A cultura brasileira, pra quase tudo, é sempre vista de forma distorcida na maioria dos casos. Não é diferente no crime de estupro.
Muito comum ouvirmos de pessoas que não sofrem a lesão física e moral, ora tratada, que o motivo do estupro fora a roupa que a pessoa estava usando; o jeito que se comportara; a família que tal pessoa vem e, pasmem, em muitos casos, sugere-se que a pessoa “mereceu mesmo” ter sido estuprada.
Como alguém merece ser estuprado? No mínimo, quem pensa dessa forma sequer sabe o que significa tal atentado contra a pessoa e sua dignidade humana e, mais, contra uma sociedade inteira.
Não podemos ter esse tipo de pensamento, ainda, nos dias atuais.
Já dizia Montesquieu que “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
Protege-se no crime de estupro não somente a integridade física e moral, mas a liberdade sexual, ou seja, o direito de cada indivíduo de dispor de seu corpo com relação aos atos de natureza sexual, como aspecto essencial da dignidade da pessoa humana.
Mas afinal, de quem é a culpa pelo estupro no Brasil?
Esta é uma pergunta que parece ser detentora de muitas respostas. Somente parece, pois existe uma única resposta para ela.
A culpa pelo estupro no Brasil é, única e exclusivamente, do estuprador.
Não é da roupa que a pessoa usa, não é do jeito que a pessoa caminha, não é do jeito que a pessoa fala ou se comporta e, muito menos, das estrelas. A culpa é do estuprador e pronto!
Talvez esta resposta que buscamos seja o fator principal que faz muitas pessoas que são estupradas, sentirem-se impotentes e desencorajadas a buscarem ajuda profissional médica e policial.
Não é fácil buscar ajuda em uma “sociedade juiz” que, utopicamente, se acha dona da verdade e razão quando não o é. Quando assim se comporta, exclui-se aquele que mais dela precisa: a vítima.
Em muitos casos, não é raro encontrar quem foi vítima de estupro se perguntando não ter sido ela, a pessoa, culpada para que aquilo ocorresse. A vítima acaba se tornando ré de si mesma.
Isso acontece, infelizmente, pelos dogmas impostos pela sociedade desinformada, ou melhor, informada por ficções jurídicas em programas televisivos sensacionalistas que alienam a mente humana e distorcem os fatos da vida real em busca da nefasta audiência a qualquer custo, quando deveriam fazer uma campanha informativa real em vez de pregar pena de morte onde não se discute em um Estado Democrático de Direito.
O presente ensaio não tem a intenção de adentrar no aspecto jurídico-informativo do crime em tela, porém, é de suma importância, também, uma análise social voltada para a vítima que se torna insólita em um momento tão crítico de sua vida.
Que dignidade humana tem a vítima de estupro? Pra ela nenhuma, para a sociedade deve ter toda.
Quão difícil é para alguém que fora estuprado buscar ajuda e, pior, que tipo de ajuda buscar se a informação inexiste? Nesse momento, a dignidade da pessoa humana, prevista na Carta Constitucional, não vale de nada. Triste realidade.
O que tem que mudar, urgentemente, é a visão da sociedade para com a vítima de estupro e, também, o modo como é feito o tratamento clínico/moral/social dessas pessoas que sofreram um atentado contra a alma.
Não é apontando o dedo, classificando tal pessoa como “estuprada” que vai resolver o problema. A maior mudança encontra-se, antes de tudo, dentro de nós mesmos.
Claro e evidente que as políticas governamentais de combate à violência devem ser intensificadas e aprimoradas a cada dia, mas não podemos esquecer de que são seres humanos que as operam. Seres humanos que hoje são juízes sociais e que amanhã podem ser vítimas de seus votos, hoje, proferidos.
A vítima de estupro em momento algum deve sentir-se responsável pelo ocorrido devendo, sempre, procurar ajuda especializada para remediar o ocorrido.
Deve fazer valer o que a nossa Constituição Federal resguarda sem dar ouvidos para crendices populares e irresponsáveis sociais que deturpam os reais caminhos a serem seguidos.
Por mais que a alteração legislativa de 2009 tornou o homem, também, sujeito passivo do estupro, não há dúvidas de que são as mulheres que sofrem as maiores incidências.
O fato de uma mulher ser prostituta, por exemplo, não o dá “direito” de ser estuprada; o fato de ser casada e não querer fazer sexo com seu marido, não é motivo para que tal delito ocorra. Alguns pensamentos arcaicos devem ser removidos de nós o quanto antes.
Infelizmente, ainda, vai levar algum tempo para que a vítima de estupro tenha o tratamento que mereça ter, porém, não carregar o fardo da culpa hipotética para consigo mesmo já é um avanço, ao menos, pessoal.
Por fim, a vítima de estupro deve sempre ter em mente que ela é a vítima. Não é ela quem deve prestar contas ao Estado, mas o Estado a ela.
A dignidade é única e em qualquer lugar, devendo ser respeitada incondicionalmente.
Twitter: @deniscaramigo