Responsabilidade Civil

Aspectos Polêmicos Sobre a Responsabilidade Civil na Prestação do Serviço Público – (implicações decorrentes da delegação).

Aspectos Polêmicos Sobre a Responsabilidade Civil na Prestação do Serviço Público – (implicações decorrentes da delegação).

 

 

Alexandre Ávalo Santana*

 

 

Sumário: 1. Introdução – 2. Notas sobre a Responsabilidade Civil e o Estado (evolução e aspectos fundamentais) – 2.1 Esboço sobre a evolução da Responsabilidade do Estado – 2.2. Aspectos Essenciais da Responsabilidade do Estado (ação e omissão) – 3. Implicações Decorrentes dos Danos Causados na Execução de Serviços Públicos por Particular (delegação por meio de concessão) – 3.1. Limitações na Aplicação da Teoria da Responsabilidade Objetiva em relação ao delegatário de serviço público – 3.2. A Responsabilidade Pelos Danos Causados (equação entre a pessoa pública e a privada) – 4. Conclusão – 5. Referências Bibliográficas.

 

 

INTRODUÇÃO.

 

O presente ensaio tem por escopo tratar sinteticamente da relação de Responsabilidade do Estado quando este delega serviços públicos que, a priori, seriam prestados pela Administração, enfocando, mais precisamente, a relação de responsabilidade na hipótese dos concessionários (aos quais a execução do serviço é concedida) cometerem atos que resultem em danos aos administrados que utilizam do serviço público, aspecto que, quando enfrentado, fomenta diversas discussões doutrinárias.

 

Nesse contexto, vale ressaltar que em função da complexidade bem como da vastidão exacerbada da matéria, este breve estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, tendo por objetivo, tão-somente, contribuir com o debate, traçando algumas particularidades que emergem da relação de responsabilidade entre o Estado e o concessionário, na hipótese de danos causados aos particulares destinatários da prestação de serviço público.          

 

 

2. NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E O ESTADO (evolução e aspectos fundamentais)

 

A responsabilidade civil tem como cerne a obrigação de reparar danos de qualquer natureza que uma pessoa (física ou jurídica) causa a outrem. A propósito, como elucida Flávio Tartuce, em sentido lato “A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida.”. Deste conceito pontual, é fácil extrair, respectivamente, a idéia de responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual ou aquiliana, esta última já proclamada na Lex Aquilia de Damo (século III a.C.) [1]

 

 

2.1 Esboço sobre a evolução da Responsabilidade do Estado.

 

A par da acepção geral de responsabilidade civil, no que tange ao Estado, atualmente é pacífico o entendimento de ser ele responsável pelos danos eventualmente causados aos administrados por seus agentes, sendo que, para tal fim, o constituinte equiparou as pessoas de direito privado prestadoras de serviço público àquelas de direito público, como é o caso dos concessionários e permissionários.[2]

 

O atual estágio do tema é fruto de um longo processo de evolução, partindo da irresponsabilidade total do Estado à responsabilidade estatal. A propósito, em 1926, Paul Duez[3] propôs o esquema, que vai ser aqui tomado como supedâneo para se compreender a evolução histórica da Responsabilidade Patrimonial do Estado, dividindo em três fases.

 

Numa primeira fase a irresponsabilidade prevalece, afinal admitir responsabilidade pecuniária da Administração é considerado um obstáculo inconveniente para a execução de seus serviços na ordem patrimonial, época em que vigorava o princípio de que o rei não erra (The King can do not wrong). Essa teoria também é conhecida como feudal. Numa segunda fase, a questão se põe parcialmente no plano civilístico, fazendo-se apelo às teorias do Código Civil, relativas aos atos dos prepostos e mandatários. Numa terceira fase, a questão se desenvolve no âmbito do direito público. Forma-se progressivamente no quadro jurídico da faute e do risco administrativo.

