Questão de competência
J. A. Almeida Paiva *
Questiona-se se é da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho a competência para as ações ordinárias de empregados pleiteando de seus empregadores indenização pelo direito comum (CC 159 c/c 1539) , alicerçadas no art. 7º, XXXVIII e art. 5º, V, da CF/88.
Trata-se de incompetência ABSOLUTA, em razão da matéria, que a teor do art. 113, do CPC, “deve ser declarada de ofício e pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção”.
Há quem entenda que a competência é da Justiça do Trabalho, seguindo o entendimento do RE nº 238.737-4 do STF;(1) no CC nº 22.840-RJ, de 24-02-99, do STJ; no RO nº 1668/2000 do TRT; no RR 483206/1998 do TST(2).
Por outro lado, há uma corrente à qual nos filiamos, que sustenta ser competência da Justiça Comum e traz à colação julgados do IIº TACivSP(3), do TJSP(4) e STJ(5).
A questão, s.m.j está na interpretação do art. 114 da CF/88, que norma: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregados abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.” (GN)
Pela Justiça Comum
A norma constitucional ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho, em seu art. 114 elencou três categorias de causas reservadas à Justiça Especial:
a) os dissídios individuais e coletivos;
b)outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho;
c) os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças.
Quanto às questões relacionadas na hipótese “a” parece não haver dificuldade. A CLT trata delas, respectivamente nos arts.
A grande questão está justamente em conceituar quais são as “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, a que se refere o art. 114 da CF/88.
A corrente que defende a competência da Justiça do Trabalho sustenta que, muito embora a questão deva ser apreciada à luz do Direito Civil, na realidade ela decorre da relação de emprego. Constitui assim, dissídio individual, onde se procura apurar alegação de culpa ou dolo da empregadora, por omissão quanto às condições de segurança do trabalho.
Por outro lado, a corrente que sustenta a competência da Justiça Comum, embora o fato tenha ocorrido na firma empregadora, tem presente que a hipótese é de reparação civil, esteada no art. 159 do CC.
Não há lei definindo quais são as “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” a que se refere o art. 114 da CF/88.
Ante a omissão da norma, cabe ao Judiciário suprir a lacuna da lei.
O STJ na sua SÚMULA nº 15 diz que “Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho”.
A Súmula 57/STJ, interpretando o art. 114 da CF/88, também já consagrou que “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar ação de cumprimento fundada em acordo ou convenção coletiva não homologada pela Justiça de Trabalho”, o que vale dizer que de certa forma deu interpretação ao conceito de “outros procedimentos”, referidos no art. 114 da CF/88.
Fazendo uma retrospectiva histórica, podemos constatar que a SÚMULA nº 341/STF, já na década de 40 e 50 em acórdãos da lavra de Laudo de Camargo, Hahnemann Guimarães, Barros Barreto, Orozimbo Nonato, Luiz Galotti, Ribeiro Da Costa, concluiu que “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”. Existe a referência de dezenas de Acórdãos da Justça Comum, ainda que muito anterior à Carta constitucional de 1988.
A SÚMULA 229/STF ao estabelecer que a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”, tinha por fundamento a discussão sobre culpa e dolo do art. 159 do Código Civil. A questão foi analisada à luz do DL nº 7.036, de 10/XI/44, que trata dos Acidentes do Trabalhos e definindo o que é.
É oportuno consignar que o art. 123 da CF/46, já atribuía à Justiça do Trabalho, competência para “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regida por legislação especial.” (GN). O art. 130, da Constituição de 1937, criou a Justiça do Trabalho para “dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados”, excluindo expressamente “as disposições desta Constituição (37) relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça Comum.”
Mas o art. 71 da Lei de Acidente do Trabalho (DL 7036, de 10/XI/44) norma que “o Código de Processo Civil será subsidiário desta lei, nos casos omissos.
Os seguintes acórdãos servem para dirimir objetivamente a questão; o primeiro deles é o AI nº 586.879-0/6-São Paulo, julgado pela Egrégia 10ª Câm. do IIº TACivSP, j. a 10-10-1999, VU, sendo Relator o ilustre juiz Nestor Duarte(7), que traz a seguinte EMENTA: ” Acidente do Trabalho – Ação de indenização fundada no direito comum. Competência. A competência para julgar as ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Comum estadual. Recurso improvido.” (8)
O ilustre relator, juiz NESTOR DUARTE, faz uma análise do art. 114 da CF/88 e relaciona dezenas de acórdãos fixando a competência da Justiça Comum para dirimir os litígios de Acidente do Trabalho. Entre os acórdãos relacionados pelo juiz estão: ” Acidente do Trabalho – Direito comum – Competência – Compete à Justiça Estadual processar e julgar ação de indenização por acidente do trabalho fundada no Direito Comum.” (9) – ” Acidente do Trabalho – Responsabilidade civil – Competência – Justiça Comum e não trabalhista – As ações de indenização acidentária, fundada no Direito Comum (artigo 159 do Código Civil) são da competência da Justiça Comum Cível e não da Especial Justiça do Trabalho, eis que se subsumem às normas legais da apuração da responsabilidade civil.”
