HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Ícone, 2000, caps. XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XXI, XXVI e XXIX.
Capítulo XIII – Da condição natural do gênero humano no que concerne à sua felicidade e desgraça.
1. Hobbes afirma que a natureza criou os homens iguais no corpo e no espírito. Essa igualdade é provada quando se pensa em um conjunto de pessoas, onde as diferenças são pouco importantes de modo que todos podem aspirar às mesmas coisas. No que diz respeito à força, vê que o mais fraco possui condições de matar o mais forte mediante a maquinações ou aliando-se a outro. Quanto às faculdades mentais ele afirma que há ainda mais semelhanças, uma vez que seus pensamentos possuem uma grande intersecção.
2. Dessa igualdade, vemos os homens quererem as mesmas coisas e, assim, não podendo desfrutá-las por igual. Por conseguinte, eles se tornam inimigos e tratam de eliminar e subjugar uns aos outros.
3. O temor do poder do outro causa a situação de desconfiança mútua. Se alguém possui algo, teme que outros tomem para si. Vale ressaltar que quem rouba algo de alguém assume o mesmo risco daquele que possuía o bem e foi subjugado.
4. Os homens não sentem nenhum prazer quando estão reunidos antes que um poder se imponha sobre eles. Cada homem considera que seu semelhante deve valorizá-lo tanto quanto ele se valoriza e, em presença de sinais de desprezo, procura arrancar maior estima de seus adversários infligindo-lhes algum dano.
5. Daí, vemos as três principais causas da discórdia humana: a competência, a desconfiança e a glória. A competência impulsiona os homens a atacarem-se para conseguir algum beneficio; a desconfiança garantiu-lhes a segurança e a glória, a reputação.
6. Logo, quando não existe um poder comum capaz de manter os homens em respeito ocorre a condição de guerra. Uma guerra de todos contra todos. Deve-se lembrar que essa guerra não é apenas o ato de batalhar, mas, também, o período em que existe vontade de guerrear.
7. Nesses tempos de guerra o medo marca a vida humana. Os homens vivem sem segurança anão ser a própria força e sua criatividade. Não há desenvolvimento de ciência, nem de artes, agricultura, ou em qualquer área do conhecimento humano. A vida do homem é, então, pobre, solitária, embrutecida e curta.
8. A conseqüência disso é que nada pode ser injusto. As noções de bem e mal, justo e injusto, não encontram lugar nesse procedimento, não há lei, não há poder comum; e onde não há lei não há justiça.
9. O temor à morte, o desejo pelas coisas que dão conforto e a esperança de obtê-las por meio de seu trabalho são as paixões que inclinam os homens a desejar a paz e reverter esse quadro.
Capítulo XIV – Da primeira e segunda leis naturais e dos contratos
1. A liberdade de cada homem em utilizar seu poder como bem lhe aprouver para preservar sua natureza (vida) e de, consequentemente, fazer tudo aquilo que segundo seu julgamento e razão é adequado para atingir esse fim é o Direito de Natureza (Jus Naturale).
2. Liberdade é a ausência de empecilhos externos que podem, muitas vezes, subtrair o poder de cada um agir como quiser, mas não impedir que se use o poder restante de acordo com o próprio julgamento e razão.
3. Já a Lei as Natureza (Lex Naturalis) é a norma ou regra geral estabelecida pela razão, que proíbe o ser humano de agir de forma a destruir a sua vida ou privá-lo ou fazê-lo omitir os meios necessários à sua preservação.
4. Assim, o direito é a liberdade de agir ou omitir, diferentemente da lei que obriga a agir ou omitir.
5. Da primeira parte da Regra Geral da Razão – o esforço para obter a paz durante o tempo em que o homem tem esperança de alcançá-la, fazendo, para isso, uso de ajudas e vantagens da guerra – retira-se a Lei Fundamental da Natureza: buscar a paz e segui-la. (A segunda parte da o sumo do Direito da Natureza que é defendermo-nos por todos os meios possíveis)
6. Da Lei Fundamental da Natureza deriva uma segunda lei: “o homem deve concordar com a renúncia de seus direito a todas as coisas, contentando-se com a mesma liberdade que permite aos demais, na medida em que considere a decisão necessária à manutenção da paz e em sua própria defesa”.
7. Essa renúncia de direito significa privar-se da liberdade de negar a outro homem o beneficio de seu próprio direito. Aquele que o faz, não dá a outrem um direito que já não tivesse, pois, por natureza, não existe nada que o homem não tenha direito – ele apenas se afasta do caminho alheio, não impondo obstáculos para que ele goze de seu direito, não importando a quem beneficiará.