 

No Brasil, Diógenes Gasparini faz uma divisão bastante didática para tratar da evolução da Responsabilidade do Estado, segundo a qual: no período colonial percebeu-se a presença da irresponsabilidade estatal (doutrina importante entende jamais ter sido aceita a irresponsabilidade estatal)[4]; no período imperial, com o surgimento de legislação esparsa admitiu-se a responsabilidade patrimonial do Estado, sendo este período considerado como um marco; no denominado período republicano, tem-se o surgimento da Constituição de 1891, bem como emergiu o artigo 15, do Código Civil Brasileiro de 1917, os quais tratavam da responsabilidade subjetiva do Estado.

 

Pois bem, somente com a Constituição de 1946 é que se passou a reconhecer a responsabilidade objetiva do Estado, que foi adotada pelas constituições seguintes até se chegar à atual, que a prevê em seu artigo 37, § 6º da CF, mantendo a teoria objetiva no âmbito do direito público, dando, inclusive, mais amplitude à responsabilidade estatal, quando passou a utilizar em seu texto o termo agente, incluiu-se assim, para fins de imputação de responsabilidade estatal, todos aqueles entes públicos ou privados que exerçam atividades públicas, como na concessão e permissão de serviços públicos.   

 

 

2.2. Aspectos Essenciais da Responsabilidade do Estado (ação e omissão).

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, dispõe sobre a responsabilidade do Poder Público e das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, nos seguintes termos:

 

“As pessoas Jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

 

Denota-se, então, que a adequada intelecção do dispositivo mencionado traduz a idéia de que a responsabilidade reside no âmbito do direito público e, ainda, que, diante de conduta comissiva do Estado, deverá ser aplicada a teoria objetiva (independentemente de culpa), a qual, por sua vez, encontra seu sustentáculo fundamental nos princípios da igualdade e da legalidade.

 

Sobre o tema Uadi  Lamêgo Bulos assevera:

 

 “Anote-se que o art. 37, § 6º, reporta-se, apenas, ao comportamento comissivo do Estado. Somente o facere, isto é, a atuação positiva  pode gerar efeitos. Tanto é assim que a responsabilidade nele contida é a objetiva. Do contrário, a responsabilização seria subjetiva, dependendo de procedimento doloso ou culposo.”[5] 

 

Importante destacar que, em que pese a incidência da responsabilidade objetiva no direito brasileiro (como visto adotada pela Lei Maior), não há falar em suplantação da responsabilidade subjetiva que, segundo respeitada doutrina e jurisprudência (STF)[6], ainda é aplicada nos casos de omissão do Estado, circunstância na qual o lesado deverá comprovar a existência de dolo ou culpa. Trata-se da aplicação da denominada teoria da culpa anônima, pois, “Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva.” [7].

 

Por fim, no que tange aos pressupostos que circundam a responsabilidade estatal, de um modo geral, pode-se identificar a ação do Poder Público, a existência de um Dano que preencha os requisitos para ser Indenizável, e a presença do Nexo de Causalidade que atua como elo entre o ato da Administração e o dano sofrido pelo administrado.

 

 

3. Implicações Decorrentes dos Danos Causados na Execução de Serviços Públicos por Particular (delegação por meio de concessão).

 

De início, para se alcançar a adequada compreensão da responsabilidade quando da prestação de serviços públicos, pode-se afirmar que o intérprete deverá partir da idéia de que a atividade desenvolvida com o escopo de atender ao interesse da coletividade, executada direta ou indiretamente pela Administração, manterá sua submissão ao regime de direito público.

 

Nesse contexto, sob a égide do regime público, a concessão comum apresenta-se como um ato bilateral precedido de licitação, pelo qual a Administração transfere a execução de alguns serviços (que seriam, a priori, por ela prestados), estabelecida contratualmente, bem assim sob a submissão legal,  onde se entabulam direitos e deveres às partes, porém sempre sob a fiscalização do poder concedente.

 

Diante disso, é fácil concluir que a relação de responsabilidade do concessionário se enquadra na teoria da responsabilidade objetiva do Estado, pois o Poder Público responde pelos atos cometidos por seus concessionários quando, na execução do serviço delegado, causarem danos a terceiros.

