Resumo: O presente artigo objetiva a apresentação de pontos básicos para uma discussão atualizada sobre o polêmico tema do aborto. O estudo procurou,
inicialmente, apresentar conceitos sobre a prática em tela, valendo-se de dizeres da Medicina, bem como de dizeres jurídicos. Em vistas de atingir a
atualidade do assunto ao comentar a respeito da anencefalia, apresentamos o tratamento penal pátrio concedido às práticas abortivas. Após isto, sumarizamos
os pontos apropriados sobre a Anencefalia, o que, inegavelmente, nos conduziu a comentários sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.
54, julgada em abril deste ano. Finalmente, após a discussão dos pontos básicos e atuais, comentamos sobre a descriminalização da prática em estudo.
Palavras-chave: Aborto. Ancenfalia. Dignidade da Pessoa Humana. ADPF n. 54. STF.
Abstract: This article aims to present some basic features needed in an updated argument about abortion. The present text tried, in first place, to present
concepts about the abortion, working on terms apropriated both to Medicine and to Law. Aiming to reach the updated view of this subject to comment on
‘anencephaly’, we introduced how the criminal law treats abortion. After that, we summarized the apropriated points about anencephaly, that, undoubtfully,
lead us to study the Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, judged in april of the present year. Finally, after discussing these points,
some comments about the possibility of not considering abortion of anencephalics a crime anymore.
Key-words: Abortion. Ancenfalia. Dignity of the Human Person. ADPF n. 54. STF.
Sumário:
1. O aborto
1.1. Introdução
1.2. Conceito
1.3. Evolução Histórica
2. O aborto no Código Penal Brasileiro
2.1. As espécies de aborto previstas na legislação criminal brasileira
3. Anencefalia
3.1. Conceito
3.2. O Direito à Vida e a Dignidade da Pessoa Humana analisados frente a questão do aborto teraupêtico de fetos anencéfalos
3.2.1. Direito à Vida
3.2.2. A Dignidade da Pessoa Humana
4. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54
5. Descriminalização
6. Conclusão
1. O aborto
1.1. Introdução
O estudo acerca do aborto é um terreno propício a polêmicas há muito tempo. Recentemente foi novamente polemizado em função do julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Nesta
ação os Requerentes pleiteavam da Corte a interpretação dos artigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal, para que fosse descriminalizada a
chamada “antecipação terapêutica do parto”, procedimento médico adotado para a retirada de fetos anencéfalos. Tal pedido justificava-se principalmente nos
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da liberdade, bem como no direito à vida e na autonomia da vontade.
1.2. Conceito
Dentre os vários conceitos elaborados para a definição do termo ‘aborto’, os que mais interessam ao objetivo da presente redação são os conceitos jurídico
e o médico-legal.
Pela compreensão médico-legal, e valendo-nos especificamente de estudos da área da obstetrícia, aborto é entendido como a interrupção da gestação ocorrida
dentro de um lapso de tempo predeterminado. O tempo da gestação é de fundamental importância para este conceito, vez que há aborto quando há a interrupção
da gravidez feita até 20ª semana, com expulsão parcial ou total dos produtos da concepção[1].
Já no meio jurídico não há a consideração do tempo da gestação como elemento fundamental. Doutrinadores consideram, de maneira geral e resumida, que a
interrupção de gravidez a qualquer tempo, com a consequente morte de seu produto (o feto), já compreendem os elementos necessários para se configurar o
aborto. Damásio Evangelista de Jesus conceitua o aborto como sendo: “a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto (produto da concepção)”[2].
Julio Fabrini Mirabete diz: Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação),
embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido,
reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão[3].
1.3. Evolução Histórica
As citações mais antigas sobre a prática de aborto remetem à China no século XXVIII A.C. Além dos antigos chineses, outros povos também deixaram registros
sobre a prática deste fato: os Israelitas (no século XVI a. C.), os Mesopotâmicos, os Gregos e Romanos. Apesar de grande maioria dessas sociedades
combaterem a sua prática, independente da existência de previsões legais sobre o assunto, haviam aquelas que aceitavam sua prática sob a justificativa de
controle de natalidade e do crescimento populacional. Neste sentido podemos até mesmo citar os pensadores Aristóteles e Platão como seus defensores.
