Filosofia do Direito

Heidegger e a questão da técnica

Discutir a origem e o desenvolvimento da questão da técnica na filosofia de Heidegger, partindo da crítica à metafísica tradicional[1] com o histórico do autovelamento e esquecimento do ser que ocorre na filosofia ocidental desde Platão[2] até Nietzsche[3].

Para Heidegger, a metafísica é ontologia[4]. A técnica e a ciência moderna seriam, portanto, a figura acabada desta metafísica[5].

Heidegger aborda a questão na obra publicada em 1938 intitulada de “Contribuições à filosofia acerca do acontecimento” onde legou o problema da técnica com a história do ser e seu esquecimento.

Heidegger descobriu que é o próprio ser que se revela na época moderna, com simples presença. O próprio ser humano é jogado para dentro deste empreendimento técnico-maquinador de controle e domínio das coisas para ter a máxima eficiência.

A técnica não é nenhum saber senão a organização de correções do âmbito explicativo. O mundo humano transformou-se em um universo técnico, no qual estamos presos e arredados.

A expansão da técnica constitui dimensão planetária da razão calculadora e conduz ao perigo do esquecimento do ser. Mas onde reside o perigo também há o que salva.

Em seu texto “A questão da técnica” de 1959 mostrou que o ser se dá nos moldes da técnica moderna e, quais as armadilhas este modo de conceber-nos, sendo capazes de nos manter cegos à sua essência.

A técnica não é a mesma coisa que a sua essência[6] e, de que esta, de modo algum, é algo técnico. A técnica não é como um instrumento ou atividade humana, mas de um modo de desvelar os entes como reserva disponível.

A técnica moderna[7] dirige-se para a natureza em provocação na qual ela é convocada em vista de que se anuncia de alguma forma comprovável por cálculo e permanência à nossa disposição.

A essência da técnica[8] é o que Heidegger chama Gestill, significando uma interpretação produtora que põe o homem a desvelar o real como fundo de reserva no modo de encomendar, permanecendo condenado à vontade do cultivo do que calculável em sua facticidade.

A libertação deste universo da técnica[9] ou a convivência com tal, nos é possível sem que estejam cavando o próprio túmulo?

Heidegger resgatou o conceito original da técnica como techné, mostrando a obediência às sugestões da natureza sem agredi-la, uma produção não exploradora, mas um permitir as coisas serem em acordo com suas possibilidades.

Permitiu ainda o filósofo alemão colocar-se fora do perigo da técnica voltando-se a centrar em outro modo de produção. Afinal, a técnica é um momento de acontecência[10] onde a linguagem se encontra com as condições favoráveis à sua preservação.

A linguagem é a casa[11] do ser e o homem é o seu pastor. A linguagem[12] tem função de proteger e zelar pela mensagem do ser. E, a salvação estaria no caminho de pôr-se poeticamente à escuta do ser.

A questão possui especial status para Heidegger, sendo parte do desdobramento de sua analítica existencial e partir de uma ontologia fundamental.

A técnica é um ponto final da história do esquecimento do ser, iniciado com a metafísica. O problema do sentido do ser é o pano de fundo da questão sobre a técnica na perspectiva de Heidegger que mais se parece com o caminho[13] elaborado pelo filósofo dentro da Floresta Negra quando retomou a indagação sobre as bases da filosofia tradicional e metafísica.

A história da metafísica segundo Heidegger é a história do esquecimento da diferença ontológica entre o ser e o ente. O ser não é o ente, embora não apareça senão em ligação com ele. O ser não é o mesmo que o ente revela[14].

Para a metafísica tradicional, o ser é concebido de acordo com a simples presença do ente. Já o conhecimento do ente inclui entender o projeto dentro do qual o ente chega ao ser, aparecendo na presença. A compreensão do ser é ir além, é ultrapassar o ente como tal, incluindo a compreensão prévia da metafísica vista como ontologia.

A pergunta que persiste pelo que é o ente tem que ser precedida pelo o que é o sentido de ser.

Em dissonância a esta concepção de ser[15], o pensamento ocidental restringe o ser ao que é característico e que constitui o ente enquanto tal, ou seja, concebe o ser como sendo característica universal, comum de todos os entes, como espécie de conceito geral e abstrato que o ente possui, ou como Heidegger mesmo afirmou: “O esquecimento do ser corresponde à compreensão dominante de ser (…)” ser como conceito mais geral e corrente”.

Afinal, preocupar-se com o ser é perguntar-se pelo que todos os entes têm em comum. A metafísica converte-se, para Heidegger, em sinônimo do esquecimento do ser (seinsvergessenheit).

No texto “A essência do fundamento” de Heidegger que partiu do princípio da razão suficiente que, a partir de Aristóteles, diz que tudo o que existe tem uma causa ou fundamento: o conhecimento do ente, portanto, é o conhecimento que investiga no seu fundamento.

Na perspectiva da metafísica, o ser é identificado com o ente a partir de sua simples presença.

Técnica (in technic), o sentido geral coincide com o sentido geral do termo e com o sentido geral de arte. Compreende qualquer conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente uma atividade qualquer.

Nesse sentido, a técnica não se distingue de arte, de ciência, nem qualquer processo ou operação capaz de produzir ume feito qualquer seu campo, estender-se tanto quanto o de todas as atividades humanas.

