Apelação Cível. Mandado de Segurança. Infração de trânsito. Ilegitimidade de parte. Impossibilidade jurídica do pedido. Negativa de licenciamento anual. Direito ao contraditório e à ampla defesa.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXXX
APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: DIRETORA DO CIRETRAN DE PARAGOMINAS
APELADO: MAVIL – XXXXXXXXXX LTDA.
RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora :
Trata o presente do recurso de apelação, nos Autos do Mandado de Segurança com pedido de Liminar que XXXXXXXXX Ltda. impetrou contra a Diretora do CIRETRAN de Paragominas.
Em síntese, os Autos informam que :
Em sua Exordial, de fls.
A Mma. Juíza de Direito da ª Vara da Comarca de Paragominas proferiu decisão intrlocutória, às fls. 23 – 24. Relatou o processo. Citou o art. 286 do CTB. Disse que impor o pagamento da multa como condição para o licenciamento do veículo configura arbitrariedade da autoridade coatora, pois a lei não exige o pagamento prévio da multa para a interposição do recurso, não sendo razoável exigi-lo para a renovação do licenciamento. Concedeu a liminar e determinou a notificação da autoridade coatora.
A autoridade impetrada prestou informações, às fls. 26 – 27. Falou sobre o RENAVAM – Sistema de registro Nacional de Veículos Automotores. Disse que celebrou convênios com diversos organismos de trânsito. Citou o art. 125 do Regulamento do Código Nacional de Trânsito e o art. 131, § 2o do CTB. Disse que não impediu o licenciamento anual do veículo, e que este pode ser feito, desde que quitados os débitos originários das entidades conveniadas. Alegou a ilegitimidade passiva. Disse que a ação deveria ser intentada contra a União Federal. Juntou documentos (fls.
O Ministério Público juntou Parecer, às fls. 44 – 49. Disse que a liminar deveria ser mantida. Sobre a preliminar de ilegitimidade passiva, disse que não procede, porque o que está sendo discutido é o direito da impetrante a licenciar o seu veículo independentemente do pagamento da multa, que ainda não é legalmente exigível. Disse que também é descabido o chamamento da União à lide. No mérito, disse que a Impetrante tem razão, em decorrência do direito ao contraditório e à ampla defesa. Disse que também está sendo ofendido o direito constitucional de propriedade.
A Mma. Juíza de Direito em exercício decidiu, às fls. 51 – 52. Relatou o processo. Citou os arts. 5o, XXII e 150, IV, da Constituição Federal, e a Súmula 323 do STF. Disse que a impetrante tem o direito líquido e certo de trafegar com o seu veículo até a decisão final do recurso administrativo.
A autoridade coatora apelou da Sentença, às fls. 54 – 61. Sintetizou os fatos. Alegou a falta das condições essenciais da ação, nos termos do art. 267, VI do CPC. Disse que as Circunscrições Regionais de Trânsito do DETRAN/PA têm competência apenas para emitir os documentos dos veículos, de acordo com as exigências legais, sendo parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação. Falou sobre a impossibilidade jurídica do pedido, por sua total incompetência em atender ao requerido. No mérito, disse que ao cobrar a multa da Apelada apenas cumpriu as normas do CTB, em seus arts. 124, VIII e 131 § 2o. Juntou documentos (fls.
A Apelada apresentou Contra-Razões (fls. 86 – 88). Preliminarmente, alegou a intempestividade da Apelação. No mérito, disse que não procedem as alegações da Apelante, porque devem prevalecer os preceitos constitucionais.
Distribuídos os Autos, vieram a esta Procuradoria de Justiça, para exame e parecer.
É o Relatório. Esta Procuradoria passa a opinar.
A autoridade coatora tomou ciência da Decisão ora apelada no dia 23.07.99 (fls. 53), mas somente protocolou o seu Recurso no dia 17.08.99, conforme se constata pelo carimbo às fls. 54. Procede, conseqüentemente, a preliminar de intempestividade, argüida pela Apelada.
Quanto às preliminares da Apelante, não procedem. A autoridade impetrada tem legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual, porque o que se discute no presente processo é a legitimidade da exigência de pagamento de tributo que está sendo contestado administrativamente. Da mesma forma, não procede a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, porque não se trata de decidir a respeito da infração de trânsito, mas apenas da exigibilidade de seu pagamento, como condição para o licenciamento do veículo, o que compete exclusivamente ao Ciretran de Paragominas.
No mérito, não tem razão a Apelante, ao afirmar que apenas cumpriu as exigências legais referentes ao licenciamento do veículo, porque esqueceu que, na hipótese vertente, a multa está sendo discutida administrativamente. A simples existência de um processo administrativo ou judicial, no qual esteja sendo discutida a aplicação da multa, impede a aplicação das normas citadas, do CTB, sob pena de invalidar as garantias constitucionais da ampla defesa e do direito de propriedade.