8. Um direito pode ser abandonado por transferência ou renúncia. Um Direito é renunciado, como já dito, quando não importa a quem o ato beneficiará; já, transferido, quando através de seu abandono, se pretende beneficiar determinada pessoa ou pessoas. Dessa forma, transferir o Direto é semelhante a renunciá-lo, mas com o intuito de favorecer alguém.
9. Ao transferir ou renunciar um direito o homem considera o que lhe foi reciprocamente transferido ou o faz com a esperança de ser beneficiado.
10. Há, no entanto, direitos que o homem não transfere. Eles são: o de revidar ao ataque de quem, pela força, tenta tirar-lhe a vida, uma vez que não traz benefícios a quem sofre. Ademais, não se pode admitir que ferimentos, prisão e cárcere, enfim, tudo que atente contra a segurança de um homem não pode ser renunciado ou transferido.
11. O contrato é um acordo de transferência mútua de direitos.
12. Um pacto (ou uma convenção) é o contrato em que um dos contratantes pode cumprir sua parte em momentos posteriores. Além disso, os contratantes podem acertar que o pacto feito será cumprido por ambos no futuro.
13. Se a transferência de direitos não for mútua tem-se uma doação ou dádiva. Nela uma das partes transfere esperando conquistar a amizade de outro(s), na esperança de ser considerado caridoso – para libertar-se da compaixão – ou ainda, com o intuito de alcançar o céu.
14. Vale ressaltar que se houver uma mínima suspeita, desde que seja razoável, que ninguém cumprirá prontamente sua parte do pacto, este se torna nulo. Entretanto, caso haja um poder superior aos contratantes, com força e direito para impor o cumprimento do pacto, ele não será nulo.
15. As palavras por si só não têm força suficiente para garantir o cumprimento do contrato, pois elas se tornam fracas diante das paixões humanas. Em um Estado Civil, todavia, o cumprimento dos contratos torna-se um dever pela existência de um poder coercitivo.
16. Quem transfere um direito, transfere também os meios para usufruí-lo enquanto está sob seu domínio. Assim, quem vende um terreno não subtrai as plantas; quem vende um moinho, também vende a energia que ele produz.
17. Não há pacto se aceitação. Daí, pode-se tirar que não dá para fazer pactos com animais ou com Deus. Quanto aos primeiros, isso se deve ao fato deles não entenderem nossa linguagem. Quanto ao Segundo, a falta de conhecimento da aceitação também os invalida. A não ser quando há mediadores que falam com Ele, podendo aí, saber se o pacto foi aceito ou não.
18. Fazer um pacto é prometer algo a alguém, por vontade própria, para ser cumprido no futuro.
19. Para libertar-se de um pacto há duas maneiras: ou o homem o cumpre ou a outra parte o perdoa, voltando, assim, para o estado natural.
20. Os pactos são obrigatórios, tanto os que foram feitos legitimamente, quanto os que foram feitos por temor, na condição de natureza.
21. Como a força das palavras é fraca para obrigar os homens a cumprirem os pactos, eles instituíram um poder coercitivo. Este deve pôr medo das conseqüências do não cumprimento de sua palavra ou pelo orgulho natural do homem.
Capítulo XV – De outras leis da natureza
1. A Terceira Lei da Natureza é: os homens devem cumprir o pacto que celebrarem.
2. Injustiça é o não cumprimento do pacto.
3. A definição comum de justiça é a vontade constante de dar a cada um o que é seu.
4. A definição hobbesiana de justiça é o cumprimento dos pactos válidos e essa validade começa com o estabelecimento de um poder civil que obrigue os homens a cumpri-los.
5. A distinção entre justiça e injustiça é feita a partir da conformidade ou não das ações feitas com a razão. Um homem justo é o que se preocupa se suas ações são justas; o injusto despreza essa classificação.
6. A justiça das ações divide-se em comutativa e distributiva. A primeira consiste na igualdade de valor das coisas, objeto do contrato. A última, em distribuir benefícios iguais a pessoas de méritos iguais.
Hobbes continua enunciando as leis da natureza. Vejamos algumas:
7. A quarta lei da natureza é aquela que diz que quem recebeu um benefício de outra pessoa, por simples graça, deve-se esforçar-se para não dar ao doador motivo razoável de arrependimento. (Lei da gratidão)
8. A quinta lei, a da complacência, afirma que cada um deve se esforçar para convivem com os outros.
9. A sexta lei, do perdão, é anunciada assim: como garantia do tempo futuro, devem ser perdoados os que nos ofenderam no passado, mas tenham se arrependido ou desejam isso.
