, bem assim aos aspectos dos direitos fundamentais trabalhistas em sentido material.

Por fim, conclui-se a respeito da admissibilidade e dos critérios utilizados para a verificação da fundamental idade material de posições jurídicas aplicáveis no âmbito das relações de trabalho.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS

Os direitos fundamentais, segundo a maior parte da moderna doutrina constitucional, são aqueles reconhecidos e previstos a Constituição de determinado Estado ou País, enquanto que os direitos humanos, segundo Sarlet[³] estão firmados pelas posições jurídicas de âmbito internacional que se reconhecem ao ser humano, independentemente de sua vinculação com determinada ordem Constitucional.

Os direitos humanos exprimem certa consciência ética universal, e por isso estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado, chamados de supralegais, sendo a expressão preferida nos documentos e tratados internacionais.O Brasil faz parte do sistema da Organização das Nações Unidas e do sistema da Organização dos Estados Americanos de proteção aos Direitos humanos, portanto devendo obedecer aos seus tratados.

Os Direitos humanos possuem importantes características peculiares, sendo universais porque protegem todos os indivíduos, indivisíveis, interdependentes,portanto pouco importa a geração ou dimensão ou sistema de proteção, vinculados uns aos outros, inter-relacionados e não há hierarquia entre direitos humanos, também possuem historicidade pois refletem a história do homem ao longo do tempo e suas conquistas por seus direitos e frisa-se a vedação ao retrocesso porque estes não prescrevem, não se sujeitam ao tempo, porém possuem certa limitabilidade em algumas situações especiais como por exemplo o direito de reunião.

Na Obra “A Era dos Direitos” de Noberto Bobbio nos apresenta os conceitos de gerações de direitos, Canotilho[4] afirma que o mais adequado seria chamá-los de dimensão de direitos, quando se fala em geração ou dimensões de direitos trata-se de uma criação doutrinária, o que pode variar de autor para autor. De modo sucinto, podemos afirmar que as dimensões ou gerações de direito tratamda valorização de certo direito em determinado momento da história.

A primeira geração visa a proteção do indivíduo, e seu marco importante e histórico foi a revolução francesa, que se revelou como uma revolução liberal com o pensamento de libertar alguém que estava sendo oprimido por outrem, visava libertar o povo oprimido, diante disso ela atrelou-se o direito natural do homem ao direito fazer uma rebelião para questionar o poder estabelecido.

Posteriormente temos vários tratados que asseguram os direitos da primeira geração como a Convenção Americana De Direitos Humanos (art.3 – art. 25) em 1969, o Pacto De San Jose Da Costa Rica, oPacto Internacional De Direitos Civis E Políticos de 1966 conhecido como Pacto De Nova York.

A Segunda Geração é aquela que cuida da proteção de grupos de pessoas, como por exemplo a proteção dos trabalhadores e aposentados, seu marco histórico deu-se com o excesso do estado liberal, marcado pela ausência de políticas públicas e a revolução industrial que assim culminaram na ruptura do sistema e na busca da proteção dos trabalhadores. Documentos que marcam esta geração podem ser citados a Constituição Mexicana de 1917, Constituição Alemã De 1919 (Weimar) vinculada a Direitos Fundamentais, a Criação Da OIT em1919 pelo Tratado De Versalhes, Protocolo De San Salvador, Pacto Internacional De Direitos Econômicos Sociais E Culturais.

Os direitos de primeira geração devem ser aplicados de imediato, nota-se o direito à vida, à liberdade dentre outrem, de segunda geração podem ser encontrados do art. 6 ao art. 11 da Constituição Federal de 1988, exemplificados o direito ao trabalho, educação, cultura e são implementados progressivamente, chamada aplicação diferida, porém nada impede para que tenha sua implementação de imediato seja utilizada uma ação judicial, denominado ativismo judicial com Neoconstitucionalismo.

A Terceira geração está vinculada a proteção de um número indeterminado e indeterminável de pessoas. Está no contexto do fim da segunda guerra mundial, onde se constataram absurdos no mundo, bombas atômicas, verificação de campos de concentração nazista dentre outros tipos de desrespeito aos direitos humanos dos cidadãos, consequentementehouve a criação da Organização das Nações Unidas – ONU e a aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos, o Estatuto De Roma com a criação do Tribunal Penal Internacional para o julgamento dos Crimes Contra Humanidade.

Há autores que estendem as gerações de direitos até a sexta. A quarta geração denota o desenvolvimento cientifico e tecnológico, como a nanotecnologia, e objetiva a proteção do futuro. A quinta geração defende a paz universal. A sexta geração deve-se a proteção da agua potável.

2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana corresponde ao mínimo que o indivíduo precisa ter para a sua existência, para alguns autores é um princípio absoluto que está acima de qualquer outro, sendo a raiz de todos os outros princípios.

