Brasília, 1º a 5 de dezembro de 2014 Nº 770
Data de divulgação: 16 de dezembro de 2014
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Verba indenizatória e publicidade – 1
Verba indenizatória e publicidade – 2
Repercussão Geral
RE com repercussão geral reconhecida e ausência de preliminar formal
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar – 1
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar – 2
Aposentadoria especial e uso de equipamento de proteção – 3
Aposentadoria especial e uso de equipamento de proteção – 4
1ª Turma
Prescrição não tributária e Enunciado 8 da Súmula Vinculante – 2
2ª Turma
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” – 1
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” – 2
Art. 383 do CP: “emendatio libelli” e “reformatio in pejus”
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Meio Ambiente – Competência Municipal – Lei e Regulamento (RE 673.681/SP)
Inovações Legislativas
Plenário
Verba indenizatória e publicidade – 1
O Plenário iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do Senado Federal, que indeferira pedido de acesso aos comprovantes apresentados pelos senadores para recebimento de verba indenizatória, no período de setembro a dezembro de 2008. O Ministro Roberto Barroso (relator) concedeu a ordem para que o Senado forneça à impetrante cópia reprográfica dos documentos comprobatórios do uso da verba indenizatória solicitados, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. De início, reconheceu a legitimidade ativa da impetrante, por considerar que os veículos de imprensa teriam direito líquido e certo à obtenção desses elementos, com base no princípio da publicidade (CF, art. 37, “caput”) e em outras disposições constitucionais correlatas, notadamente a liberdade de informação jornalística (CF, art. 220, § 1º). Ressaltou que as referidas verbas destinar-se-iam a indenizar despesas diretas e exclusivamente relacionadas ao exercício da função parlamentar. Sua natureza pública estaria presente tanto na fonte pagadora — o Senado Federal — quanto na finalidade, vinculada ao exercício da representação popular. Nesse contexto, a regra geral seria a publicidade e decorreria de um conjunto de normas constitucionais, como o direito de acesso à informação por parte dos órgãos públicos (CF, art. 5º, XXXIII) — especialmente no tocante à documentação governamental (CF, art. 216, § 2º) —, o princípio da publicidade (CF, art. 37, “caput” e § 3º, II) e o princípio republicano (CF, art. 1º), do qual se originariam os deveres de transparência e prestação de contas, bem como a possibilidade de responsabilização ampla por eventuais irregularidades. Recordou que o art. 1º, parágrafo único, da CF enuncia que “todo o poder emana do povo”. Assim, os órgãos estatais teriam o dever de esclarecer ao seu mandante, titular do poder político, como seriam usadas as verbas arrecadadas da sociedade para o exercício de suas atividades. Observou que a Constituição ressalvaria a regra da publicidade apenas em relação às informações cujo sigilo fosse imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII, parte final) e às que fossem protegidas pela inviolabilidade conferida à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (CF, art. 5º, X, c/c art. 37, § 3º, II). Por se tratar de situações excepcionais, o ônus argumentativo de demonstrar a caracterização de uma dessas circunstâncias incumbiria a quem pretendesse afastar a regra geral da publicidade.
MS 28178/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 3.12.2014. (MS-28178)
Verba indenizatória e publicidade – 2
O relator consignou que a autoridade impetrada teria justificado sua recusa nas duas exceções acima citadas. Refutou a assertiva de que a concessão da ordem poderia gerar um perigoso precedente, uma vez que permitiria igualmente o acesso a informações sobre verbas indenizatórias pagas no âmbito de outros órgãos estratégicos, como a ABIN, o Centro de Inteligência do Exército e da Marinha, a Comissão Nacional de Energia Nuclear do Ministério da Ciência e da Tecnologia, a Presidência da República e mesmo os tribunais superiores. Sublinhou que o caráter estratégico das atividades desenvolvidas por determinado órgão não tornaria automaticamente secretas todas as informações a ele referentes. No caso do Senado Federal, as atividades ordinárias de seus membros estariam muito longe de exigir um caráter predominantemente sigiloso. Em se tratando de órgão de representação popular por excelência, presumir-se-ia justamente o contrário. Nesse domínio, eventual necessidade de sigilo não poderia ser invocada de forma genérica, devendo ser concretamente justificada. Quanto à segunda exceção que justificaria a restrição à publicidade — informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas —, entendeu não ser pertinente que se invocasse a intimidade, de forma genérica, para restringir a transparência acerca do emprego de verbas públicas exclusivamente relacionadas ao exercício da função parlamentar. Salientou que a hipótese nada teria a ver com uma devassa genérica na vida privada dos agentes políticos. Não se cuidaria da divulgação, pelo Poder Público, da forma como os senadores gastariam o subsídio recebido a título de remuneração ou mesmo sobre o emprego de outras rendas privadas auferidas a título diverso. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente).
MS 28178/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 3.12.2014. (MS-28178)
Repercussão Geral
RE com repercussão geral reconhecida e ausência de preliminar formal
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade do art. 10 da Lei 10.666/2003 e do art. 202-A do Decreto 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto 6.957/2009. Os dispositivos questionados preveem a possibilidade de redução da alíquota referente ao Seguro de Acidente do Trabalho – SAT e dos Riscos Ambientais do Trabalho – RAT para empresas com menores índices de acidente de trabalho e permitem, por outro lado, a majoração para aquelas que não investirem na segurança do trabalhador. As mencionadas alíquotas seriam aferidas pelo desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, com a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção – FAP, que leva em consideração os índices de frequência, gravidade e custos dos acidentes de trabalho. Entende o recorrente que os dispositivos impugnados permitiriam a instituição de alíquota baseada em metodologia aprovada somente pelo Conselho Nacional de Previdência Social por meio de resolução, o que feriria o princípio da legalidade, além de afrontar os princípios da anterioridade e da reserva de lei complementar. O Ministro Marco Aurélio suscitou questão de ordem no sentido de não conhecer do recurso, por ausência de preliminar sobre a existência de repercussão geral do tema, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Constatara que as razões recursais teriam sido silentes quanto a esse requisito, que sequer fora abordado. Ponderou que, embora o Plenário tivesse assentado a repercussão geral, esse defeito formal implicaria o não conhecimento do recurso extraordinário. Os Ministros Luiz Fux (relator), Ricardo Lewandowski (Presidente), Roberto Barroso e Gilmar Mendes, em divergência, conheceram do recurso. Para o relator, as modernas legislações seriam no sentido de que, se o mérito do recurso contribuísse para a evolução do Direito, qualquer defeito formal deveria ser afastado para que esse processo tivesse um cunho objetivo e que se pudesse julgar a tese. Assim, a despeito da ausência do capítulo específico da repercussão geral, teria sido possível extrair o tema em debate. Ademais, a matéria fora chancelada pelo Plenário virtual. Em seguida, o relator indicou adiamento.
