Responsabilidade criminal por Danos ao Meio Ambiente
Hernane Elesbão Wiese *
MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, 4ª ed. P. 161-180.
1 Introdução
Temos uma visão unitária do meio ambiente que ressalta três aspectos:
a) “meio ambiente cultural – compreende bens que são fruto da intervenção humana […];
b) meio ambiente natural – compreende bens que existem independentes da ação humana;
c) meio ambiente artificial – provêm da ação transformadora do Homem sobre a natureza […]”[1].
“O Direito Penal Ambiental desliza por entre os princípios do Direito Ambiental e deles se alimenta. O Direito Penal Ambiental, ao trabalhar em grande parte com tipos de perigo abstrato, milita em favor da prevenção (ex. art. 56 da Lei 9.605/98). Meras condutas que ponham em perigo o bem jurídico tutelado configuram tipos penais ambientais”[2].
2 Importância da tutela penal do ambiente
“Se na tutela dos bens individuais, como o direito à vida e patrimônio, por exemplo, o Direito Penal é visto como a ultima ratio, com mais razão deve sê-lo na proteção de bens e valores que dizem respeito a toda a coletividade, já que estreitamente conectados à complexa equação biológica que garante a vida humana no planeta. Agredir ou pôr em risco essa base de sustentação planetária é socialmente conduta de máxima gravidade”[3].
3 A tríplice responsabilização
“[…] O art. 225, § 1º, da CF, na esteira do que já apregoava o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, enfatiza a possibilidade de o poluidor ser simultaneamente responsabilizado nas esferas civil, administrativa e penal […]”[4].
4 Panorama geral do direito penal ambiental
“A legislação ambiental […] ainda não se acha compilada […]. Ademais, muitos tipos penais ambientais são normas penais em branco […]”[5].
“Atualmente, conta-se com tipos penais relativos a condutas lesivas ao meio ambiente:
¾ na Lei 9.605/98;
¾ na Lei 4.771/65 (contravenções remanescentes contra a flora – art. 26 da L. 4.771/95, alíneas c, e, j, l e m);
¾ na Lei 8.974/95 (Lei do Patrimônio Genético);
¾ Lei 7.802/89 (Lei dos Agrotóxicos) Paulo Afonso Leme Machado entende que remanesce em vigor o tipo do art. 16 desta lei […];
¾ Lei 6.453/77, arts. 23, 26 e 27 (Lei sobre atividades nucleares)”[6].
“Também pode-se visualizar tipos atinentes ao Meio Ambiente na:
¾ Lei 6.766/79 (Loteamentos) e alguns tipos remanescentes do próprio Código Penal (exemplo: crime de incêndio – art. 250);
¾ Lei 7.643/87 (Lei de Proteção aos Cetáceos);
¾ Lei 8.974/95, art. 13, incs, I a V (Lei de Biossegurança);
¾ DL 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais)”[7].
5 a lei dos crimes ambientais (lei 9.605/98)
“[…] dispõe, na verdade, sobre infrações penais e administrativas lesivas ao meio ambiente”[8].
“Do ponto de vista penal, a juízo desta autora, essa lei não trabalha com sanções muito elevadas. A privação de liberdade é uma pena praticamente inaplicável em face dos preceitos secundários previstos por esse diploma”[9].
“Com o advento da Lei nº 10.259/01, que disciplina os juizados de pequenas causas no âmbito da Justiça Federal, há possibilidade de transação para crimes com pena até dois anos. Essa a posição francamente dominante na jurisprudência […]”[10].
6 Co-autoria e participação na lei dos crimes ambientais
“O art. 2º da LCA reproduz, em parte, o art. 29 do CP, indicando as formas de concurso para a prática delitiva, demonstrando adesão à teoria monista, no que pertine ao concurso de agentes. Para essa lei, na esteira do CP, pode haver prática criminosa por mais de um agente […]. Qualquer ação ou omissão que se interponha na cadeia causal do crime é passível de punição (teoria da equivalência dos antecedentes causais)”[11].
“A novidade introduzida pelo art. 2º diz respeito ao crime comissivo por omissão. O legislador avançou significativamente quando previu a possibilidade de se responsabilizar o diretor […]; auditor; gerente; [etc.] da empresa, que tenha ciência da atividade criminosa dessa, quando podia agir para evitá-la, atribuindo-lhe qualidade de GARANTE da atividade de sua empresa e dos seus prepostos e empregados”[12].
7 responsabilidade penal da pessoa jurídica
“O art. 3º inova introduzindo a responsabilidade criminal das pessoas coletivas, em atenção ao comando previsto no art. 225, § 3º, da CF”[13].
“A importância dessa inovação diz com a máxima efetividade das normas ambientais aliada ao princípio da prevenção. A repressão penal é por demais importante pelo exemplo e pela propaganda negativa que decorre para a empresa. Muitas empresas escondiam-se por trás de um biombo decorrente da não possibilidade re responsabilização da pessoa jurídica e quem respondia pelos delitos, muitas vezes, eram subalternos”[14].
7.1 Principais argumentos contra a responsabilidade penal das pessoas jurídicas
1. “O principal argumento é o de que não pode haver responsabilidade penal sem culpa […]. A necessidade de um elemento subjetivo do injusto não se coaduna com a idéia de imputar delitos à pessoa jurídica. A pessoa jurídica é desprovida de consciência e vontade para praticar delitos.
CONTRA: […] A culpabilidade, no atual contexto, deve ser reavaliada, para que seja baseada também na responsabilidade social. A vontade da pessoa jurídica deriva do somatório das vontades de seus dirigentes”[15].
2. “Ademais, em face do princípio da personalidade da pena, não seria possível punir a pessoa jurídica; pois, ao puni-la, estariam sendo atingidos terceiros, como acionistas e cotistas sem poder decisório.
CONTRA: […] Ora, quando um preposto, administrador ou sócio de uma empresa praticam ato típico, e a responsabilidade por esse ato é sustentada pela empresa, não há ruptura do pressuposto constitucional causado pela comprovação de que o ato, em verdade, era ato da própria empresa, apenas praticado por intermédio de seu representante”[16].
3. “Outro argumento contrário que cede face uma análise mais séria, é o de que as pessoas jurídicas jamais seriam passíveis de apenamento com privação de liberdade.
CONTRA: […] Na verdade, a grande importância da sanção penal decorre de sua maior reprovação ética”[17].
4. “Na concepção contrária à criminalização da empresa, haveria impossibilidade de fazer a pessoa jurídica arrepender-se, posto ser ela desprovida de vontade. Portanto, não poderia ser intimidada, reeducada.
CONTRA: tal não é verdade, pois a possibilidade da sanção penal, dotada de um cunho probatório ético maior e, principalmente, sua divulgação na mídia, certamente gerará na pessoa jurídica um temor reverencial de voltar a delinqüir”[18].
7.2 Requisitos para configuração da responsabilidade penal das pessoas jurídicas
1. “É necessário que haja um benefício por parte da empresa, oriundo do fato praticado ou omitido. […] Quando, entretanto, o crime ambiental é praticado no interesse exclusivo do agente, [deixa-se] de caracterizar crime da pessoa jurídica”[19].
2. “Deve haver vinculação entre o ato praticado e a atividade da empresa. A atitude do preposto não pode estar situada fora da atividade da empresa”[20].
3. “Deve existir vinculação entre a empresa e o autor material do delito”[21].
4. “Deve haver a utilização da estrutura, da ‘máquina’, do poderio da empresa para a prática do delito”[22].
5. “Para haver crime, no sistema da Lei 9.605/98, deve existir deliberação da própria diretoria da entidade, ou quem por ela responda, ou de seu órgão colegiado, no benefício da entidade”[23].
7.3 Responsabilidade penal das pessoas jurídica de direito público
“A doutrina francesa, com apoio na lei, acabou concluindo pela impossibilidade de tal incriminação. É que, na França, só é possível criminalizar as condutas de pessoas jurídicas de direito privado”[24].
“No sistema, na Lei 9.605/98, não há vedação expressa à criminalização das pessoas jurídicas de direito público […]”[25].
“Em opinião particular, punir uma pessoa jurídica de direito público significa punir a sociedade que, na verdade, é o sujeito passivo do delito ambiental”[26].
8 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e co-autoria
“O delito praticado por pessoa jurídica é sempre de co-autoria necessária. Para que uma pessoa jurídica pratique um crime, obrigatoriamente pessoas físicas ocuparam-se de deliberar […] e pessoas executaram essa deliberação. Na medida de sua culpabilidade, todas elas respondem em concurso com a pessoa jurídica, pois se trata de co-autoria necessária”[27].
9 Desconsideração da pessoa jurídica
O art. 4º da Lei dos Crimes Ambientais é cível.
“Deve-se perceber que a desconsideração é possível diante do mero fato de a personalidade ser um obstáculo ao ressarcimento do dano. Diversamente do que ocorre no art. 50 do Código Civil, não se exige confusão patrimonial ou qualquer outro elemento subjetivo”[28].
10 das penas na lei de crimes ambientais
“São penas aplicáveis à pessoa natural as privativas de liberdade (parte especial), as restritivas de direitos (arts. 7º a 14) e multa (art. 18 e parte especial). As penas aplicáveis às pessoas jurídicas estão previstas nos arts.
10.1 Das penas restritivas de direitos aplicáveis às pessoas físicas (arts. 7º e 8º)
“O legislador destacou a autonomia dessas penas, para esclarecer não serem elas acessórias, na esteira do que já preconiza o CP desde a reforma de
“Quanto ao critério para substituição, apregoa-se que a pena restritiva de direitos será aplicada pelo mesmo tempo previsto para a privativa de liberdade (art. 7º, § único)”[31].
“No tocante às espécies de penas restritivas de direitos, o art. 8º da LCA apresenta distinções em comparação com o rol do art. 43 do CP, com a ocorrência de modalidades distintas. O inc. V contempla o recolhimento domiciliar como modalidade de restritiva de direito […], mas acabou sendo vetado pelo Presidente da República […]. Mesmo assim, em relação aos crimes ambientais, de forma específica, essa modalidade de restritiva de direitos não foi vetada […]”[32].
10.2 Penas de interdição temporária de direitos aplicáveis às pessoas físicas
“O elenco da Lei 9.605/98 é distinto do que figura no art. 47 do CP. A Lei Ambiental prevê as seguintes espécies (art. 10):
¾ proibição de contratar com o Poder Público;
¾ proibição de receber incentivos fiscais ou qualquer outro benefício;
¾ proibição de participar de licitações”[33].
“Não contemplou o legislador a pena de proibição de exercício de cargo ou função pública, nem a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial”[34].
10.3 A pena de prestação pecuniária
“O art. 12 da Lei 9.605/98 traz uma pena que não se confunde com a multa, nem com a indenização civil, mas o montante pago a esse título será deduzido do montante de eventual reparação civil a que for condenado o infrator”[35].
“Essa pena parece considerar o caráter difuso do dano ambiental quando permite ao juiz favorecer a vítima imediata do crime com essa quantia”[36].
10.4 A suspensão condicional da pena (sursis)
“A LCA amplia a possibilidade de sursis para condenações até três anos de reclusão. O disposto no art. 77, § 2º, CP, com a redação dada pela Lei 9.714/98 aplica-se também aos crimes ambientais […]”[37].
“Na prática, constata-se que o sursis terá escassa aplicação na Lei Ambiental, porquanto um de seus requisitos é não ser indicada ou cabível a substituição da pena por restritiva de direito (art. 77, III, CP)”[38].
10.5 A pena de multa
“O art. 18 da LCA possibilita que o teto da pena de multa previsto no Código Penal possa ser elevado, em até três vezes”[39].
