Estado de Direito Seriamente Abalado
Mario Guerreiro
Diante dos recentes acontecimentos envolvendo a Operação Satiagraha da Polícia Federal e seus lamentáveis desdobramentos, surgiram diversos manifestos de protesto contra o estado de coisas a que assistimos e que não podemos encarar passivamente. Cito abaixo alguns desses manifestos em que a tônica é uma grave ameaça ao nosso maior bem comum: o estado de direito.
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Manifesto dos advogados
São Paulo, 14 de julho de 2008
Os advogados que assinam esta nota, certos de que representam muitos colegas que, pela exigüidade de tempo, não puderam contatar, expressam sua solidariedade ao eminente Ministro Gilmar Mendes, inusitadamente atacado por manifestações de entidades profissionais divulgadas através da mídia que deveriam demonstrar seu inconformismo na forma prevista pelas leis de processo e não com ataques públicos ao chefe do Poder Judiciário brasileiro.
As instituições democráticas brasileiras, salvo nos casos excepcionais previstos e delimitados pela lei, não incluem prisão sem julgamento e nem se devem enlutar quando um habeas corpus – este, sim, uma garantia constitucional fundamental – é concedido.
Os signatários sentem-se seguros por viver num País que tem no ápice de sua estrutura judiciária um magistrado que tem a coragem e a dignidade de manter a Constituição acima da gritaria.
Assinam cerca de 150 advogados
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Um Estado policial
Ives Gandra Martins
(Jornal do Brasil)
Tendo vivido sob os regimes de Getúlio Vargas (1935-45), da mais democrática Constituição do Brasil (1946-64), do regime de exceção (64-85) e sob a democracia implantada, sem traumas maiores, por Tancredo Neves e a Constituição de 88 (85-2008), posso externar meus sentimentos de cidadão, pelas páginas de minha coluna quinzenal no Jornal do Brasil.
O Brasil ainda está longe de ser uma democracia consolidada. Temos um texto constitucional democrático, mas práticas públicas que se afastam, não poucas vezes, de desiderato da lei suprema.
Hoje abordarei um ponto essencial. Sempre digo para meus alunos de direito, há 50 anos, que o que caracteriza o estado democrático de direito é o direito de defesa e – nos sistemas presidenciais de governo – também o equilíbrio entre os três poderes. Nos sistemas parlamentares de governo, em grande parte o Poder Judiciário é um órgão da administração pública, pela própria interdependência interna dos poderes. Nos regimes presidenciais – e uso a palavra “regime” como concessão atécnica – a separação dos poderes é essencial, visto que, muitas vezes, o presidencialismo é o sistema da “irresponsabilidade a prazo certo”, enquanto o parlamentarismo é sempre um sistema de “responsabilidade a prazo incerto”.
Ora, o direito de defesa é realizado, fundamentalmente, pela advocacia. São os advogados, mais do que os políticos, magistrados e membros do Ministério Público, aqueles que realçam e fazem brilhar a democracia por seu próprio exercício.É de se lembrar que, nas ditaduras, não há direito de defesa.
E a fundamental garantia do direito de defesa é o sigilo profissional, assegurado nos incisos X, XI, XII, XIII e XIV do mais relevante artigo da Carta Magna, que é o art. 5º, aquele que assegura o elenco maior de direitos e garantias individuais.
Ora, a banca de advogados sempre foi considerada, como nos confessionários religiosos, o altar do sigilo profissional, não devendo ser jamais violado. Mesmo nos tempos do regime de exceção, havia muito mais respeito aos escritórios de advocacia, do que verificamos nos dias que correm, onde invasões violentam os segredos de todos os clientes envolvidos ou não com o episódio.
É que vivemos a época da “síndrome do holofote”. Não há blitz da Polícia Federal em que a prisão não seja cercada de efeitos cinematográficos, documentando a imposição de algemas e ostensiva exibição de armas modernas perante cidadãos que nunca pegaram em uma arma na vida. E a mídia, sempre avisada previamente, lá está para assegurar o impacto jornalístico.
Nunca, no passado, tantos magistrados falaram fora dos autos. Lembro-me da lição do único brasileiro que, numa democracia, foi presidente dos quatro poderes, o ministro José Carlos Moreira Alves (presidente do Judiciário; da República, substituindo o presidente Sarney; da Constituinte, ao instalá-la como presidente do STF e do Legislativo, na sua instalação, em 1987, antes da eleição do presidente Ulisses Guimarães). Negava-se sempre a dar entrevistas e jamais comentava, nem com os amigos mais íntimos, caso sob seu exame. Sua reputação era tal, que se dizia que o STF era o guardião da Constituição e Moreira Alves o guardião do Supremo.