RE 684261/PR, rel. Min. Luiz Fux, 3.12.2014. (RE-684261)
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar – 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a responsabilidade do Estado e o consequente dever de indenizar, por danos morais, o cidadão preso e submetido a tratamento desumano e degradante pela excessiva população carcerária. No caso, o tribunal de origem entendera caracterizado o dano moral porque, após realizado laudo de vigilância sanitária no presídio e decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados problemas de superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do estabelecimento penal. Considerara, ainda, que não assegurado o mínimo existencial, não se poderia aplicar a teoria da reserva do possível. O Ministro Teori Zavascki (relator) deu provimento ao recurso, por reputar presente a responsabilidade civil do Estado, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. O relator registrou, de início, não haver qualquer controvérsia a respeito dos fatos da causa. Pontuou que o próprio acórdão recorrido reconhecera a precariedade do sistema penitenciário estadual, que teria lesado direitos fundamentais do recorrente, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade psíquica. Assim, situada a matéria jurídica no âmbito da responsabilidade civil do Estado, cabe a ele responder pelos danos causados por ação ou omissão de seus agentes, em face da autoaplicabilidade do art. 37, § 6º, da CF, que não se sujeitaria a intermediação legislativa ou a providência administrativa de qualquer espécie. Ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasceria a responsabilidade civil do Estado. Logo, reconhecido o dever estatal, imposto pelo sistema normativo, de manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, seria também responsabilidade do Poder Público ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
RE 580252/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 3.12.2014. (RE-580252)
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar – 2
O relator asseverou que as violações a direitos fundamentais causadoras de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não poderiam ser relevadas ao argumento de que a indenização não teria o alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, dependente da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Aduziu que, admitida essa assertiva, significaria justificar a perpetuação da desumana situação constatada em presídios como aquele em que cumpre pena o recorrente. A criação de subterfúgios teóricos — como a separação dos Poderes, a reserva do possível e a natureza coletiva dos danos sofridos — para afastar a responsabilidade estatal pelas calamitosas condições da carceragem afrontaria não apenas o sentido do art. 37, § 6º, da CF, como determinaria o esvaziamento das inúmeras cláusulas constitucionais e convencionais [Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas; Convenção Americana de Direitos Humanos; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas contida na Resolução 1/2008, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinqüentes)]. O descumprimento reiterado dessas cláusulas se transformaria em mero e inconsequente ato de fatalidade, o que não poderia ser tolerado. Enfatizou que a invocação seletiva de razões de Estado para negar, especificamente a determinada categoria de sujeitos, o direito à integridade física e moral, não seria compatível com o sentido e o alcance do princípio da jurisdição. Acolher essas razões seria o mesmo que recusar aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos, a descoberto de qualquer proteção estatal, em condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa. Seria dupla negativa: do direito e da jurisdição. A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica dos detentos constituiria inescusável dever estatal. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
RE 580252/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 3.12.2014. (RE-580252)
Aposentadoria especial e uso de equipamento de proteção – 3
O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à concessão de aposentadoria especial. Ademais — no que se refere a EPI destinado a proteção contra ruído —, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento, desproveu recurso extraordinário com agravo em que discutida eventual descaracterização do tempo de serviço especial, para fins de aposentadoria, em decorrência do uso de EPI — informado no PPP ou documento equivalente — capaz de eliminar a insalubridade. Questionava-se, ainda, a fonte de custeio para essa aposentadoria especial — v. Informativo 757. O Colegiado afirmou que o denominado PPP poderia ser conceituado como documento histórico-laboral do trabalhador, que reuniria, dentre outras informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica durante todo o período em que ele exercera suas atividades, referências sobre as condições e medidas de controle da saúde ocupacional de todos os trabalhadores, além da comprovação da efetiva exposição dos empregados a agentes nocivos, e eventual neutralização pela utilização de EPI. Seria necessário indicar a atividade exercida pelo trabalhador, o agente nocivo ao qual estaria ele exposto, a intensidade e a concentração do agente, além de exames médicos clínicos. Não obstante, aos trabalhadores seria assegurado o exercício de suas funções em ambiente saudável e seguro (CF, artigos 193 e 225). A respeito, o anexo IV do Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) traz a classificação dos agentes nocivos e, por sua vez, a Lei 9.528/1997, ao modificar a Lei de Benefícios da Previdência Social, fixa a obrigatoriedade de as empresas manterem laudo técnico atualizado, sob pena de multa, bem como de elaborarem e manterem PPP, a abranger as atividades desenvolvidas pelo trabalhador. A referida Lei 9.528/1997 seria norma de aplicabilidade contida, ante a exigência de regulamentação administrativa, que ocorrera por meio da Instrução Normativa 95/2003, cujo marco temporal de eficácia fora fixado para 1º.1.2004. Ademais, a Instrução Normativa 971/2009, da Receita Federal, ao dispor sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais destinadas à previdência social e às outras entidades ou fundos, assenta que referida contribuição não é devida se houver a efetiva utilização, comprovada pela empresa, de equipamentos de proteção individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição a níveis legais de tolerância.
