Políbio, autor de História, ao contrário de Platão e Aristóteles, é um historiador e não filósofo. Nasceu na Grécia, mas foi deportado pra Roma, onde teve contato com o círculo dos Cipiões, escrevendo em grego a primeira grande história de Roma. Em seu livro VI de História, depois de narrar a batalha de Cannes, ele se detém em analisar a Constituição Romana, redigindo um pequeno tratado sobre direito público e descrevendo as diversas funções públicas. Políbio explica a razão de ter se esmiuçado sobre a constituição:
“Deve-se considerar a constituição de um povo como a causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações”
Ele se preocupa em demonstrar a relevância da constituição para o sucesso romano, que em cinquenta e três anos conquistou todos os outros Estados, impondo seu domínio.
Antes de se ater a constituição romana, ele tece considerações sobre a constituição de forma geral, explorando três teses: “1) existem fundamentalmente seis formas de governo – três boas e três más; 2) essas seis formas se sucedem umas às outras de acordo com determinado ritmo, constituindo assim um ciclo, repetido no tempo; 3) além dessas seis formas tradicionais, há uma sétima – exemplificada pela constituição romana -que é a melhor de todas enquanto síntese das três formas boas.”
Em sua primeira tese, Políbio não apresenta novidades, apenas reforça a tipologia tradicional. O único ponto que deve ser comentado é o fato de Políbio chamar de democracia o que Aristóteles chamava de politia, ou seja, ele considera democracia uma forma positiva. A forma degenerada desse governo é chama de oclocracia por ele, “oclos, que significa multidão, massa, plebe, e corresponde bem ao nosso ‘governo de massa’ ou ‘das massas'”. Políbio se identifica muito mais com os critérios platônicos do que aristotélicos.” Os critérios velados são dois: de um lado, a contraposição entre o governo baseado na força e o governo fundamentado no consenso; de outro, a contraposição análoga— mas não idêntica – entre governo ilegal (portanto arbitrário) e legal. São dois critérios que já encontramos em O Político de Platão.”
Logo depois, demonstra-se o “ciclo”, parte importante de sua obra. “Em primeiro lugar se estabelece sem artifício e ‘naturalmente’ o governo de um só, ao qual segue (e do qual é gerado por sucessivas elaborações e correções) o ‘reino’. Transformando-se este no regime mau correspondente, isto é, na ‘tirania’, pela queda desta última se gera o governo dos ‘melhores’. Quando a aristocracia por sua vez degenera em ‘oligarquia’, pela força da natureza, o povo se insurge violentamente contra os abusos dos governantes, nascendo assim o ‘governo popular’. Com o tempo, a arrogância e a ilegalidade dessa forma de governo levam à ‘oclocracia'”
As etapas histórias são: monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia e oclocracia. O ciclo alterna-se entre formas boas e más, embora a constituição boa que segue é inferior à má. “(…) a linha decrescente do ciclo platônico é contínua, a do ciclo polibiano é fragmentada por uma alternância de momentos bons e maus, embora tenda para baixo”. Diferenciam-se também [o ciclo platônico do polibiano] pela fase final, no platônico é a tirania o último estágio, já para o polibiano é a oclocracia.
Essas teorias de mutação do governo são fatalistas, pois consideram inevitável a corrupção de uma forma boa em sua má correspondente. No seu texto, Políbio usa diversas vezes palavras como “natural”, “naturalmente”, “pela força da natureza” e faz uma analogia entre a obrigatoriedade da corrupção e ao destino do ferro em enferrujar. Por fim, Políbio afirma que após a forma última e mais degenerada (oclocracia), retorna-se à melhor de todas: monarquia.
“Este é o rodízio das constituições: a lei natural segundo a qual as formas políticas se transformam, decaem e ‘ retornam ao ponto de partida'”
O ponto alto, porém, da tese de Políbio é a concepção de governo misto. Para ele, mesmo as formas “boas” são más, já que elas estão fadadas à degeneração. Por serem instáveis, elas não podem ser consideradas excelentes, já que um dos maiores valores de uma constituição é sua estabilidade. O remédio para isso, então, é a mistura das diferentes formas.
“Está claro, de fato, que precisamos considerar ótima a constituição que reúne as características de todas as três formas”
Para corroborar sua tese, Políbio se utiliza do governo de Esparta, que era misto. “Licurgo… não formulou uma constituição simples e uniforme, mas reuniu todas as características dos melhores sistemas políticos, de modo que nenhuma delas, adquirindo força maior do que a necessária, se desviasse no sentido dos seus males congênitos mas, ao contrário, de forma que cada uma neutralizasse as outras; equilibravam-se os diversos poderes, nenhum deles se tornava excessivo e o sistema político permanecia prolongadamente em perfeito equilíbrio, como um barco que vence a força de uma corrente oposta”
Formula-se então o controle recíproco dos poderes, ou princípio do equilíbrio. ” Esse é um ponto de grande importância. O tema do equilíbrio dos poderes (que na idade moderna se tornará o tema central das teorias “constitucionalistas”, com o nome de balance of power) é um dos que dominam toda a tradição do pensamento político ocidental. Embora a teoria do governo misto, tão bem formulada por Políbio, não deva ser confundida com a teoria moderna da separação e do equilíbrio dos poderes (enunciada por Montesquieu em forma que se tornou famosa), é um fato que a teoria do governo misto e a teoria do equilíbrio procedem pari passu. O que a continuação do discurso confirma, quando Políbio expõe particularizadamente os princípios em que se inspira a constituição romana.”
Ele percebe que em Esparta, aonde havia os cônsules, o senado e as eleições populares, ocorreu fusão entre as formas de governo. O cônsules tornavam o Estado parecido com o monárquico, o senado parecia aristocrático e as eleições populares assemelhavam-se com a democracia.
“Como dessa forma cada órgão pode ‘obstaculizar’ os outros ou ‘colaborar’ com eles, sua união é benéfica em todas as circunstâncias, de modo que não é possível haver um Estado melhor constituído.
[…]
Quando… um dos órgãos constitucionais, adquirindo força, cresce em soberba e exerce um domínio maior do que o conveniente, está claro que como nenhuma parte é autônoma, como já disse, e como todo desígnio pode ser desviado ou impedido, nenhuma das panes excede sua competência e ultrapassa sua medida. Assim, permanecem todos dentro dos limites prescritos — de um lado porque têm impedidos todos os impulsos agressivos, de outro porque desde o princípio temem a vigilância dos demais”
Assim, a ideia de que o sucesso de um Estado depende de sua constituição é mantida e a excelência de sua constituição está no seu “mecanismo”. São os mecanismo que tornam o Estado estável, logo excelente.
Fica uma dúvida, entretanto, sobre a conciliação entre a ideia do ciclo interminável e a proposição de uma forma de governo estável. Segundo Bobbio, essa contradição é mais aparente do que real, já que a formulação deste governo misto indica apenas uma estabilidade e controle maior do que os simples, não algo eterno. Isso é bem evidente já que ele utiliza como exemplo o governo espartano, que na época polibiana, já havia decaído. A principal diferença é que em um governo misto, as mudanças inevitáveis ocorrerão de forma gradual e não-violenta.
Ainda assim, vale considerar que Políbio supõe um “ciclo no ciclo”, que dentro dos governos mistos há uma alteração cíclica em favor de uma das partes. Ora há predomínio da aristocracia, ora da monarquia, ora da democracia. Em favor de sua ideia de “meio-termo” compartilhada de Aristóteles, a melhor forma seria a que predomina a aristocracia, um meio-termo entre muitos e um.