Direito Civil

Agravo de Instrumento. Ação Popular. Ação Civil Pública. Conexão de ações. Antecipação provisória da tutela. Decurso do prazo (dez anos). Perda do objeto.

Agravo de Instrumento. Ação Popular. Ação Civil Pública. Conexão de ações. Antecipação provisória da tutela. Decurso do prazo (dez anos). Perda do objeto.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

EGRÉGIA XXXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA

 

                   PROCESSO :                   XXXXXXX

 

RECURSO:                   AGRAVO                  

 

AGRAVANTE: ENCOL S/A – ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚSTRIA          

 

AGRAVADOS: XXXXXXXXXX E OUTROS

 

                   RELATORA:                   EXMA.  DESA. XXXXXXXXXX

 

PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXXXXXX

 

 

 

 

 

Ilustre Desembargadora  Relatora:

 

 

 

 

Trata o presente do Agravo de Instrumento interposto por Encol S/A- Engenharia, Comércio e Indústria, nos Autos da Ação Popular que lhe movem XXXXXXXXXX e outros, contra a decisão interlocutória que deferiu a sustação das obras do Edifício XXXXXXX. A MMa. Juíza a quo exerceu, porém, o juízo de retratação, suspendendo a liminar, com o que não se conformaram os Agravados.

 

 

Em síntese, os autos informam que:

 

 

1.         XXXXXXXXX e outros ajuizaram Ação Popular (exordial às fls. 63 a 118), pedindo que as empresas Construtora Leal Moreira Ltda. e Encol S/A- Engenharia, Comércio e Indústria, se abstivessem de executar os projetos dos edifícios XXXXXXX e XXXXXXXX, respectivamente, danosos ao ecossistema do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi, paralisando essas obras e demolindo todas as estruturas que excedessem a altura de 18 metros.

 

 

2. O Ministério Público Estadual, através de suas Curadorias Especializadas de Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Histórico e Cultural ajuizaram Ação Civil Pública (exordial às fls. 39 a 50),  contra a Prefeitura Municipal de Belém e contra as empresas acima referidas, para que essas empresas se abstivessem de executar os projetos dos edifícios acima referidos, com os gabaritos neles originariamente previstos e para que a Prefeitura se abstivesse de licenciar, no futuro, novos projetos de edificações nas vizinhanças do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi.

 

3. A Agravante, em seu Recurso de fls. 02 a 23, diz como preliminar que tramita na 15ª Vara uma Ação Civil Pública e que, tendo sido ajuizada a Ação Popular, não existe dúvida de que ocorreu a conexão de ações, conforme o art. 103 do Código de Processo Civil e que assim, devem ser as  duas ações unidas, para serem julgadas pelo mesmo Juízo, conforme o disposto no artigo 105 do Código de Processo Civil. Diz que a MMa. Juíza da 14ª Vara deveria ter obedecido a essa norma, bem como a do art. 106, no sentido de que seja considerado prevento o juízo que despachou em primeiro lugar. Pede assim que o Juízo ad quem decrete a prevenção da 15ª Vara e a incompetência da Ilustre Juíza da 14ª Vara, que deve remeter a Ação Popular ao Juízo onde corre a Ação Civil Pública, tornando, assim, inválida a liminar que sustou as obras do Edifício Monte Fuji.

 

4.      No mérito, a Agravante afirma que adquiriu um terreno na Av. Alcindo Cacela, pretendendo erigir um edifício residencial, convencida de não haver qualquer impedimento para isso, mesmo porque ali já haviam sido construídos dois edifícios e que passou, então, a cumprir as formalidades necessárias ao início da obra, como a elaboração do projeto, a obtenção do Alvará de Obras da Prefeitura, o exame do projeto pela Secretaria de Meio Ambiente, e pelo Corpo de Bombeiros, para finalmente preparar o processo de incorporação. Diz ainda que somente então começou a construir o prédio e a comercializar os 34 apartamentos, que foram todos vendidos e o prédio já está totalmente construído, em sua parte estrutural de concreto armado e alvenaria de tijolo, bem como já se encontra em fase final de acabamento, interna e externamente. Junta fotografias. Diz que, apesar disso, apesar de que, na Ação Civil Pública, não tenha sido deferida a medida liminar para suspender as obras, na 14ª Vara, onde tramita a Ação Popular, a MMa. Juíza concedeu medida liminar para sustar as obras dos Edifícios XXXXXXXX e XXXXXXXXXX.

