É dever da jurisprudência inovar diante do novo
Maria Berenice Dias*
A lei não consegue acompanhar o desenvolvimento social cada vez mais acentuado. Dada a aceleração com que se transforma a sociedade, não tem o legislador condições de prever tudo que é digno de regramento.
As relações afetivas são as mais sensíveis à evolução dos valores e conceitos, escapando ao direito positivado. Acabam existindo lacunas, e compete ao Judiciário colmatá-las. Mas o juiz deve estar consciente de que as regras legais existentes não podem servir de limite à prestação jurisdicional.
Ante situações novas, a busca de subsídios em regras ditadas para outras relações jurídicas tende a soluções conservadoras. Por outro lado, não reconhecer direitos sob o fundamento de inexistir previsão legal, assim como usar normas editadas para situações outras ou em diverso contexto temporal, nada mais é do que mera negação de direitos.
O paradoxo entre o direito vigente e a realidade, o confronto entre o conservadorismo social e a emergência de novos valores colocam os operadores do Direito diante de um verdadeiro dilema para atender à necessidade de implementar os direitos de forma ampliativa.
Imperioso que a Justiça seja criativa, encontrando soluções que observem os ditames de ordem constitucional, de forma a assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, calcado nos princípios da liberdade e da igualdade. Se o fato sub judice se apresenta fora da normatização ordinária, uma resposta precisa ser encontrada, não só na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de direito, como ordena a lei civil, mas principalmente nos direitos e garantias fundamentais, que servem de base ao estado democrático de direito.
Ante novas estruturas de convívio, é necessária uma revisão crítica e uma atenta reavaliação dos textos legais, para alcançar a tão decantada igualdade social. Nesse contexto, é fundamental a missão dos juízes. Mister que tomem consciência de que lhes é delegada a função de agentes transformadores dos valores jurídicos estigmatizantes que perpetuam o sistema de exclusão social. O que é aceito pelos tribunais como merecedor da tutela jurídica acaba recebendo a aceitação social, gerando a possibilidade de cobrar do legislador que regule as situações que a jurisprudência consolida.
O surgimento de novos paradigmas conduz à necessidade de rever os modelos preexistentes, atentando-se na liberdade e na igualdade. Esses princípios estão assentados no reconhecimento da existência do direito à diferença, o que torna imperioso pensar e repensar a relação entre o justo e o legal. Essa sensibilidade deve ter o magistrado. Necessita assegurar a plenitude dos direitos humanos, tanto subjetiva como objetivamente, tanto individual como socialmente.
Precisam os juízes enfrentar as novas realidades, não ter medo de fazer justiça, pois é dever da jurisprudência inovar diante do novo.
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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