Técnica segundo significado atribuído por Kant[16] que cogita da natureza para indicar causalidade dela (Crítico ao juízo prático), mas negou que a filosofia, especial a filosofia prática, pudesse ter uma técnica porque não pode cogitar uma causalidade[17] necessária.

Os pressupostos desse significado, porém, é a redução da técnica ao procedimento causal, ao passo que, esse termo foi entendido (de melhor maneira) como procedimento qualquer regido por normas e provido de certa eficácia.

Nesse sentido, de significado generalíssimo incluem-se, portanto, os procedimentos mais díspares que podem ser divididos, grosso modo, em dois campos diferentes.·.

As técnicas racionais que são relativamente independentes dos sistemas particulares de ciências podem levar à modificação desses sistemas e são autocorrigíveis.

As técnicas mágicas e religiosas que só podem ser colocadas em práticas com base em certos sistemas de crenças e, não podem, portanto, modificar esses sintomas e apresentam-se também como não-corrigíveis ou não-modificáveis.

Tais técnicas racionais, por sua vez, distinguem em técnicas simbólicas (cognitivas ou estéticas) que são próprias da ciência e das belas artes. Há as técnicas de comportamento (morais, políticas, econômicas e, etc) e, ainda, as técnicas de produção.

As técnicas cognitivas e artísticas podem ser chamadas de simbólicas que consistem essencialmente no uso de signos. Distinguem-se dos métodos, que a rigor, são indicações gerais sobre o caráter das técnicas a serem seguidas.

As técnicas simbólicas podem ser, a saber: de explicação, de previsão ou de comunicação, mas tais distinções não são mutuamente excludentes.

As técnicas do comportamento do homem em religião a outro homem, o que traduz um campo muito vasto que compreende as zonas díspares e vão desde as técnicas eróticas às de propaganda; das técnicas econômicas até as morais; das técnicas jurídicas até às educacionais.

Também, nesse grupo, se podem incluir, as técnicas organizacionais ou organizativas que visam encontrar as condições para obter o mandamento máximo com o mínimo de esforço em todos os domínios da atividade humana.

O terceiro grupo de técnicas é o que se referem ao comportamento do homem em relação à natureza e que visa à produção de bens. A técnica sempre acompanhou a vida do homem na terra, sendo o homem conforme assinalou Platão, o animal mais indefeso e inerme de toda a criação.

Para a sobrevivência do grupo é indispensável certo grau de desenvolvimento da técnica e a sobrevivência do bem-estar do grupo humano está cada vez mais condicionada pelo desenvolvimento de meios técnicos.

A técnica se relaciona com a verdade. E, o primeiro filósofo a reconhecer a verdade foi Francis Bacon que no começo do século XVII abordou a atuação da ciência tinha em vista o bem-estar o homem e visava a produzir em última análise, descobertas que facilitassem a vida do homem na terra.

A cidade ideal é o paraíso das técnicas onde foram as invenções e as descobertas de todo mundo.  O sansimonismo[18] e o positivismo[19] do século XIX compartilharam a exaltação de Bacon da técnica. Só depois do século XIX e nas primeiras décadas do século XX foi que começou a se manifestar o que hoje se chama de problema da técnica, nascido das consequências produzidas pelo desenvolvimento das consequências produzidas pelo desenvolvimento da técnica do mundo moderno sobre a vida individual, social e política do homem.

Antes da Segunda Guerra Mundial, o conflito entre o homem e a técnica foi o lema predileto da literatura profetizadora. O profeta da decadência e da morte da civilização ocidental, como O. Spengler e, os defensores da espiritualidade pura haviam identificado a máquina como causa direta ou indireta da decadência espiritual do homem.

O mundo onde a máquina domina não tem alma, é nivelador e aviltante; um mundo sobre a quantidade tomou o lugar da qualidade, onde o culto dos valores do espírito foi substituído pelo culto de valores instrumentais e utilitários.

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, essas acusações foram reforçadas e desenvolvidas, e ainda estão presentes em toda obra de Albert Camus[20] (vide, por exemplo, Ni bourreaux ni victimes, 1946).

Para outros pensadores, o mal do maquinismo estará no desrraizamento que produz no homem, condenado a técnica e, então,  outros pensadores que ainda acalantavam, a utopia do retorno à produção artesanal.

Por outro lado, a partir da obra de Husserl[21], “A crise das ciências europeias”, de 1954, a técnica e a ciência passaram a ser frequentemente consideradas uma degradação ou uma traição da razão autêntica, pois escravizam a razão aos objetivos utilitários ao passo que sua verdadeira função é o conhecimento desinteressado do ser e a contemplação.

Esse conceito constitui a base de todas as críticas dirigidas à sociedade contemporânea que estaria fundada na técnica[22] e dominada completamente pela tecnocracia.

Mas, atualmente há farta literatura que, apesar de não partir de preconceitos metafísicos, ideológicos e teólogos, evidencia os aspectos negativos da técnica, que podem ser resumidos assim: primeiro: exploração intensa dos recursos naturais acima dos limites de seu restabelecimento natural, empobrecimento rápido desses recursos naturais; segundo: poluição do ar e da água por resíduos (do meio ambiente).

Repara-se que o ente presente, visto, aparece a si mesmo e ao ser de forma objetivável. O ser é moldado por completo no ente, daquele já não fica mais nada, só ficam os entes.