 

5.  A Agravante diz que é ilegal a concessão da liminar. Cita os arts. 797  e 804 do Código de Processo Civil. Diz ainda que a decisão, além de não preencher qualquer dos requisitos legais, não foi fundamentada pela MMa. Juíza. Cita  doutrina. Diz que não existe qualquer norma jurídica que fixe a altura da construção nas laterais do Museu Paraense Emílio Goeldi em 18 metros e que, assim, nenhuma lei foi violada pela Encol e não existiu vício de forma, porque são inaplicáveis as normas da Constituição Federal citadas, o art. 24, § 4º, e o artigo 225. Diz que a Encol está sofrendo prejuízos, mais de 200 empregados terão que ser dispensados e os 34 adquirentes dos apartamentos também serão prejudicados. Cita doutrina sobre direito adquirido. Transcreve Certidão do Oficial de Justiça, para mostrar que a estrutura do prédio estava concluída. Cita jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da irrevogabilidade da licença para construir (Alvará). Pede que seja dado provimento ao Agravo, para cassar a medida liminar.

 

6. A MMa. Juíza da XXª Vara exerceu o juízo de retratação,  às fls. 129-131. Disse que a preliminar não pode ser julgada, por ser extemporânea. Diz que se a obra previa 17 andares e todos já foram levantados, a liminar perde o sentido, porque não se pode antecipar a decisão do mérito. Decide, assim, sustar os efeitos da liminar e reformar o despacho agravado.

 

7. Os Agravados apresentaram, equivocadamente, Apelação (fls. 136 a 141). Defenderam, inicialmente, citando a Lei 4717/65, o cabimento da concessão da liminar. Disseram que, na data em que foi ajuizada a Ação Popular, o Edifício XXXXX ainda estava em seu 12º pavimento e, na data da concessão da medida liminar, 60 dias depois, já estava com 17 pavimentos. Disseram que o não julgamento da exceção de incompetência e a sustação da liminar anteciparam o julgamento da lide, ao permitir o prosseguimento da construção, do que podem resultar múltiplos desdobramentos judiciais. Afirmaram inexistir direito adquirido, porque a concessão do Alvará pela Prefeitura foi posterior à vigência do art. 225 da Constituição Federal. Citam jurisprudência, no sentido de que o uso irregular não pode ser fonte de direito e não configura direito adquirido. Pedem a reforma da sentença.

 

8.  A MMa. Juíza da XXª Vara, às fls. 143, diz que não cabe apelação contra o despacho que reformou a decisão agravada. No entanto, nos termos do § 6º do art. 527 do Código de Processo Civil, determina a remessa ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado.

 

9. Autos conclusos ao Exmo. Desembargador XXXXXXXXXX, Relator. Redistribuídos em 1.997, em junho de 1.999 e em agosto de 1.999, chegaram finalmente a esta Procuradoria, para que examine o assunto.

 

 

 

 

 

         É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:

 

 

Dispõe a Constituição Federal, no inciso XXXV do artigo 5º (o Catálogo dos Direitos e Garantias), que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito ou ameaça de lesão a esse direito. Assim, o jurisdicionado que tenha legítimo interesse jurídico a proteger deverá poder contar com a atividade jurisdicional do Estado, que lhe prestará tutela, formulando juízo sobre a existência dos direitos reclamados (colocando-os na Balança) e, mais do que isso, impondo (pelo uso da espada da Justiça) as medidas necessárias à manutenção ou à reparação dos direitos assim reconhecidos.

