Lula e José Serra: certíssimos!
Francisco César Pinheiro Rodrigues*
No Dia Internacional da Mulher o presidente Lula e o governador José Serra emitiram pronunciamentos independentes relacionados com a proteção à mulher, no Brasil e no Estado de São Paulo. Medidas para evitar a aids; contenção da gravidez indesejada de adolescentes; diminuição da sífilis congênita (o bebê nasce sifilítico, contaminado pela mãe, nada a ver com genética). A intenção é diminuir a miséria e a criminalidade de rua, criminalidade estimulada pela “produção em massa” de inúmeras crianças que já nascem marcadas — no corpo ou na mente —, pela subnutrição, doenças da mãe, alcoolismo, drogas e ignorância dos pais, estes tão vítimas e infelizes quanto seus filhos.
Essas lesões, disfunções ou “estranhezas” cerebrais, nem sempre facilmente perceptíveis, certamente explicam muitos fenômenos morais e mentais, aparentemente “inexplicáveis”, danosos à comunidade e aos próprios titulares, como o canibalismo compulsivo — associado a perversões sexuais —, cleptomania, atração sexual doentia por crianças, deficiência mental ou “de caráter” — ou o que for futuramente melhor estudado e rotulado. S é verdade que o homem já mapeou o planeta e as galáxias próximas, apenas tateia na escuridão do próprio cérebro. Danos em certas áreas — tumores, pancadas, ataques de bactérias ou vírus — afetam o senso moral e talvez expliquem porque figurões já riquíssimos ponham em risco sua liberdade de ir e vir — ou pelo menos a “reputação ilibada”, se absolvidos na justiça —, na busca de novas fortunas ilícitas que nem eles nem seus filhos e netos terão tempo de gastar.
Os objetivos das medidas anunciadas pelo governo brasileiro e paulista merecem total aprovação. Se o presidente Lula, falando de improviso, pode eventualmente ter chocado os ouvidos mais sensíveis de pessoas preocupadas com o pudor e a gramática, isso tem menor importância. O conteúdo e a boa intenção valem mais que a estética, em decisões governamentais. Presidentes têm que zelar, primeiro, pelo bem comum, e só secundariamente pela elegância do estilo. O ideal seria que as duas coisas — conteúdo e forma — caminhassem juntos, mas quando isso não é possível, que pelo menos festejemos o conteúdo. É o caso da fala presidencial mencionada.
Tudo deve ser feito, pelos governos dos países em desenvolvimento, para reduzir a natalidade, quase sempre irresponsável. Não é certamente “chique”, “de bom tom”, o governo ensinar ao favelado, de forma explícita, como usar os métodos anticoncepcionais. É que se não for utilizada a pedagogia apropriada, crua e direta, corre-se o risco de o favelado não entender, ou simplesmente fugir de qualquer explicação, por simples preconceito. E a área sexual é impregnada de preconceitos. Muitos homens, por exemplo — e não só favelados… —, pensam que a vasectomia os tornará impotentes, o que não ocorre. O horror ao vexatório exame de próstata explica o grande número de cânceres de próstata. A meu ver, uma recompensa econômica deveria ser paga — como estímulo —, ao homem que, comprovando já ser pai, se submeta à vasectomia gratuita. E discordar da política do governo com base em considerações abstratas, filosóficas — tais como “o exclusivo direito do casal de planejar o número de filhos” — é não querer encarar de frente a dura realidade cultural do país.
A mulher pobre raramente gera inúmeros filhos porque assim planejou. Quem “planeja” a filharada é o desejo sexual — mais do marido —, mais a desinformação, mais a falta de recursos materiais. Nem pensar em recomendar abstinência sexual ao casal nos dias férteis da mulher, as “tabelas”, porque a simples proibição funciona como afrodisíaco. É a desinformação e a pobreza que explicam o fornecimento abundante da carne humana barata para o emprego mal remunerado, o subemprego, o desemprego, a mendicância e a criminalidade. Quem boicota as providências tomadas ou anunciadas por Lula e José Serra talvez esteja, sem saber, decretando seu próprio assassinato, ou o de um parente, daqui a uns quinze anos, vitimado por um menor que nem deveria ter nascido, se cumpridas as referidas promessas governamentais.
