Direito Constitucional

Um plebiscito necessário

Um plebiscito necessário

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

A questão do direito à vida não pode ser decidida por um pequeno grupo de ideólogos, feministas ou intelectuais, que se arvoram em senhores da verdade e consideram que a sua solução é a única e a melhor. Nem mesmo pelo Congresso Nacional, Poder Judiciário e a OAB, que, de rigor, apenas exteriorizam a opinião de um grupo, ocupante dos cargos que os integram.

 

Como todas as pessoas, tenho, sobre esta matéria, minha opinião. Entendo, todavia, que num Estado Democrático de Direito – e a expressão “democrático” demonstra que não é apenas um Estado com regras jurídicas, mas de real participação popular –, somente, mediante um plebiscito, o povo poderá decidir se é favorável ao aborto de qualquer espécie (sentimental, eugênico ou terapêutico), a eutanásia e a manipulação de embriões (seres humanos vivos) e, até mesmo, à clonagem, visto que “quem faz um sexto fez um cento”.

 

A Constituição Brasileira prevê que a participação popular se dá não só pelo voto direto, mas pela iniciativa popular, referendo e plebiscito, momentos em que todos os cidadãos com direito a voto podem manifestar sua opinião (art. 14, incisos I, II e III).

 

Creio que, nesta matéria, o povo brasileiro pensa diferentemente das feministas não católicas com o direito de decidir, dos intelectuais e dos Conselheiros da OAB, além de alguns magistrados, pois, a julgar pelos inúmeros contatos que tenho tido com o público em geral (que assiste a programas de TV, a aulas e conferências que tenho pronunciado pelo País) parece-me que a expressiva maioria da população é contra as teses dos que sustentam ser “direito” transformar ser humano em “lixo hospitalar humano” pelo aborto, ou reabilitar as experiências de manipulação genética realizadas nos campos de concentração, com os prisioneiros do povo judeu, sob Adolfo Hitler.

 

Assisti a parte do programa Roda Viva em que uma Ministra do Presidente Lula, apesar de médica, declarou que faria abortos, pois ela ainda não tem certeza se o embrião é ou não um ser humano. Na dúvida, prefere considerar que não é, admitindo a solução de descartá-lo. Na dúvida sobre a pena de morte, ficou contra o “réu”.

 

O Ministro da Saúde, por seu lado, ao pretender revogar, numa penada, o Código Penal, e “legalizar”, mediante mera declaração, a realização do aborto sentimental nos hospitais públicos – o presidente do STF contestou-o, de imediato – também admite a tese de que os médicos devem pisotear o juramento que fizeram quando se formaram, de que nunca fariam o aborto (juramento de Hipócrates). A tese em que se fundamentam é simples: o embrião não é ser humano até adquirir vida cerebral, razão pela qual, nos primeiros três meses, é um animal, mas ainda não é um ser humano.

 

Todos os que defendem tal concepção devem considerar que, durante os três primeiros meses de sua vida no ventre materno, foram animais irracionais. Só depois é que teriam adquirido a condição de seres humanos. Daí não se importarem em eliminar os embriões de homem, pois para eles ainda não são seres humanos.

 

Eu que tenho certeza absoluta de que, desde minha concepção, fui um ser humano – eu nunca fui um animal de outra espécie que não da espécie humana. Assim, entendo por que, com carradas de razão, os direitos brasileiro e internacional declaram que “a vida começa na concepção”, lembrando apenas dois textos: o Pacto de São José, – tratado internacional que todos os países da América assinaram – que em seu artigo 4º que diz:

 

“Toda a pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito está protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção”.

 

E o Código Civil Brasileiro, elaborado por ilustres juristas pátrios, cujo artigo 2º dispõe:

 

“A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” (grifos meus).

 

Seria ridículo que o legislador brasileiro declarasse que todos os direitos do nascituro estão assegurados, menos o direito à vida!!!

 

Como se percebe, a questão é saber se o povo brasileiro deseja abraçar a tese dos produtores de lixo hospitalar humano, favoráveis ao aborto ou a manipulação de embriões, ou a que valoriza o respeito à vida, desde a concepção.

 

Não é razoável que um plebiscito sobre a conveniência de se proibir a comercialização indiscriminada de armas seja necessário, e não o seja aquele que tenha por objetivo colher a vontade do povo sobre esse tema. Afinal, em ambos, é a vida que está em questão.

 

Presidente Lula, a decisão sobre esta matéria não cabe a um pequeno grupo de pessoas, mas ao povo brasileiro. Tenha um gesto de grandeza e provoque um plebiscito para saber o que pensa sobre o aborto o povo que V.Exa. governa.

 

Ives Gandra da Silva Martins Bacharel em Direito pela USP, especialista em Direito Tributário, doutor em Direito pela Universidade Mackenzie, professor Titular de Direito Econômico e Direito Constitucional, professor emérito e “honoris causa” de diversas faculdades. Publicou mais de 50 livros individualmente, 200 em co-autoria e 1000 estudos sobre direito, economia, filosofia, política, história, literatura, sociologia, música em diversos países, além de mais de 3 mil artigos em jornais brasileiros e diversos estrangeiros.

 

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Um plebiscito necessário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/um-plebiscito-necessario/ Acesso em: 26 dez. 2024