 

Conseqüentemente, o princípio constitucional básico do direito à tutela jurisdicional assegura também ao jurisdicionado, que provocou o Judiciário pela propositura  da ação, o direito a uma sentença potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito relevante

 

Evidentemente, descabe na instância recursal do Agravo o exame definitivo, pelo julgamento do mérito, das alegações das partes, para a concessão dessa tutela jurisdicional. O de que se trata, na apreciação deste Agravo, é apenas do exame pertinente à existência ou não do direito à antecipação (provisória) da tutela jurisdicional, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei no. 8.952, de 13.12.94, porque embora na época vigorassem outras normas processuais, considerado o processo como um simples conjunto de atos interligados, cada qual, porém, com “vida” própria, a lei nova somente não deveria ser aplicada aos atos pendentes e aos atos perfeitos e acabados.

 

Trata-se aqui, portanto, somente da verificação da existência de prova inequívoca, capaz de convencer o Julgador da verossimilhança das alegações das partes, cumulada, na hipótese sob exame, com a alegada ocorrência, ainda, do periculum in mora, o que tornaria indispensável a antecipação da tutela, tendo em vista o suso referido direito do jurisdicionado à sentença potencialmente eficaz.

 

 Em outras palavras, a essa Egrégia Câmara incumbiria verificar a ocorrência  daquilo que a Doutrina denomina antecipação assecuratória, com a concessão provisória da tutela, como meio de evitar que, no curso do processo, ocorra o perecimento ou a danificação do direito a ser tutelado pela sentença de mérito.

 

 Importaria verificar, portanto, a existência nos Autos de prova inequívoca, capaz de convencer o Julgador da verossimilhança da alegação, conforme a disposição do caput do art. 273 do CPC, já citado (fumus boni juris) , assim como perquirir também sobre se existe o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, na hipótese do inciso I do mesmo artigo (periculum in mora). Preenchidos esses requisitos, o Julgador não apenas poderia, no impreciso enunciado do caput desse artigo, como deveria decidir pela antecipação da tutela, exatamente porque se o não fizesse, estaria desvirtuando a atividade jurisdicional, faltando ao seu compromisso básico, de tutelar o direito, pela efetividade da jurisdição, para que a futura sentença de mérito não se revelasse inútil. Deveria, portanto, decidir pela antecipação em caráter provisório, como forma de preservar a possibilidade da concessão definitiva, se fosse o caso.

 

         Ocorre que, na hipótese vertente, já se tornou descabido o exame do pressuposto do periculum in mora,  porque pelo decurso do tempo e já tendo sido concluída a construção do prédio, não haveria mais como conceder a antecipação da tutela, conforme passaremos a tentar provar, fazendo  inicialmente um exame cronológico sintético dos Autos:

 

 

 

a)     A Ação Popular subscrita por XXXXXXXXXX e outros foi ajuizada em 28.06.89;

 

b)     O Despacho interlocutório da MMa. Juíza da XXª Vara, que concedeu a liminar requerida, ordenando a sustação das obras dos dois prédios, foi assinado em 24. 08.89;

 

c)      O Agravo da Encol S/A- Engenharia, Comércio e Indústria, foi interposto em 06.09.89;

 

d)    A MMa. Juíza, em seu despacho de fls. 129-131, considerando que o Edifício XXXXXXX já estava com seus 17 andares construídos e que não teria mais cabimento a suspensão determinada no Despacho agravado, porque significaria o adiantamento da prestação jurisdicional, que somente caberia à sentença de mérito, decidiu exercer o juízo de retratação, isso em 12.02.90;

 

e)     O Patrono dos Agravados confundiu o Despacho acima referido com uma Sentença e interpôs (18.05.90) a apelação de fls. 136-141, com pedido de efeito suspensivo, quando deveria apenas, nos termos do art. 527, § 6º do Código de Processo Civil, com a redação vigente na época, não se conformando com a nova decisão, requerer, dentro de cinco dias, a remessa do instrumento ao Tribunal;

 

f)      A MMa. Juíza, contudo, pelo princípio da fungibilidade, determinou a remessa do instrumento ao Tribunal, em 22.05.90;

 

g)     Os Autos foram conclusos ao Ilustre Desembargador XXXXXXXXXXXX, Relator, em 28.09.90;

 

h)    Posteriormente, foram distribuídos em 18.06.97 e em 23.06.99;

 

i)       Finalmente, em 10.08.99, foram distribuídos à Exma. Desembargadora XXXXXXXXXXXX.