Já no Direito Romano, a consideração do “pater familiae” pesava no caráter punitivo de práticas abortivas. Caso a mulher abortasse sem a outorga
do marido esta poderia ser punida até com a morte, se assim o marido decidisse.
Fato marcante na consideração do aborto foi o surgimento do cristianismo, que entendia ser o feto sujeito de direito e alvo de proteção desde sua
concepção, vez que já possuiria alma desde a concepção[4].
O século XX traz contribuição para o assunto quando consideramos os movimentos feministas surgidos, principalmente os que atuaram na Inglaterra e na
França, que propunham a anticoncepção e o direito da mulher abortar. Na Rússia, com a Revolução de 1917, o aborto deixou de ser considerado um ato
criminoso, bem como na Suécia e na Dinamarca, apesar de algumas restrições[5].
A década de 60 possibilitou que mulheres tivessem, em países do Ocidente, uma participação maior no seio social, bem como desempenhassem lutas por seus
direitos, dentre eles o controle sobre seu próprio corpo e sobre a realização do aborto.
Atualmente, são poucos os países que proíbem veementemente as práticas abortivas. As legislações passam a se adequar mais e mais aos anseios sociais e às
mutações características das sociedades hodiernas.
2. O aborto no Código Penal Brasileiro
Em nosso ordenamento jurídico, a figura típica relativa à prática de aborto está contida no Código Penal, Decreto-Lei n. 2.848 de 07 de dezembro de 1940,
entre os seus artigos 124 a 128, que estão localizados na sua Parte Especial, no Capítulo que versa sobre os Crimes Contra a Vida[6].
O legislador brasileiro escolheu por prever a punição do aborto praticado pela própria gestante bem como o praticado por um terceiro, seja o ato
desempenhado com ou mesmo sem consentimento da gestante. Previu também dois casos em que a ação abortiva é legalmente permitida.
Estas figuras típicas previstas no ordenamento nacional constituem crimes contra a vida humana em desenvolvimento, vida esta que, de acordo com previsões
constitucionais e civilistas já possuem direitos, inerentes à sua condição de nascituro, desenvolvimento e nascimento.
E é justamente na esteira desta linha de pensamento que a proteção concedida não considera a viabilidade do feto em desenvolvimento. Considera simplesmente
a gestação em curso. Assim, o aborto ocorre com o óbito do produto da gestação, que tem início natural na nidação e encerramento natural com o parto.
Nelson Hungria nos diz sobre o tópico:
Para a existência do aborto, não é necessária a prova da vitalidade do feto. Conforme adverte Hafter, pouco importa se o feto era ou não vital, desde que o
objeto da proteção penal é, aqui, antes de tudo, a vida do feto, a vida humana em germe […]. Averiguado o estado ?siológico da gestação em curso, isto é,
provado que o feto estava vivo, e não era um produto patológico (como no caso de gravidez extrauterina), não há indagar da sua vitalidade biológica ou
capacidade de atingir a maturação. Do mesmo modo, é indiferente o grau de maturidade do feto: em qualquer fase da vida intrauterina, a eliminação desta é
aborto.
Partindo para o estudo específico dos artigos do Código Penal, observamos que seu artigo 124 possui como sujeito ativo a gestante, enquanto os demais
permitem que qualquer pessoa seja o autor do delito. Já quanto à consideração do sujeito passivo das condutas criminosas encontramos divergências
doutrinárias. Grande parte da doutrina atual julga que no auto-aborto e no aborto praticado por terceiro os sujeitos passivos são o feto e a gestante.