10. A oitava lei é formulada com base no fato do ódio e do desprezo provocarem a luta entre os homens, por isso, ela prega: que nenhum homem, por meio de palavras ou atos, demonstre ódio e desprezo pelo outro.
11. A nona lei estipula que os homens reconheçam os demais como seus iguais por natureza. O desrespeito disso é o orgulho e pode, também, provocar conflitos.
12. A décima lei deriva da nona e estipula que ao se iniciarem as condições de paz, ninguém deve pretender reservar apenas para si um direito que não aceitaria que fosse privilegio de qualquer outro.
13. A observância da lei que determina que se distribua igualmente a cada homem o que lhe cabe segundo a lei da razão é a equidade (ou justiça distributiva).
14. Dela deriva uma nova lei – a décima primeira -: que as coisas que não podem ser divididas sejam desfrutadas por todos, na medida do possível, e, se a quantidade do que está sendo distribuído o permitir, sem limites; caso contrário, proporcionalmente entre aqueles que têm direito. Assim, há eqüidade.
15. A décima segunda lei determina: que se outorgue salvo-conduto a todos os homens que servem de mediadores da paz.
16. A décima terceira lei estabelece que os que se acham em controvérsia devem submeter ser direito ao julgamento de um Árbitro. Isso, pois o homem tende a fazer tudo em próprio beneficio, então não pode julgar suas próprias causas.
17. As leis da natureza ditam a paz como meio de preservação das multidões. Todas as leis podem ser resumidas na seguinte: faz aos outros o que gostaria que te fizessem.
18. As leis da natureza obrigam in foro interno, ou seja, estão ligadas a um desejo de vê-las cumpridas; mas in foro externo, nem sempre obrigam. Um homem que cumprisse todas as suas promessas em uma época em que ninguém fizesse o mesmo, estaria contrariando o próprio fundamento das leis. Desta forma, as leis obrigam in foro interno, porém, podem ser desrespeitadas.
19. Segundo Hobbes, a única e verdadeira ciência moral é a das leis da natureza, pois essa busca a preservação do homem em sociedade.
20. Uma lei propriamente dita, é a palavra de quem, por direito, tem o poder de mando sobre os demais. Logo, é inapropriado chamar de leis a esses ditames da razão, a não ser que considerarmos que estes teoremas são transmitidos pela palavra de Deus, que tem o direito de mando sobre tudo.
Capítulo XVI – Das pessoas, autores e coisas personificadas
1. “Denomina-se pessoa o ser cujas palavras ou ações são consideradas ou como suas próprias ou representam as palavras ou ações de outro homem ou algum outro ser ao qual são atribuídas, seja a verdade como a ficção.” (p.119)
2. Uma pessoa é considerada natural quando suas palavras e ações são próprias.
3. Quando não o são, chama-se a pessoa de artificial. Assim, esta seria uma representante das palavras ou ações de outra.
4. A relação entre pessoa e autor é a seguinte: a pessoa é o ator, ou seja, o representante que atua o personifica a outro a si; enquanto o autor é o dono das idéias.
5. Deve-se diferenciar bem o autor do ator. O primeiro é o dono das palavras ou das ações; o segundo, apenas um representante personificador.
6. O direito de realizar uma ação chama-se autoridade; em conseqüência, compreende-se, por autorização, aquilo que for realizado por permissão daquele que detém o direito.
7. Essa autoridade é passada pelo autor para o ator quando, por pacto, o segundo representa o primeiro e, os pactos firmados pelo ator – desde que estejam dentro da autoridade concedida – devem ser cumpridos pelo autor como se ele mesmo tivesse os feito.
8. Quando um ator age contra e lei da natureza, por mando do autor, se for obrigado a obedecê-lo por um pacto realizado anteriormente, não é ele, mas o autor quem infringe a lei da natureza. No caso de recusar-se a fazer tal ação o ator violaria, também, uma lei da natureza – aquela que obriga a cumprir os pactos.
9. Assim, quando existe uma autorização evidente, o pacto obriga o autor. Porém, quando há apenas uma autorização imaginária, o pacto obriga o ator, já que não existe outro a não ser ele mesmo.
10. Objetos inanimados, crianças, imbecis, loucos, figuras imaginárias e ídolos não podem ser considerados autores, pois não possuem razão para julgar seus atos. Logo, não podem dar autorização a seus atores. Porém, quando há um Estado, que possui domínio sobre as pessoas e coisas, há personificação das coisas e dos incapazes, autorizando atores para cuidar deles.
11. Uma multidão se converte em uma só pessoa quando é representada por um homem ou uma pessoa, de tal forma que esta possa atuar com o consentimento de cada um dos indivíduos que compõem essa multidão.
12. No caso de um representante que atua em nome de muitos, a voz da maioria é considerada como a voz de todos e, pela impossibilidade do Único representante agir através de dois posicionamentos contrários, o que for estipulado pela maioria torna-se a voz defendida pelo representante.
Capítulo XVII – Das causas, geração e definição de um Estado
1. O fim ou desígnio dos homens é a preocupação com a conservação e a garantia de uma vida feliz, o que leva os homens a abandonarem o estado de guerra, conseqüência das paixões humanas.
2. Os pactos não passam de palavras sem força, pois as paixões naturais dos homens (parcialidade, orgulho, vingança) são contrárias às leis da natureza e os faz tenderem ao descumprimento dessas leis.
3. Se não for instituído um poder comum para garantir a segurança dos homens, estes para protegerem-se uns dos outros, só poderão confiar em sua própria força e capacidade.
4. A humanidade não vive em harmonia social como as demais criaturas vivas por vários motivos: Primeiro, que os homens, constantemente, se envolvem em competição pela honra e pela dignidade, o que não ocorre com essas criaturas; segundo, que entre esses seres não há distinção entre bem comum e bem individual, fazendo o bem individual, acabam promovendo o bem comum, já os homens só encontram a felicidade comparando-se aos demais; terceiro, as criaturas não fazem o uso da razão, não percebendo e nem julgando erros em suas vidas. Quarto, como as criaturas não fazem o uso da linguagem, elas não são influenciadas pelas outras. Já os homens semeiam o que acham bom ou mal entre si; quinto, injúria e dano não são distinguidos pelas criaturas irracionais; sexta, enquanto o acordo vigente entre esses seres é natural, entre os homens surge apenas através de um pacto, isto é, artificialmente, e requer ainda um poder capaz de faze-lo valer.
5. A única maneira de se instituir um poder comum é conferindo a um homem, ou a uma assembléia de homens, toda a força e poder, para que possa reduzir as vontades divergentes a uma só vontade. Isto é muito mais que apenas uma permissão ou consentimento, pois é uma unidade real de todos, através de um pacto entre os homens.
6. O consentimento é a concórdia, a permissão ou aceitação comum dos homens em torno de uma decisão a ser tomada ou autorizada. No caso da escolha de um representante que resumisse as vontades de todos na de um, isso seria mais do que consentimento. Este resultado seria uma unidade real de todos numa mesma pessoa do representante.
7. Dessa forma, o pacto entre os homens seria o mesmo que cada homem dizer: Autorizo e desisto do direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de que desistas também de teu direito, autorizando, da mesma forma, todas as suas ações.
8. Assim, a multidão representada por uma única pessoa é o Estado, que tem como objetivo assegurar a paz e a defesa comum, usando o poder e a força da maneira que achar mais conveniente. A essência do Estado é a seguinte: uma pessoa instituída, pelos atos de uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, como autora, de modo a poder usar a força e os meios de todos, da maneira que achar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.
9. O titular dessa pessoa chama-se soberano.
10. Os restantes são os súditos.
11. O poder soberano pode ser adquirido de duas formas: uma pela força natural – relação pai/filho ou relação de guerra – ou pela concordância dos homens de submeterem-se voluntariamente a um homem ou a uma assembléia.
12. No primeiro caso e no último caso, temos um Estado por instituição, no segundo, por aquisição.
Capítulo XVIII – Dos direitos do soberano por instituição
1. Um Estado é considerado instituído, quando uma multidão de homens concorda e pactua que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens, como se fossem seus próprios atos e decisões.
2. Todos os direitos e faculdades daquele que possui o poder soberano são conferidos mediante o consentimento do povo reunido, derivam dessa instituição do Estado.
3. Cada homem é obrigado a reconhecer e a ser considerado autor de tudo que seu soberano fizer e considerar bom fazer, pois foram os próprios homens que pactuaram entre si, conferindo a soberania a seu representante.
4. Logo, é uma injustiça tentar tirar o poder do soberano, uma vez que estará tirando o que é seu. Da mesma forma, se alguém tentar depor o soberano e for morto ou castigado por essa tentativa, pode considerar-se como autor de seu próprio castigo.
5. Nenhum súdito pode libertar-se do poder soberano, pois este é instituído pelo pacto que cada homem celebra em consenso com os demais; assim, aquele que quebra o pacto que fez com que todos os homens também submissos ao soberano estará cometendo uma injustiça com todos os outros súditos.
