Apelação Cível. Ação de Investigação de Paternidade cumulada com Pedido de Alimentos. Exame hematológico. Recusa. Ônus da prova. Prova testemunhal
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : XXXXXXXXX
RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: XXXXXXXXX
APELADOS: XXXXXXXXXXXX E XXXXXXXXX
RELATORA: EXMA. DESA. XXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora:
Trata o presente do recurso de Apelação interposto por XXXXXXXXXXX, nos Autos da Ação de Investigação de Paternidade cumulada com Pedido de Alimentos, promovida por XXXXXXXXXXXXX, representada por sua mãe XXXXXXXXXXXXX.
Em síntese, os autos informam que:
2. O Suplicado contesta, às fls. 9-11. Diz que conheceu a Suplicante em um bar, para onde convergem os homens de Santo Antonio do Tauá à procura de diversão. Diz que XXXXXXXX viajou para o Sul do País, em fevereiro ou março de 1981. Diz que em novembro, soube do nascimento de um filho, que não poderia portanto ser seu. Diz mais que não é comerciante, mas prestador de serviços e nada possui. Diz que nem mesmo sabe se a menor é filha de XXXXXXX. Diz que também passa por dificuldades. Cita o art. 363 do Código Civil Brasileiro. Diz que não houve constância no relacionamento, nem relacionamento sexual exclusivo. Diz que a prova testemunhal é frágil. Diz que somente o resultado hematológico poderá provar o alegado. Pede o exame pelo sistema HLA.
3. Em Contra-Razões, às fls. 14-15, diz a Suplicante que nada do alegado é verdadeiro, que nunca viajou para o Sul e que manteve relações somente com o Suplicado, que é comerciante em boa situação financeira. Diz ainda que o exame de sangue pode ser falho.
4- Após mais de seis anos, a Mma. Juíza, no Despacho de fls. 17, determinou a intimação do requerido para apresentar provas, mas expediu mandado (fls. 18) de citação para que XXXXXXXXXXXX contestasse a Ação.
5. Às fl. 19, o Suplicado, ora Apelante, ratifica o que disse em sua Contestação. Diz que o exame de sangue tem elevado índice de acerto. Solicita o depoimento das testemunhas que arrola.
6. Às fls. 20, Despacho da Mma. Juíza, deferindo as provas requeridas pelas partes e designando data para audiência.
7. Termo de Audiência, às fls. 23-
8. Às fls. 28-36, foi apresentado o Memorial em favor de XXXXXXXXXXXX.
10. Às fls. 58-59, manifestação da Requerida, dizendo que está sendo desobedecida ordem judicial e que o exame agilizaria o processo.
11. Ouvido o MP (fls. 61) disse que existem nos Autos suficientes provas da paternidade, e que o exame seria até inútil.
13. Às fls. 65-67, mais uma manifestação do requerido, procurando repor a verdade.
14. Instalada a Comarca de Santo Antonio do Tauá, foi requerido o prosseguimento do feito naquela Comarca e a Mma. Juíza despachou, às fls. 73-74. Disse que não podia julgar, em face das violações às regras do CPC, porque o processo entrou na fase de oferecimento de memoriais, sem que estivesse concluída a prova testemunhal. Chamou o processo à ordem.
16. O MP se manifestou, às fls. 93-95, pela improcedência, em face da insuficiência de provas.
18. O Requerido apelou, às fls. 121-139. Recapitulou os fatos. Contestou as declarações da mãe da Requerente e disse que soube durante a Audiência, em 18.04.95, da existência de XXXXXXXXXXXX. Disse que a testemunha da Apelada afirmou com segurança que a viagem para o Rio Grande do Sul ocorreu em janeiro e que, assim, se a criança nasceu em novembro, seria uma gestação de onze meses. Procurou justificar o fato de não se ter submetido ao exame. Sobre a Sentença, o Requerido afirmou que nunca disse que manteve relações sexuais com a mãe da Investigante. Disse que a prova sobre o comportamento da mãe da Investigante está no fato de ter viajado com um homem para o Rio Grande do Sul. Citou o art. 363 do Código Civil. Disse que não existem provas do concubinato e que a Mma. Juíza contrariou a opinião do Ministério Público. Disse que a Mma. Juíza não poderia empregar a analogia, porque o Código Civil não é omisso, mas claro e objetivo, ao tratar da filiação legítima (arts.