Porém, Julio Fabrini Mirabete discorda ao dizer: “Não é o feto, porém, titular do bem jurídico ofendido, apesar de ter seus direitos de natureza civil
resguardados. Sujeito passivo, portanto, é o Estado ou a comunidade nacional.”[7]
Devemos apontar ainda que, quanto à análise de elementos subjetivos, o aborto é um crime doloso, que não admite a forma culposa, pois o agente tem a
intenção de interromper a gestação provocando a morte do feto, ou assume o risco de produzir tal resultado. Sua consumação se dá com a interrupção da
gravidez e a morte do feto, seja dentro do útero ou após sua expulsão do mesmo. Será caracterizado como crime tentado quando os atos abortivos não
interromperem a gravidez ou apenas acelerarem o parto, e não provocarem a morte do nascituro.
Por fim, devemos apontar que, por ser crime doloso contra a vida, a competência para seu julgamento é do Tribunal do Júri, que representa o julgamento pela
sociedade.
2.1. As espécies de aborto previstas na legislação criminal brasileira
O objeto de estudo desta redação pode ocorrer de maneira espontânea (natural) ou provocada, quando poderá ser ainda culposo ou doloso. O aborto natural ou
espontâneo ocorre nos casos em que o organismo materno causa a cessação da vida do feto, expulsando-o sem provocação externa. Já o aborto provocado é
aquele em a cessação da vida do afeto e posterior expulsão são consequências de atitudes tomadas pela gestante ou por terceiro.
Nosso Código Penal possibilita a imputação da responsabilidade criminal à gestante e ao terceiro envolvido. Para isto é necessário que os agentes estejam
relacionados diretamente com as ações que deram causa à cessação da vida do feto.
O legislador penal, ao tipificar a conduta de aborto, distribuiu sua classificação em 6 (seis) possibilidades distintas, diferenciadas pelo agente
causador, pela existência ou ausência de consentimento da gestante, pelo risco de vida da gestante e pela gravidez oriunda de estupro: aborto provocado
pela própria gestante, aborto provocado sem o consentimento da gestante, aborto provocado com o consentimento da gestante e aborto realizado pelo médico, o
aborto terapêutico e o sentimental.
3. Anencefalia
3.1. Conceito
A anencefalia é a identificação de uma má formação fetal do cérebro, ocasionada, em grande parte dos casos, por ausência ou de?ciência de ácido fólico
durante o início da gestação.
A definição majoritária por estudiosos sobre a anencefalia a diz como uma má formação fetal, mais frequente e mais grave a se constituir em anomalia
congênita, caracterizada pela ausência total ou parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a
formação embrionária, entre os dias 23 e 28 da gestação.
Há, porém, divergência quanto ao dia que ocorre a má formação congênita, que culmina com a anencefalia. Alguns doutrinadores acenam que seria entre os dias
21º e 26º da gestação; e outros que seria entre o 16º e 26º. A área cérebro-vascular é coberta por um saco epitelial. Em 46% dos casos, não existem
hemisférios cerebrais, havendo apenas rudimentos nos outros 54%. O cerebelo é ausente em 85% e o tronco cerebral ausente em 75%.
Esta grave má formação congênita pode ser verificada justamente com a ausência parcial ou total da calota craniana, dos tecidos superiores com diversos
graus de má formação e a destruição dos rudimentos cerebrais. Infelizmente, o feto portador desta anomalia não será capaz de sobreviver, exceto por no
máximo algumas horas após o seu nascimento.
3.2. O Direito à Vida e a Dignidade da Pessoa Humana analisados frente a questão do aborto teraupêtico de fetos anencéfalos
3.2.1. Direito à Vida
O direito à vida é considerado por doutrinadores como direito supremo, universal e inderrogável. É, consequentemente, considerado como o mais elementar dos
direitos inerentes ao ser humano, visto que constitui condição para exercício de outros direitos.
Contudo, como outros direitos, quando em confronto com outros bens protegidos pelo ordenamento jurídico, pode chegar a ser sobreposto, dado situações
excepcionais.
