A repercussão geral é uma condição de admissibilidade do recurso extraordinário introduzida pela Emenda Constitucional 45/2004, sendo disciplinada pela Lei 11.418/2006 e, ainda, pela Emenda Regimental do STF 21/2007.
A retromencionada lei acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao CPC/1973 que estabeleceram nova sistemática no processamento dos recursos extraordinários, além de do efeito multiplicador da decisão de reconhecimento da repercussão geral.
Conclui-se, portanto, que a natureza jurídica da repercussão geral é mais eu mera condição de admissibilidade, sendo mais que filtro recursal e determinando quais matérias deverão ser julgadas pela Suprema Corte brasileira, além de indicar quando suas decisões irão repercutir em outros processos.
No CPC/2015 a repercussão geral do recurso extraordinário é disciplinada no art. 1.035 e há inovações. No segundo parágrafo ainda que seja mantida a exigência de demonstração da existência de repercussão geral pelo recorrente, é suprimida a previsão de que tal demonstração seja elaborada como preliminar do recurso. O que poderia parecer uma modificação sem maior significado, na verdade esconde uma importante inovação quanto ao tema.
Havendo expressa previsão a exigir que a repercussão geral seja demonstrada em preliminar do recurso extraordinário, resta evidente que o recorrente deverá expressamente demonstrar sua existência. E, a mera ausência de preliminar, inclusive, tem levado o STF a inadmitir o recurso, independentemente de qualquer outra análise.
A partir do momento em que a exigência se limita à demonstração da existência da repercussão geral, é possível concluir que o recorrente está dispensado de criar um tópico específico de sua peça recursal nesse sentido, sendo admitido que as próprias razões recursais demonstrem a existência da dita repercussão.
Cumpre ainda ressaltar o sentido dado pelo Enunciado 24 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A existência de repercussão geral terá de ser demonstrada de forma fundamentada, sendo dispensável sua alegação em preliminar ou em tópico específico”.
Já o terceiro parágrafo modifica e amplia as hipóteses de presunção absoluta de existência de repercussão geral, mantendo o ponto comum de valorização dos entendimentos consagrados pelo STF.
O surgimento desse requisito de admissibilidade sui generis deu-se no período das Reformas do Judiciário que visavam aferir maior celeridade processual. E, no caso de repercussão geral a eficiência é conseguida por meio da restrição do acesso do STF, o que deve minorar o excesso de carga de trabalho principalmente em face do elastério constitucional que prevê a competência do órgão de cúpula, que também atua amplamente no controle de constitucionalidade.
Enquanto que no art. 543-A, §3º do CPC/73 prevê existir a repercussão geral no recurso extraordinário interposto contra decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do tribunal, o art. 1.035, §3º do CPC/2015 cria três hipóteses de presunção absoluta de existência de repercussão geral sempre que o recurso impugnar o acórdão que:
1. contrarie súmula ou jurisprudência dominante do STF;
2. tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos;
3. tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal conforme os termos do art. 97 da CF/1988.
Na redação final aprovado pelo Senado brasileiro, o inciso I do §3º do art. 1.035 previa precedente do STF, tendo sido somente na revisão final o termo “precedente” [1] substituído por jurisprudência dominante.
Convém explicitar os conceitos relativos à súmula que nada mais é que a condensação de uma série de acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, porém persuasivo.
O precedente normativo é a jurisprudência dominante quando os temas são suficientemente debatidos e decididos de maneira uniforme em várias ocasiões. E, uma vez aprovado pelo órgão especial, passa a orientar as decisões em questões semelhantes, portanto tem a mesma força das súmulas e orientações jurisprudenciais.
O precedente judicial pode ser definido como um caso sentenciado ou decisão de uma corte considerada como fornecedora de um exemplo ou tendo autoridade para caso similar ou idêntico posteriormente surgido, ou para questão similar de direito.