Nunca membros do Ministério Público freqüentaram tanto a mídia, como nestes novos tempos. Enquanto não voltar o sigilo profissional a ser respeitado e controladas as escutas telefônicas autorizadas e não autorizadas, que violam o sagrado direito à privacidade, seremos uma democracia incipiente, dominada pelos detentores do poder, especializados em acuar a sociedade. O Brasil de há muito não é uma democracia. É apenas um Estado policial.
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Nota Oficial do Partido Federalista
Sobre os riscos às Instituições Nacionais
“Os desvios das boas regras são tanto mais perigosos, quanto maior a altura donde procedem, e com tanto mais franqueza devem ser rebatidos, quanto mais elevada a autoridade que os apadrinhe.” Rui Barbosa
O Partido Federalista, em fase de organização, na defesa inarredável dos direitos individuais, da Liberdade, da autonomia e descentralização dos poderes, diante do grave momento institucional ora vivido pela Nação, vem de público conclamar:
Que o Estado de Direito deve prevalecer acima de quaisquer anseios populares, incluindo os dos próprios governantes;
Que todos são iguais perante a Lei e devem ser tratados de acordo com preceitos legais constitucionalmente legitimados;
Que as autoridades do Poder Executivo não podem, em hipótese alguma, alimentar o conflito entre pessoas de bem, considerando a elogiável vontade explícita da busca da verdade por parte dos executores da Operação “Satiagraha”, que cumpriram seu dever, embora com desnecessário estardalhaço, e ressaltar de que compete ao Ministro Presidente do STF, o resguardo da Constituição no que tange aos direitos individuais, especialmente em relação ao Art. 5°, incisos 54, 55, 56 e 57;
Que as autoridades do Poder Executivo, especialmente do Palácio do Planalto, não podem interferir nas investigações, sendo absolutamente deplorável e vergonhosa a remoção de três delegados diretamente envolvidos com a Operação, independentemente do que se afirme em contrário – não há justificativa plausível para este fato gravíssimo.
O Partido Federalista conclama ainda o Povo Brasileiro a perceber que a gênese de tanta corrupção, lobies, negociatas privadas, em simbiose deletéria com o Poder Público apenas integram o conjunto de iniqüidades do modelo de Estado Brasileiro, excessivamente centralizado, estatizado, regulamentado, burocratizado, ineficiente e portanto injusto, corrupto e empobrecedor.
Conclama ainda pelo resgate da Federação, com a descentralização dos Poderes, dos tributos, da capacidade legislativa dos estados federados, da administração e do Judiciário, dentro de claros Princípios Constitucionais, como único meio de eliminação dos pérfidos efeitos que colocam a democracia e as liberdades civis em perigo
Brasília, DF, 21 de julho de 2008
PartidoFederalista
Thomas Korontai – Presidente Nacional
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E para que não se diga que pecamos pela imparcialidade, apresentando apenas uma das partes envolvidas na celeuma, apresentamos também o manifesto dos Procurados Federais, enviado para imprensa pelo juiz federal Dr. De Sanctis – alvo das ressalvas críticas do ministro Gilmar Mendes – bem como o manifesto de solidariedade dos juizes federais. Pretendemos, desse modo, que o leitor possa fazer sua comparação e concluir quem tem razão.
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Carta aberta à sociedade brasileira sobre a recente decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 95.009-4.
Dia de luto para as instituições democráticas brasileiras
1. Os Procuradores da República subscritos vêm manifestar seu pesar com a recente decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 95.009-4, em que são pacientes Daniel Valente Dantas e Outros. As instituições democráticas brasileiras foram frontalmente atingidas pela decisão liminar que, em tempo recorde, sob o pífio argumento de falta de fundamentação, desconsiderou todo um trabalho criteriosamente tratado nas 175 (cento e setenta e cinco) páginas do decreto de prisão provisória, proferido por juiz federal da 1ª instância, no Estado de São Paulo.
2. As instituições democráticas foram frontalmente atingidas pela falsa aparência de normalidade dada ao fato de que decisões proferidas por juízos de 1ª instância possam ser diretamente desconstituídas pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, suprimindo-se a participação do Tribunal Regional Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Definitivamente não há normalidade na flagrante supressão de instâncias do Judiciário brasileiro, sendo, nesse sentido, inédita a absurda decisão proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.
3. Não se deve aceitar com normalidade o fato de que a possível participação em tentativa de suborno de Autoridade Policial não sirva de fundamento para o decreto de prisão provisória. Definitivamente, não há normalidade na soltura, em tempo recorde, de investigado que pode ter atuado decisivamente para corromper e atrapalhar a legítima atuação de órgãos estatais.