Desta maneira, em casos de gestação de feto anencéfalo, a proteção do direito a vida de um feto biologicamente inviável acaba por macular o direito de
liberdade, o direito de dignidade, e mesmo o direito de saúde e à vida da gestante. Nessas situações, é fácil a constatação de que o direito à vida do feto
anencéfalo deve ser sobreposto por outros direitos jurídica e constitucionalmente tutelados.
3.2.2. A Dignidade da Pessoa Humana
A nossa Carta Magna traz esculpido no inciso III de seu artigo 1º a proteção à dignidade da pessoa humana. Este é considerado o princípio norteador de
todos os direitos inerentes ao ser humano, com fundamental importância em nosso país.
É um princípio que possui um viés impositivo para a Administração Pública, na medida em que a obriga a garantir que qualquer cidadão possa ter o respeito e
o reconhecimento de valor próprio não tolhido e, mesmo, reconhecido.
Sheyla Polliana e Jean Frederick nos dizem sobre o tema:
“A dignidade é uma qualidade intrínseca da pessoa humana e possui um caráter de irrenunciabilidade e inalienabilidade, repousando na autonomia da vontade e
no direito de autodeterminação de cada pessoa, o que implica num complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa de todo e qualquer ato
de cunho degradante ou desumano que a garantam condições mínimas de sobrevivência e promovam sua participação no seio social.”[8]
O excelente Rizzato Nunes, na sua obra denominada ‘O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana’, nos diz à página 45:
“É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarda dos direitos individuais. A isonomia
serve, é verdade, para o equilíbrio real, porém visando concretizar direito à dignidade. É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado
primeiramente pelo intérprete. Coloque-se, então, desde já que, após a soberania, aparece no Texto Constitucional à dignidade como fundamento da República
brasileira.”
Com tudo isto em mente, é fácil chegar à comum conclusão de que impedir uma gestante de interromper uma gestação de feto anencéfalo acaba por configurar
atitude que fere o princípio da dignidade da pessoa humana.
4. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), entidade de atuação nacional representativa de profissionais ligados à área da saúde, com vistas
a discutir a possibilidade de antecipação de parto em casos de anencefalia, propôs a ADPF n. 54 em 17 de junho de 2004. Esta ação constitucional apresentou
como seu fundamento jurídico a violação de preceitos fundamentais relacionados aos princípios da legalidade, dignidade da pessoa humana, autonomia da
vontade e outros relacionados à saúde.
O objetivo de tal processo era a manifestação da Suprema Corte que possibilitasse a interpretação dos dispositivos do Código Penal sem redução de seu texto
e que possibilitassem a prática do aborto terapêutico sem o entendimento de que isto resulta em violação do direito à vida.
No mês de outubro do ano de sua distribuição, o Ministro Relator Marco Aurélio concedeu liminar autorizando a interrupção de gravidez quando a anencefalia
fosse detectada por laudo médico. Em seguida, o tribunal, acolhendo proposta do senhor Ministro Eros Grau, passou a deliberar sobre a revogação da aludida
liminar concedida. Por fim, referida ação foi julgada em abril deste ano.
Na oportunidade, o Ministro Relator Marco Aurélio opinou pela declaração da inconstitucionalidade da interpretação mediante a qual a interrupção da
gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e incisos I e II do artigo 128, todos do Código Penal. Foi acompanhado pelos senhores
Ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux. O voto do senhor Ministro Ricardo Lewandowski, que julgava improcedente o pedido, o
julgamento ficou suspenso até o dia subsequente.
Finalmente, no dia 12.04.2012, o Plenário do STF, por maioria e votos e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da interpretação mediante a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e incisos I e
II do artigo 128, todos do Código Penal, contra os votos dos senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgaram
improcedente.
