Ações afirmativas para diminuir diferenças sociais[1]
Luciano Estevão Dos Santos
RESUMO: Nos dias atuais ainda vislumbramos muita desigualdade tanto no campo social quanto no racial, sendo assim, o Presente Trabalho visa esclarecer as ações afirmativas através da implantação de políticas públicas para diminuir diferenças raciais e sociais entre as pessoas, o sistema de cotas raciais e sociais no Brasil à luz da Lei 12711 de 29 de agosto de 2012, é uma dessas políticas. A referida Lei visa a separação de 50% (cinquenta por cento) das vagas destinadas as universidades federais e cursos técnicos federais para negros, pardos, e indígenas. O trabalho versa dentre outros, sobre o princípio da igualdade bem como o da dignidade da pessoa humana, quando se separa vagas se beneficia um determinado grupo de pessoas, ao mesmo tempo, ao separá-las, aplica-se a dignidade da pessoa humana quando se tenta reparar um processo histórico de discriminação.
Palavras-chave: Sistema de Cotas. Negros, discriminação, igualdade. Universidades Federais.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Presente artigo versa sobre as ações afirmativas, que são medidas compensatórias chamadas de medidas discriminatórias positivas, pois elas discriminam para integrar, as ações afirmativas são políticas públicas e mecanismos de inclusão, com o objetivo de dar igualdade de oportunidades todos os que concorrem a uma vaga em universidades e escolas técnicas federais e privadas no Brasil.
A política afirmativa do sistema de cotas raciais e sociais nas universidades públicas brasileiras tem como objetivo diminuir as diferenças raciais existentes entre brancos e negros, índios, pardos, e ainda a diferença social e econômica existente entre os brasileiros, causadas muitas vezes pelo sistema escravagista dos séculos XVIII e XIX. O modelo de afirmação foi historicamente mal sucedido nos Estados que o adotaram e sua aplicação. No Brasil poderá gerar diversos tipos de discriminações, assim como beneficiar uns em prejuízo de outros, utilizando critérios absolutamente injustos e inconstitucionais.
O Sistema de cotas raciais e sociais que a Lei n°12.711 de 29 de agosto de 2012 defende, utiliza os critérios de cor de pele e condição social para avaliação do merecimento das vagas destinadas as universidades federais e escolas técnicas federais. Critério que beneficia aos negros pardos e indígenas assim como aos que são considerados com poucos recursos, já que destina vagas a quem tem renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo e ainda que tenham cursado integralmente o ensino médio em escola pública.
Conforme prescreve a referida Lei, o sistema de cotas raciais e sociais visa equiparar condições através da inclusão social e Visa ainda eliminar a desigualdade social brasileira, através do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, todos são iguais perante a Lei. Não se pode beneficiar um grupo específico. Uma sociedade que discrimina é uma sociedade desigual. Ao oferecer cotas para este determinado grupo étnico está se beneficiando quem teve oportunidades desiguais, como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello quando estabelece questões a serem observadas a fim de verificar o respeito e o desrespeito ao princípio da igualdade.
Como assevera o Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa em seu texto, O Debate Constitucional sobre as ações afirmativas “acho que a discriminação, como componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se de uma roupagem competitiva. O que está em jogo aqui é, em certa medida, competição: é o espectro competitivo que germina em todas as sociedades. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o discriminado” afirmou.
Sobre a inclusão social, a Professora Sandrelise Gonçalves afirma em seu trabalho que, as políticas de inclusão social são um meio de ação afirmativa que objetivam promover a igualdade de oportunidades, bem como o tratamento entre as pessoas visando à amplitude de acesso à Educação.
Aqui cabe destacar o argumento de Delevatti pelo qual:
O direito à educação básica também se acha fundado no princípio da igualdade, que se encontra no art. 3º, III, in fine, da Constituição Federal. Para que as desigualdades sociais sejam de fato reduzidas, é necessário que todos tenham iguais oportunidades.