O ser do ente como fundamento é total e exclusivamente o ser posto e imposto pela vontade do homem produtor e organizador, sistematizador geral de toda a realidade.

A metafísica reduziu o ser do ente, à certeza da representação e à vontade de controle como vontade do sujeito de reduzir tudo a si mesmo.

E pensamento que, mesmo ao pôr o problema do ser, o esquece de imediatamente e se limita a considerar simples supremacia do ente.

Desaparecida a diferença ontológica e reduzido o ente a um sistema universal de fundação regido pelo princípio de razão suficiente já não fica nenhum ente realmente oculto.

Tudo é conhecimento ou, pelo menos, conhecido em sua mostração por intermédio dos métodos racionais (de fundar e explicar) da ciência e da técnica moderna.

A técnica é o fenômeno que expressa, no plano de modo de ser o homem no mundo, o desabrochar e o cumprimento da metafísica.

A tecnificação[23] do mundo é a realização efetiva da ideia de que o homem, a partir do desenvolvimento racional, pensa o ser das coisas como algo dependente dele próprio e que a ele se reduz.

A ciência busca o conhecimento das causas que a regem, única e exclusivamente para melhor controlá-las e dominá-las. A causa da ciência (e de tudo o que acontece no mundo) e da técnica não está na matéria, nem no desejo de conhecer os mistérios ocultos da natureza, mas na vontade de poder.

A causa da explosão da bomba em Hiroshima não está no poder do átomo, que é uma ficção enganosa, a verdadeira causa esta na vontade de poder do homem. É tal vontade que causa a explosão da bomba.

Heidegger a partir de sua reflexão quanto à ciência e seu pertencimento ao autovelamento e esquecimento do ser. Assim a ciência deve ser sempre entendida essencialmente em sentido moderno.

Desta forma, para o filósofo, a ciência não é nenhum saber, no sentido de formação, fundação e conservação de uma verdade essencial (assim como a técnica moderna), mas a apresentação maquinadora de um círculo de correção de um âmbito de uma verdade.

Por isso, o ente é visto como o limite dentro do qual a ciência exerce sua atividade, fazendo-o ciência positiva. A ciência rege objetivamente o real a partir de um conjunto de operações e processos na medida em que a natureza se oferece à representação em um sistema de movimento previsível por cálculo.

A ciência é só um título formal, sendo legitimada a partir de suas especializações. Ao contrário da arte ou da filosofia que se preocupam com a totalidade do ente em seu velamento-desvelamento, para a ciência a totalidade do ente se reduz à sua possibilidade de presença diante dela e de suas especialidades.

A especialização é essencial e condição de sobrevivência da ciência a partir da compreensão do ente como representação. Ela assegura para si uma região do real (o real se mostra como objeto), como domínio de seus objetos.

Toda ciência é explicativa e, por isso mesmo, reducionista. Ela conduz a totalidade do desconhecido a algo conhecido e compreensível a partir dos métodos investigativos.

O rigor da ciência procede de seu método que leva o âmbito objetivo a uma determinada direção de explicabilidade, que fundamentalmente já assegura a inevitabilidade de um resultado.

Nada escapa da relação causa e efeito pela ciência operada de sua inteligibilidade e quantificação. A ciência não aspira ao conhecimento genuíno, mas apenas as informações e resultados utilizáveis alcançados por meio de um método.

A primazia do proceder sobre a coisa descarta o caráter essencial do ente em favor de conhecimento obtido e produzir a partir desse ou daquele procedimento. Assim, a ciência tem de buscar a partir de si mesma (como método) a confirmação de sua necessidade.

Toda a ciência conta com a experiência. O experimento é a consequência essencial e necessária da exatidão. E, se legitima no modo da metafísica tradicional como pseudo-saber que assegura à vontade de poder o controle total dos entes em sua objetividade.

Essa mobilização técnico-maquinadora na qual reside a essência da ciência moderna reduz o ser à categoria de ente disponível e apresenta na presença como peça utilizável num sistema organizado a partir de seus métodos e previsíveis resultados.

A tecnificação do mundo é a realização efetiva e ilusória da ideia de que o homem, a partir de seu desenvolvimento pessoal, pensa o ser das coisas, a partir de si, como algo dependente dele próprio e que a ele se reduz.

Como um produto técnico, o mundo seria, no seu próprio ser, produto do homem. A ciência e a técnica determinam constitutivamente o rosto do mundo.

Techne é o germe do qual se desenvolveu a técnica moderna. A techne vai recuperar o conceito de caminho de retorna às causas[24] mesmas a partir de um pensar voltado ao essencial, ao ser, esquecido pela tradição metafísica ocidental[25].

Quando o humano se transformou em um universo (e, depois em multiverso) técnico no qual estamos arredados. Mas, o homem de hoje, na verdade, justamente não encontra mais a si mesmo, isto é, não encontra mais a sua própria essência. O homem permanece condenado à vontade do cultivo do que é calculável e de sua factibilidade (…).

Nem a ameaça exterior que vem da catástrofe mundial, no sentido de destruição física do homem, nem a ameaça interior[26] representa a mais perigosa e que nasce da transformação do homem na subjetividade, que se exalta voltando-se a si mesma contém a ameaça decisiva para a humanidade do homem.

O Dasein é no mundo e age para modificá-lo. Significando estar aberto aos apelos do ser. É, por meio da tecnologia e da produção a ser realizada que o Dasein tem acesso ao disponível.