 

 Como visto (ressalvas feitas nos acasos de omissão), atualmente predomina largamente em nosso ordenamento a utilização da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, a Administração tem o dever de ressarcir os danos causados a terceiros, bastando estarem presentes para tanto a existência do nexo de causalidade entre o dano e o ato do agente público que deu ensejo à lesão, aspecto que subsiste nos casos de concessão de serviços públicos, pois o Estado responde objetivamente pelos danos supostamente causados a terceiros por seus concessionários, isto por ser este o concedente do serviço que é eminentemente público, é o que se extrai de um abreviado exercício  hermenêutico sobre o que dispõe o artigo 37, § 6º, da atual Lei Magna.

 

Exatamente neste diapasão o jurista Yussef Said Cahali reconhece que “em função do disposto no art. 37, § 6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias…” [8] 

 

Não é demais destacar, que por algum tempo persistiu a discussão quanto à culpa na responsabilidade do concessionário (objetiva ou subjetiva), pois existiam alguns juristas que ainda levantavam este questionamento, o que não se justificava, em função de o legislador constituinte anterior já ter apontado e acolhido no artigo 107 da CF de 1969 a teoria objetiva, (uma das discussões situava-se na concessão de energia elétrica).

 

Ocorre, que, como visto, com o advento da Constituição de 1988, não há mais o que se questionar, pois o conteúdo do § 6º, do artigo 37, suplanta qualquer celeuma que, por hipótese, possa ser instaurada. Afinal, do marco constitucional, tem-se a inafastável conclusão de que a responsabilidade do concessionário também é objetiva, pois, mesmo sendo este pessoa jurídica de direito privado, deve ser responsabilizado no âmbito do direito público, por ser agente que executa serviço do qual o Estado é titular.

 

O concessionário de serviço público presta um serviço por sua conta e risco e em seu nome; no entanto, faz as vezes do Poder Público. Assim, responderá, como este, por seus atos, de forma objetiva. O particular que sofrer prejuízo patrimonial, em razão do serviço deve, assim, demonstrar apenas o nexo de causalidade e o dano injustamente suportado. Trata-se da aplicação da teoria do risco administrativo.

 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao discorrer sobre a responsabilidade do concessionário de serviços à luz da teoria do risco administrativo afirma:

           

“Isto significa que se trata de responsabilidade objetiva, ou seja, de responsabilidade sem culpa, bastando demonstrar o nexo de causalidade entre o ato danoso e o dano sofrido, pelo administrado. Trata-se de aplicação da teoria do risco administrativo, amplamente acolhida pela doutrina e pela jurisprudência.” [9]

 

Na mesma trilha, assevera Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

“O concessionário – já foi visto – gere o serviço por sua conta,  risco e perigos. Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por  danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados a prestação  do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da responsabilidade do Estado.”[10]  

 

Em suma, a responsabilidade civil do prestador de serviços públicos perante os particulares usuários do serviço é de direito público e objetiva.

 

 

3.1. Limitações na Aplicação da Teoria da Responsabilidade Objetiva em relação ao delegatário de serviço público.

 

Como visto, optou o constituinte por estabelecer a desnecessidade de prova da culpa, ao dispor sobre a responsabilização civil das pessoas jurídicas prestadoras de serviço público. Deve ser observado, contudo, que a imputação objetiva da responsabilidade vincula-se ao objeto da delegação, o que implica em dizer que não há falar em sua aplicação irrestrita em face do particular prestador de serviço público.

 

Sobre o tema, com propriedade, Armando Suárez Garcia preceitua de forma pontual:

 

“Tenha-se presente que a responsabilidade só poderá ser objetivamente imputada às concessionárias em relação aos serviços objeto da concessão, e não quanto às demais atividades por elas desenvolvidas, sendo neste sentido o recente posicionamento do E. Supremo Tribunal  Federal, o que faz todo sentido à luz dos princípios hermenêuticos, que recomendam a interpretação restritiva das exceções, e em consonância com os ditames da racionalidade.”[11]       

 

Interessante anotar, ainda, que, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial[12], a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos é objetiva (como é o caso dos concessionários e permissionários), tão-somente, em relação aos usuários, o que não se estende a outros lesionados que não ostentem a condição de usuário do serviço.