20. Pelo Despacho de fls.
22. O MP se manifestou, às fls. 158-166. Disse que a Sentença deve ser mantida. Disse que a Dra. XXXXXXXXXXX, digna Promotora de Justiça da Comarca de Vigia, demonstrou seu posicionamento. A seguir, examinou, item por item, a sentença. A respeito da preliminar de intempestividade, disse que os Autos estavam com vistas para a representante do MP, em 19.02.98, e devolvidos em 26.02.98, uma quinta-feira, após o feriado de carnaval, portanto dentro do prazo legal, e que não houve prejuízo para o Recorrente, que poderia ter peticionado em Juízo por uma dilação de prazo. Disse ainda que a menina é muito parecida com o Apelante, o que é um subsídio probatório de valor.
23. Redistribuído o Processo à Primeira Câmara Cível Isolada, veio a esta Procuradoria, para exame e parecer.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
A respeito dos casos em que é cabível a investigação de paternidade ensina o eminente jurista Silvio Rodrigues:
O Código de 1916 admite a investigação de paternidade em quatro hipóteses:
I. em caso de concubinato, ao tempo da concepção, da mãe do investigante, com o investigado;
II. em caso de rapto da mãe do investigante, pelo suposto pai, coincidente com a época da concepção;
III. em caso de se comprovarem relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretendido pai, à época da concepção; e finalmente
IV. em caso de existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.
Algumas legislações consignam maior número de casos em que se permite a investigação da paternidade. Mas a enorme amplitude da terceira hipótese consignada na lei do Brasil, facultando o sucesso da ação investigatória desde que comprovada a existência de meras e mesmos fortuitas relações à época da concepção, mostra a liberdade, talvez excessiva, do legislador brasileiro e supre aqueles casos por ele não consignados e existentes em outras legislações ( Silvio Rodrigues – Direito Civil, v. 6) ( o grifo é nosso)
Na hipótese vertente, a menor investigante, devidamente representada por sua mãe, conta em seu benefício com força probatória suficiente para a demonstração da existência de relações sexuais entre sua mãe e o pretendido pai, à época de sua concepção. As aludidas provas são de duas naturezas (testemunhais e indiciárias, sendo esta última uma prova indireta), haja vista que o investigado se recusou a realizar o exame HLA, bem como o de DNA (provas periciais).
A prova testemunhal, principalmente em determinadas situações (recusa do exame hematológico), possui grande relevância no processo de investigação de paternidade, conforme demonstra a Jurisprudência:
ALIMENTOS – Mérito – Não sendo o teste de DNA obrigatório, se as provas testemunhais, confirmam a paternidade e, se à época da concepção, coincide com as relações sexuais havidas entre o casal, há que se obrigar ao pai pagar os alimentos ao filho (TJSC – ap. 37.942 – 3º CC –Rel. Des. Cid Pedroso – j. 12.5.92)
RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE ATRAVÉS DE PROVAS TESTEMUNHAIS E CERTIDÃO DE BATISMO – Diante da recusa do varão em fazer exames hematológicos, pode a paternidade ser reconhecida se, através de provas testemunhais e de certidão de batismo, houver forte indício de relacionamento exclusivo entre o suposto pai e a mãe no período do nascimento do filho. ( TJRS – Ap. 593.1134.661 – 7º CC – Rel. Des. Carlos Teixeira Giorgis – j. 22.6.94) ( o grifo é nosso)
A testemunha XXXXXXXXXXXXXX assim declara:
Que conheceu o requerido porque estava sempre perto da Requerente, pois, os dois se gostavam tendo desse relacionamento engravidado e quando a mãe da Requerente soube, a mesma viajou para o Estado do Rio Grande do Sul e só retornou na época que já estava para descansar; Que quando a criança nasceu o casal voltou a namorar e novamente engravidou de um menino que é muito parecido com o Requerido; …. (sic)
Excertamos do depoimento da testemunha XXXXXXXXXXXXXXX o seguinte trecho:
Que por volta do ano de 1978 tomou conhecimento do relacionamento entre Requerente e Requerida quando viu os dois juntos na localidade de Bacuri, em Santo Antônio do Tauá, ….. Que por umas três vezes viu o casal se encontrar ( sic)
Por último, o da testemunha XXXXXXXXXXX:
Que a depoente sempre via a representante legal da menor ora requerente em companhia do ora requerido; Que na época da concepção a representante legal da menor requerente estava namorando com o ora requerido; Que o relacionamento havido com a representante legal da menor era público, Que a representante legal da menor costumava sair com o requerido; Que na época em que a Sra. XXXXXXXXXXXXXXX engravidou da menor ora requerente só estava se relacionando com o ora requerido; Que o requerido não deu qualquer ajuda econômica para a representante legal da menor durante o parto, que depois da menor nascer,, o requerido passou a auxiliar no seu sustento, dando leite, massa para mingau e coisa e depois de um certo tempo o requerido deixou de contribuir para o sustento da menor… (sic)
Decerto, o acima exposto é perfeitamente aplicável à prova indiciária, porque em determinados casos (como o da recusa do suposto pai em realizar o exame pericial), a salientada espécie probatória é de extrema relevância para a composição da lide. A Jurisprudência se manifesta nesse sentido:
PROVA INDIRETA – Possibilidade – Embora a paternidade possa ser provada por meio de indícios e presunções, estes hão de ser, neste caso, abundantes e veementes. (TJSP – Ap. 53.813-1 – 4º CC – Rel. Des. Alves Braga – j.7.3.85)
EXAME HEMATOLÓGICO – Concepção – Se a concepção do investigante coincidiu com a relação existente entre a sua mãe e o investigado e se os supostos irmãos recusam-se a fazer o exame hematológico, há que se confirmar a paternidade por serem, tais fatores, fortes indícios de veracidade de tal alegação. (TJRS – Ap. 593.112.618 – 7º CC – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis – j.11.5.94.