É notório que no âmbito educacional as desigualdades são latentes, pois as escolas públicas de primeiro e segundo graus, na grande maioria, nem de longe se comparam com as escolas privadas. (DELEVATTI, 2006, p. 10)
Há opiniões contrárias a algumas ações afirmativas, como assinala Ali Kamel diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, em seu livro “Não somos racistas”, em sua obra ele demonstra que as chamadas “ações afirmativas” são uma resposta irracional para um problema fictício – o racismo institucional, que não vigora no Brasil. O engano fundamental das políticas raciais estaria, de acordo com Kamel, em considerar que a sociedade brasileira é constitutivamente racista. Existe racismo no Brasil, mas ele não é um dado predominante da cultura nacional e não conta com aval de nenhuma instituição pública. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, prontuários médicos e outros documentos oficiais informem a raça de seu portador, o estatuto da igualdade Racial está na verdade desprezando uma longa tradição de mistura e convivência em prol de categorias raciais estanques e estúpidas. É, na prática, um exercício de discriminação racial, sancionado pelo Estado.
Ali Kamel acrescenta ainda que, a miscigenação, dado central da sociedade brasileira, é o fato recalcado pelos defensores das cotas. A lógica beligerante implícita do estatuto e da Lei de cotas é de que existem dois grandes grupos no Brasil: os brancos, opressores, e os negros, oprimidos. Isso se revela até no uso das estatísticas do IBGE – e um dos pontos fortes de Não Somos Racistas é a clareza co que o autor (que, além de jornalista, tem formação em ciências sociais) destrinça números para demonstrar a falácia das cotas. Nas contas dos que defendem medidas do gênero, os negros são 48% da população, mas representam 66% dos brasileiros pobres. Kamel parte da mesma fonte – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE – para observar que, na verdade, os negros são uma minoria. Os filhos da miscigenação, definidos como “pardos”, são mais numerosos e têm um lugar ambíguo no discurso racial. Ainda que, a pobreza é chaga social renitente do Brasil. Ela não discrimina: atinge brancos, negros, mulatos. “Negros e pardos são maioria entre os pobres porque o nosso modelo econômico foi sempre concentrador da renda: quem foi pobre (e os escravos, por definição, não tinham posses) esteve fadado a continuar pobre”, observa Kamel. Negros, brancos e pardos, diz o autor, só sairão da pobreza por força de políticas que incluam a todos – especialmente com investimentos consistentes em educação. Kamel também é muito eficiente ao traçar o histórico das equivocadas políticas raciais debatidas hoje. A ideia de que o Brasil é racista foi, de acordo com o autor, inventada a partir dos anos 1950 por cientistas sociais como Florestan Fernandes – e Fernando Henrique Cardoso. Foi em consonância com as ideias expostas na obra do sociólogo – como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional – que o presidente Fernando Henrique implementou as primeiras políticas de “ação afirmativa” no funcionalismo público.
2 AÇÕES AFIRMATIVAS
2.1 O que são?
As Ações afirmativas são medidas discriminatórias positivas: na realidade elas discriminam para integrar, ao contrario das medidas discriminatórias negativas (como o apartheid foi na África do sul), que servem para segregar. As ações afirmativas favorecem alguém que foi historicamente discriminado e desfavorecido em consequência de políticas e formas de dominação que são consideradas injustas e desumanas pelos acordos e tratados internacionais de direitos humanos. Elas existem para que essas pessoas possam competir no mercado de trabalho e exercer seus direitos plenamente, em igualdade com aqueles outros indivíduos que, ao contrario, foram historicamente favorecidos e hoje possuem uma vantagem muito grande em relação aos primeiros.
Essa desigualdade é que separa as pessoas tanto espacialmente (em consequência da desigualdade, as pessoas moram em lugares distintos), profissionalmente (os privilegiados ficam com os melhores empregos e profissões), e simbolicamente(as pessoas privilegiadas são consideradas melhores na sociedade porque possuem aquelas características desejadas por todos). O problema é que essa desigualdade não acontece por falta de mérito dos que estão em desvantagem, mas são resultado do ponto de partida de cada um, pois um parte de uma situação em que tudo conspira a seu favor (condições ideais de ensino, moradia , saúde, autoestima), enquanto o outro parte de condições contrárias (falta de tudo aquilo, acrescida à violência racial, que é tanto simbólica quanto situacional).