Infelizmente há muita confusão no uso de termos como enunciado e súmula. O termo “súmula” quer significar o conjunto de jurisprudência dominante de um tribunal, abrangendo os mais variados ramos do direito, organizado em verbetes que são numerados sem compromisso com a temática tratada, e não cada um desses verbetes que trazem entendimento do órgão sobre determinada questão de direito.
O conteúdo do verbete individualmente que expressa o entendimento do tribunal sobre determinada questão de direito, deve ser chamado por precisão técnica de enunciado.
Jean Alves Pereira de Almeida afirma que o “aumento vertiginoso de recurso extraordinários e agravos de instrumentos interpostos no STF indica também a possibilidade de juízes e tribunais não estarem laborando de forma plena, observando os preceitos constitucionais em suas decisões e acórdãos ou mesmo não dispensando grandes atenções à fundamentação de seus decisórios, o que resta por causar inconformismo da parte e gera, para esta, o direito de recorrer às vias excepcionais”.
Salienta o nobre autor que a criação da repercussão geral pode acarretar um empobrecimento da ciência jurídica pátria, além de permitir que decisões inconstitucionais possam gerar efeitos se não forem demonstradas a relevância da questão constitucional e a transcendência.
A prima reação da Suprema Corte Brasileira fora desenvolver uma jurisprudência defensiva em razão do conhecimento do recurso extraordinário, aliás, o seu adjetivo extraordinário refere-se mais pela raridade do conhecimento e cada vez menos como remédio constitucional apto a harmonizar a interpretação de normas constitucionais.
Assim, a própria violação de normas constitucionais perdia relevância em face dos diversos requisitos processuais erigidos e que deveriam ser preenchidos para que então fosse o recurso finalmente conhecido.
Defende-se o STF reafirmando que seu papel deve se restringir o de ser guardião da supremacia da Constituição Federal Brasileira, de forma que não deve funcionar como órgão revisor, mas sim, como Corte Constitucional sendo zeladora do controle de constitucionalidade das leis brasileiras.
No fundo, a revisão do caso concreto de todo recurso extraordinário interposto representa um excesso que inviabiliza o STF de enfrentar seus cruciais desafios. Oportunamente, em duas decisões do STF, veio a demonstrar que pretende de fato atuar pela supremacia constitucional de maneira objetiva.
A primeira decisão foi a AI 842.860 AgR/SP que julgou que o recorrente deve demonstrar a transcendência da decisão mesmo em matéria criminal e no RE 556.664/RS, o relator Ministro Gilmar Mendes afirmou se tratar de processo de objetivação de recurso extraordinário, decidindo que “esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva” (In STF, RE 556.664/RS, rel. Min. Gilmar Mendes. Questão de Ordem. Disponível em www.stf.gov.br, acesso em 05.02.2016).
Observa-se que in casu o relator apresentou a questão de ordem para que fossem adicionados ao julgamento outros dois recursos que, embora discutam constitucionalidade de dispositivos normativos diferentes, a questão constitucional de funda, seria a mesma. (que trata da decadência da constituição de crédito das contribuições previdenciárias, cuidando ainda, da suspensão da contagem de prazo prescricional para as causas de pequeno valor).
Sem dúvida, a E.C 45/2004 representa uma referência para o início da objetivação do recurso extraordinário, como se fosse o julgamento sob regras do controle concentrado de constitucionalidade das leis, tendo como peculiaridades o exame da tese constitucional e o efeito vinculante das decisões que julgam o recurso extraordinário.
A objetivação do processo objetiva atingir três metas, a saber: eficiência, celeridade e feição de Corte Constitucional ao STF. Assim, o controle difuso julga somente a tese constitucional, ficando a análise do caso concreto destinada para a primeira e segunda instância.
O interesse público que é alvo de julgamento dos tribunais de cúpula, não se confunde com aquele que serve para os demais órgãos jurisdicionais. Afinal, a missão das cortes superiores é vinculada à defesa da unidade do ordenamento jurídico, com a observância do direito objetivo e, ainda, a uniformidade da jurisprudência.
