Política

A Confusão de Arnaldo Jabor

 

01 de setembro de 2009

 

Faz tempo que não comento as traquinagens opinativas de Arnaldo Jabor. Sua afetação, seu falso ar de superioridade, sua erudição postiça, seu estilo pernóstico, enfim, sua nulidade intelectual, tudo isso me enfada a alma à morte. Parei de comentá-lo porque parei de lê-lo. Questão de sobrevivência. Hoje quebrei a regra, todavia. Um amigo me mandou por e-mail o artigo publicado em O Globo, “Lula é irrevogável”. Isso eu tinha que ler e, claro, comentar. O artigo é uma lição superior de desinformação.

 

Jabor consegue ser a síntese da irresponsabilidade da nossa imprensa opinativa, que luta sempre para distrair o leitor, simulando possuir mais do que informações privilegiadas, possuir genuínas opiniões sobre a nossa vida política. Um trabalho cotidiano e repetitivo de enganar a opinião pública. O texto de hoje é meridiano: desloca a discussão do real para o simulacro de realidade criado pela esquerda militante, interessada em anestesiar a opinião pública.

 

Vejamos as primeiras linhas: “Por que o Aluízio Mercadante não manteve sua ‘irrevogabilidade’? Porque não teve coragem de enfrentar o Lula. Mas por que não teve? A razão é a mesma que acomete muitos intelectuais ‘não petistas’: o Lula é ’inatacável’”. Praticamente temos aqui uma mentira a cada palavra, uma superação e tanto. Analisemos.

 

Aluísio Mercadante fez o que fez porque: 1- É um soldado do PT e cumpre tudo que seu comando determina. O PT tem o formato de um partido leninista, de hierarquia vertical e a linha de comando subordina todos os militantes, inclusive os portadores de mandato popular, como Mercadante. A autoridade partidária é maior do que a autoridade de seus quadros investidos no comando do Estado. Nenhuma surpresa na sua disciplina e acatamento do centralismo democrático; 2- Mercadante está em campanha para se reeleger e tenta usar o recurso da internet. Basta visitar seu blog no Twitter para ver que tenta alavancar votos eletronicamente. Precipitou-se na verborragia da “irrevogabilidade” e teve que engolir a própria palavra. Em partidos leninistas o único fato irrevogável é a decisão do comitê central.

 

A pergunta relevante seria: por que Lula expôs Mercadante ao vexame público? Que interesses estão ocultados por essa decisão? Obviamente que não faltou “coragem” a Mercadante, mas sobrou lealdade, a virtude canina por excelência. A qualidade canina é bem colocada, por referir-se ao animalesco e também aos ícones infernais. A palavra é bem adequada para o senador do PT.

 

A segunda pergunta é ainda mais asnática do que a primeira. Equipara Mercadante a um intelectual, um suposto pensador engajado na causa revolucionária, como aqueles todos que militam nas universidades. Será o Mercadante um intelectual, mesmo nesse mau sentido? Penso que não. Tem décadas que ele se tornou um político profissional e hoje não passa disso. É um soldado do PT, nada mais. Não tem produção teórica alguma, nem mesmo as páginas sujas de um panfleto acadêmico.

 

Mas Jabor nota a subserviência dos intelectuais à pessoa de Lula. Isso é fato? Ora, a pessoa de Lula é reverenciada por ser ele a autoridade máxima do Partido (com P maiúsculo, como ensina FHC). Lula é inatacável porque a classe intelectual engajada se sente representada nele e não porque seja um homem de origem operária. Lula é o Partidão no poder, o sonho que a esquerda tem acalentado desde os anos trinta do século passado. Sua presidência é a realização desse projeto histórico, obtido sem que um tiro sequer fosse disparado.

 

A reverência dos intelectuais não é a Lula, mas ao Partido e tudo que ele representa. Portanto, os ditos intelectuais “não petistas” são petistas, sim, estão todos no barco revolucionário e puseram também o seu tijolo na escalada de Lula no rumo do poder. Não poderiam, até por uma questão de coerência, desdizer o que disseram. Lula é seu Deus encarnado, faça o que fizer. Está acima das críticas porque virou o símbolo de uma revolução que se consolidou.

 

Jabor faz o jogo do esconde-esconde, querendo parecer distante de tudo que está aí. Ora, desde sempre ele, Jabor, foi cabo eleitoral do Partido, ele, Jabor, também ajudou a carregar o andor em que o santo Lula foi entronizado.

 

Na verdade, todo o tom blasé do artigo é para falar mal do que restou da elite tradicional, personificada agora no presidente do Senado, José Sarney. Note, caro leitor, a má fé. Vejamos a seguinte passagem: “A atitude de Lula de se colocar ‘acima’ da política como sendo ‘coisa menor’ é uma sopa no mel para corruptos e vagabundos. No dia seguinte à absolvição do Sarney, o PMDB não deu trégua e já quer mais emendas orçamentárias, no peito”. Ora, se Sarney tivesse ficado devendo algo a Lula por sua defesa, o PMDB nada teria a cobrar do governo Lula. Quer me parecer que o fato real foi precisamente o contrário: Lula e o PT é que ficaram devendo algo a Sarney e ao PMDB, tanto que foram cobrar a fatura no dia seguinte. O fato realíssimo nem mesmo é a aliança para sucessão, mas a boca calada para que ninguém fale do rabo preso dos atuais governantes do Planalto.

 

Jabor inverteu completamente o real e um leitor desatendo ainda achará que Lula é vítima de uma conspiração da “direita”, quando na verdade é o oposto, a direita conspirou para sua manutenção no poder. Lula terminará o mandato sem maiores contratempos. Se Sarney abre a boca abalaria a República. Lula está pagando seu silêncio a peso de ouro. A revogabilidade irrevogável de Mercadante só pode ser compreendida nesse contexto.

 

  Jabor fecha o artigo dizendo: “Só uma força plebiscitária poderá mover esta grande pizza envenenada. Por isso, pergunto, como os antigos: Quando haverá uma manifestação séria da opinião pública? Uma ação continuada de notáveis da República para impedir este jogo de carniça entre os três poderes, essa vergonha que humilha o Brasil? Vamos continuar de braços cruzados?” Veja, caro leitor, temos aqui o chavismo propagandeado às claras, o mesmo que é divulgado pela cúpula do PT: a solução estaria na democracia direta, no ativismo, quem sabe na abolição do Senado. É muita má fé junta em tão poucas palavras. O fato cristalino é que os notáveis de hoje são todos quadros do PT.

 

Devo admitir: o Jabor se superou, consegue ser pior do que foi no passado.

 

 

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. A Confusão de Arnaldo Jabor. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-confusao-de-arnaldo-jabor/ Acesso em: 22 nov. 2024