O doutrinador Pedro Lenza em seu trabalho faz menção a desigualdade social que pode ser medida de muitas formas como, por exemplo, através da miséria, da injustiça, da marginalização social, da exploração social e até de forma econômica através da hipossuficiência, qualquer que seja a forma de desigualdade acarreta exclusão social. Conforme dispõe Bernardo Gonçalves Fernandes:
No campo de aplicabilidade e de efetivação do princípio da igualdade, é importante ainda tecer alguns comentários sobre as ações afirmativas (affirmatives actions), que se caracterizam pelo tratamento diferenciado pelo Estado de um grupo ou de uma identidade a fim de que se estabeleçam medidas compensatórias por toda uma história de marginalização socioeconômica ou de hipossuficiência. Aqui, o foco é a concretização desigualdades de oportunidades em face dos demais indivíduos. A origem de tal idéia vem do direito norte-americano, que em substituição à doutrina do separate but equal entre brancos e negros (por exemplo, uma escola para brancos e uma escola para negros) percebe a importância e a necessidade de uma ação mais interventiva pelo Estado no sentido de afastar sentimentos discriminatórios (desarrazoados). Certo é que as ações afirmativas vão se inserir no intitulado âmbito de uma politica social de discriminação positiva que, como já salientado, visam a corrigir desigualdades de cunho histórico. Um exemplo atual no Brasil envolve discussão sobre a politica de quotas. (2010).
Em busca de uma igualdade substancial, inspirada na lição secular de Aristóteles, a ideia é tratar com isonomia a todas as pessoas, afinal todos somos iguais perante a Lei sem distinções, é preciso tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na exata medida de sua desigualdade.
Art. 5º Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLII – a pratica do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da Lei. (BRASIL, 1988).
Segundo Alexandre Morais (2008), a Constituição federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm direito a tratamento idêntico pela Lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Desta forma, o que se veda são as diferenciações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é tradicional do próprio conceito de justiça, sendo assim, não há que se falar em privilégios em se tratando de vestibular, esta é a parte negativa do sistema de quotas raciais adotados no Brasil.
São, portanto, “medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados” (MENEZES, 2001, p. 27), sendo que os favorecidos são, por óbvio, aqueles que estão em desvantagem.
Cumpre esclarecer que muitas vezes as ações afirmativas são chamadas de política “em face de suas origens históricas e por uma questão de uniformidade terminológica” (MENEZES, 2001, p.27).
Convém ainda dizer que esse entendimento das ações como “política” também pode ser dar por serem essas ações, em sua maioria, advindas de atos e decisões governamentais. Mas, não são apenas de entes públicos, pois a iniciativa privada também pode criar esse tipo de programa internamente. É, por exemplo, uma faculdade que contrata ascensoristas portadores de necessidades especiais como uma forma de inclusão desses indivíduos ao mercado de trabalho.
Corroborando com esse entendimento, Joaquim explica como são essas políticas no âmbito da educação.
As políticas afirmativas na educação são instrumentos preventivos e, em alguns casos, temporários. Elas visam ampliar o acesso à educação dos grupos historicamente discriminados no sistema educacional e no mercado de trabalho, para evitar o aumento da discriminação e a desigualdade. Para tanto, faz-se necessário o reconhecimento das desigualdades nesse contexto, para formulação de políticas públicas e ações afirmativas, como contribuições efetivas na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. (JOAQUIM, 2009, p. 254-255).
Neste entendimento, a política de ações afirmativas vem para corrigir injustiças quanto ao acesso de alunos de classes sociais diferentes à educação, sendo esta ação um instrumento de inclusão social.
2.2 Contexto do surgimento das cotas
As ações afirmativas são políticas publicas e mecanismos de inclusão, concebidas por entidades públicas ou privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicionais, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.
De acordo com a professora Sandrelise Gonçalves as ações afirmativas demandam um estudo específico, tendo um enfoque de direito comparado, uma vez que é um tipo de ação surgida no contexto norte americano e, hoje, traçam um diálogo intenso com uma realidade social brasileira.
Cabe ainda lembrar que, as ações afirmativas tiveram a sua origem nos Estados Unidos da América voltado para a questão dos negros, no início de 1960 no Governo de John F. Kennedy. O Presidente, por meio de um decreto executivo, determinou a tomada de medidas positivas para a inserção dos negros ao sistema educacional de qualidade, que, até então, era reservado às peças brancas (JOAQUIM, 2009, p. 260).
No governo seguinte, de Lydon Johnson (1963-1968), para o combate das desigualdades de gênero (homem e mulher) e também raciais, novos mecanismos e estratégias foram implementados, sendo que em 1964, com o advento do Civil Rigths Act (Ato de Direitos Civis) essas implementações se tornaram políticas antidiscriminatórias para o mercado de trabalho (JOAQUIM, 2009, p. 261).
Nas palavras de Menezes:
A ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos, sendo o Presidente John F. Kennedy o primeiro a utilizar a expressão em um texto oficial, em 1961 ao propor medidas que tinham por objetivo ampliar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Seu sucessor, Lydon B Johnson, tratou de dar ao termo um sentido mais próximo daquele que veio a ser posteriormente consagrado no meio jurídico. (MENEZES, 2001, p. 27).
O conhecimento acerca do que são as ações afirmativas é essencial, uma vez que foi um modelo surgido nos Estados Unidos da América (EUA) e que foi implementado por vários outros países no mundo, inclusive o Brasil.
A incompreensão desse tipo de “ações” pode levar a uma interpretação desvirtuada do seu objetivo real e, consequentemente, a implantação do modelo será feita de forma equivocada, causando problemas ao invés de soluções.
Um estudo dessa natureza produz subsídios que derivam, sobretudo da observação do sistema americano e, por conseguinte, comparando-o com o sistema brasileiro, para ter uma visão de que forma essas ações surgem e se são validas.
Vale à pena ressaltar que as ações afirmativas ora estudadas, são aquelas voltadas para a educação, especialmente no tocante ao ensino superior das universidades privadas que é o foco desse estudo.
Para dar início à compreensão da contribuição norte americana, é preciso conceituar as ações afirmativas que segundo Kaufman (2007, p.48).
Pode-se conceituá-las como um instrumento temporário de política social, praticado por entidades privadas ou pelo governo, por meio do qual se visa a integrar certo grupo de pessoas à sociedade, objetivando aumentar a participação desses indivíduos sub-representados em determinadas esferas, nas quais tradicionalmente permaneceriam alijados por razões diversas, como raça, deficiência física, idade ou classe social. Procura-se com tais programas positivos, integrar determinado grupo de pessoas à sociedade.
2.3 Forma de institucionalização no Brasil
No Brasil, as cotas raciais ganharam visibilidade a partir dos anos 2000, quando universidades e órgãos públicos começaram a adotar tal medida em vestibulares e concursos. A Universidade de Brasília (UnB) foi à primeira instituição de ensino no Brasil a adotar o sistema de cotas raciais, em junho de 2004. De lá para cá o número de universidades que possuem ação afirmativa baseada em raças só aumentou e hoje já representa a maioria das universidades federais.
As cotas raciais são uma demanda antiga do movimento negro, mas o debate mais generalizado na sociedade sobre ações afirmativas no Brasil se fortaleceu com a participação ativa do país na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001 em Durban, na África do Sul. A partir desse período, diversas universidades estaduais e federais brasileiras passaram a adotar cotas sociais ou raciais, mas não havia uma Lei que regulamentasse nem tomasse esse tipo de ação afirmativa uma política de Estado. Com a Lei nº 12.711, sancionada pela presidente Dilma Rousseff no último dia 29 de agosto de 2012, este instrumento de promoção da igualdade racial e social deve se fortalecer, além de provocar instituições estaduais e privadas a adotarem também medidas correlatas.
No Brasil o sistema de cotas implementado pela Lei 12711 de 29 de agosto de 2012, representa ação afirmativa de alta relevância social, voltada à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com o objetivo inabalável de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem qualquer tipo de preconceitos e discriminação.