NULIDADE DE SENTENÇA – Prova hematológica – Ausência. Tendo sido a decisão proferida com base na análise de todos os argumentos expostos no processo e verificada a existência de fortes indícios que levam à confirmação de paternidade, não há que se falar em nulidade da sentença que determinou o citado reconhecimento, mesmo não havendo prova hematológica. (TJRS – Ap. 592.104.004 – 7º CC – Rel. Des. Jasson Ayres Torres j.26.5.93) ( o grifo é nosso)
Sobre os indícios, ensina o brilhante professor Moacyr Amaral Santos:
O fato conhecido, como causa ou efeito de outro, está a indicar este outro. Dada a existência daquele fato, certo é que outro existiu, ou existe, provavelmente o fato desconhecido que se pretende conhecer e provar. O botão de um casaco, encontrado junto ao cofre arrombado, caiu da roupa de alguém, muito provavelmente do casaco do arrombador. O fato conhecido, no caso aquele botão, indica outro: diz-se que é indício de outro, que se pretende provar.
Mas, por si só, no estado potencial, o indício não tem qualquer valor. O botão, caído junto ao cofre arrombado, não exprime, por si só, coisa alguma, visto que não tem função de fornecer a prova de um outro fato qualquer. Entretanto, como causa ou efeito de outro, ele suscita uma operação por via da qual poder-se-á chegar ao conhecimento desse outro. Donde, isoladamente, em si mesmo, antes do processamento dessa operação mental, não constitui o indício senão prova no estado potencial, e somente equivale a elemento probatório, do raciocínio que autorizar ocorrer ao espírito a idéia do fato que se deseja provar. Assim, o indício, sob o aspecto jurídico, consiste no fato conhecido que, por via do raciocínio, sugere o fato probando, do qual é causa ou efeito.
Síntese desse conceito é a definição formulada por Alsina, que a colheu em Dellepiane: “ Chama-se indício todo rastro, vestígio, pegada, circunstância e, em geral, todo fato conhecido, ou seja, devidamente provado, suscetível de conduzir, por inferência, ao conhecimento do fato desconhecido”.
O fato conhecido, o indício, provoca uma atividade mental, por via da qual poder-se-á chegar ao fato desconhecido, como causa ou efeito daquele. O resultado positivo dessa operação será uma presunção. Assim, a presunção compreende um processo lógico, ou seja, um raciocínio pelo qual da existência de um fato reconhecido como certo se deduz a existência do fato que se quer provar. A estrutura desse raciocínio é a do silogismo, no qual a premissa menor será o fato conhecido (fato base, fato auxiliar) (Moacyr Amaral dos Santos – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil)
Dessa forma, fica demonstrado que no processo de investigação de paternidade é perfeitamente cabível a aplicação de provas alternativas, mesmo as indiretas, principalmente quando o suposto pai se recusa a realizar o exame hematológico, em especial o de DNA, que em certos casos garante uma probabilidade de acerto na faixa dos 100%. Destarte, se o Sr. XXXXXXXXX possui tanta convicção de que a menor XXXXXXXXXXX não é sua filha, então qual o motivo plausível do mesmo se negar a realizar um exame tão eficaz, que simplesmente colocaria um ponto final na questão? Muito pelo contrário, o réu, ao se manifestar sobre sua recusa em realizar a referida perícia, utilizou argumentos evasivos, sem o menor sentido, tentando escusar-se de todas as formas, o que leva a um forte indício de que a Investigante seja de fato sua filha. Além desse, existem outros, bastante veementes, como os encontros no Bar BACURI que, diga-se de passagem, possui vários quartos, bem como a coincidência do período das relações sexuais com o nascimento da menor e a afirmação da Ilustre Promotora de Justiça da Comarca de Sto. Antônio do Tauá, Dra. XXXXXXXXXX, que no parecer de fls. 159, manifesta-se dizendo que a semelhança física das partes é tão visível, que não deixa dúvidas sobre a paternidade.