As cortes superiores, portanto, possuem uma função nomofilácica [2] , ou seja, de zelar pela interpretação e aplicação do direito de forma quanto possível uniforme, transcendendo ao mero interesse dos litigantes.
Uma vez reconhecida a repercussão geral, o relator do STF determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. Mas, essa suspensão, no entanto, tem um prazo máximo, pois não ocorrendo o julgamento dentro de um ano a contar do reconhecimento da repercussão geral, cessa, em todo o território nacional, a suspensão dos processos que voltam a ter o seu tramitar normal.
O prazo de um ano para o julgamento de recurso que tiver repercussão geral reconhecida é previsto no parágrafo nono, que também fixa a preferência sobre os demais feitos (recursos e ações de competência originária), salvo aqueles que envolvam réu preso e o habeas corpus.
Percebe-se que os recursos extraordinários já interpostos no segundo grau de jurisdição serão também afetados permanecendo sobrestados. E, o parágrafo sexto dispõe que o interessado poderá requerer, ao presidente ou vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente.
A regra se justifica por conta da incapacidade de o julgamento do recurso que teve a repercussão admitida afetar um recurso extraordinário intempestivo, sendo, assim, injustificáveis o sobrestamento e consequente impedimento de trânsito em julgado da decisão recorrida.
Reforce-se que o princípio do contraditório é enfatizado pois o sexto parágrafo exige que o recorrente seja intimado para se manifestar em cinco dias a respeito deste requerimento. Se o pedido for deferido, o recurso extraordinário será inadmitido (hipótese excepcional) em que o tribunal de segundo grau mantém competência para realizar o juízo de admissibilidade nos recursos excepcionais e contra essa decisão cabe agravo [3] conforme prevê o parágrafo sétimo.
A criação do requisito da repercussão geral fora realizada com o fito de priorizar o papel do STF como Corte Constitucional, bem como servir de mecanismo de racionalização de trabalho, já que a decisão sobre a repercussão terá reflexos nos demais processos que possuem idênticas questões em debate.
Todos os processos sobrestados irão aguardar ansiosos o julgamento do leading case pelo STF, eliminando-se assim a necessidade de remessa de todas ações individuais.
Em sua natureza jurídica a repercussão se harmoniza com a concepção contemporânea de processo que é voltada para a obtenção de resultados coletivos, segundo o qual seria o instrumento capaz de solucionar não apenas uma situação individual, mas sim milhares de conflitos, além de garantir a celeridade processo com o devido respeito ao princípio da isonomia processual.
Corroborando que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de realização de justiça, Dinamarco afirma que o direito processual chegou a maturidade onde já estão definidas as ideias comuns apesar das diferenças existentes em cada sistema processual, com o respeito ao devido processo legal, a autonomia do direito processual e a necessidade de haver maior participação do juiz.
É a instrumentalidade do processo se irradiando para coordenar diversos institutos, princípios e soluções processuais não tardando a justiça para promover os ajustes necessários para a evolução social e jurídica da cidadania brasileira.
De fato, se reconhece que a repercussão geral vem ratificar o papel do STF como Corte Constitucional e não propriamente como instância recursal, ensejando que só julgue as questões realmente relevantes para a ordem constitucional, e cuja solução transcende aos direitos subjetivos dos litigantes e fazer com que venha decidir uma única vez cada questão constitucional, sendo desnecessário novo pronunciamento em outros processos com idêntica matéria.
Trata-se então de filtro visando dar maior celeridade a prestação jurisdicional e que não viola o princípio democrático, e nem a indispensabilidade do processo justo.