O Dasein e a técnica representam o obreiro do ente. E, o fundamento da época técnica moderna é o ente em sua disponibilidade. Enfim, a técnica apresenta-se como marco instrumental do ser-no-mundo moderno.

Heidegger diferenciou a técnica moderna, enquanto esta se dirige para a natureza, sendo uma provocação da técnica antiga, mas empurrando à physis a manifestar as suas possibilidades.

A essência da técnica reside no que o filósofo chamou de Gestell (provocação) que é o sujeito no ato de provocar. Este poder de interpelação produtora que manifesta tudo o que é e pode ser, põe o homem a desvendar o real, como fundo de reserva no modo de encomendar, assim permanecendo condenado à vontade da cultura do que é calculável em sua facticidade.

A técnica põe o homem a caminho do desvelamento[27] do ser das coisas. O perigo surge para quem vai para o caminho da técnica, pois pode cegar o homem quanto à sua própria existência com a perda do ser.

Para Heidegger, a metafísica produtivista, a partir de Platão visa reduzir o ser ao estatuto de uma espécie superior de ente que, na era tecnológica, deveria ser observável publicamente ao ser suscetível de quantificação, ou seja, observável aos olhos do sujeito observador.

A técnica é o momento da acontecência[28] do ser ,pois põe o homem no caminho do desvelamento. O homem não pertence a si mesmo[29].

Não se trata de negar a ciência e nem a técnica, mas admitir que nada tem de absoluto. Trata-se de manter-se acordado o pensamento crítico na dimensão real e concreta.

Martim Heidegger representa um dos mais originais e importantes filósofos do século XX, mas também o mais controverso. Seu pensamento contribuiu para as mais diversas áreas, tais como a fenomenologia (Merleau-Ponty), o existencialismo (Sartre, Ortega y Gasset), a hermenêutica (Gadamer, Ricoeur), teoria política (Arendt, Marcuse) e psicologia (Boss e Rollo May), teologia (Bultman, Rahner e Tilich) e ainda o pós-modernismo *Derrida).

A principal preocupação era a ontologia. Em seus derradeiros trabalhos o filósofo sublinhou o niilismo da moderna sociedade tecnológica e tentou trazer a tradição da filosofia ocidental de volta para a questão do ser.

O conceito de existência, sem dúvida, é uma das principais contribuições de Heidegger para o pensamento universal. A palavra mesmo constitui-se em uma existência. Tudo o que está no mundo começa com a palavra, ou seja, tudo começa com a existência de algo; Assim estabelece a conexão entre as histórias do Ser e da linguagem.

Em sua visão científica apurada coloca o sujeito moderno do lado de fora do mundo posicionando-o como observador privilegiado e com a possibilidade de dominar o que vê. É como existisse uma barreira que separasse a esfera do olhar do sujeito em relação ao mundo do objeto. Assim, para o filósofo, tal dinâmica moderna é enganosa ao atrelar-se exclusivamente ao universo epistemológico.

O legado deixado pelo alemão Osvald Splengler influenciou Heidegger na consideração do Ocidente como mundo da época do ser. Assim Spengler que desenvolveu a ideia de que não há apenas um mundo histórico, mas sim, existiriam várias humanidades.

De acordo com Heidegger, a técnica moderna não funciona da mesma maneira que a técnica antiga. Pois antes, tudo o que fosse humano poderia ser objeto da técnica. A arguição em público fora o objeto que deu origem às técnicas de retórica. As técnicas assim caracterizam-se pela pluralidade em seus conceitos e orientações.

O descobrimento do ser, proporcionado pela técnica moderna, tem sentido de provocação da natureza, considerado como mera fonte de recursos manipulável.

A técnica moderna é, pois, a viva expressão da tecnologia, assim definida como todo o conhecimento operatório baseado na ciência ou então em outro tipo de saber.

A ideia de um mundo perfeito através da intervenção da técnica na realidade, constitui-se no pensamento a ambição predominante entre os contemporâneos. A moderna tecnologia é capaz de modificar o mundo e modificar o cotidiano a partir de uma nova maneira de desvelar o ser.

Técnica para Heidegger é diferente de pensamento tecnológica. A técnica consiste no saber operatório de um determinado campo do fazer humano. A crença de que a técnica é capaz de tudo e representar o ideal fora proposto pelo pensamento tecnológico.

Quanto mais se busca a perfeição, mais se esquiva das questões individuais, que diferenciam os indivíduos entre si, assim ingressamos na hegemonia de um pensamento tecnológico.

Conclui-se que a criatura ou o objeto criado se volta contra seu criador, tal qual na ficção de Mary Shelley, com Frankstein ou o Moderno Prometeu (1818) até as mais recentes narrativas que revelam o temor pelas consequências de intervenções da ciência e da técnica[30] no percurso evolutivo da humanidade.

Afinal, Heidegger é um pós-humanista que procura alertar para a reflexão acerca de um processo histórico que tende a adquirir o seu estágio máximo nos vindouros séculos.

E, diante do processo tecnológico que predomina nas coletividades modernas, o filósofo dispensa as visões extremas da fé incondicional ou do temor ingênuo pelo mundo maquinístico. Indica que apegar-se ao pensamento reflexivo, representa um dos únicos recursos disponíveis ao ser humano para transcender a interpelação técnica determinada pelo nosso tempo.