Não se demandam a relação do trabalho nem a reparação acidentária, com base no seguro monopolizado, com base no seguro monopolizado do INSS, de sorte que a competência jurisdicional refoge da Justiça do Trabalho e das Varas de Acidentes do Trabalho.” (10) – ” Acidente do Trabalho – A competência para julgar ação indenizatória, com base no Direito Comum, decorrente de acidente do trabalho, é da Justiça Estadual.” (11)
No mesmo sentido citamos outras decisões: a) IIº TACivSP: AI 556.667 – 7 Câm – Rel. Juiz PAULO AYROSA – j. 17.11.98; AI 491.646 – 10ª Câm – Rel. Juiz GOMES VARJÃO – j. 06-8-97; Ag. Reg. 493.125 – 5ª Câm. Rel. Juiz PEREIRA CALÇAS – J. 13-5-97; AI 494.927 – 1ª Câm – Rel. Juiz RENATO SARTORELLI – J. 16-6-97; AI 553.040 – 5ª Câm – Rel. Juiz LUIS DE CARVALHO – J. 24-5-98; AI 535.553 – 2ª Câm – Rel. Juiz GILBERTO DOS SANTOS – J. 31-8-98; AI 535.782 – 3ª Câm – Rel. Juiz JOÃO SALETTI – J. 10-11-98; AI 539.007 – 4ª Câm – Rel. Juiz MARIANO SIQUEIRA – J. 03-1-98; b) STJ: CC 16656/SC (9600142920) 2ª Seção, j. 27/11/1996, Rel. Min. COSTA LEITE; CC 16825/SC (9600206791) 2º Seção, j. 24/9/97, Rel. Min BARROS MONTEIRO; CC 20567/SP (9700662527) 2º Seção, j. 22/10/97, Rel. Min. RUY ROSADO AGUIAR; CC 20384/SP (97005861709) 2ª Seção, j. 18/12/1998, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO
O juiz NESTOR DUARTE, relator da Apelação Cível nº 584.497-00/3, julgada a 08-11-2000, em julgamento na 10ª Câmara do IIº TAC, emitiu a seguinte EMENTA: ‘COMPETÊNCIA – Responsabilidade civil – Acidente do trabalho – Indenização – Direito comum – Questão relacionada ao vínculo empregatício – Justiça do Trabalho – Incompetente a Justiça Estadual para julgar pedido atrelado à culpa contratual do empregador.”(12)
Mais recentemente, no AI nº 737239-00/1, do IIº TACivSP, relatado pelo juiz S. OSCAR FELTRIN, foi decidido: “A demanda do empregado que pleiteia indenização por acidente do trabalho, resultante de ato ilícito imputado ao empregador (CC art. 159), deve ser julgada pela Justiça Comum e não pela Justiça do Trabalho.”(13)
Por outro lado, a principal fonte de sustentação da corrente que defenda a competência da Justiça do Trabalho está no RE nº 238.737-3-SP, da Colenda 1ª Turma do STF, relatado pelo Senhor Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 17/11/1998,VU(14). O ministro buscou subsídio na decisão do plenário do STF, no conflito de jurisdição nº 6.959-DF, j. a 23/5/1990, do qual também foi relator que, por maioria, decidiu: “Justiça do Trabalho: competência: Const., art. 114: ação de empregado contra o empregador, visando à observância das condições negociais da promessa de contratar formulada pela empresa em decorrência da relação de trabalho. …. –
Resumindo, observou-se que para saber se a expressão “outras controvérsias”, inserta no art. 114, da CF/88, segundo o posicionamento dos Tribunais, refere-se à questões da competência da Justiça Comum ou da Justiça Especial do Trabalho. Primeiramente, deve-se verificar se os fatos narrados na causa petendi identificam-se com a culpa contratual ou na responsabilidade extracontratual.
Se decorre da culpa contratual, dizem respeito à relação de emprego, e a competência é da Justiça Especial do Trabalho, matéria que a Constituição circunscreveu ao âmbito contratual, da competência da Justiça Especial do Trabalho, reitera-se.