ARE 664335/SC, rel. Min. Luiz Fux, 4.12.2014. (ARE-664335)
Aposentadoria especial e uso de equipamento de proteção – 4
O Colegiado reconheceu que os tribunais estariam a adotar a teoria da proteção extrema, no sentido de que, ainda que o EPI fosse efetivamente utilizado e hábil a eliminar a insalubridade, não estaria descaracterizado o tempo de serviço especial prestado (Enunciado 9 da Súmula da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais). Destacou, entretanto, que o uso de EPI com o intuito de evitar danos sonoros — como no caso — não seria capaz de inibir os efeitos do ruído. Salientou que a controvérsia interpretativa a respeito da concessão de aposentadoria especial encerraria situações diversas: a) para o INSS, se o EPI fosse comprovadamente utilizado e eficaz na neutralização da insalubridade, a aposentadoria especial não deveria ser concedida; b) para a justiça de 1ª instância, o benefício seria devido; e c) para a Receita Federal, a contribuição não seria devida e a concessão do benefício, sem fonte de custeio, afrontaria a Constituição (art. 195, § 5º). Realçou que a melhor interpretação constitucional a ser dada ao instituto seria aquela que privilegiasse, de um lado, o trabalhador e, de outro, o preceito do art. 201 da CF. Ponderou que, apesar de constar expressamente na Constituição (art. 201, § 1º) a necessidade de lei complementar para regulamentar a aposentadoria especial, a EC 20/1998 fixa, expressamente, em seu art. 15, como norma de transição, que “até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda”. A concessão de aposentadoria especial dependeria, em todos os casos, de comprovação, pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, exercido em condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo de 15, 20 ou 25 anos, a depender do agente nocivo. Não se poderia exigir dos trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à saúde e com maior desgaste, o cumprimento do mesmo tempo de contribuição daqueles empregados que não estivessem expostos a qualquer agente nocivo. Outrossim, não seria possível considerar que todos os agentes químicos, físicos e biológicos seriam capazes de prejudicar os trabalhadores de igual forma e grau, do que resultaria a necessidade de se determinar diferentes tempos de serviço mínimo para aposentadoria, de acordo com cada espécie de agente nocivo. A verificação da nocividade laboral para caracterizar o direito à aposentadoria especial conferiria maior eficácia ao instituto à luz da Constituição. O Plenário discordou do entendimento segundo o qual o benefício previdenciário seria devido em qualquer hipótese, desde que o ambiente fosse insalubre (risco potencial do dano). A autoridade competente poderia, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa e constantes no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, sem prejuízo do controle judicial. As atividades laborais nocivas e sua respectiva eliminação deveriam ser meta da sociedade, do Estado, do empresariado e dos trabalhadores como princípios basilares da Constituição. O Ministro Marco Aurélio, ao acompanhar o dispositivo da decisão colegiada, limitou-se a desprover o recurso, sem acompanhar as teses fixadas. O Ministro Teori Zavascki, por sua vez, endossou apenas a primeira tese, tendo em vista reputar que a segunda — alusiva a ruído acima dos limites de tolerância — não teria conteúdo constitucional. O Ministro Luiz Fux (relator) reajustou seu voto relativamente ao EPI destinado à proteção contra ruído.
ARE 664335/SC, rel. Min. Luiz Fux, 4.12.2014. (ARE-664335)
Primeira Turma
Prescrição não tributária e Enunciado 8 da Súmula Vinculante – 2
A 1ª Turma retomou julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário em que discutida a aplicabilidade do Enunciado 8 da Súmula Vinculante do STF (“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”) aos casos de prescrição de créditos não tributários. Na espécie, o acórdão recorrido entendera que a pretensão da União de executar crédito inscrito em dívida ativa, decorrente de multa administrativa imposta em razão de descumprimento da legislação trabalhista, por possuir natureza administrativa, sujeitar-se-ia à prescrição quinquenal de que trata o art. 1º do Decreto 20.910/1932, aplicável ao caso analogicamente. A União invocara em seu favor o parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/1977 (“Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor”). O argumento, porém, fora afastado pelo tribunal “a quo”, tendo em conta o referido enunciado sumular — v. informativo 767. O Ministro Luiz Fux, em voto-vista, acompanhou a divergência iniciada pelo Ministro Dias Toffoli para dar provimento ao agravo regimental e afastar o vício de inconstitucionalidade apontado, de modo a encaminhar os autos à origem, para que o julgamento em relação às demais alegações infraconstitucionais tenha sequência. Reputou que o crédito em questão não teria natureza tributária e afastou a prescrição. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
RE 816084 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.12.2014. (RE-816084)
Segunda Turma
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” – 1
A 2ª Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” impetrado em face de decisão do STJ que determinara o afastamento do ora paciente de suas funções de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá, além do impedimento de sua entrada nas dependências da referida corte de contas, a proibição de utilização de veículos e de recebimento de vantagens decorrentes do efetivo exercício no cargo, como passagem aérea, diárias, ajuda de custo, telefone e quaisquer outros bens do tribunal, até a apreciação de denúncia oferecida em seu desfavor. O impetrante sustenta que: a) a decisão seria nula, visto que o afastamento por prazo indeterminado não teria sido requerido pelo Ministério Público; b) o afastamento do cargo se daria por prazo desproporcional, e, portanto, seria verdadeira antecipação de pena; c) a medida não seria necessária, tendo em conta a conclusão das investigações; e d) o ato coator seria baseado exclusivamente na gravidade do delito. O Ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a ordem para desconstituir a decisão do STJ no ponto em que fora determinado o afastamento do paciente do cargo, além de impostas outras medidas cautelares. Primeiramente, rejeitou questão preliminar relativa à