Ainda nesse contexto de conferir à dignidade da pessoa humana umstatus de princípio fundamental, essencial, fonte de todo ordenamento jurídico brasileiro, manifesta-se o STF:

“(…) O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo (…).5[5]

A valorização do princípio da dignidade humana adveio com a internacionalização dos direitos humanos, quando o mundo começa a valorar a proteção do ser humano, sua origem se deu após a segunda guerra mundial. E encontra-se designado na Declaração universal dos direitos do homem.

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS FORMAL E MATERIAL

A ideia de materialidade constitucional, ou seja, a ideia de que há matérias que em sua essência são dignas de estarem em uma Constituição e de gozarem deste status constitucional decorrentereflete a concepção de determinado momento histórico, sobre o que se deveria entender como matéria constitucional.

Paralelamente à concepção de normas materialmente constitucionais desenvolveu-se a de normas formalmente constitucionais, não se confundindo, de forma nenhuma, uma com a outra.

Normas formalmente constitucionais são aquelas normas previstas no texto da Constituição, tendo sido produzida e aprovada por um processo extraordinário que, se dá por uma Assembleia Constituinte, através de uma maioria qualificada. Estas são normas formalmente constitucionais não em razão de sua matéria, mas pelo simples motivo de estarem presentes no texto constitucional.

Tratam-se, pois, de conceitos distintos, mas que podem coincidir em vários casos, o que, aliás, parece ser o normal: normas materialmente constitucionais, ou seja, normas que por sua essência deveriam estar previstas no texto constitucional, estarem previstas na Constituição, ou seja, serem igualmente normas formalmente constitucionais. Para Jorge Miranda, direito fundamental formal é toda posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagrada na Lei Fundamental.[6]

Pode ocorrer que normas previstas no texto constitucional não sejam consideradas normas materialmente constitucionais, como é o caso, na Constituição Federal brasileira de 1988, do artigo 242, §2º. No mesmo sentido, pode acontecer de normas consideradas materialmente constitucionais não estarem previstas no texto da Constituição, não sendo, portanto, consideradas normas formalmente constitucionais, como é o caso, ainda no direito brasileiro, do Código Eleitoral.

Nesse sentido, há direitos fundamentais presentes no texto constitucional (suas normas seriam material e formalmente constitucionais) e fora dele (suas normas seriam apenas materialmente constitucionais). Esta afirmação é de extrema importância uma vez que se tem demonstrado uma tendência à extensão da proteção característica dos direitos fundamentais formais – e, obviamente, também materiais – aos direitos fundamentais apenas materiais, o que decorreria da supremacia da Constituição.

4 FORÇA NORMATIVA DOS ACORDOS E NORMAS COLETIVAS E O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL

O acordo coletivo pressupõe que as partes conhecem melhor suas próprias realidades sociais entabulando nas negociações coletivas os acordos e convenções,entretanto a boa realização de um acordo pressupõe uma série de questões, que muitasvezes são ignoradas, como bons sindicatos,negociações de boa-fé,transparência, ambiente de igualdade jurídica real. Devido a isso observamos uma serie de discrepâncias que acaba levando a atuação do poder judiciário.

O princípio da irreversibilidade dos direitos sociais pressupõe que na negociação deve haver compensação nas transações, para moldar a lei a realidade daquelas categorias. Por exemplo, A irredutibilidade dos salários salvo em negociação coletiva, essa flexibilizaçãoatribuída pela Constituição Federal permitiu se justificar, em momentosemergenciais, de crise, porémrealmente demonstrados verdadeiro, com boa fé, deve-se ter sempre em foco uma compensação.O julgamento por princípios pressupõe um método cientifico, existe um perigo de usar a sistemática do pós-positivismo de forma leviana, porém não deve inibir seu uso por conta disso.

na doutrina grande discursão sobre a súmula 277 do TST acerca se, o acordo e a convenção coletiva de trabalho integram ou não o contrato de trabalho

“CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.”[7]

Em relação à matéria de convenção e acordo coletivo de trabalho a nova edição dasumula 277 tem sido muito polêmica uma vez que respalda as demais decisões Proferidas quanto a essa matéria. A Justiça do Trabalho posicionava-se no sentido de que as estipulações previstas em convenção ou acordo coletivo de trabalho não se incorporavam ao contrato de trabalho, na medida em que sua aplicação estava atrelada ao prazo de vigência da norma coletiva.

Sabe-se que o prazo máximo de duração de um acordo ou convenção coletiva é de dois anos, porém, as normas fixadas incorporam aos contratos individuais de trabalho, e, mesmo que contenham prazo estipulado de vigência, projetam-se no tempo, devendo ser respeitadas e aplicadas mesmo depois do término da vigência da norma coletiva, e, somente através de um novo acordo ou convenção coletiva, poderão ser modificadas ou suprimidas.