 

A propósito, ao utilizar um exemplo comum para melhor visualizar a aplicação prática da matéria, pode-se afirmar que “em um acidente de trânsito entre um automóvel particular e um ônibus de permissionário de serviço público, a responsabilidade civil será apurada da mesma forma que o seria se o acidente tivesse acontecido entre dois veículos particulares quaisquer, ou seja, com base na responsabilidade subjetiva, cabendo a quem entender ter sofrido dano provar a culpa do outro motorista”[13]

 

Destarte, diante do entendimento mencionado ao qual me filio, não há falar em extensão da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos em relação aos terceiros não-usuários do serviço.

 

 

3.2. A Responsabilidade Pelos Danos Causados (equação entre a pessoa pública e a privada).

 

Noutro enfoque, quanto à relação que se instaura entre a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviço público e o particular eventual lesionado, é relevante destacar, ainda, que o Poder concedente responderá de forma subsidiária perante os administrados eventualmente lesionados por atos de seus concessionários, por óbvio, quando o dano tiver nascedouro na execução do serviço público objeto da concessão. Logo, significa dizer que a responsabilidade do Estado “é subsidiária sempre que, esgotadas as forças do outorgado, restar por satisfazer certo montante decorrente de obrigações originadas diretamente da prestação dos serviços.”[14]

 

Assim, em razão de sua condição, o concessionário que presta o serviço público, assume a obrigação de responder pelos compromissos assumidos e pelos danos que vierem a causar a terceiro ou ao próprio Poder Público. É assim porque quem assume certas obrigações deve por elas responder de forma suficiente.

 

Seria no mínimo incongruente se o Poder Público, ao delegar a concessão de um serviço ao particular, neste ato, tão-somente, disponibilizasse direitos e vantagens, permanecendo direta e solidariamente responsável pelos atos do concessionário, aspecto que certamente afrontaria os princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público sobre o privado.

 

Logo, ao concessionário, além dos direitos e prerrogativas, também cabem os deveres, e os eventuais riscos, devendo este arcar com o ônus decorrente de sua atividade.

 

Assim, em que pese ao Estado ser imputada a responsabilidade de natureza objetiva (em razão de ter a concessão o objeto de prestação de serviços públicos), não há falar em irresponsabilidade do particular ao qual foi concedida a prestação de serviço que, a propósito, certamente irá lhe trazer alguma vantagem econômica, o que justifica ser ele o primeiro a responder pelos danos eventualmente causados ao particular.

 

Por conseguinte, o Estado responderá subsidiariamente, pois, foi ele quem “colocou nas mãos” do particular-concessionário o desempenho de atividade primordialmente pública.

 

Dito entendimento vigora sob o espeque de que o dano experimentado pelo terceiro administrado só foi oportunizado em razão da própria Administração Pública ter concedido o serviço público à pessoa de direito privado, o que é correto, afinal, se o Estado não o concedesse, jamais seria possível que ao particular/concessionário fosse delegada a prestação de serviços públicos.

 

Sobreleva dizer que o Estado utiliza-se deste instituto em decorrência de autorização legal que limita dita prática, sendo possível a este prestar serviços de forma descentralizada, para que, assim, seja possível uma prestação satisfatória do serviço e concomitante atenuação da quantidade de tarefas que lhe são impostas, o que, por óbvio, não o desobriga de arcar também com os danos que decorrerem deste fato.   

 

Ademais, o particular-concessionário poderia não gozar de lastro econômico suficiente para arcar com o ônus decorrente dos danos causados aos terceiros lesionados em razão da execução do serviço, o que culminaria no não ressarcimento dos prejuízos, não fosse o fato de o ente público responder subsidiariamente.