suposta inadequação da via eleita em razão de não haver, no caso, ameaça à liberdade de locomoção do paciente. Afirmou que inexistiria divergência teórica quanto ao fato de o “habeas corpus” se destinar a proteger o indivíduo contra qualquer medida restritiva à liberdade de ir, vir e permanecer (CF, art. 5º, LXVIII). Ademais, a jurisprudência do STF seria prevalecente no sentido de que o aludido remédio constitucional teria como escopo a proteção da liberdade de locomoção. Seu cabimento teria parâmetros constitucionalmente estabelecidos, justificando-se a impetração sempre que alguém sofresse, ou se achasse ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. Porém, a despeito da força que essa interpretação teria assumido na sua jurisprudência, o STF, quando do julgamento do HC 90.617/PE (DJe de 7.3.2008), decidira reintegrar magistrado afastado do cargo por período além do razoável por força de decisão em processo criminal. Dada a configuração fática daquele caso — constrangimento ilegal decorrente de mora na prestação jurisdicional no âmbito processual penal; persistência do afastamento cautelar em razão do recebimento da denúncia pelo STJ; e afastamento do paciente por lapso temporal excessivo —, a ação de “habeas corpus” seria a via processual adequada para o pleito. Portanto, apesar das decisões em sentido contrário, se o afastamento imposto decorresse de decisão em processo penal ou investigação criminal, e houvesse dúvida quanto à justeza do tempo, seria cabível o “habeas corpus”, porquanto se trataria, na hipótese, de um tipo de restrição associada a processo criminal ou investigação criminal. Não se trataria, portanto, de usar o referido “writ” constitucional para outro objeto diferente daquilo que a Constituição preconizaria.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-121089)
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” – 2
No mérito, o relator asseverou que o afastamento do paciente do cargo perduraria por mais de quatro anos, tendo-se iniciado em 10.9.2010, interrompido este período por apenas 31 dias. A acusação fora formalizada em 13.4.2012, sem que sua admissão tivesse sido analisada. Apesar da complexidade da investigação e da posterior acusação que levara ao afastamento, este último já perduraria além do aceitável. No referido precedente — HC 90.617/PE —, consignara-se que o prazo de dois anos, para além do qual o STF teria dado por configurado “excesso de prazo gritante” para prisões, poderia ser transportado para as medidas cautelares de afastamento de cargo ou de função pública. No caso em análise, mesmo que descontada a fase de investigação, o referido prazo estaria ultrapassado. Há mais de dois anos teria sido superada a fase de acusação e resposta na ação penal, a pender a análise da admissibilidade da acusação, e nada indicaria demora imputável à defesa. Além disso, não haveria sequer sinalização de data para julgamento pelo STJ. Ou seja, existiria justo receio de que a medida tendesse a se tornar perene. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-121089)
Art. 383 do CP: “emendatio libelli” e “reformatio in pejus”
Há “reformatio in pejus” no acórdão que, em julgamento de recurso exclusivo da defesa, reforma sentença condenatória para dar nova definição jurídica ao fato delituoso — “emendatio libelli” —, mantida a pena imposta, porém desclassificado o crime de furto qualificado (CP, 155, § 4º, II) para o crime de peculato (CP, art. 312, § 1º). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou “habeas corpus”, mas, por maioria, concedeu a ordem de ofício apenas para reenquadrar a condenação no art. 155, § 4º, II, do CP, conforme constara na sentença condenatória. O Colegiado, em preliminar, afastou alegação relativa à suposta prescrição da pretensão punitiva. No mérito, afirmou que, de acordo com a jurisprudência do STF, seria possível a realização da “emendatio libelli” (CP: “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”) em 2º grau de jurisdição, mesmo nas hipóteses de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitados os limites estabelecidos pelo art. 617 do CPP (“O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”). No caso, o tribunal de 2º grau, ao readequar a capitulação legal à narrativa apresentada — o fato descrito na acusação teria sido praticado por funcionário público equiparado (CP, art. 327, § 1º) —, mantivera a pena privativa de liberdade anteriormente aplicada, na tentativa de não gerar prejuízo ao sentenciado. Porém, ao se ponderar atentamente os efeitos da condenação e as circunstâncias referentes à “emendatio libelli” efetivada, seria inevitável concluir pela superveniência de vedada “reformatio in pejus”. Com efeito, não se poderia olvidar não ser a pena fixada o único efeito ou única circunstância a permear uma condenação. Haveria regra específica para os condenados pela prática de crime contra a Administração Pública, como o peculato: a progressão de regime do cumprimento da pena respectiva seria condicionada à reparação do dano causado ou à devolução do produto do ilícito praticado (CP, art. 33, § 4º). Na espécie, apesar de ter sido aplicado o regime inicial aberto ao paciente, não se poderia descartar que, durante a execução da reprimenda, este sofresse regressão de regime e fosse prejudicado pela “emendatio libelli”, aparentemente inofensiva. Vencida a Ministra Cármen Lúcia, que não concedia a ordem por entender não ter havido, na situação dos autos, a “reformatio in pejus”.
HC 123251/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-123251)
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
1ª Turma 2.12.2014 — 160
2ª Turma 2.12.2014 — 280
R e p e r c u s s ã o G e r a l
DJe de 1º a 5 de dezembro de 2014
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 837.311-PI
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. TEMA 784. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 843.455-DF
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: DIREITO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR PARA PREFEITO MUNICIPAL. CANDIDATA CASADA COM O ANTERIOR OCUPANTE DO CARGO. OBSERVÂNCIA DO PRAZO DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DE SEIS MESES (ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.
1. Possui repercussão geral a questão relativa à observância, em eleição suplementar, do prazo de desincompatibilização de seis meses previsto no art. 14, § 7º, da CF/88.
