Direito Tributário

O anteprojeto de execução fiscal

O anteprojeto de execução fiscal

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Na última reunião do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP, discutiu-se o texto, divulgado pela imprensa, do anteprojeto preparado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, para reformular a lei de execução fiscal. Tal projeto prevê, ainda na fase administrativa, constrição dos bens do contribuinte, com execução provisória, para depois, em 30 dias, encaminhar a dívida inscrita para conhecimento e medidas junto ao Poder Judiciário.

 

Manifestaram-se, na reunião, os conselheiros Everardo Maciel, Yvette Senise, Ney Prado, Hamilton Dias de Souza, Marilene Talarico Martins Rodrigues e eu mesmo, todos pela inconstitucionalidade do referido texto. Foi levantada, inclusive, a hipótese, se aprovado o texto pelo Congresso, de a OAB, pelo seu Conselho Federal, ingressar com ação direta de inconstitucionalidade, além de promover o desligamento os procuradores da Fazenda Nacional dos quadros da instituição, em face da incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a assunção de funções próprias da magistratura, na execução provisória.

 

Argumento, todavia, que impressionou, foi apresentado pelo Conselheiro Everardo Maciel – apoiado por todos os seus pares presentes, sem exceção, à luz de provocação lançada por Hamilton Dias de Souza – segundo o qual, ao vincular, umbilicalmente, o processo judicial ao processo administrativo, a lei que viesse a ser aprovada feriria duramente o pacto federativo. É que a Constituição oferta à União competência exclusiva de legislar sobre direito processual. Porém, cabe a Estados e Municípios competência legislativa para disciplinar o processo administrativo fiscal, no âmbito de sua competência tributária, em face da autonomia administrativa que possuem. Ora, como, pelo referido anteprojeto, é impossível a execução fiscal em juízo, sem os atos de constrição provisória e prévia, no âmbito exclusivo do processo administrativo, estaria a União a impor a disciplina desse processo a Estados e Municípios, que têm, nesta matéria, competência exclusiva.

 

O ferimento da autonomia dos demais entes da Federação macula de tal forma o processo administrativo-judicial proposto pela PFN, que, no entender de todos os Conselheiros, fará surgir – caso venha a ser aprovado – lei maculada pelo mais grave vício legislativo, que é a inconstitucionalidade.

 

O alerta da CSD da Fecomercio-SP será levado ao Ministro da Fazenda e ao Presidente da República, para que reflitam sobre a matéria, antes de encaminhar ao Congresso Nacional proposta que já nasce comprometida, pelas falhas atrás enunciadas.

 

 

REPERCUSSÃO GERAL, IMUNIDADES E LEI COMPLEMENTAR

 

 

O Ministro Marco Aurélio de Mello decidiu receber o recurso extraordinário nº 566.622-1, considerando presente a repercussão geral -requisito de admissibilidade, instituído pela Emenda Constitucional n. 45/05 -, a fim de que o Supremo decida importante questão, que vem sendo debatida no País, sobre se a regulação das imunidades de contribuições sociais à seguridade, outorgadas às entidades beneficentes de assistência social, deve ser feita por lei complementar ou por lei ordinária.

 

Constam do seu pronunciamento as seguintes considerações: No extraordinário interposto com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, a recorrente articula com a transgressão dos artigos 146, inciso II, e 195, do Diploma Maior. Aduz ter jus ao gozo da imunidade tributária, quanto ao recolhimento de contribuições previdenciárias, considerado o fato de o parágrafo 7º do artigo 195 da Carta veicular verdadeira regra de não-incidência. Diz da inconstitucionalidade formal do artigo 55 da Lei n2 8.212/91. Em face do disposto no inciso II do artigo 146 da Constituição Federal, entende aplicáveis à espécie os requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, aos quais, conforme consignado no acórdão de origem, atendeu plenamente e Admito a repercussão, a fim de que o pronunciamento do Supremo sobre a higidez, ou não do artigo 55 da Lei n. 8.212/91 ganhe contornos vinculantes.

 

Já, na ADIN 2028, o problema foi posto pelo Min. Moreira Alves, ao conceder a liminar para as instituições de assistência social que contestavam a alteração do art. 55 da Lei n. 8212/91 pela Lei 9532/99. Aludiu, o Min. Moreira Alves, a expressiva corrente doutrinária segundo a qual apenas lei complementar poderia impor requisitos para gozo de imunidades tributárias, na linha, aliás, do que prevaleceu no XXII Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária (Imunidades Tributárias, Ed. Revista dos Tribunais).

 

É que, se as imunidades são limites constitucionais ao poder de tributar (art. 150, inciso VI, letra c), e se, a teor do art. 146, II da CF, elas só podem ser reguladas por lei complementar, à evidência, lei ordinária não pode e não deve regulá-las. Caso contrário, poder-se-ia ter 5.500 leis ordinárias definindo a imunidade em cada uma das entidades federativas – com quebra da uniformidade do sistema tributário – ou, então, um único homem, ou seja, o Presidente da República, regulando, por medida provisória, a imunidade, cuja disciplina deve ser nacional!

 

Ora, tratando-se de uma vedação constitucional ao poder de tributar, a totalidade da nação, representada no Congresso Nacional, é que deve definir, por sua maioria absoluta – quorum exigido para aprovação da lei complementar -, qual o regime jurídico aplicável às imunidades, válido para União, Estados e Municípios. Jamais um homem só, que representa não a totalidade da nação, mas apenas sua maioria circunstancial, em eventual 2º turno.

 

Cabe, pois, ao guardião da lei suprema dirimir, de uma vez por todas, essa importante questão.

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O anteprojeto de execução fiscal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/o-anteprojeto-de-execucao-fiscal/ Acesso em: 26 dez. 2024