Em suma o STF, por maioria de votos (8 X 2), julgou procedente o pedido pleiteado na ADPF n. 45. Interessante para o enriquecimento da presente redação a
transcrição do entendimento de cada Ministro segundo as circunstâncias que os motivaram:
· Min. Marco Aurélio (relator): “O feto anencéfalo é incompatível com a vida. É desproporcional proteger o feto que não sobreviverá em detrimento da saúde
mental da mulher”, “O aborto é um crime contra a vida. O Estado tutela uma vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível” (Votou pela
procedência);
· Min. Rosa Weber: “Não há interesse em se tutelar uma vida que não vai se desenvolver socialmente. Proteger a mulher nesse caso é proteger a sua liberdade
de escolha.” (Votou pela procedência);
· Min. Luiz Fux: “Ao redigir os artigos do Código penal sobre aborto, o legislador não sabia que seria possível, no futuro, identificar a anencefalia ainda
na gestação. É uma questão de saúde pública”, “Impedir a interrupção da gravidez nesses casos implica em tortura, o que é vedado pela Constituição” (Votou
pela procedência);
· Min. Cármen Lúcia: “O feto anencéfalo não tem viabilidade de desenvolver uma vida extra-uterina. A anencefalia é um trauma para todos, não só para a
gestante” (Votou pela procedência);
· Min. Carlos Ayres Brito: “Se o homem engravidasse o aborto já seria lícito há muito tempo”, “sob o início da vida, a Constituição é de um silêncio de
morte”, “O grau de civilização de uma sociedade se mede pelo grau de liberdade de uma mulher”, “Levar as últimas consequências esse martírio contra a
vontade da mulher, corresponde a tortura. Ninguém pode exigir de outro que se assuma como mártir, o martírio é voluntário, quem quiser assumir que o faça,
ninguém está proibindo” (Votou pela procedência);
· Min. Gilmar Mendes: “O aborto neste caso zela pela saúde psíquica da mulher. O legislador de 1940 não sabia das ferramentas do futuro para identificar a
anencefalia na gestação.” (Votou pela procedência);
· Min. Joaquim Barbosa: Não leu o voto, mas acompanhou o entendimento do relator;
·Min. Celso de Mello: “O único critério a ser utilizado na solução da controvérsia agora em questão é o que se fundamenta no texto da Constituição, nos
tratados internacionais e nas leis da República”, “não é aborto como estabelecida em lei. O feto anencéfalo não está vivo e sua morte não decorre de
práticas abortivas” (Votou pela procedência);
· Min. Ricardo Lewandowski: “Não cabe ao Supremo decidir a questão, mas sim ao Congresso Nacional, via legislação”, “Não é lícito ao maior órgão judicante
do país envergar as vestes de legislador criando normas legais” (Votou pela improcedência);
· Min. Cezar Peluso: “O feto anencéfalo está vivo. Assim, a interrupção de gestação é crime tipificado como aborto”, “Na verdade, a anencefalia corresponde
à ausência de uma parte do encéfalo” (Votou pela improcedência).
O senhor Ministro Antonio Dias Toffoli não participou na decisão, pois se encontrava impedido de votar. Quando era advogado-geral da União, manifestou-se
favorável à interrupção.
5. Descriminalização
Outro ponto bastante discutido dentro do tema abordado pela presente redação é a possibilidade de descriminalização das práticas abortivas.
Já devemos, ao iniciar este tópico, apresentar consequências terminológicas: ao adotarmos a expressão “descriminalização do aborto” sugerimos que o Estado
deve apenas deixar de considerar a conduta típica, o que não importa no compromisso do mesmo em fornecer o procedimento na rede pública de saúde. Por outro
lado, ao adotarmos a expressão “legalização do aborto”, implicamos que o Estado deve, além de descriminalizar a conduta, fornecer o procedimento nos
hospitais públicos.
Esta diferença terminológica já encontra consequências nas partes que consideram a matéria, seja para defendê-la, seja para criticá-la.
