Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Madeiras em toras. Aumento do imposto estadual (ICMS) por via oblíqua. Documento interno, denominado pauta fiscal. Princípio do devido processo legal. Princípio da seletividade. Princípio da legalidade tributária. Exceção de incompetência. Ilegitimidade de parte. Dilação probatória. Condenação do Estado nas custas.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXXXXX
REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL
SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA COMARCA DE PARAGOMINAS
SENTENCIADO/APELANTE: ESTADO DO PARÁ
SENTENCIADO/APELADO: XXXXXXXXXX S/A RELATOR : EXMO. DES. XXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXX
Ilustre Desembargador Relator :
Trata o presente da Apelação e do Reexame da Sentença proferida nos autos da Ação de Mandado de Segurança com pedido de liminar, impetrado por XXXXXXXXX S/A, contra ato do Sr. Delegado Regional Tributário da 8ª Região Fiscal, da Secretaria de Fazenda do Estado do Pará.
Em síntese, os Autos informam que :
Em sua Exordial de fls.
A Ilustre Relatora, Desembargadora XXXXXXXXXXX, despachou, às fls. 63, conhecendo do recurso e concedendo a liminar pretendida.
Às fls.
Às fls.
Às fls.
Às fls.
O Estado do Pará apresentou Contestação, às fls. 87 -92. Disse que seria necessária a dilação probatória, incabível em sede de Mandado de Segurança. Citou jurisprudência. Disse que é necessária a comprovação do real valor das mercadorias. No mérito, que inexiste Direito Líquido e Certo. Citou o art. 148 do CTN. Disse que a Receita Estadual tem um informativo interno onde consta o preço de mercado das madeiras, e utiliza esse informativo no caso de subfaturamento das notas fiscais. Disse que cabe ao contribuinte a possibilidade de contestação e a avaliação contraditória. Disse que o art. 148 do CTN prevê a técnica do arbitramento. Disse que o impetrante apresentou nota fiscal onde consta preço subfaturado para a madeira, e que assim, com base no art. 148 CTN, o Estado do Pará arbitrou o valor da madeira para efeito de base de cálculo do imposto. Citou jurisprudência.
O Ministério Público, na figura da Exmª. Promotora de Justiça, Drª XXXXXXXXXXXXX, deu parecer às fls.
A Juíza de Direito da Xª Vara da Comarca de Paragominas, Drª XXXXXXXXXXX, decidiu, às fls. 100 – 104. Disse que o Estado do Pará é parte legítima para figurar nos autos. Disse que não há necessidade de Dilação Probatória, rejeitando também essa preliminar. No mérito, disse que o Ato Administrativo que majorou o Tributo não tem qualquer valor jurídico, contrariando o art. 150 da CF. Decidiu acolher o parecer do Ministério Público e concedeu a Segurança.
Às fls.
A XXXXXXXX S/A apresentou suas contra-razões, às fls. 150 – 157. Disse que há prova pré-constituída nos Autos. Disse que a tese do arbitramento, argüida pelo apelante, com base no art. 148 do CTN, foi fartamente rejeitada. Citou doutrina. Citou parecer do Ministério Público. Citou trecho da sentença. Disse que, com relação às custas processuais, o Estado-Apelante está assistido de razão legal.
Distribuídos os Autos, vieram a esta Procuradoria de Justiça, para exame e parecer.
É o Relatório. Esta Procuradoria passa a opinar.
Quanto à preliminar de violação ao art. 1o da Lei nº 1.533/51, esta Procuradoria entende que não deve prosperar. Não se trata, na realidade, da necessidade de dilação probatória, a exigir que seja comprovada a incompatibilidade entre o valor indicado na nota fiscal e o real valor de mercado. O de que se trata, na hipótese vertente, é apenas da utilização, pelo Órgão Fazendário, de um documento interno, denominado pauta fiscal, como forma de majoração oblíqua da tributação.
A Ilustre Promotora de Justiça, Dra. XXXXXXXXXXXXX, em seu Parecer, esclareceu, corretamente, às fls. 96-97, que:
“O art. 148 do Código Tributário Nacional permite o arbitramento de valor de mercado às mercadorias tributadas, para servir de base de cálculo do imposto. Porém, este mesmo dispositivo legal estabelece que o arbitramento será feito mediante processo regular, assegurado o direito à contestação do contribuinte, inclusive com avaliação contraditória, administrativa ou judicial. Assim, a impetrada teria de instaurar procedimento fiscal, assegurados os direitos do contribuinte ao contraditório, e ao final decidir pelo arbitramento, que ainda poderia ser discutido judicialmente. Não pode simplesmente arbitrar valores sem o devido procedimento, baseando-se em informativo, que como a própria impetrada diz, trata-se de documento interno da SEFA. Contradiz-se a impetrada ao alegar necessidade de dilação probatória, uma vez que a SEFA é que teria de provar que os documentos e declarações da impetrante não merecem fé, e deveria fazê-lo por meio do devido processo previsto pelo art. 148 do Código Tributário Nacional.”
Nada existe a acrescentar. Ficou evidente a existência do direito líquido e certo da Impetrante, ora Apelada, em decorrência do desrespeito pelo Órgão Fazendário a um princípio fundamental, que deve sempre nortear tanto a elaboração como a aplicação da lei, o princípio do devido processo legal. Sem o respeito a esse princípio, aquilo que a SEFA denomina de arbitramento não passa de majoração indevida de tributo, através da imposição unilateral de uma pauta fiscal, vulnerando conseqüentemente os direitos fundamentais do contribuinte.