2. Repercussão geral reconhecida.
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 837.041-PE
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
Ementa: ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. MANDADO DE INJUNÇÃO. ESTADO DE PERNAMBUCO. SERVIDORES PÚBLICOS. ART. 7º, IX, DA CONSTITUIÇÃO. REGULAMENTAÇÃO DO PAGAMENTO DE ADICIONAL NOTURNO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
1. A controvérsia relativa à regulamentação do pagamento de adicional noturno para servidores públicos do Estado de Pernambuco, fundada na interpretação da Lei Estadual 10.784/92, é de natureza infraconstitucional.
2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).
3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.
QUEST. ORD. EM AO N. 1.814-MG
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
COMPETÊNCIA – AÇÃO – RITO ORDINÁRIO – UNIÃO – MÓVEL – ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cabe à Justiça Federal processar e julgar ação ajuizada contra a União presente ato do Conselho Nacional de Justiça. A alínea “r” do inciso I do artigo 102 da Carta da República, interpretada de forma sistemática, revela a competência do Supremo apenas para os mandados de segurança.
*noticiado no Informativo 760
RE N. 680.089-SE
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso extraordinário. 2. Constitucional e Tributário. 3. Interpretação do art. 155, § 2º, VII, “a” e “b”, VIII, da Constituição Federal. Vendas realizadas de forma não presencial a consumidor final não contribuinte do imposto. Aplicação da alíquota interna no estado de origem. 4. Protocolo CONFAZ nº 21/2011. Inconstitucionalidade. 5. Modulação dos efeitos. 6. Repercussão geral. 7. Recurso extraordinário não provido.
*noticiado no Informativo 759
Decisões Publicadas: 3
C l i p p i n g d o D Je
1º a 5 de dezembro de 2014
ADI N. 2.755-ES
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30/2001. ALTERAÇÃO DO INC. III DO ART. 63 DA CONSTITUIÇÃO CAPIXABA. EMENDA QUE REDUZIRIA A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO GOVERNADOR PARA PROPOSITURA DE LEI. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E PESSOAL DA ADMINISTRAÇÃO DO PODER EXECUTIVO. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS ARTS. 2°, 61, § 1º, INC. II, AL. B, E 84, INC. VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO CONFIGURADA.
1. O art. 84, inc. VI, da Constituição da República, nos termos transcritos pelo Autor, não pode ser adotado como parâmetro de controle de constitucionalidade por ter sido revogado antes do ajuizamento da ação. Ação não conhecida nessa parte. Precedentes.
2. A pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a reserva de lei de iniciativa do Chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, inc. II, alínea b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais. Precedentes.
3. A Emenda Constitucional capixaba n. 30/2001 não importou em descumprimento do princípio da separação entre os poderes porque a competência do Governador do Estado foi mantida no ordenamento jurídico, tanto por normas contidas na Constituição da República quanto por normas da Constituição Estadual.
4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada improcedente.
*noticiado no Informativo 766
ADI N. 2.880-MA
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Ação direta de inconstitucionalidade.
2. Art. 49 do Código de Normas criado pelo Provimento nº 4/99 da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão: autorização do Presidente para ausência de magistrados da comarca.
3. Dupla inconstitucionalidade formal: matéria reservada a lei complementar e iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal. 4. Precedentes.
5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
*noticiado no Informativo 765
REFERENDO EM MED.CAUT. EM ADPF N. 309-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PODER DE CAUTELA – JUDICIÁRIO. Além de resultar da cláusula de acesso para evitar lesão a direito – parte final do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal –, o poder de cautela, mediante o implemento de liminar, é ínsito ao Judiciário.
POLÍTICA PÚBLICA DE ACESSIBILIDADE – REGULAMENTAÇÃO – MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES – AFASTAMENTO POR DECISÃO DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – ARGUIÇÃO NO SUPREMO – PENDÊNCIA DE APRECIAÇÃO – SEPARAÇÃO DE PODERES – INSEGURANÇA JURÍDICA – LIMINAR REFERENDADA. Envolvida matéria de alta complexidade técnica e pendente de solução em outra arguição formalizada, cumpre suspender decisão judicial a se sobrepor a futuro pronunciamento do Supremo.
*noticiado no Informativo 760
REFERENDO EM MED.CAUT. EM ADPF N. 316-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – CAUTELAR – REFERENDO – AGRAVO REGIMENTAL – INADEQUAÇÃO. A simples circunstância de o ato ficar sujeito a referendo afasta a adequação do agravo regimental, devendo a minuta ser tomada como memorial. Precedente: Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.626/MA, de minha relatoria, julgada em 3 de maio de 2007.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – PODER DE CAUTELA – REFERENDO. Uma vez presentes a relevância do pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia o quadro, impõe-se, estando o Tribunal em recesso, ou verificado o curso de férias coletivas, a apreciação do pleito de concessão de liminar pelo Presidente, submetendo-se o pronunciamento ao Colegiado na abertura dos trabalhos.
SERVIÇOS PORTUÁRIOS E REGIME DOS PORTOS – ARTIGOS 21, INCISO XII, ALÍNEA “F”, E 22, INCISO X, DA CARTA DA REPÚBLICA – COMPETÊNCIA MATERIAL E LEGISLATIVA DA UNIÃO – LEI MUNICIPAL RESTRITIVA – VIOLAÇÃO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – PACTO FEDERATIVO. De início, surge contrário ao preceito fundamental da Federação lei municipal restritiva de operações comerciais em área portuária ante a competência da União para, privativamente, legislar sobre o regime dos portos e explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, tais atividades. Liminar referendada.
*noticiado no Informativo 760
ARE N. 704.520-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso extraordinário com agravo. Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT). 2. Redução dos valores de indenização do seguro DPVAT pela Medida Provisória 340/2006, convertida na Lei 11.482/2007. 3. Constitucionalidade da modificação empreendida pelo art. 8º da Lei 11.482/007 no art. 3º da Lei 6.194/74. 4. Medida provisória. Pressupostos constitucionais de relevância e urgência. Discricionariedade. Precedentes. 5. Princípio da dignidade da pessoa humana. Ausência de violação. 6. Repercussão geral. 7. Recurso extraordinário não provido.