Mauro Cappelletti explicou que os juízes do civil law apesar de não eleitos, são normalmente chamados a explicar por escrito e, assim abertamente ao público, as razões de suas decisões, obrigação que assumiu a dignidade de garantia constitucional em alguns países, como a Itália. Aliás, nesse particular, veio o CPC/2015 reforçar o conteúdo e a necessidade das fundamentações das decisões judiciais, conferindo maior esforço para dar legitimação e respeito ao judiciário.
Deverá o recorrente demonstrar, além da presença da questão constitucional no recurso, a relevância da matéria, considerada sob a ótica política, jurídica e social ou econômica, além da transcendência.
Cumpre em primeiro momento que a repercussão geral seja reconhecida em aspecto formal, daí a necessidade de trazer nas razões do recurso uma fundamentação específica, destacada das demais razões recursais.
Já no aspecto material, exige-se que o recorrente demonstra a relevância da matéria quanto ao aspecto social, político, jurídico, além da transcendência.
Quanto ao requisito da relevância, o STF já assentou que a ofensa indireta ou reflexa à Constituição reputa-se como ausência de repercussão geral.
No leading case referente ao RE 635.336/PE interposto contra o acórdão do TFR da 5ª Região, que firmou entendimento segundo o qual na expropriação de glebas por cultivo ilegal de plantas psicotrópicas a responsabilidade do proprietário é objetiva, o relator da decisão que reconheceu a repercussão geral motivou o julgado, alegando que o recorrente apresentou preliminar formal e fundamentada de repercussão geral e que a questão transcende aos questões limites subjetivos da causa, em face que se discute a natureza da responsabilidade de propriedade de terras para efeito de expropriação prevista no art. 243, caput da CF/1988.
Observou-se que o STF não adentrou ao debate sobre os requisitos da repercussão geral (relevância e transcendência) não discorrendo sobre a preliminar de repercussão geral aventada pelo recorrente.
Reafirmar-se como critério seguro até o momento utilizado para o reconhecimento ou não da repercussão geral a presença de ofensa direta à Constituição Federal vigente.
Acrescente-se que o texto da E.C. 45/2004 não definiu o que se deve entender por repercussão geral, deixando a missão para o legislador ordinário. Porém, este não delineou com precisão, imbuindo-se de conceitos indeterminados, ao usar expressões tais como aspectos políticos. Portanto, cabe à jurisprudência e à doutrina concretizar as normas regulamentadoras da repercussão geral, imbuindo um sentido à estas.
Portanto, as decisões prolatadas pelo STF devem revelar diante de cada caso concreta qual seja a relevância social, política, econômica ou jurídica para fundamentar a competência do tribunal para certa questão constitucional.
Até o momento se pode afirmar que não houve efetiva e clarividente revelação quanto ao critério usado pela Suprema Corte para afinal definir a relevância da matéria, assim não existem critérios objetivos que permitam viabilizar o julgamento do recurso extraordinário pelo STF.
Sobre repercussão geral no Recurso Extraordinário 667.958/MG que tratou de julgar ação ordinária ajuizada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) contra o Município de Três Marias/MG para impedir que este ente público entregasse diretamente as guias de IPTU e de outros tributos.
Na primeira instância a sentença julgou improcedente, e na segunda instância a apelação não foi provida, por entender o Tribunal que se tratava de situação não atingida pelo monopólio postal, posto, no caso, há atuação direta do ente federativo, com maior segurança e economia para o cidadão, sem a intermediação onerosa de terceiros.
Interposto o recurso extraordinário, o Vice-Presidente do TRF da 1ª Região não admitiu o recurso, alegando se tratar de violação meramente reflexa à CF/1988. Além disso, a questão encontra-se julgada na Primeira Seção do STJ, no regime de recurso repetitivo no Resp 1.141.300/MG. Contra a decisão de inadmissibilidade, a ECT interpôs agravo de instrumento que restou provido pelo STF.