Se, por um lado, a nova redação da Súmula tenha objetivado o estímulo à negociação coletiva e assegurar aos empregados as conquistas já alcançadas, por outro lado, trará riscos imensuráveis aos empregadores, tendo em vista que com a nova edição da sumula  o TST segundo alguns entendimentos obrigou o polo empresarial ou empregador a conviver com clausulas eternas uma vez que não podem ser extintas e em sendo só por um novo acordo ou convenção que por clara cognição será beneficente aos empregados, podendo então entender que contraria a negociação que tem a finalidade de fazer ajustes periódicos de interesses das partes. E dessa forma dá o poder a uma das partes de vetar a vontade da outra.

Pelo fato da imutabilidade salvo casos, do acordo e convenção coletiva, em um primeiro momento as empresas tendem a limitar a estipulação de novos benefícios em prol dos empregados, visto que se encontram temerosos de conceder uma norma coletiva e está a incorporar o contrato individual de trabalho dos empregados. Isso preocupa mais ainda os empregadores, pois é de notório conhecimento que a legislação trabalhista vigente é protetiva aos empregados, o que implica em muitos casos em uma maior oneração de custos as empresas podendo gerar até a inviabilização de algumas atividades econômicas.

Por tais motivos expostos é que há um grande discursão acerca da nova redação da sumula 277 do TST, porém não se pode negar que foi um grande benefício ao trabalhador uma vez que lhe deu mais garantias na relação trabalhista visto que esta é a parte menos favorecida na relação empregatícia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais nas relações de trabalho, além dos direitos sociais, também compreendem outros direitos dentro e fora do catálogo previsto no Título II da CF.Portanto, existem direitos vinculados à tutela da dignidade da pessoa humana e equiparados a direitos contidos no catálogo constitucional que por seu conteúdo (substância) e por sua relevância (importância) são posições jurídicas inseridas na concepção material aberta de direitos fundamentais que integram, logicamente, o rol de direitos fundamentais em sentido material.

Além disso, as disposições contidas nas normas internacionais sobre direitos humanos, atinentes às relações de trabalho, das quais a República Federativa do Brasil seja signatária passam a integrar a esfera de direitos fundamentais trabalhistas, como, a título exemplificativo, as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

Desse modo, o princípio da proibição do retrocesso fortalece a inadmissibilidade da eliminação, da redução ou do enfraquecimento da estrutura normativa, já existente, dotada de fundamentalidade e destinada à proteção do trabalhador, o que não significa a impossibilidade de revogação de normas trabalhistas e o engessamento da atividade legislativa, mas sim a fixação de limites, a fim de que os direitos fundamentais em sentido material inerentes às relações de trabalho sejam, no mínimo, preservados pela norma superveniente.Assim, logicamente, é possível a revogação de dispositivo legal de natureza trabalhista. Contudo, o retrocesso em matéria trabalhista é vedado.

A concepção aberta e ampliativa dos direitos fundamentais em sentido material atende de forma mais adequada aos anseios da humanidade devido ao dinamismo dos fatos, pois a dignidade da pessoa humana está em constante construção no tempo de no espaço, o que exige respostas contextualizadas em lapso hábil aos desafios presentes e futuros.

REFERÊNCIAS

CANOTILHO, José J. Gomes. Direito Constitucional.5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992.

CARMO, Júlio Bernardo do. A súmula n. 277 do TST e a ofensa ao princípio da legalidade. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3. Região. Belo Horizonte, v. 55, n. 85, p. 75-84, jan./jun. 2012.

MIRANDA, Jorge.Manual de Direito Constitucional.3.ed. Coimbra: Coimbra, 1996. t. II.

RINALDI, Volpiano Micheli. Direitos Materialmente Fundamentais Contemplados em Norma coletiva sem previsão expressa na constituição federal de 1988. Ed. Juspodivm, 2014.

SARLET, Ingo Wolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional.10ª ed. Rev. Atual. E ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009a.p.28.



[1] Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA

[2] Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA

[3] SARLET, Ingo Wolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional.10ª ed. Rev. Atual. E ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009a.p.28

[4] CANOTILHO, José J. Gomes. Direito Constitucional.5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992.

[5] (HC 95464, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 03/02/2009, DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC 13-03-2009 EMENT VOL-02352-03 PP-00466)

[6] Jorge Miranda, p.8.

[7] Sumula 277 – TST 

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Camila de Carvalho Brito, Laíse Rodrigues dos. Direitos materialmente fundamentais contemplados em norma coletiva sem previsão expressa na Constituição Federal de 1988. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/direitos-materialmente-fundamentais-contemplados-em-norma-coletiva-sem-previsao-expressa-na-constituicao-federal-de-1988/ Acesso em: 21 nov. 2024