4. O Regime Democrático foi frontalmente atingido pela decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, proferida em tempo recorde, desconstituindo as 175 (cento e setenta e cinco) páginas da decisão que decretou a prisão temporária de conhecidas pessoas da alta sociedade brasileira, sob o argumento da necessidade de proteção ao mais fraco. Definitivamente não há normalidade em se considerar grandes banqueiros investigados por servirem de mandantes para a corrupção de servidores públicos o lado mais fraco da sociedade.
5. As decisões judiciais,
Brasília, 11 de julho de 2008
Assinam mais de 30 Procuradores
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MANIFESTO DA MAGISTRATURA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Nós, juízes federais da Terceira Região abaixo assinados, vimos mostrar, por meio deste manifesto, indignação com a atitude de Sua Excelência o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinou o encaminhamento de cópias da decisão do juiz federal Fausto De Sanctis, atacada no Habeas Corpus n. 95.009/SP, para o Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho da Justiça Federal e à Corregedoria Geral da Justiça Federal da Terceira Região.
Não se vislumbra motivação plausível para que um juiz seja investigado por ter um determinado entendimento jurídico. Ao contrário, a independência de que dispõe o magistrado para decidir é um pilar da democracia e princípio constitucional consagrado. Ninguém nem nada pode interferir na livre formação da convicção do juiz, no direito de decidir segundo sua consciência, pena de solaparem-se as próprias bases do Estado de Direito.Prestamos, pois, nossa solidariedade ao colega Fausto De Sanctis e deixamos clara nossa discordância para com este ato do Ministro Gilmar Mendes, que coloca em risco o bem tão caro da independência do Poder Judiciário.
Até às 17 horas de hoje, 11 de julho, os Juízes Federais abaixo identificados manifestaram-se conforme o presente manifesto, sem prejuízo de novas adesões.
Assinam 121 Juízes Federais
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Meu Ponto de Vista sobre a Celeuma:
Ainda há juízes em Berlim
Nelson Rodrigues considerava que certas coisa eram tão óbvias que se tornavam difíceis de ser percebidas. Foi aí então que nosso grande escritor batizou tais coisas com o nome de óbvio ululante.
O ministro Gilmar Mendes concedeu o referido habeas corpus, porque o caso em pauta preenchia requisitos legais para a referida concessão. E ponto final! Como Presidente do Supremo, ele procedeu de acordo com a sua função de guardião da Constituição e do estado de direito, não se deixando levar pelo clamor popular e, especialmente, pelo profundo ressentimento generalizado neste país em relação aos ricos e bem sucedidos, quer eles assim o sejam em virtude de falcatruas ou em virtude de seu trabalho duro e honesto, porém pelo simples fato de ser ricos tout court.
Quanto ao uso das algemas, ele é perfeitamente legal e bastante compreensível, toda vez que a autoridade policial se encontra diante de um delinqüente de alta periculosidade capaz de reagir à prisão, mas não de suspeitos de crime do colarinho branco, que costumam obedecer à ordem da autoridade e, com o direito que lhes assiste, chamar seu advogado.
O que não se pode recusar, sob nenhuma hipótese, é que os advogados tenham imediato acesso ao inquérito policial, de modo a ficar cientes das acusações feitas aos seus clientes, de modo a preparar adequadamente sua defesa.
Como disse muito bem o ministro Gilmar Mendes, ele não se colocou contra a Operação Satiagraha, mas sim contra o modo como a mesma foi conduzida pela Polícia Federal, muito mais preocupada em produzir espetaculosidade cinematográfica do que em proceder com discrição em plena conformidade com a lei.
Inevitavelmente, o lamentável procedimento adotado pela mesma, dá a impressão de exploração propagandística do “combate ao crime” feita pelo governo Lula, coisa altamente indesejável quando extrapola os limites de ação aos quais a Polícia Federal deve estritamente se ater, uma vez que nem ela nem o Presidente da República estão acima da lei.
Está de volta ao Brasil, depois de julgado e condenado à revelia, Salvatore Cacciola. Numa de suas primeiras declarações negou sua condição de “fugitivo da lei”. E no sentido próprio do termo, sua alegação está correta: Disse que saiu do Brasil com passaporte assinado e carimbado! Quem é, então, o culpado de sua fuga? O magistrado que lhe concedeu habeas corpus por seu caso preencher os requisitos legais ou as autoridades alfandegárias que assinaram e carimbaram seu passaporte, isto para não falar na Polícia Federal que tinha a obrigação de estar na cola de um indivíduo suspeito a quem a Justiça concedeu liberdade provisória?!
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