Assim, a imposição de determinadas restrições ao proprietário do veículo que se encontre em débito, ou que o Órgão de Trânsito unilateralmente entende que está em débito, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento da multa que está sendo discutida administrativamente, causaria, na hipótese vertente, prejuízo inaceitável à Apelada, vulnerando os princípios constitucionais já elencados.
Da mesma forma, em matéria tributária, a jurisprudência tem decidido pela inconstitucionalidade de qualquer norma infraconstitucional que estabeleça formas oblíquas para a exigência do cumprimento da obrigação tributária, a exemplo da Instrução Normativa n° 6 (Pará), de 20.11.95, cujo art. 2o estabelece que: “Não será concedida inscrição no Cadastro do ICMS, quando os sócios ou titulares (pessoa física ou jurídica) tiverem participação em outra empresa ou forem titulares de firma individual que tenha deixado de cumprir qualquer obrigação principal ou acessória”.
Há quase quarenta anos, o Supremo Tribunal Federal já vem entendendo que normas desse tipo são inconstitucionais, porque não admite que o Fisco, dispondo de meios legais para a cobrança de seus créditos, o que deve ser feito através do processo de execução fiscal, pretenda utilizar esses meios coercitivos indiretos, que constituem verdadeiras sanções, criadas através de instruções, de decretos, ou de qualquer outra norma de nível inferior, embora nem mesmo através de lei pudessem ser criadas, porque essa lei seria inconstitucional. Essas exigências constituem atos ilegais e arbitrários, e o Judiciário costuma conceder ao contribuinte a liminar em Mandado de Segurança, para proteger seu direito líquido e certo. Essas Instruções Normativas são inconstitucionais, porque criam autênticas sanções contra os devedores do Fisco, ferindo o princípio da legalidade e a norma do art. 97, V, do Código Tributário Nacional.
São as seguintes as Súmulas do Supremo Tribunal Federal a respeito, seguidas das referências aos Acórdãos que as originaram:
Súmula 70 – “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”. Julgados: RMS 9698, de 11.07.62 (DJ de 29.11.62); e RE 39.933, de 09.01.61.
Súmula 323- “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. Julgado: RE 39.933, de 09.01.61
Súmula 547- “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”. Julgados: RE60.664, de 14.02.68 (RTJ, 45/629); RE65.047, de 14.02.68 (DJ de 28.06.68); RE 63.045, de 11.12.67 (RTJ, 44/422); e RE 64.054, de 05.03.68 (RTJ, 44/776).
Especificamente a respeito da questão destes Autos, a orientação jurisprudencial do Colendo Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que, na pendência de recurso, não existe a exigibilidade da multa, conforme o Acórdão a seguir transcrito:
RESP 249078/MG ; RECURSO ESPECIAL
(2000/0015956-5)
DJ DATA:21/08/2000 PG:00114
Min. FRANCIULLI NETTO (1117)
T2 – SEGUNDA TURMA
Ementa
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CERTIFICADO DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO. MULTA DISCUTIDA EM RECURSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 128, 131, § 2º, 285, § 1º E 286, DA LEI Nº 9.503/97. Não há exigibilidade da multa de trânsito na pendência de recurso, o que impede seja seu pagamento demandado pela administração pública para a renovação da licença. O direito de defesa, de acordo com as disposições do artigo 286, do CTB, não se restringe apenas à “notificação para se defender”. O expresso mandamento do § 1º, do artigo 285, da Lei nº 9.503/97, de que “o recurso não terá efeito suspensivo”, não se refere à penalidade de multa, mas apenas refere-se às demais penalidades. Recurso especial não conhecido. Decisão unânime.
Não pode o Órgão de Trânsito, ora Apelante, conseqüentemente, cercear o direito líquido e certo da Apelada de se defender, administrativa ou judicialmente, contra a imposição da multa de trânsito em questão, nem o seu direito de utilizar o veículo de sua propriedade sem que para isso seja obrigada a pagar antecipadamente a referida multa, que está sendo discutida administrativamente, sob pena de que sejam invalidadas as garantias constitucionais já referdas.
As normas do CTB, citadas pela Apelante (arts. 124, VIII e 131 § 2o) não podem ser aplicadas, na hipótese vertente, porque a Apelada ainda está aguardando a decisão pertinente ao seu recurso administrativo.
Ex positis, considerando o exame de todos os elementos do presente, este Órgão Ministerial se manifesta pelo não conhecimento do presente recurso e, no mérito, pela manutenção integral da bem elaborada Sentença, por seus próprios fundamentos.
É O PARECER.
Belém, janeiro de 2.001.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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