O relator submeteu a questão ao Plenário Virtual, decidindo sobre a relevância conforme se vê in litteris:
“O tema diz respeito à organização político-administrativa do Estado, alcançando, portanto, relevância econômica, política e jurídica, que ultrapasse aos interesses subjetivos da causa. Observo que a questão foi suscitada na ADPF 46, necessitando de provimento definitivo”.
A controvérsia reclama deste STF pronunciamento jurisdicional para definir se a União detém o monopólio sobre a entregue de guias de arrecadação tributária e os boletos de cobrança, por se tratar de atividade inserida no conceito de serviço postal.
Antes o exposto, manifesto-me pela admissão da repercussão geral da questão constitucional trazida no extraordinário.
Nesse caso, o STF fundamentou a decisão alegando que a questão constitucional diz respeito à organização político-administrativa do Estado. Mas, muitos são os dispositivos constitucionais que tratam dessa matéria. Significando que todas as normas disciplinadoras desses temas são relevantes ou que o STF considerou relevante tão somente a questão da competência do Município para entregar diretamente os boletos de cobrança? Qual seria afinal a relevância econômica dessa questão?
Nos julgados seguintes, questões foram tratadas envolvendo matéria referente ao servidor público, uma decidindo sobre a restituição ao erário de valores pagos indevidamente e outro ao direito de greve.
No Agravo de Instrumento 841.473/RS, interposto pelo INSS, o STJ julgou que “não apresenta repercussão geral recurso extraordinário que, tendo por objeto o dever de o beneficiário de boa-fé restituir aos cofres públicos os valores que lhe foram pagos indevidamente pela administração pública, versa sobre tema infraconstitucional”, tendo em vista que não há questão constitucional a examinar.
O recorrente havia interposto recurso extraordinário em face de acórdão que decidiu que os valores não devem ser devolvidos, posto que foram percebidos de boa-fé e possuem natureza alimentar. O INSS recorrer alegando a violação do art. 5º. II, XXXC, LIV, LV, 37, 97, 201§2º da CF/1988.
O tema sobre o nepotismo também fora alvo de julgamento no RE 579. 951/RN, interposto contra acórdão que “entendeu pela não aplicação, aos Poderes Executivo e Legislativo, da Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, tendo em vista a necessidade de lei expressa com o fim de impedir a prática de nepotismo nesses poderes.
Aduziu ainda, que a nomeação de parentes de agente de poder e ocupantes de cargo ou de função de confiança não viola os princípios insculpidos no art. 37, caput da Constituição.
A respeito da repercussão geral decidiu o STF que o caso possui relevância sob o ponto de vista jurídica. Mas, não fora apresentado o raciocínio argumentativo para sustentar que o nepotismo é uma questão constitucional relevante, já que ofenderia somente os princípios fundamentais, não existindo um dispositivo expresso que tratasse especificamente do tema.
Cumpre indagar doutrinariamente quando então existe a repercussão geral advinda da ofensa [4] direta à CF.
Segundo Guilherme Beux Nassif Azem apud Ana Carolina Squadri, a legislação albergou critérios passíveis de preenchimento no caso concreto. Antes diante de um juízo positivo quanto à presença desses valores, aliado à sua capacidade de se projetar além dos estritos limites do processo em que presente, será possível superar o requisito da repercussão geral.
A importância econômica, política, social ou jurídica deve ser esclarecida na decisão que julga a relevância da questão constitucional, além da transcendência.
De maneira que o doutrinador defende que essa decisão seja resultado de juízo discricionário, pois o juiz deve buscar a melhor interpretação que possível, ainda que não existe apenas uma única resposta correta.
Há de se recordar que o uso de conceitos jurídicos indeterminados decorre da opção do legislador, e não confere ao juiz a liberdade absoluta para decidir sem qualquer fundamento, calcado em sua vontade pessoal. Apenas, lhe outorga uma margem de livre apreciação.
Empreende o julgador a atividade de valoração e de concretização, voltando-se aos dados extraídos da realidade. Incumbe ao juiz captar e traduzir, na prática, os valores tutelados, em abstrato, pelo legislador.
