Case apresentado à disciplina de Direito Civil II da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.
1 NARRAÇÃO DOS FATOS
José é o dono de uma criação de gado da raça Wagya, raça japonesa de alto valor de venda e custo de criação. Ele firmou um contrato de compra e venda com Carlos, no qual se obrigou a entregar 1000 cabeças de gado da raça citada, mediante pagamento de R$ 13.000,00 por cabeça. O tempo que ficou acordado para a entrega dos gados foi de 12 meses, já que a intenção de Carlos é a revenda da carne, e este seria o tempo necessário para o abate. Carlos, ainda antecipou 70% do pagamento do valor total do contrato.
A situação problema ocorreu quando um mês antes da data da escolha e entrega das cabeças de gado, uma grave doença acometeu os animais da fazenda de José, e devido a este problema, os animais foram proibidos de serem vendidos para consumo, por determinação do órgão público responsável.
Diante desta situação, o credor Carlos exige o comprimento da obrigação que firmou com José, a entrega das 1000 cabeças de gado, já que o mesmo possui outros contratos firmados para revenda da carne e caso o mesmo não o cumpra, terá que pagar multa e indenizações. O principal argumento de Carlos é que como o contrato firmado é de dar coisa incerta, José tem que arcar com o risco e entregar as cabeças de gado não importando a dificuldade ou o custo. E Carlos ainda afirma que se o gado ficou doente foi por falta de cuidados necessários da parte de José, e caso o mesmo não cumpra com sua obrigação, deve indenizá-lo por perdas e danos.
José por sua vez, alega que não possui culpa pelo adoecimento dos animais e que a determinação de não vende-los para o consumo ainda não é definitiva e que ele poderia entregar as 1000 cabeças de gado naquelas condições e ainda afirma que não tem condições de comprar essas cabeças de gado de terceiros, pois a manutenção do contrato seria excessivamente onerosa para ele, já que talvez ele teria até mesmo que importar as cabeças de gado.
2 DOUTRINA
A prestação na obrigação de dar coisa incerta não é determinada e sim determinável. Nesse tipo de obrigação o objeto não será totalmente indeterminado, uma vez que deve ser determinada por gênero e pela qualidade, faltando apenas a definição de sua qualidade.
Levando isso em conta, o caso da venda dos gados configura esse tipo de obrigação, pois é estipulado a quantidade (1000 cabeças de gado) e o gênero (raça wagyu). No momento da escolha, que pode ser feito pelo devedor ou pelo credor (se assim estiver estipulado no contrato), é que se determina a qualidade da coisa.
Segundo Flávio Tartuce (2014) “as coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha cabe ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação. De qualquer forma, cabendo-lhe a escolha o devedor não poderá dar na pior, mas também não será obrigado a prestar a melhor.”
2.1 LEGISLAÇÃO BASE
Obrigação de dar coisa incerta:
Art 243, CC: “A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidades”
Art 246, CC: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”
2.2 ARGUMENTAÇÃO
O que qualifica o caso acima como obrigação de dar coisa incerta é o fato do objeto ter sido indicado apenas pelo gênero (raça wagyo) e pela quantidade (1000 cabeças de gado), não havendo ainda efetuada a escolha. Assim, coisa incerta não quer dizer qualquer coisa, mas coisa indeterminada, porém suscetível de determinação futura.
Sobre dar coisa incerta, o artigo 246 do código civil diz: “Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”, ou seja, a escolha, o momento de seleção dos animais não foi feito ainda, logo José não pode alegar que o não cumprimento da obrigação se deve ao fato do gado ter adoecido, pois seja por negligência do mesmo ou por motivos externos, a lei dispõe que a obrigação deve ser cumprida.
Tendo em vista que as 1000 cabeças de gado seriam para revenda, Carlos não pode ficar sem receber o bem da vida, já que seria extremamente oneroso para o mesmo cancelar seus negócios, pois depende dessas cabeças de gado para que os outros contratos se cumpram. José quando firmou no contrato a obrigação de dar 1000 cabeças de gado, se torna obrigado a entregar esses bens, de acordo com o dispositivo legal.
Deve José então, entregar as 1000 cabeças de gado, porém saudáveis, já que as que possui estão proibidas de serem revendidas para o consumo, o que impossibilitaria que Carlos honrasse seus outros acordos. Como José não possui as cabeças de gado para entregar para Carlos, deve este adquirir esse gado de terceiros, e entregar para Carlos pelo valor acertado anteriormente em contrato, sem nenhum acréscimo.