*noticiado no Informativo 764
Acórdãos Publicados: 274
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Meio Ambiente – Competência Municipal – Lei e Regulamento (Transcrições)
RE 673.681/SP*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
EMENTA: Lei municipal contestada em face de Constituição estadual. Possibilidade de controle normativo abstrato por Tribunal de Justiça (CF, art. 125, § 2º). Competência do Município para dispor sobre preservação e defesa da integridade do meio ambiente. A incolumidade do patrimônio ambiental como expressão de um direito fundamental constitucionalmente atribuído à generalidade das pessoas (RTJ 158/205-206 RTJ 164/158-161, v.g). A questão do meio ambiente como um dos tópicos mais relevantes da presente agenda nacional e internacional. O poder de regulação dos Municípios em tema de formulação de políticas públicas, de regras e de estratégias legitimadas por seu peculiar interesse e destinadas a viabilizar, de modo efetivo, a proteção local do meio ambiente. Relações entre alei e o regulamento. Os regulamentos de execução (ou subordinados) como condição de eficácia e aplicabilidade da norma legal dependente de regulamentação executiva. Previsão, no próprio corpo do diploma legislativo, da necessidade de sua regulamentação. Inocorrência de ofensa, em tal hipótese, ao postulado da reserva constitucional de administração ,que traduz emanação resultante do dogma da divisão funcional do poder. Doutrina. Precedentes. Legitimidade dacompetência monocrática do Relator para, em sede recursal extraordinária, tratando-se de fiscalização abstrata sujeita à competência originária dos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 2º), julgar o apelo extremo, em ordem, até mesmo, a declarar a inconstitucionalidade ou a confirmar a validade constitucional do ato normativo impugnado. Precedentes (RE 376.440-ED/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno, v.g.). Recurso extraordinário conhecido e provido
DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão que, proferida em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade (CF, art. 125, § 2º) pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 105):
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 4.814/2009, DO MUNICÍPIO DE MOGI MIRIM, QUE DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA COMERCIALIZAÇÃO, NA TROCA E NO DESCARTE DE ÓLEO LUBRIFICANTE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. VÍCIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO EXECUTIVO, JÁ QUE CRIA OBRIGAÇÃO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. DIPLOMA QUE IMPLICA AUMENTO DE DESPESA SEM INDICAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA. IMPOSSIBILIDADE DE DIVIDIR A LEI EM PARTES VÁLIDAS E PARTES INVÁLIDAS. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. AÇÃO PROCEDENTE”. (grifei)
A parte ora recorrente, ao deduzir o presente apelo extremo, sustentou que o Tribunal a quo teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO, ao opinar pelo provimento do recurso extraordinário em questão, formulou parecer do qual destaco o seguinte fragmento (fls. 218/219):
“Com efeito, o município de Mogi Mirim tem competência legislativa e administrativa para promover a defesa do meio ambiente e zelar pela saúde dos cidadãos, nos termos do art. 23, II, VI e VII, da CF/88, podendo, nestes temas, regular a matéria ou suplementar a legislação federal, em face do peculiar interesse na preservação efetiva destes bens.
Assim, a Lei Municipal 4.814/09 , de iniciativa parlamentar, tratando de matéria de interesse local , mostra-se constitucional , ressalvados, entretanto, os dispositivos que criaram obrigações ao Poder Executivo, porquanto invadiram a esfera da atividade típica da administração.
Neste sentido, descabida a declaração de inconstitucionalidade integral do texto legal, que se apresenta plenamente válido na parte que respeita o princípio da separação dos poderes, nos termos referidos.” ( grifei )
Sendo esse o contexto, passo a examinar o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, entendo assistir plena razão ao parecer da douta Procuradoria-Geral da República, cujos termos adoto como fundamento da presente decisão, valendo-me, para tanto, da técnica da motivação per relationem, reconhecida comoplenamente compatível com o texto da Constituição (AI 738.982/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA AI 809.147/ES, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA AI814.640/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI ARE 662.029/SE , Rel. Min. CELSO DE MELLO HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO RE 37.879/MG, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, v.g.):
“Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação per relationem, que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou , ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir . Precedentes.”
(AI 825.520-AgR-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Impende assinalar, no ponto, por relevante, que o Supremo Tribunal Federal, examinando a matéria ora em julgamento, consagrou diretriz jurisprudencial que torna acolhível a pretensão recursal em análise (ADI 3.338/DF, Red. p/ o acórdão Min. EROS GRAU RE 474.922-segundo-AgR/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. 1. COMPETÊNCIA CONCORRENTE PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO AMBIENTAL . PRECEDENTES. (…). 3. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”
(AI 856.768-AgR/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA grifei)
Cumpre destacar, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a seguinte passagem do voto do eminente Ministro AYRES BRITTO proferido por ocasião do julgamento plenário da ADI 3.338/DF, em sentido que confere plena legitimidade constitucional ao diploma normativo local ora questionado:
“(…) além de a Constituição conferir a competência material aos Estados e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (art. 23,VI ), ela, Constituição Federal, também na matéria, confere a competência de ordem legislativa , expressamente, art. 24, inciso VI.” (grifei)
Essa mesma compreensão do tema é também perfilhada por autorizado magistério doutrinário (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Direito Ambiental Constitucional, p. 81/82, item n. 14, 9ª ed., 2011, Malheiros; CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 219/220, item n. 4.2, 2012, Saraiva; PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, p. 442/444, item n. 3, 2013, Malheiros), como se depreende da expressiva lição de PAULO DE BESSA ANTUNES (Direito Ambiental , p. 110/111, item n. 2.3, 15ª ed., 2013, Atlas):
“O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Parece claro, na minha análise, que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente. Na verdade, entender que os Municípios não têm competência ambiental específica é fazer uma interpretação puramente literal da Constituição Federal.” ( grifei )
Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que assiste ao Município competência constitucional para formular regras e legislar sobre proteção e defesa do meio ambiente, que representa encargo irrenunciável que incide sobre todos e cada um dos entes que integram o Estado Federal brasileiro.
Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas .
Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata-se consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO) com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (A reconstrução dos Direitos Humanos, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras) de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano.
Tal circunstância, por isso mesmo, justifica a especial obrigação que incumbe ao Estado e à própria coletividade (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, p. 121/123, item n. 3.1, 13ª ed., 2005, Malheiros) de defender e de preservar essa magna prerrogativa em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social.
Vale referir, neste ponto, até mesmo em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de compreensão e abordagem, que permitem distingui-los em ordens, dimensões ou fases sucessivas resultantes de sua evolução histórica (RTJ 164/158-161, v.g.).
Nesse sentido, é de assinalar que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e de reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma naturezaessencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado magistério doutrinário (CELSO LAFER, Desafios: ética e política, p. 239, 1995, Siciliano).
Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES (Curso de Direito Constitucional, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993, Malheiros), que confere particular ênfase, entre os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado:
“Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (grifei)
A preocupação com a preservação do meio ambiente que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, p. 123/124, item n. 3.2, 13ª ed., 2005, Malheiros) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.
A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, Direito Ambiental Internacional, 2ª ed., 2002, Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar.
Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (Direito Ambiental Constitucional, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros):
“A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados.
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O que é importante (…) é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida.” (grifei)
Dentro desse contexto, emerge, com nitidez, a ideia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais (pelos Municípios, inclusive), qualificando-se como encargo irrenunciável que se impõe sempre em benefício das presentes e das futuras gerações tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Polícia do Meio Ambiente, in Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO BARROSO, A proteção do meio ambiente na Constituição brasileira, in Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).
Na realidade, o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, em um sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social.
O reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitui, portanto, uma realidade a que não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional, como enfatizado por autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público, p. 223/224, item n. 132, 1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, Direito Ambiental Constitucional, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros).
São todos esses motivos que têm levado o Supremo Tribunal Federal a consagrar, em seu magistério jurisprudencial, o reconhecimento do direito de todos à integridade do meio ambiente e a competência de todos os entes políticos que compõem a estrutura institucional da Federação em nosso País, com particular destaque para os Municípios, em face do que prescreve, quanto a eles, a própria Constituição da República (art. 30, incisos I, II e VII, c/c o art. 23, incisos II e VI):
“A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE ÀGENERALIDADE DAS PESSOAS .
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe ao Estado e à própria coletividade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e das futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina.
A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AOMEIO AMBIENTE.
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, entre outros princípios gerais, àquele que privilegia a defesa do meio ambiente (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina.
Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.
A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DAECONOMIA E AS DA ECOLOGIA.
O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a serresguardado em favor das presentes e futuras gerações.
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É lícito ao Poder Público qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).”
(ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Resulta claro, desse modo, em face do que venho de expor, que o acórdão ora impugnado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na análise da matéria em referência, especialmente se se considerar que o Município, também ele, dispõe de competência para legislar e editar normas de proteção ao meio ambiente e de defesa da saúde dos cidadãos.
Acentuo, de outro lado, que não vislumbro qualquer eiva de inconstitucionalidade nos parágrafos únicos dos arts. 1º e 8º do diploma legislativo municipal em causa, que se limitaram a explicitar o dever-poder do Executivo de regulamentar as leis , como condição, até mesmo , de sua própria aplicabilidade, eis que como ninguém o desconhece há situações em que as leis não são exequíveis antes da expedição do decreto regulamentar, porque esse ato é conditio juris da atuação normativa da lei, operando o regulamento, nessa específica hipótese, como condição suspensiva da execução da norma legal, deixando seus efeitos pendentes até a expedição do ato do Executivo (HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p. 137/138, item n. 6, atualizado por DÉLCIO BALESTERO ALEIXO e JOSÉ EMMANUEL BURLE FILHO, 39ª ed., 2013, Malheiros).
Não se desconhece que a atividade regulamentar primária tem assento na própria Constituição, que confere ao Poder Executivo, em cláusula extensível a todas as unidades da Federação (DIOGENES GASPARINI, Direito Administrativo, p. 92/93, II, item n. 1, 1989, Saraiva; RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO, Curso de Direito Administrativo, p. 296, item n. 4.3, 2008, JusPODIVM; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, p. 355, VII, item n. 16, 29ª ed., 2012, Malheiros, v.g. ), competência para expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução ( CF , art. 84, IV).
Desse modo, a mera referência, em texto normativo, ao dever de regulamentar a lei editada, mesmo quando desnecessária tal providência, não transgride opostulado constitucional da reserva de administração, cujo sentido e alcance já foram definidos pelo Supremo Tribunal Federal (RE 427.574-ED/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES.
O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes.
Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais.
Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.”
