Maculação ao princípio da ampla defesa
Ives Gandra da Silva Martins*
Reza o inciso LV do art. 5º da Constituição Federal que: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
A interpretação da esmagadora maioria dos constitucionalistas é de que, no dia 5 de outubro, no momento em que a Constituição Federal assegurou a ampla defesa administrativa e judicial, PELO MENOS OS INSTRUMENTOS DE DEFESA que o cidadão dispunha naquele dia continuaram assegurados, podendo ser acrescidos de outros, mas nunca reduzidos.
É que se viessem a ser diminuídos, aquela ampla defesa, assegurada pelo Constituinte, passaria a ser MENOS AMPLA, com o que a legislação infraconstitucional estaria a reduzir uma garantia, cláusula pétrea, na Lei Suprema.
À ocasião, por decorrência da interpretação do artigo 16 da Lei 6.830/80, os embargos à execução fiscal tinham – e, a meu ver, continuam a ter – efeito suspensivo, visto que o título executivo, que dá lastro à execução fiscal, é via de regra, constituído pela Fazenda Pública, muitas vezes com base em mera interpretação da lei pro domo sua, que pode, como inúmeras vezes tem ocorrido, estar eivado de ilegalidades e inconstitucionalidades.
Nada mais justo que, com base no artigo 5º, inc. XXXV, do pelo texto supremo, que assegura o acesso ao Judiciário (Poder Neutro e interessado, exclusivamente, em fazer Justiça, e não em gerar arrecadação), o efeito suspensivo, nas execuções fiscais, tenha sido assegurado.
Com o advento da Lei 11.382/06 que, ao regular as execuções em geral, estabeleceu não possuírem, os embargos à execução, efeito suspensivo, alguns magistrados, pressionados pela Procuradoria da Fazenda Nacional, entenderam ser o novo dispositivo também aplicável às execuções fiscais, cuja disciplina consta de lei especial.
Reza o parágrafo 2º do artigo 2º da L.I.C.C. que: Art. 2o…
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
De tal maneira que lei geral não pode revogar lei especial, a não ser que expressamente o diga.
Ora, a interpretação de que a lei geral processual tenha revogado a lei especial relativa à cobrança dos créditos fazendários, sobre atingir o disposto na lei de introdução ao Código Civil – que rege toda a produção normativa ordinária – macula gravemente a Constituição, por restringir o direito à ampla defesa, assegurado a todos os contribuintes desde 5 de outubro de 1988, pelo menos no patamar de amplitude existente naquele momento. Se assim não fosse, teríamos uma lei ordinária revogando a garantia constitucional, praticamente nulificando o direito de defesa, em matéria fiscal, do contribuinte.
Entendo, portanto, contra a inteligência dos que pretendem reduzir tal direito, à luz de uma interpretação conveniente, que, apesar de serem os magistrados servidores públicos mantidos pelos tributos que todos os brasileiros pagam, a função do Poder Judicial é fazer justiça, e não assegurar a arrecadação, principalmente quando a qualidade do crédito exigido é contestável. Felizmente, a esmagadora maioria da magistratura tem plena consciência de sua responsabilidade perante a sociedade, e não apenas perante os governantes, que tem obrigação de fiscalizar e julgar.
* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br
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