De uma maneira geral, são dois os posicionamentos dominantes acerca do aborto, diametralmente contrários: de um lado, há os que defendem que a
criminalização é uma afronta aos direitos fundamentais das mulheres, aos direitos reprodutivos e à autonomia feminina. Defende-se também que abortos
clandestinos constituem um grave problema para a saúde pública, acarretando uma grande quantidade de mortes maternas, principalmente de mulheres pobres.
Assim, por uma questão de preservação dos direitos reprodutivos e da autonomia das mulheres na tomada de decisões referentes a seus corpos, bem como por
conta da ameaça dos abortos inseguros para a saúde pública do país, o Estado deveria permitir e fornecer meios seguros para que mulheres pudessem realizar
o procedimento. Em oposição há os grupos que defendem que o início da vida ocorre a partir da concepção, quando o espermatozoide e o ovócito secundário se
encontram dentro da tuba uterina. Assim, desde a fecundação o feto é um ser humano, que deve, pois, ter sua vida respeitada e protegida. Dessa maneira, o
aborto, em qualquer momento que for realizado, representa um crime contra a vida do feto, equiparando-se ao homicídio, e devendo, portanto, ser punido
rigidamente pela esfera penal.
De acordo com Bruna Bastos de Melo e Claudia Rosane Roesler, no artigo denominado “Descriminalização do aborto: uma abordagem sóciojurídica”, publicado no
ano de 2011 na edição de n. 14 da Revista Juris Poiesis, haviam, na época de seu artigo (antes do julgamento da ADPF n. 54), 169 (cento e sessenta e nove)
proposições sobre o tema na Câmara dos Deputados. As autoras, ao dividir todos estes projetos em três grupos (projetos de lei favoráveis à
descriminalização, contrários à descriminalização e projetos neutros) chegaram à conclusão de que a ADPF n. 54 contribuiu significativamente para o aumento
da discussão sobre o tema em apreço. Concluíram também que os projetos a favor da descriminalização (seja pela abolição da figura típica ou mesmo pela
redução da penalização), justificam-se principalmente pelos direitos fundamentais e reprodutivos das mulheres, bem como no direito à saúde.
Atualmente, após o julgamento da ADPF n. 54, o aborto continua sendo figura típica, exceto quando realizado para interrupção de gestação de feto anencéfalo
(a chamada ‘gravidez inviável’).
6. Conclusão
Após os comentários acima tecidos, acreditamos ter apresentado, de maneira resumida, porém suficiente, os pontos necessários para a demonstração da atual
necessidade de que o tema relativo às práticas abortivas seja discutido à fundo, com a devida consideração e valoração de todos os membros da sociedade
envolvidos, bem como a valoração de cada argumento apresentado.
Em que pesem as opiniões contrárias, acreditamos que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54,
optou pelo caminho mais acertado, ao possibilitar que a gestante brasileiro possa interromper sua gravidez, quando o feto possuir uma formação biológica
que o torne incapaz de sobrevivência extra-uterina.
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* Lincoln Nolasco
Procurador Federal na Procuradoria Secional Federal em Uberlândia/MG;
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG;
Pós graduado em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia/MG.
[1] ZAMAI Emerson. Legalização do Aborto Eugênico. Disponível em: <http://www.meuartigo.brasilescola.com/sociologia/legalizacao-aborto-eugenico.htm>
acesso em 12 de ago. de 2008.
[2] JESUS, Damásio E de. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 2. pág. 119
[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2006, v.2. pág. 62
[4] BECKER, Marco Antonio. Anencefalia e possibilidade de interrupção da gravidez. Revista Medicina, Conselho Federal de Medicina, n. 155, maio/jul. 2005.
[5] BECKER, Marco Antonio. Anencefalia e possibilidade de interrupção da gravidez. Revista Medicina, Conselho Federal de Medicina, n. 155, maio/jul. 2005.
[6] BRASIL. Código Penal, 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
[7] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 2., pág. 63
[8] ANENCEFALIA: ABORTO ILEGAL OU INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA?, Jean Frederick Silva E Souza, Sheyla Polliana Macedo Gomes, ISSN Impresso 1809-3280
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