 

Por conseguinte, essa responsabilização subsidiária do Estado tem o escopo de garantir o direito do administrado, sem subtrair a responsabilidade do concessionário. 

 

A propósito, com a maestria que lhe é peculiar, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello propõe:

 

“Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado.”[15]

 

Não é demais elucidar que, tanto o ente público quanto o privado prestador de serviço público, deverão responder pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, sem discussão de culpa de seu preposto, assegurado o direito de regresso contra o causador direto do dano, circunstância em que deverá demonstrar o dolo ou culpa na conduta, é o que a doutrina denomina responsabilidade objetiva impura.[16]

 

A par da regra de subsidiariedade, interessante registrar entendimento no sentido de que poderá haver responsabilidade solidária em face do Estado quando demonstrado que o evento danoso ocorreu em virtude da má escolha do Poder Público, quando elege mal o particular para quem o serviço foi concedido, em se tratando de atividade diretamente constitutiva do exercício do serviço, bem como nos casos de comprovada desfaçatez por parte do ente fiscalizador, quando este não fiscaliza satisfatoriamente como o concessionário estaria prestando o serviço.   

 

Nesse sentido é o posicionamento de Yussef Said Cahali:

 

“A exclusão da responsabilidade objetiva e direta do Estado (da regra constitucional) em reparar os danos causados a terceiros pelo concessionário (como também o permissionário ou autorizatário), assim admitida em princípio, não afasta a possibilidade do reconhecimento de sua responsabilidade indireta (por fato de outrem) e solidária, se em razão da má escolha do concessionário a quem a atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, foi concedida, ou desídia na fiscalização da maneira como este estaria sendo prestado à coletividade, vem a concorrer por esse modo para a verificação do evento danoso. “[17] 

           

Por derradeiro, importante mencionar posicionamento segundo o qual o Poder Público, nas ações coletivas que discutam interesses metaindividuais, também responderia solidariamente com o concessionário, mormente quando estiverem em discussão interesses que tenham por escopo a proteção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

“DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ARTIGOS 23, INCISO VI E 225, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO. SOLIDARIEDADE DO PODER CONCEDENTE. DANO DECORRENTE DA EXECUÇÃO DO OBJETO DO CONTRATO DE CONCESSÃO FIRMADO ENTRE A RECORRENTE E A COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – SABESP (DELEGATÁRIA DO SERVIÇO MUNICIPAL). AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO POR ATO DE CONCESSIONÁRIO DO QUAL É FIADOR DA REGULARIDADE DO SERVIÇO CONCEDIDO. OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAÇÃO DA BOA EXECUÇÃO DO CONTRATO PERANTE O POVO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO.

I – O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o concessionário de serviço público municipal, com quem firmou “convênio” para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição causada no Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho.

II – Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do poder concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões (Lei n.º 8.987 de 13.02.95), mas objetiva e, portanto, solidária com o concessionário de serviço público, contra quem possui direito de regresso, com espeque no art. 14, § 1° da Lei n.º 6.938/81. Não se discute, portanto, a liceidade das atividades exercidas pelo concessionário, ou a legalidade do contrato administrativo que concedeu a exploração de serviço público; o que importa é a potencialidade do dano ambiental e sua pronta reparação.”[18]

 

Como se observa, segundo os entendimentos mencionados, a responsabilidade poderá, excepcionalmente, ser solidária, desde que demonstrado que a falha na escolha ou na fiscalização do concessionário possa ser identificada como causa do evento danoso e, ainda, nas ações coletivas que discutam interesses metaindividuais.

 

 

4. Conclusão

 

Atento ao contexto constitucional do tema que, por sua vez, trouxe supedâneo à idéia de responsabilidade equiparada dos particulares prestadores de serviços públicos, buscou-se nesse breve vôo tratar da relação de responsabilidade estabelecida entre o ente público e o privado prestador de serviço público, com a finalidade de delinear alguns aspectos polêmicos que emergem da delegação da execução dos referidos serviços, bem como outros fatores presentes nessa relação. 