 

Hoje, mais de dez anos depois, é de comum sabença que a  Encol teve sua falência decretada e é a maior devedora da Previdência. Seus bens estão indisponíveis e o INSS ajuizou Ação Cautelar Fiscal, tentando recuperar seus créditos, mas existem dívidas trabalhistas, bem como a cobertura de garantias reais, que têm prioridade.

 

         O Edifício XXXXXX está concluído e completamente habitado. A imprensa noticiou mesmo, recentemente, que o condomínio daquele prédio será obrigado a pagar um alto valor referente às contribuições sociais, que não vinham sendo recolhidas pelo contador responsável.

 

         A MMa. Juíza a quo afirmou, em seu Despacho que foi confundido com uma Sentença, que não teria cabimento a suspensão determinada no primeiro Despacho, agravado pela Encol, porque significaria o adiantamento da prestação juridicional, que somente caberia à sentença de mérito e, por essa razão, decidiu exercer o juízo de retratação, e suspendeu os efeitos da liminar, liberando assim o prosseguimento da construção.

 

         Parece claro a esta Procuradoria que o argumento é falho, porque embora evidentemente não fosse possível prever que o Agravo levaria mais de dez anos para ser julgado, essa decisão, permitindo que as obras prosseguissem, da mesma forma significou um adiantamento da prestação jurisdicional, de forma ainda mais completa, porque trouxe para a Segunda Instância um dilema: o de escolher entre a proteção do patrimônio público, o Museu Paraense Emílio Goeldi, ou os interesses da Construtora e dos trinta e quatro proprietários moradores do Edifício XXXXXX.

 

         Assim como a MMa. Juíza, em 12.02.90, já entendia que não teria mais cabimento a concessão da liminar, para a sustação das obras, porque inexistia o periculum in mora, de vez que o prédio já estava construído até o 17º pavimento, com muito maior razão agora, quando até mesmo para a decisão do mérito, o decurso do tempo já veio certamente trazer dificuldades ainda maiores.

 

          Desconhecemos o andamento do processo principal, mas tudo indica que o direito público subjetivo dos jurisdicionados, de terem o Museu protegido nos termos da lei, caso seja nesse sentido a decisão do mérito, foi vulnerado de forma irreversível.

 

          Hoje, não há mais como falar a respeito de periculum in mora, nem como discutir a respeito da concessão da tutela antecipada, para a suspensão das obras. Com a suspensão da liminar, em 1.990, o Edifício XXXXXXX foi concluído, os apartamentos foram vendidos e ocupados. Assim, o dano ao direito, se realmente existe direito a ser resguardado, dano que poderia ter sido evitado pela antecipação provisória da tutela, já se concretizou. Resta somente decidir a respeito do mérito.

 

 

Ex positis, esta Procuradoria de Justiça entende que deve ser mantida a  respeitável decisão interlocutória pela qual a MMa. Juíza a quo  exerceu o juízo de retratação e suspendeu a liminar anteriormente concedida.

 

 

É o parecer.

 

                          Belém,      novembro de 1999

 

 

 

 

                   Procuradora de Justiça

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Agravo de Instrumento. Ação Popular. Ação Civil Pública. Conexão de ações. Antecipação provisória da tutela. Decurso do prazo (dez anos). Perda do objeto.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/obrigacoes/agravo-de-instrumento-acao-popular-acao-civil-publica-conexao-de-acoes-antecipacao-provisoria-da-tutela-decurso-do-prazo-dez-anos-perda-do-objeto/ Acesso em: 21 nov. 2024