Referências:

COCCO, Ricardo. A questão da técnica em Martim Heidegger. Disponível em:  http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2029 Acesso em 01.11.2016.

HEIDEGGER, Martim. A questão da técnica Cadernos de tradução, 1997.

_________________ Ciência e pensamento do sentido. In: Ensaios e Conferências. Petrópolis: Vozes, 2001.

LOPARIC, Zeljko. Heidegger e a pergunta pela técnica. Disponível em:ttp://www.interleft.com.br/loparic/zeljko/pdfs/PerguntaTecnica.pdf. Acesso em 01.11.2016.

NERVO, Alexandre Antônio. Da técnica à tecnologia: uma leitura do pensamento tecnológico de Martin Heidegger. Disponível em:  http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao18/artigos/042.pdf Acesso em 01.11.2016.

ROCHA, Roberto Assunção Motta da. Técnica e Ontologia em Heidegger: Caminhos de Pensamento. Disponível em: https://social.stoa.usp.br/articles/0016/0188/PVIC_-_TA_cnica_e_Ontologia_-_RelatA_rio_Final.pdf Acesso em 01.11.2016.



[1] Na obra “Ser e Tempo “de Heidegger, empreende a repetição da questão do sentido do ser, no horizonte do tempo e, este indica um primeiro passo na delimitação da pergunta em face da tradição metafísica”“. Heidegger considera que o ser não pode ser determinado, derivado, definido ou explicado, quer acrescentando-lhe um ente, ou tentando derivá-lo a partir de conceitos superiores ou inferiores.

A desconstrução de Heidegger da metafísica tradicional seguiu dois passos, a saber: primeiro a desconstrução do conceito tradicional de tempo, da relação sujeito-objeto, bem como das categorias de existência, realidade e possibilidade à luz da interpretação ontológica do Dasein em Ser e Tempo. Já o segundo passo, reconstruímos a estrutura formal dos existenciais aberta pelas modalizações da temporalidade, assinalando a diferente entre o conceito tradicional de modalidade e sua funcionalidade no sistema categorial kantiano.

[2] Desde a Antiguidade grega, há quatro causas. Que são essas causas? Modos de trazer algo à presença. Esse trazer à presença é chamado por Platão de poíesis, o ocasionar do que passa e avança do não-presente à presença (Heidegger 1949, p. 19). Trazer à presença é produzir. A arte, o artesanato é uma poíesis. Mesmo a phýsis é poíesis, por exemplo, o emergir da floração, nela mesma. Todos os três, a arte, o artesanato e a phýsis radicam no desocultamento do (ser do) ente ocasionado pelas causas.

[3] Platão é quem apresenta ao mundo as reflexões de Sócrates (pois esse nada escreveu). Apontado como um dos pilares da filosofia ocidental divide seu pensamento entre o mundo sensível (onde vivemos) e o das ideias (acessível apenas para a alma), além de fundar sua própria escola, a Academia, onde transmitiria suas ideias para futuros filósofos. Friedrich Nietzsche colocou a questão a história da filosofia, criticando os valores morais defendidos por Sócrates. Ataca a crença da realidade imutável e estimula a confiança no senso comum como uma forma eficaz de entender o mundo.

[4] A ontologia segundo o aristotelismo é a parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do ser, apartada da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral.

A ontologia segundo Heidegger é a reflexão a respeito do sentido abrangente do ser, como aquilo que torna possível a múltipla existência. Opõe-se à tradição metafísica que, em sua orientação teológica, teria transformado o ser em geral num mero ente com atributos divinos.

[5] Estas três dimensões — referência ao mundo, comportamento, irrupção — trazem, em sua radical unidade, uma clara simplicidade e severidade do ser-aí, na existência científica. Se quisermos apoderar-nos expressamente da existência científica, assim esclarecida.

[6] O pensar de Heidegger, questionando a essência da técnica, chega, pois, na produção, no produzir, no sentido da poiesis grega, significando mais que a produção artesanal e mais que apenas levar a aparecer e conformar poética e artisticamente; também a physys, surgindo e elevando-se por si mesma é poiesis: é até a máxima poiesis, pois tem o eclodir da produção em si mesma. Um cálice de prata, por exemplo, não possui o eclodir da produção em si mesmo, mas em outro, no caso, o artesão.

[7] A priori cabe explorar criticamente a concepção da técnica como agenciamento de meios para a consecução de fins, o que é feito a partir de uma elucidação do sentido grego daquilo que herdamos como a teoria causal.

Normalmente as quatro causas definidas por Aristóteles como possuindo um sentido operatório, razão pela qual a ênfase recai sempre sobre a causa eficiente, que estaria mais propriamente ligada à efetuação ou produção de efeitos.

Assim, se constrói uma determinação instrumental da causalidade. Assim, a compreensão heidegeriana, a partir do significado propriamente grego de causa, caminha em uma outra direção, em que relação operatória de efetuação é substituída pela de comprometimento.

As quatro causas devem ser vistas como comprometimento com a produção da coisa. Supera-se a ideia de que se trata apenas de fazer algo, a partir de alguma coisa e para certo fim.

[8] É preciso mostrar ainda que essa compreensão da técnica, de matriz grega, continua valendo para a técnica na sua acepção moderna, isto é, na relação que mantém como a ciência experimental.

