Aristóteles em Política fixou e classificou as diferentes formas de governo, que ele chama de “politeia” (palavra traduzida frequentemente como “constituição”). No livro, há diversas definições de Constituição como:
“A constituição é a estrutura política que dá ordem à cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e sobretudo da autoridade soberana.”
O filósofo considera que a constituição é a regulação das magistraturas (cargos públicos). Hoje incluímos mais concepções, especialmente consideramos a constituição como a Lei Fundamental de um Estado, a qual organize os órgãos e suas funções.
Em seu Livro III, Aristóteles descreve e classifica as diferentes formas de constituição/governo:
“Como constituição e governo significam a mesma coisa, e o governo é o poder soberano da cidade, é necessário que esse poder soberano seja exercido por ‘um só’, por ‘poucos’ ou por ‘muitos’. Quando um só, poucos ou muitos exercem o poder buscando o interesse comum, temos necessariamente as constituições retas; quando o exercem no seu interesse privado, temos desvios… Chamamos ‘reino’ ao governo monárquico que se propõe a fazer o bem público; ‘aristocracia’, ao governo de poucos…, quando tem por finalidade o bem comum; quando a massa governa visando ao bem público, temos a ‘politia’ , palavra com que designamos em comum todas as constituições… As degenerações das formas de governo precedentes são a ‘ tirania’ com respeito ao reino; a ‘oligarquia’ , com relação à aristocracia; e a ‘ democracia’, no que diz respeito à ‘ politia’. Na verdade, a tirania é o governo monárquico exercido em favor do monarca; a oligarquia visa ao interesse dos ricos; a democracia, ao dos pobres. Mas nenhuma dessas formas mira a utilidade comum”
O critério utilizado é “quem governo” (um, poucos ou muitos) e “como governa” (bem- visa o interesse público; mal- visa seu interesse particular). Monarquia, portanto, não é apenas “governo de um só”, mas “bom governo de um só”, em contraposição à tirania, que é o “mau governo de um só”, e assim ocorre o mesmo com aristocracia e oligarquia, politia e democracia.
A estranheza maior pode ser observada com o uso do termo “politia” para designar o bom governo de muitos.” (…)’politia’ (termo que traduz “politeia” sem traduzi-lo) significa “constituição” – é portanto um termo genérico, não específico.”
Depois, Aristóteles em Ética a Nicômaco usa o termo “timocracia” para se dirigir ao bom governo de muitos.” De qualquer forma o uso de um termo genérico, como “politia”, ou impróprio, como timocracia, confirma o que Platão já nos havia ensinado: ao contrário do que acontece com as duas primeiras formas, para as quais existem dois termos consagrados pelo uso para indicar respectivamente a forma boa e a má, com relação à terceira há, no uso corrente, um só termo, “democracia”, com a conseqüência de que, uma vez adotado para indicar exclusivamente a forma má, como fez Aristóteles, falta uma expressão também consagrada pelo uso para denotar a correspondente forma boa.”
A ordem hierárquica das formas, da melhor para a pior é: monarquia, aristocracia, politia, democracia, oligarquia e tirania. “Mas a democracia é o desvio menos ruim: com efeito, pouco se afasta da forma de governo correspondente” Em outra passagem: “Explica-se também por que as duas formas da democracia podem ter sido denominadas da mesma forma; estando uma no fim da primeira série e a outra no princípio da segunda, são semelhantes a ponto de poderem ser confundidas”
Para Aristóteles, o que diferencia os governos em bons ou maus nao é o consenso ou a força, a legalidade ou ilegalidade, mas acima de tudo o alvo de interesse (bem comum ou bem pessoal). “A formas boas são aquelas que visam ao interesse comum, más são aquelas em que os governantes têm em vista o interesse próprio. (…)A razão pela qual os indivíduos se reúnem nas cidades – isto é formam comunidades políticas — não é apenas a de viver em comum, mas a de “viver bem” (1252 b e 1280 b). Para que o objetivo da “boa vida” possa ser realizado, é necessário que os cidadãos visem ao interesse comum, ou em conjunto ou por intermédio dos seus governantes. Quando os governantes se aproveitam do poder que receberam ou conquistaram para perseguir interesses particulares, a comunidade política se realiza menos bem, assumindo uma forma política corrompida, ou degenerada, com relação à forma pura. Aristóteles distingue três tipos de relações de poder: o poder do pai sobre o filho, do senhor sobre o escravo, do governante sobre o governado. Essas três formas de poder se distinguem entre si com base no tipo de interesse perseguido. O poder dos senhores é exercido no seu próprio interesse; o patemo, no interesse dos filhos; o político, no interesse comum de governantes e governados”.