Não resta dúvida, também, de que o Estado do Pará tem legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual, exatamente porque o que se discute, nos Autos, é a cobrança de tributo estadual, e a autoridade apontada como coatora é o Delegado Regional da Secretaria de Fazenda do Estado do Pará.
Quando tratamos da preliminar pertinente à alegada necessidade de dilação probatória, já afloramos o exame do mérito, que se resume à determinação do valor que deva ser utilizado, pela Secretaria de Fazenda, para o cálculo do ICMS. Realmente, conforme já foi dito, a aplicação do art. 148 do Código Tributário Nacional, que permite o arbitramento do valor da operação, pela autoridade fazendária, pressupõe o respeito ao processo regular, conforme reza esse mesmo dispositivo, com muita clareza:
… “a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço”…
Ressalte-se que, mesmo na hipótese em que esse dispositivo legal não fosse claro quanto a essa exigência, o Fisco não poderia livremente arbitrar o valor da operação, para o cálculo do ICMS, sem o respeito ao “due process of law”, consagrado em nossa Lei Fundamental.
Tem razão o Apelante, apenas, quanto ao tema da condenação nas custas. Diz ele, às fls. 140, que :
…“as custas são taxas, as quais, por sua vez, são espécies de tributo, e ainda, que em toda relação jurídico-tributária há, necessariamente, credor – ente público – que usando do seu poder de império, compulsoriamente obriga o devedor a pagar o tributo. Isto é, há um polo em posição superior que, usufruindo de tal posição, impõe à parte subordinada, sempre conforme ditames legais, o adimplemento da obrigação tributária.”
A seguir, o Apelante defende a tese de que não cabe a condenação do Estado nas custas, alegando inicialmente a existência de imunidade tributária recíproca. Fala sobre o princípio federativo e diz que é impossível a cobrança de impostos e de quaisquer outros tributos, entre entes públicos. Na realidade, a cobrança de custas, no caso concreto, faria com que o Apelante pagasse essas taxas ao próprio Estado. A existência da imunidade tributária recíproca decorre do próprio princípio federativo, porque a idéia da tributação entre os entes federados conflita com o conceito do Estado Federal. No dizer de Marshall, Presidente da Suprema Corte norte-americana cuja decisão, em 1.803, no caso Mc Culloch X Maryland, estabeleceu a imunidade tributária dos Estados em face da União, “o poder de tributar envolve o poder de destruir”.
Sendo o Brasil um Estado composto, do tipo Federal, não poderia existir, evidentemente, essa tributação recíproca entre os entes públicos. Na hipótese, porém, não existiria a tributação recíproca, porque o Estado estaria tributando a si próprio, através da imposição de custas judiciais.
Em Direito Tributário, existe uma diferença fundamental entre a imunidade e a isenção, porque enquanto a primeira decorre diretamente da Constituição, a isenção é concedida por lei.
O Apelante citou ainda, em abono de sua tese de que não deveria ser condenado ao pagamento das custas, o art. 4o da Lei 9.289/96, segundo o qual a União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias são isentos do pagamento de custas. Não interessa, porém, ao deslinde do caso concreto, caracterizar exatamente como imunidade ou como isenção a impossibilidade da condenação do Estado nas custas processuais.
Na realidade, não resta dúvida de que não deve ser mantida, nesse ponto, a Sentença apelada, quer em face do princípio constitucional da imunidade tributária das pessoas jurídicas de direito público interno, quer pela existência da norma legal específica, citada pelo Apelante, o art. 4º da Lei nº 9.289/96, que isenta do pagamento de custas a União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações.
Em suas Contra-Razões, às fls. 157, diz o patrono da Apelada que:
“Embora o privilégio processual outorgado (a isenção das custas processuais) colida com o princípio da isonomia, como de resto, uma série infindável de privilégios de que goza a Fazenda Pública, é forçoso reconhecer que, neste ponto, o Estado-Apelante está assistido de razão legal, embora a legitimidade seja questionável.”
Na verdade, esta Procuradoria deseja apenas acrescentar que não se trata apenas de um atentado ao princípio da isonomia, mas ao próprio princípio constitucional do direito de petição, consagrado no inciso XXXIV do art. 5o da Constituição Federal, verbis:
“São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões …(omissis)…”
A própria cobrança de custas processuais é, portanto, inconstitucional. O texto constitucional se refere aos “Poderes Públicos”, isto é, ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Não existe qualquer razão para que sejam cobradas custas processuais, se o contribuinte paga os impostos, destinados à manutenção do aparelhamento legiferante, administrativo e judicante.
De qualquer maneira, deve ser reformado, apenas neste ponto, o r. Decisum.
Ex positis, considerando o exame de todos os elementos do Presente, esta Procuradoria de Justiça se manifesta pelo conhecimento, e no mérito, pela procedência parcial do pedido do Apelante, apenas no pertinente à condenação no pagamento das custas processuais.
É O PARECER.
Belém, fevereiro de 2.001
* Professor de Direito Constitucional da Unama
Home page: www.profpito.com
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.