E ainda, se José não conseguir comprar as cabeças de gado de terceiros para entregar à Carlos, deverá restituir os 70% que Carlos pagou no início do contrato, mais perdas e danos, de forma que Carlos possa comprar esses animais em outro lugar sem nenhum ônus.
3 JURISPRUDÊNCIAS
Julgamento: 13/03/2006
Órgão Julgador: 3ª Turma Cível
Classe: Agravo – N. – Costa Rica.
Relator – Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli.
Agravante – Neimar Antônio Marafon e outro.
Advogado – Jean Rommy de Oliveira.
Agravados – Antônio Paes Lemos e outro.
Advogado – Antônio Rodrigues da Silva.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO CONVERSÃO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ENTREGA DE COISA INCERTA POR EXECUÇÃO DE QUANTIA CERTA COTAÇÃO DO PRODUTO DO MOMENTO DA CONVERSÃO RECURSO IMPROVIDO.
A cotação do produto deve ser aquela do momento em que passou a ser exigido o cumprimento da obrigação em valor certo, pois cabe aos agravantes o direito ao recebimento do valor da coisa e perdas e danos.
Pelo lapso temporal em que não foi cumprida a obrigação de entregar as sacas de soja, resultando prejuízos aos agravantes, cabe reparação de perdas e danos.
Recurso improvido.
3.1 ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 13 de março de 2006.
Des. Hamilton Carli Relator
3.2 RELATÓRIO
O Sr. Des. Hamilton Carli
Neimar Antônio Marafon e Elza Aparecida de Oliveira Marafon, irresignados com a decisão proferida pelo juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Costa Rica, que determinou a avaliação do bem da demanda pelo dia da conversão da execução, e não da data do inadimplemento da obrigação, na Execução de Entrega da Coisa Incerta movida em desfavor de Antônio Paes Lemos e Lenir Barbosa Lemos, recorrem a esta Corte com o fito de ver reformado o referido decisum.
Sustentam, em síntese, que a decisão deve ser reformada já que a correção monetária e os juros cobrados servem para amenizar os prejuízos sofridos pelo não-recebimento da dívida na época certa, o que ocorreu há seis anos, e portanto, o valor da soja deve ser o do dia obrigação de entrega, atualizado e com incidência de juros e, não o atual, sob pena de estar beneficiando o mau pagador.
Alegam que se os agravados quisessem discutir a questão dos valores via embargos deveriam ter efetuado a entrega ou depósito da soja; que pela não entrega, os agravantes têm direito a receber perdas e danos além do valor da coisa; e ainda, que o juiz a quo não fixou os honorários advocatícios.
Requerem, in fine, o provimento do recurso objetivando a reforma da decisão objurgada para que o valor da conversão seja o da data em que o produto deveria ter sido entregue, devidamente atualizado, e não da data do pedido.
O recurso foi recebido no efeito suspensivo, à f. 59 TJ-MS.
Os agravados, em contra-razões às f. 64 usque 75, pugnam pelo improvimento do recurso.
3.3 VOTO
O Sr. Des. Hamilton Carli (Relator)
Neimar Antônio Marafon e Elza Aparecida de Oliveira Marafon, irresignados com a decisão proferida pelo juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Costa Rica, que determinou a avaliação do bem da demanda pelo dia da conversão da execução e não da data do inadimplemento da obrigação, na Execução de Entrega da Coisa Incerta movida em desfavor de Antônio Paes Lemos e Lenir Barbosa Lemos, recorrem a esta Corte com o fito de ver reformado o referido decisum .
Sustentam, em síntese, que a decisão deve ser reformada já que a correção monetária e os juros cobrados servem para amenizar os prejuízos sofridos pelo não-recebimento da dívida na época certa, o que ocorreu há seis anos e, portanto, o valor da soja deve ser o do dia obrigação de entrega, atualizado e com incidência de juros, e não o atual, sob pena de estar beneficiando o mau pagador.
Alegam que se os agravados quisessem discutir a questão dos valores via embargos deveriam ter efetuado a entrega ou depósito da soja; que pela não-entrega, os agravantes têm direito a receber perdas e danos além do valor da coisa; e, ainda, que o juiz a quo não fixou os honorários advocatícios.
O MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Costa Rica fundamentou sua decisão (f. 47-48 TJ-MS) nestes exatos termos:
(…) A meu ver, assiste razão aos executados, vez que, somente quando determinada a conversão da execução é que passa a ser credor de obrigação certa; então, mais do que cristalino, que o bem objeto da demanda deva ser avaliado pelo dia da conversão da execução, e não da data do inadimplemento da obrigação.A questão posta para decidir, in casu, deve prevalecer o valor do produto (soja) do dia do pedido de conversão feita pelo credor.?