Assim, ao entendimento de techné como poiesis será acrescida a compreensão da técnica como um requerer da natureza aquilo que será utilizado e consumido por via de um outro modo de intervenção humana. Com efeito, há uma diferença entre o moinho de vento, a ponte de madeira sobre o rio, a semeadura e a colheita destinados à sobrevivência do camponês, o guarda florestal que percorre as trilhas entre as árvores, de um lado, e a usina hidroelétrica, a agroindústria e a indústria madeireira, de outro. No primeiro caso, dir-se-ia que há uma espécie de continuidade entre a produção natural e a interferência humana.  O moinho de vento significa: deixar que aconteça o movimento do vento sobre o movimento das pás; a semeadura e a colheita significam: deixar acontecer o processo natural das estações.

[9] Como se pode dizer que a compreensão da técnica de matriz grega (o trabalho do artesão) seria ainda válida na modernidade? A continuidade está na noção de desocultamento: para o homem moderno, que requer das coisas a satisfação de suas necessidades naturais e instituídas, e desocultar é tirar proveito, a partir do critério da utilização. Por isso, o rio é a representação da pressão da água nas turbinas e a árvore é a representação industrial da madeira e do combustível.

O caráter instrumental da técnica existe certamente, mas antes deste há de se considerar um certo modo de habitar o mundo do qual a instrumentalidade é consequência. Para Heidegger, a técnica moderna não é a usina que está no rio, mas o rio que está na usina. Assim, a ênfase na construção humana, atinge níveis espetaculares, deve supor a anterioridade da estadia do homem em meio às coisas, o que é necessário para ele desvele no modo do seu proveito e da exploração em grande escala. Assim, a instrumentalidade é derivada de certo modo de alethéia.

[10]  Essa é a concepção heideggeriana do acontecer que está depositada na história da metafisica, iniciado pela explicitação do ser como ideia, em Platão, continuado pelo desocultamento do ser como substancialidade (Aristóteles), representidade (Descartes), objetidade (Kant) e, por fim, vontade de poder (Nietzsche),

[11] “Falar um com o outro significa: dizer algo para o outro, mostrar um para o outro alguma coisa e confiar-se mutuamente ao que se mostra” (Martin Heidegger). O homem é dotado de um atributo que o faz se destacar entre tantos seres que existem na face da terra. Há nele uma capacidade que o especifica que faz dele um ser social, de relação e interação. Esta especificidade é a linguagem, atributo que faz do homem um ser vivo notável, que o qualifica enquanto tal.

[12] Heidegger trouxe implicações éticas pós-metafísicas da concepção de linguagem. E, partindo-se da obra “Ser e Tempo”, discutem-se os traços fundamentais da concepção madura da linguagem já se encontravam delineados na obra, a despeito de ainda não estarem plenamente desenvolvidos àquela época. A segunda hipótese é a de que o acolhimento do ser, que constitui o gesto e o impulso fundamental subjacente à meditação de Heidegger sobre a linguagem, o outro como outro.

O acolhimento do ser depende da desconstrução da concepção metafísica do homem como animal racional e da linguagem como sistema proposicional lógico, em vista de uma meditação sobre a relação entre o ser dos mortais e o ser da linguagem. Argumento que essa meditação, por sua vez, permite a possibilidade de um ek-sistir “outro” e de uma “outra” relação com o próximo, inspiradas pela aceitação e afirmação da capacidade humana de experimentar a morte enquanto morte.

[13]  A linguagem possui uma autonomia em relação ao homem, não é o homem que produz a linguagem, ela não é obra humana, é totalmente autônoma. A palavra é fundamental no papel de compreensão humana, mas em dado momento, podemos compreender algo sem mesmo possuir palavras para tal.  Mas o uso da palavra dentro da compreensão humana é um fator condicionante em relação às coisas, é um fator primordial. “O nomear é crucial. Ele conecta o nome com o conhecimento”.

[14] Os conceitos heideggerianos fundamentais para toda a filosofia, como o são os significados de ENTE e de SER, bem como o DASEIN, expressão alemã, língua original do autor, que é sua palavra-síntese para designar o SER-AÍ, em sua existência e presença situada. Ainda veremos o conceito de EXISTÊNCIA enquanto abertura e desvelamento do ser; o conceito de MUNDO e seu caráter de mundanidade, o de SER-NO-MUNDO e SER-COM-OUTRO, e a capacidade unicamente humana de lhes dar sentido e encontrar sentido.

[15] Para Heidegger, o tema do ser, com o qual começou o pensamento ocidental com os pré-socráticos, portanto, tem de ser novamente levantado a partir de uma ontologia fundamental, ou seja, de um estudo do Ser na busca de suas teorias originais, e isto tomando como fio condutor o único Ente que tem a possibilidade de questionar o Ser, que é o homem.

Pois o homem é dentre todos os Entes o único que compreende o Ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe, daí porque ele insiste na análise existencial do Ente para se compreender o sentido do Ser.

Segundo Heidegger não se trata do Ser do Ente, mas do Ser além do Ente e daquilo que o Ser é aos olhos de quem o interpreta. Veja o leitor se essas ideias não lhe despertam também o interesse de investigar a si mesmo e as coisas à sua volta; veja também se descobriu o Ser que se esconde sob as aparências de entidades que se elegem como se fossem autônomas e absolutas, como se tivessem vida própria e ainda dessem sentido à vida e ao existir, por si mesmas.