Aristóteles ainda define diferentes formas de monarquia, considerando a monarquia despótica uma forma necessária para os povos que têm tradição servil, como os asiáticos. Assim, a tirania é considerada legítima para ele neste lugar: “a) o poder é exercido tiranicamente; neste sentido se assemelha ao poder do tirano; b) esse poder exercido tiranicamente é contudo legítimo, porque é aceito; e é aceito porque ‘como esses povos bárbaros são mais servis do que os gregos, e como os povos asiáticos são mais servis do que os europeus, suportam sem dificuldade o poder despótico exercido sobre eles’.
Voltemos então ao problema de definição para a politia. A definição dada por Aristóteles é: “A “politia” é, de modo geral, uma mistura de oligarquia e de democracia; via de regra são chamados de polidas os governos que se inclinam para a democracia, e de aristocracias os que se inclinam para a oligarquia” Percebemos portanto que, a forma boa “politia” é uma mistura de duas formas más. A classificação usada por Aristóteles para diferenciar oligarquia de democracia não é a quantidade de pessoas no poder (poucos e muitos), mas ricos e pobres.
“Na democracia governam os homens livres, e os pobres, que constituem a maioria; na oligarquia governam os ricos e os nobres, que representam a minoria”
Sendo então a politia a fusão entre a oligarquia e a democracia, essa forma de governo remedia um dos maiores problemas na sociedade: a luta dos que não possuem contra os proprietários, mas não se atenta no livro a explicação da razão destes problemas estarem resolvidos. Explica-se como forma a politia, mas não porque a luta terminará ou como se aliam os interesses.
A maneira de unir as duas formas passa por 3 etapas:
1. Conciliando procedimentos que seriam incompatíveis: promulgação de lei que aplique multa aos ricos que não participarem da vida política e prêmios aos pobres que o fizerem.
2. Adotando-se um “meio-termo” entre as disposições extremas do poder: diminui-se a renda mínima necessária para ter direito de voto, mantendo um mínimo. Espécie de meio termo entre a oligarquia (cujo mínimo é muito alto) e democracia (cujo mínimo é muito baixo).
3. Recolhendo-se o melhor dos sistemas legislativos: os cargos públicos devem ser designados através de eleições, sem critério de renda.
Seguindo a ideia aristotélica de que o médio é o ideal, ele indica que a classe média é a mais confiável e preparada para governar:
“Está claro que a melhor comunidade política é a que se baseia na classe média, e que as cidades que têm essa condição podem ser bem governadas – aquelas onde a classe média é mais numerosa e tem mais poder do que as duas classes extremas, ou pelo menos uma delas. Com efeito, aliando-se a uma ou a outra, fará com que a balança penda para o seu lado, impedindo assim que um dos extremos que se opõem ganhe poder excessivo”
No fim, explica-se que a classe média é a melhor, pois sendo a mais numerosa, é a mais distante das revoluções, logo a mais estável.
“O que faz com que a mistura da democracia e oligarquia seja boa (…) é justamente o fato de que está menos sujeita às mutações rápidas provocadas pelos conflitos sociais.”
A ideia do governo ser uma mistura também é muito importante, pois mantém até hoje essa concepção positiva da mistura, o que é fortalecido por Políbio, o próximo autor-tema.