O planeta já comporta gente demais. Engraçado é que há enorme grita contra gases poluidores, de efeito estufa, mas pouco se fala do autor desses gazes nocivos: o homem. Ataca-se o efeito, o dióxido de carbono, mas quase se silencia sobre quem produz esses gases. Não houvesse a China limitado a natalidade a um filho por casal, quão mais poluído não estaria hoje o planeta?
E já que falamos em China, não esqueçamos que um bilhão e trezentos milhões de chineses pretendem crescer em riqueza e gozar dos confortos hoje disponíveis à classe média americana. Imagine-se, dentro de poucos anos, um bilhão de carros trafegando na China e seiscentos milhões na Índia. Se as indústrias automobilísticas não providenciarem logo um veículo movido a hidrogênio, o desastre ambiental é garantido.
O etanol polui bem menos que o petróleo, mais polui. Além disso, as imensas áreas destinadas ao “petróleo verde”, os canaviais, roubam o espaço destinado à produção de alimentos. O açúcar tem função marginal na nutrição humana. E novas bocas, aos milhões, estão chegando, mensalmente. Bocas famintas. Não esquecer que cada geração de bebês significa “uma nova invasão de bárbaros”, no dizer de um autor. Os “pequenos bárbaros” precisam ser nutridos, educados, vestidos, abrigados e empregados, uma pesada incumbência governamental em uma era de tanto avanço na tecnologia que substitui o trabalho humano. Qual a prioridade mais sábia? Alimentar os motores ou os seres humanos? Há que se ampliar o canavial, o eucaliptal e o campo de milho, mas até um certo limite, reservado à produção de alimentos. Mas aí estamos em outro assunto. Quis apenas lembrar que há conexão, não muito distante, entre os temas “poluição ambiental causada por combustíveis” e “a proliferação humana”.
A solução de longo prazo para um crescimento harmônico está em desestimular mundialmente a natalidade irresponsável, seguindo velha receita dos especialistas no assunto e anunciada — separadamente, Serra deve exigir… — por Lula e Serra no Dia Internacional da Mulher. Mesmo casais hoje com boas condições econômicas põem em jogo sua tranqüilidade na velhice, quando têm cinco ou mais filhos. Provavelmente, ficarão agoniados com o desemprego de alguns deles, algo que dificilmente não acontecerá.
Está na dosagem da produção uterina a chave mestra não só para o controle da poluição ambiental como da própria pobreza. Se, por um quase milagre, as mulheres pobres do mundo se unissem, provisoriamente, na “campanha por um filho só”, em 18 anos a mão de obra braçal se tornaria tão escassa que não haveria mais desemprego. Até aleijados seriam requisitados, porque nem tudo pode ser operado pelo robô. A raridade da “mercadoria” humana elevaria o preço da mão de obra às alturas. Sem revolução, sem conflitos, sem teorias políticas, sem socialismo. Simples conseqüência da lei da oferta e da procura. Um quase “paraíso terrestre” que está aí, à disposição, latente mas sequer mencionado porque a simples verbalização despertaria imensos temores daqueles que precisam dispor de mão de obra barata, sem a qual seu lucro seria mínimo. E com tanta oferta de emprego razoavelmente remunerado, mínima seria a criminalidade violenta, a que mais incomoda a coletividade.
O problema no controle racional da natalidade está no difundir mundialmente essa necessidade de limitação de nascimentos em todos os países, notadamente os menos desenvolvidos. Se apenas um ou outro país adotar, internamente, essa política, os demais — que não controlam a natalidade, mantendo superpopulação de desempregados —, não impedirão que seus cidadãos saiam do país em busca de novas oportunidades. “Invadirão” países mais organizados. Se, v.g, no México houvesse emprego à vontade, e bem remunerado, não haveria porque o governo americano se preocupar tanto com a imigração ilegal.
O mais interessante é que um assunto tão importante como esse não seja mais explorado na mídia. A explicação, provavelmente, está no fato de que o resultado da decisão política só terá efeitos concretos muitos anos depois, e os governantes costumam só pensar no imediato, enquanto estão no cargo. Não é o caso de Lula e José Serra, que nesse ponto — mesmo dominando a azia —, estão de acordo.
* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.
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