Será que são os Entes que possuem o Ser e lhes dão sentido e identidade ou é o Ser que dá sentido ao ente e, portanto, precisa ser descoberto e até ser nomeado para dar significado às aparências e fantasmas de nossa vida?

[16] Para o filósofo Immanuel Kant é somente a partir da Educação que o homem pode alcançar com plenitude sua condição humana e é nela que se encontra o “grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”. As maneiras de como o filósofo acredita chegar a este ideal de perfeição de acordo com seu conceito de Educação Prática e Moral são os eixos centrais de grande parte de sua contribuição para o pensamento humano.

[17] Ursache que os alemães chamam de causa, foi chamado pelos gregos aition – aquilo pelo que outro responde e deve: Heidegger refaz a discussão das quatro causas a partir de um questionamento do sentido de responder e dever. O entendimento de responder e dever como culpa no sentido moral ou como ação, obstruiria “o caminho para o sentido originário do que se chamou posteriormente causalidade. Enquanto este caminho não se abrir, também não perceberemos o que é propriamente a instrumentalidade do que repousa na causa”.

[18] O simonianismo foi movimento ideológico com fins políticos fundados pelos seguidores do socialista utópico chamado Henri Saint-Simon após a sua morte em 1825. Deu-se em França a primeira experiência prática do socialismo, embora seja discutível se as suas propostas realmente socialistas. É verdade que sua influencia muito se espalho fora da França e atingiu quase todo o continente europeu, aparecendo não tanto como uma política socialista ou técnica social e não muito filosófica e mística do movimento. Em verdade, os comentaristas e autores denominam de socialismo aristocrático de Saint-Simon.

[19] O positivismo é corrente filosófica surgida na França no começo do século XIX e seus principais idealizadores foram Auguste Comte e John Stuart Mill. Ganho força na Europa na segunda metade do Século XIX e começo do XX. É um conceito que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX e século XX.

O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada através de métodos científicos válidos. Os positivistas não consideram os conhecimentos ligados às crenças, superstição ou qualquer outro que não possa ser comprovado cientificamente. Para eles, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.

[20] Albert Camus (1913-1960)romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês, nascido na Argélia. Foi jornalista militante e engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra. Foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura de 1957.

Conheceu Jean-Paul Sartre em 1942 e tornaram-se bons amigos no tempo de pós-guerra. Conheceram-se devido ao livro “O Estrangeiro” sobre o qual Sartre escreveu elogiosamente, dizendo que o autor seria uma pessoa que ele gostaria de conhecer. Um dia numa festa em que os dois estavam, Camus apresentou-se a Sartre, dizendo-se o autor do livro. A amizade durou até 1952, quando a publicação de “O Homem Revoltado” provocou um desentendimento público entre os dois filósofos devido aos comentários que Camus fazia em relação ao comunismo soviético, do qual Sartre era partidário.

[21] Edmund Gustav Albrecht Husserl (1859-1938) foi matemático e filósofo alemão que estabeleceu a escola de fenomenologia. E, rompeu com a orientação positivista da ciência e da filosofia de sua época. Elaborou severaas críticas do historicismo e do psicologismo na lógica. Não se limitou ao empirismo, mas acredito que a experência é a fonte de todo o conhecimento, também trabalhou em método de redução fenomenológica pelo qual um assunto pode vir a conhecer diretamente uma essência.

Husserl influenciou, entre outros, os alemães Edith Stein, Eugen Fink e Martin Heidegger, e os franceses Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Michel Henry e Jacques Derrida. O interesse do matemático Hermann Weyl pela lógica intuicionista e pela noção de impredicatividade teria resultado de contatos com Husserl. Na verdade, a impulsão primeira da lógica positivista, bem como seus desenvolvimentos mais recentes, seriam estreitamente tributários da crítica de certos aspectos da filosofia de Husserl pelas filosofias britânica e americana. Ao reverso, a obra do discípulo Heidegger foi considerada pelo mestre como resultado de graves interpretações incorretas de seus ensinos e métodos.

[22] No modo específico pelo qual o homem experimenta a técnica e experimenta-se nela. Que isso seja o cumprimento de um destino é algo que não anula a liberdade humana, que deve ser compreendida tanto como o destino que se oferece ao homem quanto como o modo pelo qual o homem se oferece a esse destino. Nessa dupla relação reside o perigo da técnica. Concluímos que Heidegger não faz coro com aqueles que veem na técnica a perda do humano ou sua inevitável alienação.

[23] Se a técnica é o modo de desvelar o ser e habitar o mundo – o modo de existir – e se nossas maneiras de pensar e agir são dependentes da técnica, isso significa que é inevitável que haja uma espécie de governo técnico do mundo e a isso não nos podemos furtar. Entretanto, essa mesma compreensão abre possibilidades de um outro modo de pensar, que não recuse a técnica, que não alimente nostalgias, mas que faça da técnica que nos do- mina uma questão a ser enfrentada com a liberdade possível. Note-se que a liberdade perante a técnica concerne substancialmente à compreensão da constituição histórica da relação que o homem mantém com os outros entes e com o ser – o que vem a ser algo como a compreensão de si mesmo.

[24] A poiesis é, pois, onde jogam as quatro causas, os modos de deixar viger: por força da poiesis advém tanto o que cresce na natureza e eleva-se por si mesmo (physis) quanto o que não tem o eclodir da produção em si mesmo (techne). Este deixar viger conduz à vigência o que, na produção, chega a aparecer, a apresentar-se – a produção se dá no sentido do encobrimento para o desencobrimento. Poiesis acontece enquanto e na medida em que algo encoberto chega a desencobrir-se. Para o descobrimento, os gregos tinham uma palavra: alethéia.

[25] David Hume criticou todo o discurso metafísico sobre os fenômenos que ocorrem no mundo e, mais, propôs que há uma inadequação entre a linguagem e o objeto ao qual esta se refere. Tal acusação contra a linguagem metafísica expõe o seu fracasso. Enfim, percebe-se que a filosofia empirista visava dissolver o paradigma filosófico platônico-cartesiano e cristão, a partir da cisão entre o sensível e o suprassensível. Vige plena desconfiança da linguagem e da razão, de forma que o ceticismo presente se faz cada vez mais evidente e devorador.

O ceticismo humeano mostra-se quando o filósofo não dá continuidade à oposição entre sensível e Inteligível e toma-a como destituída de sentido.

O filósofo apresenta sua primeira proposição acerca do conhecimento humano: todas as ideias do homem derivam de impressões – uma classe das percepções. As impressões originam-se, por sua vez, das sensações – experiência interna – ou dos sentimentos – experiência externa. Das impressões surgem as ideias e os pensamentos, ou seja, as ideias e os pensamentos são cópias pálidas das impressões, os quais são mantidos na imaginação – a qual pode juntar aparências e também formas incompatíveis – ou na memória.

[26]  A sensação é, pois, sempre superior ao pensamento. Com essa exposição, podemos notar que há um ponto de convergência entre o pensamento humeano e o pensamento de Bacon: “as palavras não são senão imagens das coisas, e se estas não estão vivificadas pela razão e pela invenção, enamorar-se delas é o mesmo que se enamorar de um quadro”.

Assim, a linguagem leva o homem a crer em objetos os quais não podem ser percebidos, experienciados. É por isso que a cultura, considerada em suas verdades e saberes, encontra-se “num pântano de ilusões e de mal-entendidos”. Hume também amplia sua crítica à religião e aos saberes que pretendiam dizer o que o mundo é – com relação às questões de fato. Ao se desconfiar que determinado termo filosófico esteja sendo empregado mesmo que destituído de sentido, deve-se questionar de qual impressão a ideia deriva. Se não houver resposta, isto é, impressão correspondente, o discurso é considerado como abstruso e sem crédito, como é o caso do discurso metafísico.

Conforme foi exposto, Hume aceita apenas três princípios de conexão de ideias: o princípio de semelhança, o princípio de contiguidade no tempo e no espaço, e o princípio de causa e efeito. A relação entre estes e a linguagem é evidente: é através destes princípios que as ideias entram na mente e concebem diferentes discursos, que podem ou não serem convincentes, segundo a afinidade entre aquelas (ideias).

[27] Pois existem três formas de desocultamento onde ocorre a poiesis, três modos de alethéia. O primeiro se revelaria na physys, por exemplo, na auto poiesis de uma rosa ao florescer; A techne, segunda forma de desocultamento, segundo modo de alethéia, que denominamos técnica é a produção do artesão que fabrica o utensílio, o vaso ou o cálice; nesta segunda forma, existe a produção do que não viria à luz por si mesmo. O terceiro modo é a episteme, o conhecimento desta produção.

[28] Em Ser e Tempo, o filósofo usa a palavra “técnica” somente uma vez e, ainda como adjetivo, quando cogita da complicada construção “técnica” da aparelhagem de experimentação. Porém, não se deve aferir que essa obra nada revela sobre a questão da técnica. Convém recordar que o conceito de coisa a que Heidegger atribuiu primado ontológico é o de coisa como instrumento (Zeug).

A oposição que aqui mais nos interessa é a entre a natureza e a técnica. A instrumentalidade dos instrumentos não nos leva a um mundo oposto ao da natureza. Pelo contrário, esse horizonte de manifestação do ente intramundano serve de fio condutor para a descoberta de pelo menos dois sentidos de natureza. O primeiro desses sentidos é o de natureza como depósito de “materiais”. No uso dos instrumentos manifesta-se uma natureza interna ao mundo instrumental, íntima da técnica do trabalho manual na qual se desoculta a instrumentalidade das coisas. O segundo sentido é o de natureza que é “levada em conta” no uso das coisas no mundo ambiente: as intempéries, o sol, o clima, a paisagem.

[29] Há uma carta escrita presumidamente por um cacique nativo norte-americano de Seattle para então o Presidente dos EUA que era Franklin Pierce, em 1854, contendo a visão do indígena pela vermelha sobre a vida do homem branco e como ele tratava sua moradia, cidades e a relação com a natureza. A carta impressiona: … “De uma coisa sabemos. A terra não pertence ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará”.

[30] Que tem a técnica a ver com tal desocultamento do ente? Tudo. A téchne grega pertence à poiesis, ela é um modo de desocultamento “poiético“, produtivo, onde acontece a verdade. O homem moderno, já em Descartes, passa a se considerar centro determinante da realidade – torna-se o que tem sido desde então até a época contemporânea: sujeito, formador autoconsciente, avalista, fiador de tudo que lhe aparece.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Heidegger e a questão da técnica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/heidegger-e-a-questao-da-tecnica/ Acesso em: 22 nov. 2024