É exatamente no preenchimento do conceito indeterminado, diante do caso concreto que se revela a atividade jurisdicional. Confere-se ao juiz um campo mais amplo de apreensão da realidade, o que reflete com maior intensidade em toda decisão judicial. Assim, a ponderação é elemento inerente à função de julgar que consiste em pesar as razões de um e outro lado.
Acredita-se boa parte da doutrina pátria que o direito é imune às influências da política, principalmente em razão dos mecanismos que visam distanciar os sistemas jurídicos, como independência e a vinculação do juiz ao ordenamento jurídico.
Apesar da escolha da composição da Suprema Corte passar pelo crivo nomeativo da Presidência da República, a participação política se finaliza com a posse, tendo em vista o caráter vitalício do cargo.
Mas, infelizmente, boa parte das ciências sociais contemporâneas não acreditam na autonomia do direito em relação à política e aos fenômenos sociais.
Apesar de não haver um pacífico consenso quanto ao aspecto da legitimidade das decisões do STF, estas são influenciadas pela política e pela opinião pública, o que não significa um desacerto.
Mas, para que a sociedade tenha a segurança de que as decisões não estão contaminadas com o excesso de subjetivismo e influenciadas pelos atores políticos munidos de valores pessoais ou pelo discurso da opinião pública, estando distanciada do discurso racional, é preciso que o reconhecimento da repercussão geral venha ser fundamentado de maneira que tanto os litigantes como a sociedade percebam juntos os fatores que influenciaram na decisão, além de oferecer firme garantia de não decorreram de arbitrariedades.
O CPC de 2015 deu nova modelagem [5] ao sistema de racionalização de julgamento de demandas repetitivas que fora incorporada a sistemática processual brasileira como uma solução para combater o elevado número de processos em tramitação no país, especialmente de recursos extraordinários.
Tal método de julgamento implica na atuação compartilhada entre o STF e os demais juízos brasileiros, na medida em que estes replicam e multiplicam a jurisprudência firmada por aquele, por meio da não admissibilidade, da declaração de prejuízo e da retratação, aplicadas a demandas que retratam as controvérsias similares ao processo-paradigma.
A racionalização do julgamento de recursos extraordinários, por reduzir a quantidade de processos a serem julgados pelo STF, viabiliza a correção de uma série de equívocos habituais em nossa prática judicial, como a existência de decisões divergentes para casos idênticos, o desenvolvimento de jurisprudência excessivamente defensiva e o comprometimento da razoável duração do processo.
Ao privilegiar a análise de temas constitucionais, em vez de processos subjetivos, favorece a qualidade dos julgamentos, oferecendo a celeridade e a uniformidade jurisprudencial em todo país. Com a Lei 13.256/2016 [6] retorna o duplo juízo de admissibilidade tanto para os recursos extraordinários e recursos especiais, o que na minha modesta opinião, representa um retrocesso na tentativa de sintetização do rito procedimental.
Referências
SANTANNA, Ana Carolina Squadri. Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. In: FUX, Luiz (coordenador) Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 20143.
ALMEIDA, Jean Alves Pereira. Repercussão geral objetiva. Revista Dialética de Direito Processual, n. 95, fev. 2011.
CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1999.
MELO, Nehemias Domingos de. (Coordenador) Novo CPC Anotado Comentado e Comparado. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.
[1] Na trajetória histórica do precedente, segundo a lavra preciosa de Marinoni a evolução do civil law inverteu os papéis desejados pela sua tradição, conferindo ao juiz o poder de interpretar e completar e até negar o direito produzido pelo legislativo e, até mesmo criá-lo, diante da omissão do legislador na tutela de um direito fundamental.
Somente o sistema que prestigia os precedentes pode garantir a coerência do direito, a previsibilidade das decisões e igualdade. Aliás, frise-se que com a tradição de common law jamais negou e nem chegou a negar o poder criativo dos juízes, o respeito aos precedentes surgira naturalmente, ao longo do desenvolvimento do common law, para sustentar a igualdade e a segurança jurídica.
