A minuta de Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que trata das Ouvidorias de Justiça estabelece como uma de suas atribuições cooperar com escolas, universidades e entidades da sociedade civil na implementação de programas de educação para a cidadania.
O que vem a ser cidadania?
A ENCICLOPÉDIA JURÍDICA – LEIB SOIBELMAN registra:
(dir. const.)
Direito de eleger-se e ser eleito. Nacional que possui os direitos políticos (V.). Naturalizado com os mesmos direitos, salvo uma ou outra restrição.
Mesmo sendo pouco versado em Direito Constitucional, acredito que limitar a idéia de cidadania ao direito de eleger-se e ser eleito representa um reducionismo escandaloso.
Acredito que a idéia de cidadania está ligada não só a direitos como também a deveres.
Visando contribuir para o estudo do assunto, trago 3 conceitos que me parecem ligados ao de cidadania: liberdade, igualdade e fraternidade.
Transcrevo, para tanto, trechos da minha monografia Direitos Humanos na França:
1.1.9 – LIBERDADE: VILLIERS (1998: 119/120) fala sobre liberdade e liberdades públicas:
1. Primeiro dos Direitos Humanos na enumeração que lhe dá o art. DDH 2, e primeiro termo da divisa republicana (art. C. 2, al. 4), a liberdade enquanto faculdade de autodeterminação, é um princípio, no sentido etimológico (o que vem em primeiro, na origem). Desse fato, o campo de aplicação da liberdade não pode ser a priori circunscrito e os limites à liberdade são exceções de interpretação estrita. Naturalmente, a liberdade não terá o mesmo conteúdo conforme estejam em causa relações entre particulares (trará autonomia da vontade, princípio de base do Direito Privado), ou as relações de particulares com uma coletividade pública (tratar-se-á mais aqui de liberdade-participação). Mas essa distinção não deve conduzir a qualificar as manifestações da liberdade no primeiro domínio de liberdades privadas: todas as liberdades têm vocação para beneficiar-se da vocação da lei. Serão qualificadas de “liberdades públicas, as liberdades reconhecidas e garantidas pela coletividade pública, ou ainda: “As liberdades públicas são poderes de autodeterminação consagrados pelo Direito Positivo” (J. Rivero).
2. As liberdades públicas podem ser classificadas segundo diferentes critérios que privilegiam seja seu titular (pessoa física, pessoa jurídica de direito privado ou de direito público) seja seu objeto (liberdade de associação, liberdade de imprensa), seja seu modo de exercício (liberdades individuais ou liberdades coletivas). Mas esses modos de classificação podem ser subdivididos. Assim, J. Rivero distingue-os: – as liberdades da pessoa física (liberdade de disposição de sua pessoa física, liberdade de circulação); – as liberdades da pessoa intelectual e moral (ou liberdades de pensamento: liberdade de opinião, liberdade de expressão, liberdade de consciência); – as liberdades sociais e econômicas ( a liberdade do comércio e da indústria, o direito de propriedade, a liberdade sindical…). Mas, entre essas diferentes liberdades J. Rivero sublinha a importância de duas liberdades que ele considera como de proteções gerais porque elas “asseguram a defesa avançada tanto das liberdades da pessoa física, quanto das liberdades de pensamento” (Les libertés publiques, p. 31): a segurança (ou seguridade jurídica de cada um face ao poder) e a liberdade da vida privada (direito à intimidade da vida privada, proteção do domicílio).
1.1.10 – IGUALDADE: VILLIERS (1998: 85/86), falando sobre a igualdade, afirma: A igualdade é um dos direitos do homem, e mesmo se ela somente vem em segundo lugar, após a liberdade, no artigo 1º da Declaração de 1789, e se ela é esquecida na lista dos direitos “naturais e imprescritíveis do homem” conforme o art. 2 (que cita, na ordem, a liberdade, a propriedade, a segurança, e a resistência à opressão), pode se pensar, como o decano Vedel, que é o primeiro dos direitos do homem, e o fundamento de todos os outros: é com efeito a igualdade que permite de se elevar à noção de direitos pertencentes a todos os homens tendo com eles em comum uma natureza idêntica: “se um homem recusa a um outro a qualidade de igual […], ele lhe recusa a qualidade de homem” (na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, Doc. fr., 1990, pp. 172-173). A igualdade participa então da definição de ser humano que “sem distinção de raça, de religião ou de crença, possui direitos inalienáveis e sagrados” (Pr. 1946, al. 1º), e dessa proclamação, o Conselho Constitucional deduziu o princípio de salvaguarda da dignidade humana (decreto de 27 de julho de 1994). Na Constituição de
GUNTEN, MARTIN e NIOGRET relacionam as liberdades (1994:10): Liberdades individuais: segurança pessoal, livre circulação, escolha do domicílio, liberdade de opinião, liberdade religiosa, liberdade de ensino, segredo da correspondência e segredo profissional. Liberdades Políticas: direito de voto, liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de expressão e direito de pertencer ou não pertencer a um partido político. Liberdades Econômicas e Sociais: direito sindical, direito de greve, direito ao trabalho e à escolha de um emprego e direito à proteção social.
1.1.11 – FRATERNIDADE: VILLIERS (1998:98) afirma sobre a fraternidade: Esse terceiro termo da divisa republicana, (artigo C. 2, al. 4) é devida aos republicanos de 1848. Todavia, enquanto que liberdade e a igualdade são direitos que não comportam obrigação como encargo de cada um a não ser de respeitar os direitos de outrem, a fraternidade deve ser sobretudo considerada como um dever, mas um dever moral, insuscetível de se traduzir por obrigações jurídicas, salvo se se instituir a tirania. Na Constituição, a noção que se aproxima mais da fraternidade é aquela da solidariedade (Pr. 46, al.
Desejamos, então, que as Ouvidorias cumpram a contento a função de cooperar com escolas, universidades e entidades da sociedade civil na implementação de programas de educação para a cidadania.
Pois nossa compreensão sobre cidadania e nossa prática ainda estão muito aquém do mínimo desejável…
* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).