( ADI 2.364-MC/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Dúvida poderia surgir se a norma legal mas este não é o caso dos autos houvesse estabelecido prazo para o Chefe do Poder Executivo editar o decreto consubstanciador do regulamento de execução, pois, em tal situação, há autores que sustentam a inconstitucionalidade de leis que estipulem prazos para efeito de formulação de regulamentos executivos ou de execução, como observa DIOGENES GASPARINI (Poder Regulamentar, p. 118/120, item n. 12, 2ª ed., 1982, RT), muito embora outros doutrinadores eminentes entendam plenamente legítima a definição, em lei , de prazo razoável para regulamentá-la (ROQUE ANTONIO CARRAZZA, O Regulamento no Direito Tributário Brasileiro, p. 112, item n. 5.2.1, 1981, RT), vislumbrando alguns, até mesmo, na omissão de referido prazo, inconstitucionalidade do próprio diploma legislativo, como adverte JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (Manual de Direito Administrativo, p. 61, item n. 2.2, 25ª ed., 2012, Atlas):
“A ausência, na lei, de fixação de prazo para a regulamentação afigura-se-nos inconstitucional, uma vez que não pode o Legislativo deixar ao exclusivo alvedrio do Executivo a prerrogativa de só tornar a lei exequível quando julgar conveniente. (…).” (grifei)
É importante destacar, na linha do pensamento doutrinário (EDUARDO ESPÍNOLA e EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, vol. 1/49-50, item n. 25, 2ª ed., 1995, Renovar; ORLANDO GOMES, Introdução ao Direito Civil, p. 48, item n. 24, 3ª ed., 1971, Forense; AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO, Introdução ao Direito Tributário, p. 49/53, 5ª ed., Forense, v.g.), que, muitas vezes, a plena eficácia e a integral aplicabilidade das leis dependem da colaboração do Poder Executivo, que atua , expressamente autorizado por norma constitucional (CF , art. 84, IV), mediante edição dos denominados regulamentos executivos ou de execução, como salienta CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (Instituições de Direito Civil , vol. I/84, item n. 17, 23ª ed., Forense):
“Por outro lado, quando uma lei depende de regulamentação, não entra em vigor antes que o Poder Executivo baixe o decreto nesse sentido.” (grifei)
Essa mesma visão sobre o tema já havia sido exposta por CLOVIS BEVILAQUA (Código Civil Comentado, vol. I/97, item n. 4, 7ª ed., 1944, Francisco Alves), cujo magistério, a propósito das leis dependentes de regulamentação, enfatiza que a edição do concernente decreto regulamentar atua como verdadeira condição de aplicabilidade e executoriedade de tais diplomas legislativos:
“Se, para a execução da lei, for necessário regulamento, somente depois da publicação deste, ela se tornará obrigatória, porque os seus dispositivos dependem desse complemento. Se apenas uma parte da lei depender do regulamento, somente a essa parte se aplica a regra.” (grifei)
Esta própria Suprema Corte, por sua vez, já se pronunciara em igual sentido, assinalando, no julgamento do RE 9.920/MG, Rel. Min. RIBEIRO DA COSTA, que(…) A lei, cuja execução depender de regulamento, somente se torna obrigatória, a partir do ato regulamentador ( grifei ).
Cabe registrar, por oportuno, que esse magistério jurisprudencial vem sendo observado pelos Tribunais em geral, notadamente pelo E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 855.175/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, v.g.), cujos julgados têm acolhido essa mesma orientação :
“4. Distinção entre eficácia e vigência. No caso de leis que necessitam de regulamentação, sua eficácia opera-se após a entrada em vigor do respectivo decreto ou regulamento. O regulamento transforma a estática da lei em condição dinâmica.” (…).
(REsp 408.621/RS, Rel. Min. LUIZ FUX grifei)
Por tal motivo, não vejo como manter a pronúncia de inconstitucionalidade emanada, nesse ponto, do E. Tribunal de Justiça local.
Cumpre observar, finalmente, tratando-se da hipótese prevista no art. 125, § 2º, da Constituição da República, que o provimento e o não provimento de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos proferidos por Tribunais de Justiça em sede de fiscalização normativa abstrata têm sido veiculados em decisões monocráticas emanadas dos Ministros Relatores da causa no Supremo Tribunal Federal, desde que, tal como sucede na espécie, o litígio constitucional já tenhasido definido pela jurisprudência prevalecente no âmbito deste Tribunal (RE 243.975/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE RE 334.868-AgR/RJ , Rel. Min. AYRES BRITTO RE 336.267/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO RE 353.350-AgR/ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO RE 369.425/RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES RE371.887/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA RE 396.541/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO RE 415.517/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO RE 421.271-AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES RE 444.565/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES RE 461.217/SC, Rel. Min. EROS GRAU RE 501.913/MG, Rel. Min. MENEZES DIREITO RE 592.477/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI RE 601.206/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).
Mostra-se importante relembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento (RE 376.440-ED/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI), realizado em 18/09/2014, reafirmou essa orientação jurisprudencial, reconhecendo a possibilidade de o Ministro Relator da causa, tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade sujeita à competência originária dos Tribunais de Justiça (CF, art. 125, § 2º), julgar, monocraticamente, o pertinente recurso extraordinário, inclusive para declarar, até mesmo, a própria ilegitimidade constitucional do diploma normativo local, desde que idêntica controvérsia já tenha sido apreciada por esta Corte Suprema em outros processos.
Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, conheço do presente recurso extraordinário, para dar-lhe integral provimento (CPC, art. 557, § 1º-A), em ordem a confirmar a inteira validade constitucional da Lei nº 4.814, de 07/08/2009, editada pelo Município de Mogi-Mirim/SP.
Publique-se.
Brasília, 05 de dezembro de 2014.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 16.12.2014
Inovações Legislativas
1º a 5 de dezembro de 2014
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – Alteração – Entidades públicas e privadas – Quadro de pessoal
Lei nº 13.046, de 1.12.2014 – Altera a Lei no 8.069, de 13.7.1990, que “dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”, para obrigar entidades a terem, em seus quadros, pessoal capacitado para reconhecer e reportar maus-tratos de crianças e adolescentes. Publicada no DOU, n. 233, Seção 1, p. 1-2, em 2.12.2014.
Lei nº 13.047, de 2.12.2014 – Altera as Leis nos 9.266, de 15.3.1996, que reorganiza as classes da Carreira Policial Federal, fixa a remuneração dos cargos que as integram e dá outras providências, e 9.264, de 7.2.1996. Publicada no DOU em 3.12.2014, Seção 1, p. 1.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD