Processo Penal

Das provas ilegais: distinções conceituais entre as espécies, transmissão da ilicitude e sua (in)admissibilidade no processo

Resumo: O presente resumo objetiva realizar um breve estudo acerca das provas ilícitas, bem como demonstrar os entendimentos doutrinários sobre sua (in)admissibilidade no processo referentes às interceptações telefônicas e às ilicitudes por derivação.

INTRODUÇÃO

O Direito, uma ciência social aplicada, apresenta-se em diferentes ramos, enquadrados nas classificações de “Público” (Constitucional, Processual, Penal) ou “Privado” (Civil, Empresarial), “Material” ou “Formal/Processual”. Enquanto o Direito Material expressa os bens da vida constantes no CC/02 e no CP/40, por exemplo, o Direito Processual é ciência autônoma e está a serviço do Direito Material. 

Ainda, conforme ensina Grinover (2012), pode-se inferir que o Processo tem duas dimensões – Objetiva e Subjetiva. A primeira caracteriza-se por ser um instrumento de realização do Direito Material, ao passo que a segunda acepção visa à pacificação de conflitos por meio da Justiça.

Um dos elementos mais importantes para a correta instrução do Processo- e requisito constante na Petição Inicial (Art. 319, VI CPC)- é a prova, figura indispensável para demonstrar a viabilidade da pretensão do autor ou, nas formas de resposta do réu, garantir ao demandado atestar a ausência de sua culpa ou arguir sua ilegitimidade no polo passivo da lide. 

1. Diferença entre Provas Ilícitas e Provas Ilegítimas

As provas podem ser legais ou ilegais. Estas últimas advêm da obtenção de fatos ou alegações probatórias que ferem normas positivadas ou princípios gerais do ordenamento pátrio, quer sejam processuais, quer sejam materiais e classificam-se, ainda, em duas “espécies”: ilícitas ou ilegítimas. 

Consoante Capez (1998), as provas ilícitas constituem-se uma violação ao direito material e ocorrem no instante de sua colheita. As provas ilegítimas, por sua vez, infringem normas de direito processual e a violação se dá no exato momento em que são introduzidas ao processo. Geralmente, surgem na ocasião em que são produzidas no processo e por isso são chamadas de endo ou intra-processual

A exegese que deflui do Art. 5°, LVI da CF/88 é explícita ao asseverar a inadmissibilidade de provas colhidas de modo ilícito no processo. In verbis:

“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

Aqui, frisam-se os casos de confissões logradas mediante tortura e de interceptações telefônicas realizadas sem autorização judicial (Art. 5°, XII, CF/88 c/c Lei n. 9296/96). Gomes (2008) entende esta espécie como sendo extraprocessual. 

As provas ilegítimas são nulas e devem assim ser declaradas pelo Magistrado (fulcro no Art. 573 do CPP). Como exemplificações, citam-se os casos de interrogatório feito sem a presença de advogado do acusado/réu e  de substituição de prova testemunhal (com as testemunhas fisicamente presentes) por suas meras declarações por escrito. 

Destarte, pelo imperativo da inadmissibilidade, as provas ilícitas ( infringidoras dos ditames normativos materiais) devem ser excluídas dos autos desde logo- exclusão a priori ou imediata (Art. 157 CPP), ao passo que as ilegítimas precisam ser declaradas nulas e excluídas a posteriori (Gomes, 2008).

2. Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (Ou Provas ilícitas por derivação)

Originária da Suprema Corte Americana com a denominação Fruits of the Poisonus Tree na década de 1920, esse instituto segue uma lógica jurídica que foi formada a partir de uma inspiração bíblica (Evangelho de São Mateus, 7, 15-20). No Brasil, tal teoria foi adotada pelo Plenário do egrégio Supremo Tribunal Federal em 1996 e foi inserida ao Código de Processo Penal (Art. 157,ss 1°) por intermédio da Lei n. 11.690/08. 

Segundo o postulado supracitado – desde 2008 materializado no parágrafo primeiro do artigo 157 do CPP- a prova derivada diretamente de outra prova anteriormente ilícita também está eivada de ilicitude, isto é, está contaminada e não pode ser usada no processo. Nesta linha, Rangel (2009) apregoa que “os vícios da planta transmitem-se aos seus frutos”. 

A última parte do  dispositivo legal referido alhures é, todavia, vago ou impreciso, pois exige um nexo de causalidade entre a prova ilícita inicial e a dela decorrente. Se houver imprecisão ou dúvida sobre a existência da relação causal, caberá ao julgador, à luz do princípio da persuasão racional ( Art. 489 CPC),  decidir quando se trata de prova ilícita ou não. 

A doutrina tenta exaustivamente esclarecer os pontos obscuros (ou omissos) lançados pelo legislador ordinário federal, porém o que logra é suscitar mais contrariedades e discussões sem chegar a consenso acerca do tema exposto. Algumas teorias subsidiárias foram elaboradas no intuito de mitigar os entendimentos conflitantes. Aqui, destaca-se a Teoria da Fonte Independente, adotada pelo STF desde 2004, cujo embasamento normativo reside no parágrafo segundo do artigo 157 do CPP em período posterior à Reforma Processual de 2008. Esse preceito, contudo, é visto como ápice das controvérsias porque embora esteja previsto na lei, confunde-se com a Teoria da Descoberta Inevitável.

Para explicitar as teses mencionadas, recorre-se ao magistério de Oliveira (2011)

(…) a teoria da fonte independente baseia-se precisamente na ausência fática de relação de causalidade ou de dependência lógica ou temporal (produção de prova posteriormente à ilícita). Fonte da prova independente é apenas isso (sic): prova não relacionada com os fatos que geraram a produção da prova contaminada (OLIVEIRA, 2011, p.34).