10.6 As penas aplicáveis às pessoas jurídicas
“O art. 21 da LCA prevê, para pessoas jurídicas, as seguintes penas:
¾ multa;
¾ restritiva de direitos;
¾ prestação de serviços à comunidade”[40].
10.7 Critérios para apenamento da pessoa jurídica
“Há que observar, no tocante ao quantum da pena e espécie eleita, o art. 44, § 2º, CP, com a nova redação dada pela Lei 9.714/98”[41].
“O máximo de duração da pena restritiva de direitos será o máximo previsto para a pena privativa de liberdade, daí por que se torna difícil, senão impossível, aplicação do prazo de 10 anos previsto no § 3º do art. 22 da L. 9.605/98 (nenhum crime na lei chega a ter pena de 10 anos)”[42].
10.8 Efeito extrapenal da condenação
“O art. 24 da Lei 9.605/98 permite seja decretada a liquidação forçada da pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido em lei”[43].
11 A transação no âmbito da lei n. 9.605/98
“Ada Grinover, ao analisar o art. 28 da Lei 9.605/98, que se referiu, ao exigir laudo de constatação de reparação do dano ambiental para a declaração de extinção da punibilidade, às infrações de menor potencial ofensivo previstas na Lei 9.605/98, entendeu que este diploma teria introduzido no ordenamento jurídico brasileiro um novo conceito de infração de menor potencial ofensivo, o qual abarcaria, para os efeitos da nova lei ambiental, os crimes por ela definidos, para os quais esteja cominada, em abstrato, pena mínima não superior a um ano (art. 28 da Lei 9.605/98 combinado com o art. 89 da Lei 9.099/95). De conseqüência, entende a autora, aplicam-se a essas infrações tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 98, I, da CF/88”[44].
“Essa não tem sido a posição predominante. Como ensina Eládio Lecey, a lei ambiental, no art. 28, visou a regulamentar a extinção da punibilidade nos casos de suspensão condicional do processo (em regra, infrações de médio potencial ofensivo)”[45].
“Em relação à pessoa jurídica, a posição predominante é no sentido de ser-lhe aplicável o instituto da transação penal. Sugere Eládio Lecey a aplicação de penas restritivas de direitos atinentes à pessoa jurídica (art. 22 da LCA), a título de prestação social, em sede de interpretação extensiva, fulcrada no art. 5º, inc. XLVI, alínea d, da CF/88”[46].
12 A composição do dano
“Pela Lei 9.605/98, a prévia composição do dano é condição à proposta de transação penal (art. 27). Essa composição consiste na celebração de um acordo, com força de título executivo (judicial ou extrajudicial), que tenha por meta a efetiva reparação do dano”[47].
“Na Lei 9.099/95, nos crimes de ação penal privada e nos de ação penal pública condicionada à representação, a composição do dano é causa extintiva da punibilidade (instituto despenalizador)”[48].
* Acadêmico de Direito na UFSC e colunista do Portal Jurídico Investidura.
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[1] P. 161-2.
[2] P. 162.
[3] P. 162.
[4] P. 163.
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[6] P. 163-4.
[7] P. 164.
[8] P. 164.
[9] P. 164.
[10] P. 164.
[11] P. 165.
[12] P. 165.
[13] P. 165.
[14] P. 165-6.
[15] P. 168-9.
[16] P. 169.
[17] P. 170.
[18] P. 170.
[19] P. 170-1.
[20] P. 171.
[21] P. 171.
[22] P. 171.
[23] P. 171.
[24] P. 172.
[25] P. 172.
[26] P. 172.
[27] P. 173.
[28] P. 174.
[29] P. 174.
[30] P. 174.
[31] P. 174.
[32] P. 174-5.
[33] P. 175.
[34] P. 175.
[35] P. 175.
[36] P. 175.
[37] P. 176.
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[42] P. 177.
[43] P. 178.
[44] P. 178.
[45] P. 179.
[46] P. 179.
[47] P. 179.
[48] P. 179.