Em seu trabalho, Professora Sandrelise Gonçalves Chaves, afirma o tema ações afirmativas como uma necessidade e a sua validade teve início no Brasil no século XX, em suas últimas décadas, também sobre a questão dos negros (como foi nos EUA). Joaquim conta que
Elas ocorrem inicialmente no âmbito das organizações no Movimento Negro nacional, bem como em alguns restritos espaços acadêmicos. A propósito, em 1997, um projeto de Lei de iniciativa do senador Abdias do Nascimento (n° 74/1997) dispõe sobre medidas de ação compensatórias para implementação do princípio da isonomia social dos afro-brasiLeiros no mercado de trabalho e no ensino. (JOAQUIM, 2009, p. 261)
No campo do direito à educação, a questão das ações afirmativas – como um meio inclusivo daqueles que sofrem discriminação – é tema que tem grande repercussão e preocupação sendo que:
Educação inclusiva, no caso brasileiro, é um dos maiores desafios para os educadores, juristas, Poder Público e sociedade em geral. Uma das mais graves discriminações ocorre quando o direito de ser educado de uma pessoa é atingido, porque o direito à educação é um direito social fundamental para o ser humano. E aqui se faz necessário a inclusão social na educação de todos os segmentos sociais discriminados historicamente: mulheres, portadores de deficiência, índios, afro-descendentes , idosos, ciganos etc.” (JOAQUIM, 2009, p. 35) (grifos do autor).
Como já exposto pela professora Sandrelise Gonçalves Chaves, o Estado, na busca do cumprimento da obrigação imposta constitucionalmente, tem promovido de forma evolutiva, ações políticas de inclusão social e educacional, principalmente, por meio do desenvolvimento de ações afirmativas no âmbito do Ensino Superior.
São vários os projetos que visam a inclusão social, seja diretamente sobre educação, seja sobre saúde que é essencial para o aprendizado com qualidade. São esses projetos vão assegurar o desenvolvimento do país de forma democrática, pois como já afirmou Teixeira (apud HORTA, 2007, p.182) “a democracia depende essencialmente da efetivação do direito à educação”. Isto é, a educação proporciona ao indivíduo a informação, que permite a formação de uma opinião que reflete e intervém na vida política e, por conseguinte, leva à democracia, na qual as decisões políticas estão nas mãos dos cidadãos.
Esses programas vão desde o ensino básico como o Bolsa Família e o Bolsa Permanência, passando pelo ensino médio, até o ensino superior, tendo como provedores tanto a União, como os Estados quanto os Municípios, sem deixar de lembrar que podem também partir de instituições privadas.
2.4 Legislação
Conforme prescreve a Lei 12711 de 29 de agosto de 2012 o sistema de cotas raciais e sociais visa equiparar condições através da inclusão social e visa ainda eliminar a desigualdade social brasileira, através do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
De Acordo com Kildare Gonçalves Carvalho (2002), a dignidade da pessoa humana, que a Constituição de 1988 inscreve como fundamento do Estado, significa não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. O termo dignidade designa o respeito que merece qualquer pessoa, nestes termos a iniciativa da Lei 12711/2012 de separar (50%) cinquenta por cento das vagas nas universidades federais visa uma reparação de um processo secular de discriminação.
Art 1º III A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: inciso III – a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).
A Lei nº 12.711/2012 conduz as universidades, desta feita, a assumir o seu verdadeiro papel na sociedade, que vai muito além de simplesmente selecionar aqueles que obtêm as melhores notas no vestibular, devendo contribuir para a Formação de uma sociedade mais plural, em que todos os grupos sociais estão equitativamente representados, o que é fundamental para o progresso civilizatório da nação como um todo. Esta versa sobre o sistema de cotas raciais para negros, pardos e indígenas, onde há uma reserva de 50% das vagas em universidades públicas para este determinado grupo étnico, desde que tenham cursado integralmente em escolas públicas e suas famílias possuam renda mensal igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.
Como versa a Lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012, o sistema de cotas raciais no Brasil não beneficia apenas negros. Nas instituições públicas da região norte, por exemplo, é comum a reserva de vagas ou empregos para indígenas e seus descendentes. Algumas universidades também destinam parte de suas vagas para candidatos pardos.
