Reexame De Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. Suspensão do pagamento de pensão. Direito adquirido. Irretroatividade. Concessão de liminar. Direito à tutela jurisdicional.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXXXXX
REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL
APELANTE: MUNICÍPIO DE MÃE DO RIO
APELADO: XXXXXXXXXXXXX
RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora :
Tratam os presentes Autos do Mandado de Segurança impetrado por XXXXXXXXXXXX contra a Prefeitura Municipal de Mãe do Rio, em decorrência da suspensão do pagamento de pensão especial concedida em virtude do falecimento no desempenho de suas funções do servidor público municipal, Senhor XXXXXXXXXXXXXX.
Deve-se observar, desde logo, que a distribuição do processo, de fls. 43, considerou como apelante o Sr. XXXXXXXXXX, quando na realidade é a Prefeitura Municipal de Mãe do Rio. O mesmo, na distribuição da Secretaria Geral do Ministério Público. Também por essa razão, tratando-se da concessão do Mandamus pela Mma. Juíza a quo, haverá o necessário reexame de sentença, nos termos do artigo 475, II, do Código de Processo Civil.
Em síntese, os Autos informam que:
2. Em abril de 1.998, XXXXXXXXXXXXX impetrou Mandado de Segurança (exordial às fls.
6. O Prefeito nada alegou em sua defesa, conforme a certidão lavrada às fls. 23, verso.
Redistribuídos os Autos para a XXXXXX Câmara Cível Isolada, vieram a esta Procuradoria.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
O Remédio Heróico, concedido pelo MM. Julgador a quo, pertine à proteção do direito líquido e certo da Impetrante, ora Apelada, contra ato omissivo ilegal do Ilmo. Sr. Prefeito Municipal de Mãe do Rio, que suspendeu o pagamento da pensão especial concedida à impetrante pela Lei Municipal no. 319/96, sem qualquer justificativa, vindo depois, em sua apelação, alegar a inconstitucionalidade da referida lei, sem dizer exatamente qual a norma constitucional que teria sido violada.
O artigo 100, apontado nas Contra-Razões da Apelada, como se tivesse sido aquele indicado pela Apelante em suas alegações de inconstitucionalidade, nada tem a ver com o assunto, mesmo porque, conforme já discutido nestes Autos, o mandado de segurança não se confunde com a ação de cobrança e, no tocante ao pagamento dos valores vencidos desde o ajuizamento da inicial, caberá agora, aos administradores municipais, se for o caso, providenciar a abertura das dotações orçamentárias ou dos créditos adicionais necessários.
Se qualquer falha tivesse ocorrido na elaboração da lei, o que não é o caso, a culpa caberia, evidentemente, à Câmara Municipal e ao Prefeito, em exercício na época, e não à viúva e a seus filhos. A observância da lei e, conseqüentemente, da própria Lex Mater, é o pressuposto primeiro de toda e qualquer atividade desempenhada pelos poderes constituídos e não pode a administração pública, que é permanente e impessoal, escusar-se de cumprir suas obrigações, no caso, não apenas legais, como morais, sob a simplória e ridícula alegação de que o administrador da época teria infringido normas orçamentárias, o que tornaria a lei inconstitucional. A ser isso admitido, a Constituição Federal passaria a ser o livro de cabeceira de todos os administradores incompetentes e irresponsáveis.
Ressalta assim evidente a fragilidade das alegações da Apelante, que pretende valer-se de suas próprias deficiências administrativas, comuns nas Prefeituras do interior, para deixar de pagar uma prestação de natureza alimentar, que podemos considerar não apenas legal, mas até mesmo moral, porque o marido da Apelada foi morto a serviço da Prefeitura de Mãe do Rio, e pelo que se depreende dos Autos, sua morte decorreu de acidente rodoviário, faltando maiores detalhes para que possam ser examinados outros aspectos, tais como o da responsabilidade cível da Prefeitura, ou mesmo de alguma responsabilidade criminal.
A concessão do Mandado de Segurança exige a caracterização da ilegalidade ou abuso de poder, praticados por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público e capazes de vulnerar direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data. Assim, o direito violado, cuja correção deva ser feita através deste writ, precisará ser líquido e certo, decorrer evidente da lei, dispensando o exame de provas e sobressaindo por si mesmo, concludente e inconcusso.
Deixamos de transcrever a referida Lei que concedeu a pensão especial cujo pagamento foi suspenso, porque isso já foi feito inúmeras vezes e parece não haver qualquer dúvida de que a autoridade coatora está descumprindo uma norma legal clara e cristalina, não havendo certamente necessidade de alta indagação jurídica para ler e compreender seu mandamento, pertinente ao pagamento da pensão à viúva, que aliás conforme consta do processo depende dessa pensão para se manter e aos filhos de seu marido, morto a serviço da Prefeitura, que nem ao menos assinava a Carteira do Trabalho de seus empregados, conforme se exige de qualquer empregador, que pelo simples inadimplemento dessa obrigação, ou pelo não pagamento dos salários, seria levado à Justiça do Trabalho, em processo célere, tendo em vista que o trabalhador depende, geralmente, de seu salário para sobreviver.
