Direito Penal

Uso de Algemas Depende das Circunstâncias

Uso de Algemas Depende das Circunstâncias

 

 

Mario Guerreiro

 

 

O recente episódio da prisão de Daniel Dantas, Celso Pita e Naji Nahas, feita pela Polícia Federal na operação Satiagraha, levantou duas questões de caráter jurídico: a primeira foi o habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes e a ordem de prisão dada novamente pelo juiz federal De Sanctis.

 

A segunda foi o caráter truculento e espetaculoso dos agentes da Polícia Federal, que não só convidaram a televisão para registrar a cena como – coisa ainda mais lamentável – algemaram e deram ordem de prisão, diante dos olhos de milhões de espectadores, a suspeitos de ter cometido alegados crimes de colarinho branco.

 

No que se refere ao mandado de prisão do juiz De Sanctis, emitido logo após à concessão do ministro Gilmar Mendes, é difícil interpretar de outra maneira que não uma forma de desafiar a autoridade da Corte Suprema a qual não restou outra alternativa senão conceder outro habeas corpus. E o referido ministro assim o fez pela mesma razão de antes: os suspeitos tinham domicílio conhecido, sua liberdade não representava nenhum empecilho para o inquérito policial, enfim, condições previstas em lei para a concessão de habeas corpus.

 

No que se refere ao emprego das algemas, somos levados à conclusão que os agentes da Polícia Federal desconhecem a lei ou se julgam acima dela. Dizemos isto porque o Art. 284 do Código de Processo Penal é claríssimo a este respeito: “Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”.

 

Ora, o uso de algemas faz parte da noção de “emprego de força”, coisa plenamente justificável quando indivíduos apresentam resistência à prisão, há motivos para se suspeitar de uma fuga e coisas dessa natureza. No caso em pauta, milhões de espectadores da TV viram a cena e alguns poucos não constataram razão nenhuma para algemar os três suspeitos, menos ainda para prendê-los.

 

Especialmente no caso do ex-Prefeito de São Paulo, Celso Pita, o que se constatou foi a perplexidade de um indivíduo sonolento, ainda de pijama, abrindo a porta de sua casa, recebendo ordem de prisão e, ao mesmo tempo, sendo arbitrariamente algemado. Acrescente-se à perplexidade a humilhação a que foi submetido o suspeito. Penso que ele teria todo o direito de processar a Polícia Federal por dano moral.

 

Acontece que, de acordo com o Art. 199 da Lei de execução penal: “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.”. E como, até a ocorrência do lamentável episódio, decreto federal nenhum se deu ao trabalho de disciplinar o referido artigo – embora possamos deduzir facilmente do Art. 284 as regras para o referido emprego –  o STF promulgou uma suma vinculante que, entre outras coisas, diz:

 

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e a nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.”

 

Embora a lei não possa ser aplicada retroativamente para punir os agentes da Polícia Federal, serve de reprimenda e de desestímulo a futuros atos de truculência e espetaculosidade destes mesmos agentes. Será que ouvirão ou farão ouvidos moucos para a voz da sensatez?!

 

Tão lamentável quanto as arbitrariedades cometidas pelo juiz De Sanctis e pela Polícia Federal foi a reação da opinião pública inesclarecida. Dizemos isto não só por ouvir o que disseram algumas pessoas em conversas, mas também pela chuva de cartas dos leitores a alguns jornais. Alguns ficaram deliciados ao ver ricos sendo algemados, coisa equivocadamente tomada como uma afirmação do princípio de que “a lei é para todos”. Outros desenvolveram a apedeuta e pífia inferência: “Se o pobre é algemado, porque o rico não pode ser?!”

 

Ora, um erro não justifica outro. Algemar qualquer indivíduo, rico ou pobre,  fora das supramencionadas circunstâncias, é um ato de abuso de autoridade que, como toda infração da lei, devia merecer o repúdio de todos os cidadãos numa autêntica democracia.

Mas como no nosso país as autoridades costumam ser autoritárias e costumam ser as primeiras a menoscabar as leis, elas dão um péssimo exemplo a um povo extremamente inesclarecido e possuidor de fortes tendências anômicas. Diante deste quadro patético, cabe indagar: Quando a autêntica democracia chegará ao Brasil?

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. Uso de Algemas Depende das Circunstâncias. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/uso-de-algemas-depende-das-circunstancias/ Acesso em: 22 nov. 2024