 

Em suma, notou-se, à luz do § 6º, do artigo 37, da Constituição Federal, ser a responsabilidade na prestação do serviço público de natureza aquiliana e objetiva nos casos de comportamento comissivo, ressalvado o entendimento predominante pela responsabilidade subjetiva, no caso de omissão do Estado.

 

Constatou-se, que, não obstante haver aplicação da teoria da responsabilidade objetiva também em face dos delegatários prestadores do serviço público, sua aplicação estará circunscrita ao objeto do contrato e, tão-somente, em relação aos danos causados a seus usuários.

 

Concluiu-se, ainda, que o Poder Público responderá subsidiariamente por atos de seus concessionários e permissionários que causem danos a terceiros em razão do serviço, no entanto, registrou-se entendimento segundo o qual, excepcionalmente, adota-se a responsabilidade solidária do Estado, como nos casos de falha na escolha ou na fiscalização do concessionário, bem assim nas ações coletivas cujo objeto seja caracterizado como interesse metaindividual.

 

 

5. Referências Bibliográficas

 

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DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição.  São Paulo, SP: Malheiros, 2007.

 

DIAS, José Aguiar. A Responsabilidade Civil Vol I e II. Rio de Janeiro:  Forense, 1983.

 

————–Responsabilidade Civil em Debate. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

 

Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella . Parcerias na Administração Pública – Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas. São  Paulo: Atlas S/A 1997.

 

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1995.  

 

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MEIRELLLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2.007. 

 

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OLIVEIRA, José Carlos de. Responsabilidade Patrimonial do Estado. Bauru, SP: Edipro, 1995.

 

TARTUCE, Flávio. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil.  São Paulo, SP: Método, 2008

 

            Em julho de 2008

 

* Professor de Direito Civil e Processual Civil (graduação e pós-graduação). Especialista em Direito Processual Civil. Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça-MS. Membro do Instituto de Estudos Jurídicos (IEJ-MS). alexandreavalo@hotmail.com

 

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[1] TARTUCE, Flávio. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil.  São Paulo, SP: Método, 2008, p. 303-304.

[2] DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição.  São Paulo, SP: Malheiros, 2007. p. 349.

[3]*Apud OLIVEIRA, José Carlos de. Responsabilidade Patrimonial do Estado. Bauru, SP: Edipro, 1995, p. 29.

 

[4] É o que corrobora Celso Antônio Bandeira de Mello ao citar voto proferido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Amaro Cavalcanti.  (Op. cit., p. 908).

[5] BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2007, p.397.

[6] (Supremo Tribunal Federal, RE 369.820, Rel. Min. Carlos Veloso, DJ 27.02.2004)

[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 895.

[8] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 151.

[9]Di PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública – Concessão,  Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas. São Paulo: Atlas, 1997, p. 65.

[10]BANDEIRA DE MELLO, Op. cit., p. 699. 

[11] GARCIA, Armando Suárez. Aspectos Essenciais do Fornecimento de Energia Elétrica. Rio de Janeiro: Abradee, 2006. p. 200.

[12] (Supremo Tribunal Federal, RE n.º 262.651/SP, Min. Carlos Velloso,  DJ 19.11.2004)

[13] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. Niterói: Impetus, 2006. p.478.

[14]GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 244.

 

[15]BANDEIRA DE MELLO, Op. cit., p. 700.

[16] TARTUCE, Op. cit., p.468.

[17] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 151.

[18] (REsp 28.222/SP, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministra  NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.02.2000, DJ 15.10.2001 p. 253)

 

Como citar e referenciar este artigo:
SANTANA, Alexandre Ávalo. Aspectos Polêmicos Sobre a Responsabilidade Civil na Prestação do Serviço Público – (implicações decorrentes da delegação).. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/responsabilidade-civil/aspectos-polemicos-sobre-a-responsabilidade-civil-na-prestacao-do-servico-publico-implicacoes-decorrentes-da-delegacao/ Acesso em: 30 abr. 2024