Dentre os princípios intrassistemáticos da mínima intervenção penal existem os princípios de limitação formal, de limitação funcional e os princípios de limitação pessoal ou de limitação da responsabilidade penal. Tratarei destes últimos (resumidamente).
Princípios de limitação pessoal ou de limitação da responsabilidade penal:
Princípio da imputação pessoal ou principio da personalidade
1 Segundo este princípio as violações aos direitos humanos devem ter relações causais diretas ao comportamento de pessoas físicas.
2 A pena recai somente à pessoa ou às pessoas físicas autoras do delito
3 Exclui toda forma de responsabilidade de pessoas jurídicas e de entes morais
Contra os argumentos de que não haveria possibilidade de defesa perante os complexos organizados (sociedades, empresas), Baratta coloca que o sistema penal atual criminaliza geralmente uma ou algumas pessoas em nome da organização, o que faz com que os verdadeiros beneficiários do lucro permaneçam longe da ação repressiva e, ainda, afirma que em situações como essas é difícil encontrar-se os reais responsáveis individuais. Como alternativa para punir as pessoas jurídicas ele teve uma idéia mais realista: penalizar estes complexos por meio de sanções e desincentivos; assim, golpea-se com real e maior eficácia o núcleo essencial – a liberdade de operação e o patrimônio.
Princípio da responsabilidade pelo fato
1 Este princípio afasta toda forma de direito penal do autor e se mantém somente o direito penal do ATO
2 As características pessoais do imputado não podem fazer derivar responsabilidade penal; estas características devem servir exclusivamente para a diferenciação de regimes de retenção
3 Nenhuma forma de medida coativa pode derivar-se da PERICULOSIDADE SOCIAL de um sujeito
4 Baratta critica fortemente o sistema de repressão que existe para os menores e para os sujeitos que apresentam transtornos psíquicos. Este sistema acarreta efeitos repressivos e estigmatizantes tão grandes ou maiores que os do cárcere. Ele conceitua os manicômios como sistema punitivo paralelo e propõe que para eliminá-los deve-se estender a estes sujeitos a disciplina jurídica formal, elaborada segundo concepções modernas e progressistas. Para os menores, deve-se eliminar todo o sistema punitivo tendo em vista que eles são penalmente incapazes, pois não atingiram a idade mínima estabelecida. A solução para eles seria através de medidas pedagógicas modernas e mais eficientes.
Princípio da exigibilidade social do comportamento conforme a lei
1 Com este princípio cria-se a exigência de definição rigorosa dos requisitos normativos apropriados para regular a comprovação judicial da condição posterior para a responsabilidade penal (culpabilidade).
2 Segundo Baratta, baseado no contexto situacional da ação há duas series de requisitos normativos:
– causas de não exigibilidade social do comportamento conforme a lei e os critérios para a sua verificação na situação da ação e aos papeis sociais /institucionais cobertos pelo sujeito na situação problemática.
– critérios de avaliação do espaço de alternativas comportamentais à disposição do sujeito na situação problemática em que se levou cabo a ação.
Princípios extrassistemáticos da mínima intervenção penal:
Extrassistemáticos são aqueles que se referem a critérios políticos e metodológicos para a descriminalização, construção de conflitos e problemas sociais como forma alternativa ao sistema penal.
1) princípios extrassistemáticos de descrimininalização
São a maior parte dos princípios extrassistemáticos porque relacionados aos direitos humanos. Trata-se da eliminação parcial ou total de figuras delitivas ou a redução das medidas punitivas. Descriminalização consiste em renunciar à incriminação de certas condutas ou declarar a perda do caráter criminal de uma infração, em proceder a verdadeira filtragem do ordenamento jurídico-penal positivo
a) Princípio da não intervenção útil: indica que nem sempre a troca de uma forma de controle por outra resolve o problema da criminalidade, mas que alternativa está no campo da diminuição da desigualdade social e distribuição de uma sociedade igualitária com a conseqüente emancipação dos indivíduos. A intervenção penal somente deverá atuar quando essencial ao funcionamento da sociedade e desenvolvimento da personalidade do homem. Também é um critério da necessidade da tutela penal
b) Principio da privatização dos conflitos: pretende deslocar da esfera penal para outras esferas (controladores sociais informais: escola, comunidade, igreja, ongs, etc, ou, sociais formais não penais como direito administrativo, civil, etc) a serem resolvidos através da mediação, por exemplo – impede que a intervenção penal atue enquanto houver outros meios diversos das vias penais.
c) Princípio da politização dos conflitos: complementa o principio da privatização. Diz respeito a cidadania, a participação e o controle popular na gestão de contradições no sistema político visando impedir ou atenuar a construção do sistema penal meramente técnico e com fins ao uso político populista. Este na verdade criminaliza mais o que poderia estar no espaço extra-penal.
d) Princípio da preservação das garantias formais: exige que nos casos de deslocamento dos conflitos para outras esferas do controle social, as condições dos sujeitos não seja em condições inferiores (menores garantias) as que propiciadas pelo direito penal.
