Política

O desprestígio dos partidos e a (possível) alternativa dos eleitores.

O desprestígio dos partidos e a (possível) alternativa dos eleitores.

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

Poucos dias atrás, no jantar de confraternização do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo, dois associados conversavam sobre a revolta da sociedade contra os congressistas que pretendem atualizar seus ganhos, igualando-os aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Parecia-lhes compreensível o protesto popular contra o aumento de 90,7%, muito acima da inflação, assim como a pretendida equivalência — ao ver deles inadequada —, entre alguns parlamentares de pouca idade, instrução ou experiência, com os prestligiosos — e poucos, onze — juristas que passaram a vida estudando questões complexas, comprovando, com trabalho e escritos, a boa assimilação de todo aquele saber.

 

Em dois momentos da conversa, um dos associados, jurista de excelente reputação, dizia, em tom de crítica ao sistema, que no Brasil coisas assim acontecem porque só podem candidatar-se à eleição pessoas pertencentes a partido político. Somente partidos podem apresentar candidatos. E como a “profissão” de político está associada — embora com injustas generalizações — a “aproveitadores” que trabalham pouco e só pensam em vantagens individuais, pessoas de grande discernimento, fortemente preocupadas com uma vida ética, nem admitem a idéia de ingressar em um partido político. Não querem se “contaminar” com o ambiente de conchavos e cálculos espertos de todos os calibres. Isso, sem falar na obrigação de, como “índio”, ter que dançar sob a batuta — por vezes com a aparência de pau de galinheiro —, de algum “cacique”, “dono da tribo”, que só pensa no próprio interesse.

 

Com tal abstenção dos homens de bem — de certa forma “culpados” pela omissão de “enfiar e sujar a mão na massa” — salientava o jurista, decai o nível moral e técnico da atividade política. Alguns “espertalhões gananciosos” invadem um espaço que deveria ser ocupado por pessoas idealistas, essencialmente interessadas no bem comum. O que não exclui necessariamente o bem específico de um determinado grupo social. A distinção ética, nesse item, está no fato de um político poder lutar pelos interesses de seu grupo sem que isso conflite com interesses os gerais da sociedade. Pelo contrário. Um médico, por exemplo, pode lutar por uma melhoria salarial da classe e redução do número de clientes carentes obrigado a atender em cada hora de serviço na rede de saúde. Com um salário melhor, não tendo que correr de hospital para hospital, no mesmo dia, teria mais tempo para examinar cada cliente que o procura. Lucrariam os médicos, os pobres e os conveniados.

 

A atual decepção brasileira com seus “representantes” no Congresso representa um perigo potencial para a própria democracia. Um pensador político, cujo nome não me ocorre neste momento, chegou a dizer que a democracia, como tudo o mais, pode também se deteriorar e extinguir. Regimes, imitando os fenômenos físicos, também sofrem movimentos ondulatórios, com curvas ascendentes e descendentes. Numa dessas descidas mais violetas o impulso pode trincar os trilhos, brecha logo aproveitada, ou alargada, por espertas mentes totalitárias. Conhecidas ditaduras do passado vicejaram em solo formalmente democrático. Foi o caso do nazismo, do fascismo italiano e, de certa forma, da revolução comunista de 1917. Cansado de “moleza”, ineficiência e “malandragem” democrática, o povo aceita soluções radicais que, em condições normais de confiança nas instituições, não aceitaria.

 

O que fazer, no caso brasileiro, de descrença nas instituições, notadamente na composição do Congresso Nacional? Escolher melhor na próxima eleição? Uma espera excessivamente longa. Criar um sistema de avaliação popular semestral, anual, bi-anual, etc, dos representantes, expulsando-os antes de terminado o mandato? Trabalhoso demais. O país permaneceria mergulhado em política, não se faria outra coisa. Os prováveis “expelidos”, atacando em defesa, diriam que seus acusadores apenas querem sua cadeira.

 

O que fazer? Obrigar alguns calejados parlamentares a freqüentar ridículos cursinhos de Ética? Para muitos isso seria uma bofetada.

 

Neste ponto ocorreu-me pequena semente de uma idéia que poderia ser melhor avaliada ou desenvolvida pelos estudiosos especializados em governabilidade, eleições, e temas correlatos. Qual seria essa idéia, ou sugestão inicial?

 

Simplesmente esta “barbaridade” — assim será rotulada pelos que têm horror a inovações — : permitir que interessados na vida pública, notadamente a parlamentar, possam se candidatar a eleições se forem indicados por órgãos de classe, dispensado o requisito de serem indicados por um partido político. Claro que seria preciso modificar a Constituição Federal. Não me parece que haja “cláusula pétrea” — geralmente o que nos agrada é “pétreo”, o que nos desagrada é fofo, adotada a interpretação “x” .

 

Médicos, engenheiros, advogados, professores, economistas, militares, jornalistas, funcionários públicos, promotores de justiça, sindicalistas, aposentados, estudantes, etc. — um grande etcétera — poderiam se candidatar a cargos no legislativo, se assim indicados pela classe a que pertençam. A “filtragem” dos valores individuais seria feita dentro de tais entidades. Obviamente, ficaria ao critério de cada um preferir entrar na política ingressando primeiramente em um partido político, ou concorrer apenas com o impulso inicial de seus colegas de profissão. Agora, depois de eleito, ele teria que escolher um partido a que se filiar, exigência para um mínimo de funcionalidade legislativa. Mas, já eleito, ele teria muito mais força dentro do partido, em razão do número de votos recebidos. Os “caciques” já não exerceriam tanto poder.

 

O perigo de um excesso de candidatos “independentes” ´poderia ser neutralizado pela lei, estabelecendo que cada entidade poderia indicar um número máximo de candidatos.

 

Desconheço se, no planeta, atualmente, algum país permite essa forma de preenchimento de cargos no legislativo. Na Idade Média, as corporações de artes e ofícios tinham representatividade própria.

 

Talvez se possa pensar nessa abertura, inegavelmente democrática, Seria uma abertura excessiva? É comum ouvir um eleitor dizer que votou em determinado candidato, não porque o apreciava, mas apenas por ser o “o menos ruim”. Esse é um sintoma a nos sugerir que algo está errado. E a alternativa de abolir eleições é a pior possível.

 

Alguém dirá que o caminho certo para qualquer idealista é apenas um: ingressar em um partido; “meter a mão na massa” — aqui no bom sentido —; “cair na real”, deixar de “utopias”; obedecer a quem deve obedecer; mentir quando necessário e se conscientizar de que a luta pelo poder é mesmo uma arena não muito higiênica em que todos os golpes valem, desde que não deixem provas que possam gerar processo criminal.

 

A presente idéia certamente já deve ter tido precursores, sem sucesso. Talvez, para alguns, não seja viável, funcional. Confesso que não estudei o questão a fundo. Apenas sinto que com a atual sistemática há mais insatisfeitos do que satisfeitos com nossa representação política. Seria uma espécie de “distrital profissional’. Sabendo-se, porém, como moldar juridicamente essa maior participação da sociedade na escolha de seus representantes, pessoas de valor que querem fazer algo pelo país sentiriam um maior impulso para participar efetivamente daquilo que consideram a “boa política”. Elas hesitam quanto a entrar em um partido. Não querem figurar como soldados; ou melhor, como “índio” de algum “Touro Sentado”, “Jerônimo” ou “Big Chief Raposa Velha”.

 

Tenho um amigo que, quando lhe proponho a discussão de uma nova idéia, ele sempre a critica exigindo todos os detalhes, minuciosamente especificados. Nessas ocasiões eu lhe digo que as idéias, mesmo incompletas, devem ser examinadas, se apresentam algum mero e remoto potencial de utilidade. Tudo começa aos tropeções. Os primeiros automóveis tinham pneus de borracha maciça. Após dois quilômetros de percurso, em estradas de terra ou paralelepípedos, todos os parafusos tinham se afrouxado. À noite, na Inglaterra, o motorista era obrigado a trafegar com um homem caminhando à frente segurando uma lanterna. Os cavalos, assustados com o “monstro” mecânico, empinavam. Proprietários de veículos tinham que forçar os cavalos a andar em volta do “monstro”, com corda cada vez mais curta, até perderem o medo.

 

Idéias novas assustam. Principalmente os cavalos e burros. E o fato de o Brasil não ter muita relevância cultural mundial já é fator decisivo para afastar uma boa discussão. Ao tempo de Santos Dumont o Brasil tinha menos importância ainda. E, não obstante, forneceu ao mundo o protótipo dos grandes aviões modernos. Se alguns hoje ficam encalhados em aeroportos, é outro problema. Santos Dumont não é responsável.

 

Pensem, a respeito, os eleitores descontentes com nossos representantes no Congresso.

 

(20-12-2006)

 

 * Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: http://www.franciscopinheirorodrigues.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. O desprestígio dos partidos e a (possível) alternativa dos eleitores.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/desprestigio-partidos/ Acesso em: 22 nov. 2024