Com o advento da nova Lei de cotas raciais no Brasil, passarão a existir dois universos distintos em que se dará a concorrência pelas vagas nas instituições, cada um com 50% das vagas, sendo um destinado aos estudantes oriundos de instituições privadas, cerca de 1 milhão de jovens, e outro atribuído aos egressos de escolas públicas, cerca de 6 milhões. Sendo o primeiro, como visto mais de 5 vezes menor que o segundo, não há o risco de, a pretexto de se eliminar uma desigualdade, criar-se outra, já que, proporcionalmente, o universo de vagas cujo acesso é livre é muito maior do que o reservado.
Da mesma forma, a destinação de metade das vagas reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda per capita de até 1,5 salários mínimo, previsto no parágrafo único do artigo 1º, assegura que a política afirmativa atinja a camada menos favorecida da população. Ademais, guarda conformidade com a situação socioeconômica do país, uma vez que, segundo dados do IBGE, essa faixa de renda compreende a imensa maioria da população brasileira, sendo, portanto, um critério suficientemente inclusivo. Fica, neste ponto, assegurado o caráter social das cotas, fundamental para a consecução de suas finalidades.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50%(cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário- mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.( BRASIL, 2012).
A Constituição Federal de 1988 instituindo um Estado Democrático de Direito, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, desde o seu preâmbulo a igualdade e a justiça.
Para exemplificar podemos citar os seguintes artigos:
Art.3º – Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil:
IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art 5º – Todos são iguais perante a Lei, se distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e á propriedade.
Os artigos demonstram que o constituinte brasileiro repeliu qualquer forma de discriminação e fundamentou suas diretrizes no princípio da igualdade.
Como explica José Afonso Da Silva, É que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra.(…) Reforça o princípio com muitas outras normas sobre a igualdade, ou buscando a igualização dos desiguais pela outorga dos direitos sociais substanciais.
No mesmo sentido Paulo Bonavides assevera, O centro medular do Estado Social e de todos os direitos de sua origem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica. Com esta compõe em eixo ao redor do qual gira toda concepção estrutural do estado democrático contemporâneo. De todos os direitos fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito chave guardião do Estado social.
Como demonstra o Professor João de Farias Morais Coutinho, isonomia e igualdade jurídica são vocábulos semanticamente equivalentes. Etimologicamente, a palavra isonomia é composta do sufixo grego ísos, que significa igual, semelhante,e pelo elemento de composição, também grego, nómos (nomía) significando Lei. Destarte, isonomia denota o estado das pessoas sujeitas às mesmas Leis e, por extensão, sujeitas aos mesmos direitos e deveres.
A igualdade, em um contexto histórico, passou por grande evolução no que diz respeito a sua concepção, ajustando-se em igualdade formal e material.
No que diz respeito a igualdade material, trata-se de um princípio que visa proporcionar a garantia individual quanto tolher favoritismo, por isso os poderes públicos, através de ações corretivas e do estabelecimento de direitos relativos à assistência social, educação, trabalho, lazer e o que mais seja necessário para a satisfação básica do cidadão, procurou promover uma igualdade material, ou seja, o tratamento equânime de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades.
Por outro lado, a igualdade formal consiste naquela que é disciplinada pela Lei, ou seja, é a igualdade perante a Lei.
Trazida brevemente essa definição de igualdade, importa diferenciar a igualdade formal da igualdade material, pois há efeitos práticos na distinção de uma e outra.
A igualdade formal – que também e chamada de igualdade jurídica, está presente nas normas jurídicas que trazem em si a isonomia, ao passo que, a igualdade material, é o que se objetiva com a Lei que é o próprio tratamento igual, equânime, entre os indivíduos.
Na prática, a distinção da igualdade material pela a igualdade formal vai surtir efeitos em relação ao papel do Estado diante da sociedade, como demonstrado por Silva (2006).
[…] Note-se que o segundo conceito de igualdade [de igualdade material] absorve e amplia o primeiro, pois igualdade formal e igualdade material são manifestações do princípio da isonomia em duas gerações sucessivas de direitos fundamentais. Para ser mais explícito, o princípio da igualdade material não só veda o tratamento discriminatório, como também preconiza a implementação de políticas públicas tendentes a exterminar ou mitigar as desigualdades de fato.
A diferença está basicamente na postura do Estado em relação à igualdade, pois, enquanto o Estado Liberal se contenta em não produzir institucionalmente a desequiparação, o Estado Social, berço da Segunda geração, arroga para si a missão de produzir a equalização como compromisso constitucional. (grifos do autor).