Todavia, se há responsabilidade extracontratual, como v.g., nas decorrentes de Acidente do Trabalho, a questão passa a ser vista sob o ângulo da Infortunística. No magistério de IRINEU ANTONIO PEDROTTI, “compreende a parte da medicina e do direito em que se estuda a legislação que trata dos riscos comerciais e industriais, acidentais do trabalho e moléstias profissionais. Deriva do infortúnio, que quer dizer desventura, infelicidade, desgraça. Em termos relacionados ao acidente do trabalho ou doença profissional ou do trabalho, o verbete INFORTUNÍSTICA é dotado pela Medicina Legal, para indicar as normas e os princípios que regem o estudo dos riscos e amparam os segurados vítimas de acidentes do trabalho ou de doenças profissionais ou do trabalho”. (16)
A distinção entre culpa contratual e extracontratual é relevante e assinala AGUIAR DIAS: “Em nossa opinião ninguém tratou o assunto com mais felicidade que o erudito JUAN JOSÉ AMÉZAGA. Sua Exaustiva lição começa por lembrar que a responsabilidade fundada na culpa é princípio de um gênero: “Só as espécies se classificam e se definem – e a definição se faz sempre assinalando o gênero próximo e as diferenças específicas……. Culpa, em sentido amplo, existe em todo ato ilícito que lese o direito alheio, e a culpa se qualifica de contratual e extracontratual, conforme a fonte de que promane esse direito”.(17)
É em decorrência desta distinção que ficam excluídas da competência da Justiça do Trabalho as ações indenizatórias fundadas em acidente do trabalho. Elas não se vinculam diretamente à infração contratual; quando muito derivam do descumprimento de regras da infortunística, cujo contexto está bem exposto no doutrina de IRINEU ANTONIO PEDROTTI, e referenciada na Ap. 584.497-00/3 (JTACSP LEX, vol. 187/462).
Por derradeiro, cumpre salientar que o RE 238.737-4-SP, relatado pelo senhor Ministro Sepúlveda Pertence no STF tem como causa petendi indiscutivelmente, uma relação que repousa na relação de emprego mantida entre as partes envolvidas no litígio. Os danos morais pretendidos resultariam de fato ocorrido em razão e durante a vigência do contato do trabalho, diferente das questões relacionadas à infortunística, cuja competência é da Justiça Estadual.
A indenização de Direito Comum se situa no campo da Infortunística, como resultado de Acidente do Trabalho sofrido pelo empregado. Nestes termos, não temos como deixar de manifestar nossa posição de que é a Justiça Estadual e não a Federal (do Trabalho) que tem competência para dirimir os litígios entre empregados e empregadores. Posição fundada no Direito Comum (Art. 159 do CC) e Direito Constitucional, para indenização decorrente de acidente sofrido na empresa onde trabalham, tanto as de danos materiais como as de danos morais.
Notas de rodapé
1- 1ª Turma, DOU 05-02-99
2- 4ª Turma, DJ 01.12.2000
3- IIº TAC: 10ª C, AI nº 586.879-0/6-São Paulo, Rel. Juiz NESTOR DUARTE, j. 20/10/1999,VU; mais AI nº 564.706.00/00, 10ª C. Rel. Juiz ADAIL MOREIRA, j. 10/02/1999
4- TJSP, RT 605/34
5- STJ, CC 18.272/SC DJ 1ª – 2-99, p. 100, Rel. Min. BUENO DE SOUZA, 2ª Seção, VU.
6- STJ, Conf.Atribuições nº 88 (99.0089929-6), 1ª Seção (DJ 13/11/2000), Rel. Min.ELIANA CALMON, JSTJ e LEX, vol. 140/28
7- Referenciado pelo agravante às fls. 08
8- IIº TACIVIL – 10ª Câm.; Ag. de Inst. Nº 586.879-0/6 – São Paulo-SP – Rel. Juiz NESTOR DUARTE; j; 20.10.1999, VU. Boletim AASP nº 2144, 31/01 a 06/02/2000, p. 1282 – j
9- AI 561.145 – 11ª Câm. Rel. Juiz CLOVIS CASTELO – j. 8/2/99
10- AI 564.706-00/0 – 10ª Câm. – Rel. Juiz ADAIL MOREIRA – j. 10/2/99.
11- AI 500.479 – 6ª Câm – Rel. Juiz PAULO HUNGRIA – J. 17-9-97
12- TACSP-LEX, vol. 1, pág. 462
13- IIº TACivSP, AI nº 737239-00/1, j. 22/05/2002, VU, Rel. Juiz S. OSCAR FELTRIN, 5ª Câmara
14-Boletim AASP 2141/1257-j, de 10-01-2000
15- RTJ 134/96
16- IRINEI ANTONIO PEDROTTI, Acidente do Trabalho, pág. 1, 3ª ed. – JTACSP-LEX, 187/464
17- cf. texto completo in JTACSP-LEX, vol. 187, pág. 464/465
* Advogado e Professor. Website: http://www.almeidapaiva.adv.br
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