Verifica-se que a pretensão do agravo consiste em que a conversão para execução por quantia certa seja com o valor da soja do dia do inadimplemento da obrigação de entrega, atualizado e com incidência de juros, e não pelo dia da conversão da execução, como decidiu o magistrado a quo.
Tenho que o recurso não deve ser provido. Vejamos.
Nas execuções específicas, por sua índole e finalidade, o credor sente-se satisfeito, em regra, com a solvência da obrigaç ão a partir da própria prestação.
No caso concreto, os agravantes propuseram a execução buscando a entrega da soja, nos termos contratados, o que, todavia, não ocorreu.
Restando frustrada a possibilidade de recebimento do produto pretendido, a execução passou a ser por quantia certa.
Diante de tais considerações, levando em conta especialmente que, uma vez convertida a obrigação em pecúnia, cabe ao credor o recebimento do valor da coisa e perdas e danos, e portanto, tenho que a adoção do valor da soja no momento da conversã o é o mais adequado.
No vencimento do contrato, a obrigação do devedor era de entregar a soja, dever que permaneceu, até que convertida a ação de execução.Logo, injustificada a adoção do valor do produto no vencimento da avença, pois, nesse momento outra era a obrigação.
Destarte, a partir do prosseguimento da execução por valor certo é que este passou a ser exigido. Antes, a obrigação era de entregar coisa incerta.
A cotação do produto, portanto, deve ser aquela do momento em que passou a ser exigido o cumprimento da obrigação em valor certo, pois cabe aos agravantes o direito ao recebimento do valor da coisa e perdas e danos.
Sendo assim, e até para que o crédito seja integralmente satisfeito, deve a conversão seguir o preço atual da saca de soja , até porque o seu valor tem cotação em bolsa, razão pela qual a apuração do quantum exeqüendo é feito mediante simples ca lculo aritmético.
Este é a jurisprudência vigente nos Tribunais de Justiça:
“Agravo de instrumento. Execução para entrega de coisa incerta (sacas de soja). Perda. Conversão em execução por quantia certa. Parâmetros. A execução para entrega de coisa incerta, quando não mais possuem os executados o produto objeto da execução, converter-se-á em por quantia certa, devendo ser considerado como termo para conversão sas sacas de soja em valor a data em que constatado pelo devedor a inexistência das mesmas , incidindo, a partir de então, correção monetária, utilizando-se, na ausência de índice pactuado, o IGP-M. Agravo provido.”? (TJRS – AGI 197256886 – 3ª Câmara Cível – Rel. Desª. Elaine Harzheim Macedo).
“Execução de obrigação de entregar. Penhora. É válida a constrição de imóvel hipotecado e nomeado à penhora pelo próprio executado. Não encontrada a soja a ser entregue, a obrigação converte-se em pecuniária, devendo o arbitramento observar o valor de mercado naquela data, não na data do vencimento da obrigação. Aplicando-se a correção oficial. Apelo parcialmente provido.”? (TJRS – APC 196078935 – 4ª Câmara Cível – Rel. Des. Moacir Leopoldo Haeser)
Pelo lapso temporal em que não foi cumprida a obrigação de entregar as sacas de soja, resultando prejuízos aos agravantes, cabe reparação de perdas e danos.
A cotação do produto, portanto, deve ser aquela do momento em que passou a ser exigido o cumprimento da obrigação em valor certo, pois cabe aos agravantes o direito ao recebimento do valor da coisa e perdas e danos.
Posto isso e por tudo mais que dos autos consta, nego provimento ao agravo de instrumento.
3.4 DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Rubens Bergonzi Bossay.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Hamilton Carli.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Hamilton Carli, Oswaldo Rodrigues de Melo e Paulo Alfeu Puccinelli.
Campo Grande, 13 de março de 2006.
4 REFERÊNCIAS
TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2. 9 ed. São Paulo: Método, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, v. 2.
GAGLIANO, Pablo Stoze. Novo curso de direito civil, volume 4: contratos, tomo I: teoria geral / Pablo stoze Gagliano, Rodolfo Pamplora Filho. – 11 de. Rev e atual – São Paulo: Saraiva. 2015
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. v.3.
Alunos:
Larissa Vidal Diniz de Almeida, Ana Paula Braga, Matheus Gama de Carvalho e João Victor Araújo de Araújo