Com efeito, as ações afirmativas não são apenas sobre os “afro-brasileiros”, sendo esse grupo apenas a motivação do início da discussão. Hoje em dia, no Brasil, explica Joaquim que:
a “ação afirmativa” ou “políticas afirmativas” alcançam não apenas os afro- brasileiros, mas, também, outros segmentos sociais historicamente discriminados e atualmente excluídos. Vale destacar ainda, que as chamadas ações políticas afirmativas são consideradas discriminações positiva, pela finalidade de inclusão social daqueles historicamente excluídos. (JOAQUIM, 2009, p. 262)
Portanto, o advento da lei de cotas raciais e sociais vem como uma nova ação afirmativa no Brasil, com o fito de incluir socialmente determinados grupos étnicos, diminuindo assim as diferenças sociais entre as pessoas.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo exposto, concluí-se que a discriminação e o preconceito são realidades existentes no Brasil independente de cor, raça, sexo, credo, ou idade, e as ações afirmativas são políticas públicas chamadas medidas compensatórias ou medidas discriminatórias positivas, que são ações que discriminam para integrar visando a inclusão social, diminuindo assim,as diferenças sociais através dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Sendo assim, a política afirmativa do sistema de cotas raciais e sociais são soluções que pretendem dar igualdade de condições de competição nos vestibulares entre alunos que pleiteiam vagas nas universidades federais brasileiras bem como nas escolas técnicas federais baseadas nos critérios de cor de pele e de condição social.
Mesmo havendo opiniões contrárias como as que dizem que no Brasil não há discriminação racial e sim social, como conclui Ali Kamel em seu livro “Não somos racistas” onde o referido autor afirma que a pobreza é chaga social renitente do Brasil,e que quem foi pobre(e os escravos, por definição, não tinham posses) está fadado a continuar pobre, e esta pobreza atinge brancos , negros e mulatos,e estes só saíram da pobreza por força de políticas que incluam a todos.
Importante recordar, que no Brasil a partir da Lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012 passou se a usar estes critérios de cor de pele e condição social para separar as vagas em universidades com o escopo de dar igualdade de oportunidades a todos competidores.
Desse feito, deve se analisar o ponto de desequilíbrio entre as categorias sociais até que sejam sanadas as desigualdades, já que todos somos iguais perante a lei e merecemos tratamento equânime com igualdade de oportunidades, deve se verificar o ponto de partida, de cada um, onde tudo conspira a favor quando se parte de condições ideais de ensino , moradia, saúde e autoestima enquanto que por outro lado outros partem de condições contrárias acrescidos a condições de violência racial, o que gera miséria injustiça e marginalização social.
Nesta senda, como argumenta Delevatti (2006) é notório que no âmbito educacional as desigualdades são latentes, já que as escolas públicas de primeiro e segundo graus , na grande maioria , nem de longe se comparam com escolas privadas, daí o grande problema em se competir tanto no campo educacional quanto no mercado de trabalho, a concorrência se torna desleal.
Com o advento da Lei nº 12.711/12 as universidades assumem seu verdadeiro papel na sociedade que vai além de selecionar aqueles que obtêm as melhores notas no vestibular, devendo contribuir para uma sociedade mais justa e plural em que todos os grupos sociais estão de igual forma representados, promovendo uma igualdade formal e material, formal consiste naquela que é disciplinada na forma da lei e material baseada no próprio tratamento igual, equânime entre os indivíduos.
Por fim, conclui-se que as ações afirmativas objeto deste trabalho além de ser um instrumento de inclusão social que visa eliminar desigualdades, promovendo disputas mais justas por vagas em vestibulares e acessos a escolas , é uma ação que tem como função alinhar as condições de concorrência, permitindo que pessoas de classes sociais e de cores de peles diferentes tenham as mesmas oportunidades de competição já que tiveram pontos de partidas diferentes.
REFERÊNCIAS
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[1] Artigo científico apresentado à disciplina Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito da FEAD, no segundo semestre de 2013, sob a orientação do professor LUIS VICENTE BERNARDI PEREIRA, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.