[2] Observa-se que a plurissignificação judicial do sentido da Constituição Federal Brasileira bem característica do sistema brasileiro não convive bem com a lógica dos precedentes, que retira do controle de constitucionalidade a função de salvaguarda da Constituição, erigindo uma sobreposição de vontades morais sobre o produto do legislativo.
É importante sublinhar que conforme leciona Marinoni o processo não mais se legitima mediante os velhos princípios do direito processual civil do século XX, sendo necessário garantir e sustentar a igualdade perante as decisões judiciais e resultados justos, compreendidos como decisões que afirmem o autêntico sentido dos direitos fundamentais.
[3] O texto do novo CPC cria uma espécie de agravo extraordinário. O recurso pode ser manejado pela defesa contra decisão de um juiz que aplicou ao caso a mesma tese definida no julgamento da repercussão geral. Se o advogado entender que a tese definida no julgamento de repercussão não se aplica ao caso que ele defende, poderá se valer do recurso para levar o caso ao STF.
A nova regra, dizem fontes do Supremo, compromete a razão de ser da repercussão geral: evitar que as partes, unilateralmente, possam levar todo e qualquer caso ao STF. O novo recurso serviria para driblar o filtro da repercussão, conforme gabinetes de ministro do Supremo.
[4] O conceito de ofensa direta à Constituição tem sido frequentemente usado para justificar a impossibilidade de análise de mérito do Recurso Extraordinário, entendendo o STF que somente o confronto direto e frontal com o texto constitucional vigente é que deve ser argumentado através desse recurso. Porém, o texto constitucional brasileiro adotou o modelo normativo preponderante dotado de normas abertas, pretendendo que premeditada indeterminação conceitual venha admitir que sejam as normas constitucionais revigoradas e modificadas, incluindo situações fáticas surgidas após sua edição. De sorte que a interpretação dos conceitos vagos e abstratos vem adquirindo cada vez mais importância no mundo contemporâneo porque o uso destes conceitos consiste numa técnica legislativa marcadamente afeiçoada à realidade em que vivemos, que se caracteriza justamente pela instabilidade, pela imensa velocidade e dinâmica com que se sucedem os fatos, com que se transmite informações, sem alteraram as verdades sociais e concretas.
[5] É verdade que a nova ordem estabelecida pelo pós-positivismo preconiza a importância das normas constitucionais de natureza principiológica, devendo o sistema normativo pautar-se pela defesa irrestrita dos direitos fundamentais e dos princípios materiais de justiça. O elastério que contorna as normas constitucionais abertas deve ser temperado pela interpretação judicial, que de acordo com o ambiente sociocultural da época, permitirá o sistema jurídico seja mais protetivo ao jurisdicionado e não sirva como mais um componente de exclusão social.
Não há logica em fundar um sistema jurídico em normas principiológicas e não permitir que o jurisdicionado comum possa questionar seu âmbito de incidência de forma individual por meio de Recurso Extraordinário. Aliás, a própria Constituição não dispõe como hipótese de cabimento para Recurso Extraordinário ofensa direta, mas apenas contrariedade ao texto constitucional.
[6] Inicialmente a disciplina da repercussão geral do CPC de 2015 trazia algumas melhorias, pois havia o fim do duplo juízo de admissibilidade, a previsão de prazo para julgamento de mérito de temas-paradigmas e a possibilidade de superação de vícios formais do recurso tempestivamente impetrado. Mas, é necessário que o STF se prepare para melhor administrar a massa de processos que lhe será dirigida em breve. Pois o cabimento tanto de reclamação quanto de agravo contra decisões das instâncias de origem que aplicam a sistemática da repercussão geral representa o calcanhar de Aquiles da Suprema Corte brasileira.