Aspecto igualmente da maior relevância é o do direito adquirido, haja vista que nem mesmo uma lei posterior seria capaz de desfazer a concessão do referido benefício, porque existe na hipótese vertente uma relação jurídica definitivamente consolidada. Pontes de Miranda, que dedica ao tema noventa páginas de seus Comentários à Constituição de 1.967 (Tomo V, pp.
Há mais de dois mil anos, a irretroatividade já era a regra jurídica ordinária, sendo conhecidos discursos de Cícero em sua defesa. Na legislação de Justiniano, há muitos textos que expressamente excluem a aplicação das regras novas aos fatos pretéritos.
Em nossa Constituição do Império já existia norma sobre a matéria, no artigo 179, parágrafo III- A sua disposição (da lei) não terá efeito retroativo. Posteriormente, nossas Constituições, com exceção, é claro, da Carta de Getúlio Vargas, sempre consagraram esse princípio, com o enunciado seguinte: A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Para Carlos Maximiliano, chama-se adquirido o direito que se constituiu regular e definitivamente e a cujo respeito se completaram os requisitos legais e de fato, para se integrar no patrimônio do respectivo titular, quer tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior em contrário.
Este é um princípio universal: a lei se destina a ser normalmente prospectiva, isto é, suas normas se aplicam ao futuro; o passado não mais lhe pertence. Se a retroatividade da lei fosse admitida, a segurança não existiria. A lei retroativa, sempre com um olho no passado e outro no futuro, levaria à descrença do Governo e se tornaria um princípio eterno de injustiça, incerteza e desordem. Aqui, nem ao menos se trata de lei posterior retroativa, mas pura e simplesmente, da omissão da autoridade, que sem qualquer explicação, suspendeu o pagamento da pensão devida à viúva do servidor falecido, embora tendo ameaçado, conforme alegado nos Autos, revogar a Lei para prejudicar a viúva, ora Apelada.
No âmbito do Direito Público, porém, o entendimento do direito adquirido depende ainda da defesa do interesse coletivo. Por essa razão, afirma Pontes de Miranda: A cada passo se diz que as normas de direito público – administrativo, processual e de organização judiciária – são retroativas, ou contra elas não se podem invocar direitos adquiridos. Ora, o que em verdade acontece é que tais regras jurídicas, nos casos examinados, não precisam retroagir, nem ofender direitos adquiridos, para que incidam desde logo. O efeito, que se lhes reconhece, é normal, o efeito no presente, o efeito imediato, pronto, inconfundível com o efeito no passado, o efeito retroativo, que é anormal…A relação jurídica entre o funcionário público e o Estado pode ser modificada pelas leis novas, com efeito imediato, salvo quando existe regra jurídica constitucional que o vede…A demissão dos funcionários públicos rege-se pela lei do dia em que ocorre a causa por que se decreta a perda do cargo. Em se tratando de aposentadoria, disponibilidade ou reforma, a lei do dia em que se decreta.
Para Joaquim Pimenta : No direito público, é o princípio da retroatividade que prevalece, não só em matéria penal quando, por nova lei, se reduz a pena já aplicada por lei anterior ao delinqüente, como nos demais setores de ação do Estado, em que este tem de intervir por motivos de ordem social ou de ordem pública. Por força de tais motivos, a lei, sem destruir o direito adquirido, sobre ele retroage, convertendo-o em um direito de crédito, de indenização, em favor do titular, o que, por exemplo, ocorre com a desapropriação de imóveis, por necessidade ou por utilidade pública; retroage sobre a situação do funcionário, dispensado ou posto em disponibilidade, por extinto o cargo; mantido, porém, o direito, de natureza patrimonial, em que lhe tornaram proventos e vantagens decorrentes do desempenho do aludido cargo…
É preciso respeitar a lei. É preciso respeitar a lei regular em face da Constituição, porque a Constituição é a Lei Fundamental, é o metro, o estalão, o padrão da regularidade jurídica.
Para Ruy Barbosa, num país de liberdade e ordem, quem sobre todos manda, é a lei, a rainha dos reis, a superiora dos superiores, a verdadeira soberana dos povos.
A Justiça lenta não é justiça. Louvamos a decisão da Mma. Juíza a quo, que corretamente concedeu a Segurança, determinando à autoridade coatora o restabelecimento do pagamento da pensão especial, mas somos forçados a lamentar não tenha ela concedido a liminar, apenas para que os pagamentos fossem restabelecidos a partir do ajuizamento da Inicial, porque a nosso ver, nada poderia ser mais premente (periculum in mora) do que a concessão dessa medida, em face do caráter alimentar da pensão que ora se discute. Assim, quando o mandado foi impetrado, em abril de
Entendemos portanto ter ficado perfeitamente caracterizada a ocorrência dos requisitos legais e constitucionais para a concessão do writ. O princípio constitucional básico do direito à tutela jurisdicional assegura porém à Impetrante, que provocou o Judiciário pela propositura do mandamus, o direito a uma sentença rápida e potencialmente eficaz, que possa evitar dano irreparável a direito relevante, e certamente a vida é um direito relevante.
Ex positis, esta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento da Apelação e pelo seu improvimento, para que seja mantida in totum a respeitável Sentença a quo, por seus próprios fundamentos.
É O PARECER
Belém, novembro de 1999.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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