Analisando agora o outro ponto de vista da relação processual, ou seja, o do réu, é certo que o mesmo não conseguiu satisfazer os requisitos inseridos no art. 333, inciso II do CPC, que reza:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
II – ao réu, quanto á existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Este dispositivo legal traz o chamado ônus da prova para o réu, que deverá comprovar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Pois bem, o principal argumento do Investigado é a chamada exceção plurium concubentium (fato extintivo). No entanto, prova alguma traz aos Autos que demonstrem que a Sra. XXXXXXXXXX manteve relações com outros homens. Sobre a necessidade probandi da salientada defesa fala Silvio Rodrigues:
Neste campo, mais do que na hipótese de concubinato, a exceptio plurium concubentium é defesa adequada para ilidir a ação. Se o réu provar que, à época da concepção, a mãe do autor manteve relações com outros homens, além dele, excipiente, cumpre ao juiz julgar improcedente o pedido, pois a convicção do julgador deve ser indubitável, ao proclamar o parentesco entre os litigantes (Silvio Rodrigues – Direito Civil) (o grifo é nosso)
Por último, sobre a falta da relação more uxória (fato extintivo), alegada pelo Réu, de acordo com o disposto no artigo 363, inc. I do CC, o assunto não é tão complexo como o mesmo quer que pareça, pelo menos em relação aos casos de investigação de paternidade. A respeito, leciona o eminente Silvio Rodrigues:
Hoje se dispensa o requisito da habitação em comum; o elemento fundamental para caracterizar o concubinato é a presumida fidelidade da mulher. É verdade que a notoriedade da união, a dependência econômica da mulher ao homem, a continuidade das relações sexuais são fatores apreciáveis, mas nenhum se reveste da importância daquele outro. (Silvio Rodrigues – Direito Civil) (o grifo é nosso)
Ora, como foi visto acima, o Investigado não comprovou a infidelidade da mãe da menor, elemento essencial para descaracterizar o concubinato, enfraquecendo destarte esse meio de defesa.
Indo mais além, existem julgados que, para efeito de ação de investigação de paternidade, admitem apenas uma relação de namoro entre as partes, atendendo assim as exigências dos novos costumes sociais no campo dos relacionamentos amorosos.
NAMORO SÉRIO – Relação sexual – Se comprovada a relação sexual exclusiva entre o investigado e a mãe da menor e a coincidência da época da concepção com o período do namoro sério existente entre os mesmos, há que se confirmar a paternidade. (TJRS – Ap. 593.111.032 – 7º CC – Rel. Des. Paulo Heerdt – j. 23.2.94)
EXCEPTIO PLURIUM CONCUMBENTIUM – Deve-se reconhecer a paternidade e concederem-se alimentos, quando presentes fortes indícios relativos a irrepreensível conduta da mãe, no período em que se verificou o namoro entre varões, se a única defesa do suposto pai foi a exceptio plurium concumbentium. (TJSC – Ap. 11.703 – 3º CC- Rel. Des. Reynaldo Alves – j. 9.8.76.) ( o grifo é nosso)
Diante disso, não pode ser acolhida a aludida defesa, principalmente pela forma como o Investigado a demonstrou, ou seja, de um modo complexo, exigindo inúmeros requisitos, a maioria dispensável, para a caracterização do concubinato para fins do art. 363, inc. I do CC , bem como pelo seu enfoque técnico, sem conteúdo social algum, haja vista que os filhos não são gerados apenas pelo casamento ou por uma relação concubinária, mas também através de relações constantes, como é o caso do namoro sério. Aliás, muito comum nos dias de hoje.
Esta Procuradoria de Justiça, considerando o exame de todos os elementos constantes dos Autos, manifesta-se pela improcedência da Apelação, por entender que deve ser mantido integralmente o respeitável decisum, em razão do exposto acima.
É O PARECER.
Belém, dezembro de 1999.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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