De acordo com o mesmo  professor, é a teoria da descoberta inevitável que deveria figurar no artigo 157, ss 2° do CPP.

Logo, retomando o aspecto geral do assunto em análise, a partir da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, fica cediço que tanto a prova ilícita originária quanto as dela derivadas deverão ser descartadas em observância ao pressuposto de inadmissibilidade de provas ilícitas no processo, não produzindo efeitos desde que seja comprovado de forma irrefutável  o nexo causal de ligação entre as provas contaminadas por vícios (a primária e suas decorrentes). 

3. (In)validade das interceptações telefônicas no processo

O famigerado artigo 5° da CF/88 consagra em seus mais de cinquenta incisos os direitos fundamentais dos cidadãos, recebendo máxima proteção da ordem jurídica. Nestes pontos do dispositivo referido, há de se destacar os incisos X e XII, exemplos de notórios de direitos de personalidade (contemplados também na legislação infra pelo Código Civil) e, sobretudo, de proteção às intimidades dos indivíduos. 

Pela redação do Art. 5°, XII (regulamentado pela Lei n. 9.296/96), as correspondências e as comunicações telefônicas são invioláveis, salvo se houver autorização judicial. Nestes casos, por decisão fundamentada (Art. 93, IX do Excelso Diploma), diante da relevância do caso sub judice (geralmente assuntos de interesse público), as interceptações telefônicas podem ser admitidas como fonte lícita de coleta de provas a fim de se chegar à verdade do processo. Isso acontece pois, mesmo sendo de importantíssima relevância para a própria manutenção do Estado Democrático, os direitos e garantias fundamentais, a citar o sigilo de comunicações, não podem ser considerados absolutos ou vistos como escudos de proteção para o cometimento de ilícitos (MORAES, 2002).

Posto isso, clama-se por esclarecimentos de ordem conceitual. A privacidade das comunicações telefônicas encontra-se amparada na Carta Magna (Art. 5°, XII) e disciplinada também no corpo normativo infraconstitucional (Lei n. 9.296/96), somente sendo possível violá-la mediante decisão do magistrado (princípio da reserva constitucional de jurisdição). A interceptação de telefonemas autorizada pelo membro do Judiciário afigura-se exceção à regra do sigilo das comunicações. 

A quebra de sigilo telefônico difere e tem disciplina menos rígida que o instituto acima mencionado e pode ser feita inclusive por CPI (comissão formada por parlamentares revestidos de poderes limitados no escopo de investigação – Artigo 58, ss 3° da Constituição da República), cujas atribuições encontram no seu bojo de inquirição a possibilidade de, por decisão extrajudicial fundamentada, quebrar os sigilos fiscal, bancário e telefônico. Este último, segundo Lenza (2016), concerne a descobrir dados telefônicos pretéritos. 

Em esclarecedora explicação, Grinover (2006) assevera que o sigilo de correspondências e comunicações são direitos fundamentais vistos como invioláveis caso não coloquem em risco o bem-estar coletivo, devendo sua quebra ser  impedida se o exercício de tais prerrogativas não prejudicar a segurança e a liberdade de outrem (incluindo-se os interesses da sociedade). Do contrário, é permitido profanar tal inviolabilidade. Desta feita, constata-se que nenhum direito fundamental é absoluto e incontestável, mas para serem vilipendiados (mesmo com aquiescência judicial), deve-se seguir estritamente os requisitos legais em obediência aos preceitos normativos que permitem, diante de situações concretas, o “ultraje” à regra da privacidade, conforme se vislumbra nos artigos 1° a 5° da Lei n. 9.296, de 1996, sob pena de nulidade da ordem do Magistrado que autorizou a interceptação das ligações telefônicas.

A possibilidade de obter provas através de interceptação telefônica cujo prazo, consoante redação do artigo 5° da espécie normativa citada alhures, é de quinze dias – permitindo-se sua prorrogação uma vez mais por igual período-  assenta-se em três condições, a saber: 1) Ordem judicial fundamentada (mediante requerimento de autoridade policial ou do Ministério Público); 2) Destinar-se à investigação criminal ou instrução processual penal, e 3) Seguir a forma prevista em lei (fato investigado punível por pena de reclusão; existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal e ainda quando a prova não puder ser obtida por outros meios).

Ante o exposto, para ter validade, a interceptação telefônica “somente pode ser deferida judicialmente a partir da obediência a um somatório de requisitos estabelecidos explicitamente na lei (9.296/96) e na Constituição, além da observância dos princípios (explícitos e implícitos) da Lei Maior” (STRECK, 2001, p.70).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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BRASIL. Lei  n.9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamenta  o inciso XII, parte final, do artigo 5° da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 de julho de 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9296.htm>. Acesso em: 12 jul. 2017.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1998.

GOMES, Luiz Flávio (Org.). A prova no processo penal: comentários à Lei n. 11.690/08. São Paulo: Premier Máxima, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antonio Carlos Araujo.Teoria Geral do Processo. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. 

STRECK, Lênio Luiz. As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

THIESER DA SILVA FARIAS – Estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Maria

Como citar e referenciar este artigo:
FARIAS, Thieser da Silva. Das provas ilegais: distinções conceituais entre as espécies, transmissão da ilicitude e sua (in)admissibilidade no processo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/resenhas/processo-penal-resenhas/das-provas-ilegais-distincoes-conceituais-entre-as-especies-transmissao-da-ilicitude-e-sua-inadmissibilidade-no-processo/ Acesso em: 22 nov. 2024