Cabe ressaltar que, embora muito positiva ao funcionamento do sistema penal em geral, a descriminalização tem sido embaraçada ou efetivamente impedida pela reticência do legislador, ou pressões de grupos políticos e religiosos.[1]
3. O FUTURO DA CRIMINOLOGIA E O MODELO INTEGRADO DAS CIÊNCIAS PENAIS.
Sob a influência da teoria do labelling, na década de 60, o modelo de ciência penal de Von Liszt entrava em colapso.
A partir de então, legislação, dogmática, jurisprudência, polícia e senso comum passam a ser problema e objeto de estudo.
O discurso científico exerce sobre o sistema judiciário o que se costuma chamar “controle interno”.
É um controle formal dirigido à medição da correspondência entre a prática repressiva e os princípios do direito penal liberal.
Há, outrossim, um “controle externo”, baseado no princípio da justiça material e de seus critérios políticos que levam em conta os efeitos externos do sistema: a seletividade e a defesa dos bens jurídicos, mediante intervenção punitiva sobre as situações e comportamentos problemáticos.
Deve-se considerar, por outro lado, que nas questões de relevância penal, o sistema penal não atua isoladamente. Há outros sistemas de controle atuando com ele, como instituições do Estado e da sociedade civil.
Distingue-se hoje no discurso criminológico uma “dimensão de definição ou de reação social” de uma dimensão comportamental.
Na primeira, com fortes contribuições da criminologia crítica, formou-se um modelo integrado de ciência jurídico-penal, que funciona como controle interno do sistema.
Já à dimensão comportamental faltam limites estáveis, bem como homogeneidade.
Baratta afirma não ter futuro uma disciplina que pretenda encerrar na gramática a dimensão comportamental da questão criminal, isto é, todas as questões problemáticas ou ligadas a violações de direitos, todo tipo de violência e todos os conflitos que com ela se relacionam.
É necessário, pois, um discurso capaz de interagir na academia, bem como na disciplina institucionalizada. E somente um sujeito coletivo, constituído por atores das diversas comunidades científicas, poderá realizar tal intento.
4. EFICIENTISMO PENAL E EFICIÊNCIA DO PACTO SOCIAL.
O pacto social moderno, o direito moderno e suas constituições visam a evitar a guerra, a civilizar e a submeter a regras institucionais os conflitos políticos e sociais. É a segurança dos cidadãos a principal promessa do Estado neste cenário.
Alcança-se tal objetivo, ao menos em tese, eliminando-se a violência através do monopólio legítimo da força por um Estado imparcial.
No entanto, afã de conter a violência, o que o direito moderno fez foi ocultá-la, excluindo do pacto os sujeitos mais fracos, deixando juridicamente invisível a desigualdade e a violência estrutural na sociedade.
A verdade é que o poder punitivo continua sendo um veneno que alimenta a violência do Estado e da sociedade. E, a relação entre os conflitos sociais e a política, entre o processo institucional e informal de criminalização, entre desigualdade e repressão, entre violência estrutural e violência penal é crônica na sociedade.
Na medida em que os conflitos diminuem, e se localizam no tempo e no espaço, tende-se a desaparecer a associação entre guerra e pena, entre violência armada e violência punitiva. A condição determinante para o que podemos chamar normalização do sistema penal, consiste no Estado controle efetivo sobre qualquer sistema paralelo, para impedir a continuação da guerra e promover a solução pacífica dos conflitos sociais e políticos.
A normalidade do sistema penal é, portanto, fruto do respeito ao pacto social e da vigência da Constituição.
Além da paz, a normalidade requer: a eficácia das normas que regulam a organização e a divisão dos poderes do Estado e garantem os direitos fundamentais dos cidadãos.
Neste caminho de luta política pacífica, há que se fazer uma interpretação e uma aplicação DINÂMICA da Constituição. Deve-se privilegiar uma política de proteção integral dos direitos. Sem isso não se consegue o chamado sistema penal normal.
Outro fato do moderno sistema penal criticado por Baratta é o que se denomina eficientismo, ou funcionalismo. Há quem fale em direito penal de emergência. Tal inversão transforma o direito penal em prima ratio ao invés de ultima ratio, o que se propõe a ser.
A essa criminalização dos conflitos pelo eficientismo podemos atribuir os movimentos de “lei e ordem”, o maniqueísmo de um processo de moralismo exarcebado e o etiquetamento desenfreado.
O eficientismo paradoxalmente aumenta as penas e a impunidade; eleva os níveis de seletividade estrutural; enche as prisões com os sujeitos mais pobres.
Isso tudo porque o eficientismo busca soluções fora da política.
Dessa forma, Baratta propõe o direito penal mínimo, o direito penal da constituição, não só um programa de um direito mais justo, como também um grande programa de justiça social e de pacificação dos conflitos.
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[1], Amaral, Cláudio do Prado. Princípios Penais – da legalidade à culpabilidade. IBCCRIM. N.º 24.
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