6. Todos devem aceitar o soberano escolhido pela maioria, até mesmo os que tiverem em desacordo, sob o risco de serem deixados, com justiça, na condição de guerra em que se encontravam.
7. O soberano, em suas ações e decisões, nunca poderá ser considerado injusto ou injurioso por qualquer de seus súditos, uma vez que estes são, por instituição do Estado, autores de todos os atos e decisões do soberano.
8. Da mesma fora, o soberano nunca poderá ser punido, já que cada um estaria castigando outrem pelos atos cometidos por si mesmo.
9. A finalidade da soberania é, através do direito, julgar todos os meios que possam levar à defesa ou à perturbação, escolher os meios que forem necessários para a preservação da paz e da segurança.
10. É competência da soberania julgar quais opiniões estão e doutrinas são contrárias às paz, quais as que lhe são propícias e, assim, evitar a guerra civil.
11. Uma vez constituído o poder soberano, este deve prescrever as regras que ditam quais os bens que trazem prazer aos homens, e quais as ações que podem praticar. Isto é conhecido pelos homens como propriedade, e as suas regras, tal como o bom e o mau, ou o legítimo e o ilegítimo nas ações dos súditos constituem as leis civis.
12. Judicatura corresponde ao direito do soberano de dizer, ouvir e julgar todos os conflitos que possam surgir com respeito aos fatos, às leis civis e naturais.
13. O soberano também tem o direito de decidir quando a guerra com outros Estados corresponde ao bem comum, de reunir forças (exércitos) sob seu comando e cobrar os impostos necessários para fazer a guerra.
14. Compete, ainda, à soberania a indicação de todos conselheiros, ministros, magistrados e funcionários, com a finalidade de delegar funções para atingir o fim, que é manter a paz e a defesa do Estado.
15. Os direitos de punir e de recompensar, são inerentes ao soberano, pois este pode e deve atuar da melhor maneira, que ele considerar, para alcançar a paz e estimular os homens a servirem ao Estado.
16. Cabe ao soberano conceder títulos de honra e decidir qual a ordem de lugar e dignidade que cabe a cada um dos sinais de respeito, atribuindo um valor aos homens que bem servem, ou que são capazes de bem servir o Estado, através de leis de Honra.
17. A autoridade atribuída pelos homens ao soberano é inseparável e indivisível, já que o poder de todos é o mesmo que o poder do soberano.
18. O poder de todos é o mesmo que o poder do soberano, pois este representa a vontade de todos, uma vez que eles fizeram um pacto e instituíram um soberano.
19. O povo geralmente culpa a forma de governo pelas adversidades da vida, entretanto o poder é igual, sob todas as formas, se estas forem suficientemente perfeitas para proteger os súditos. A primeira vista pode parecer que a condição dos súditos é muito miserável, estando sujeita as paixões irregulares daqueles que detêm o poder, todavia não existe maior calamidade para os homens que a condição de guerra civil, onde não há poder coercitivo, nem qualquer sujeição às leis.
Capítulo XXI – Da liberdade dos súditos
1. Liberdade significa ausência de impedimentos externos do movimento, se aplicando tanto para as criaturas como para as coisas. O fato de algumas coisas ou criaturas vivas não possuírem movimentação (uma pedra ou uma árvore por exemplo) não quer dizer que não há liberdade, apenas não existe poder de movimentação característico de suas próprias constituições.
2. Um homem livre é aquele que não é impedido de fazer as coisas que tem vontade e as faz graças à sua força e engenho.
3. As ações dos homens praticados em um Estado são geralmente passíveis de omissão, isto é, os autores têm a liberdade de omitir, mesmo temerários às leis e ao poder do soberano. Da mesma forma, várias ações são motivadas pelo temor, porém ninguém está impedido de não a realizar, logo é um ato de liberdade. Portanto liberdade e temor são palavras compatíveis.
4. Temor e liberdade também são compatíveis, uma vez que as ações voluntárias do homem, seus desejos e inclinações decorrentes de suas vontades, seriam também necessidades derivadas daquilo que Deus quer para o homem.
5. Assim como os homens criaram um homem artificial chamado Estado, através de pactos mútuos, almejando a paz, criaram também as leis civis. Estas leis são uma conexão entre o poder soberano e cada um dos súditos, restringindo alguns direitos dos súditos e, assim, limitando de certa forma sua liberdade.
6. Essas leis civis tiram seu poder do pacto que concedeu a soberania a um homem ou a uma assembléia e também dos pactos mútuos entre os súditos e das decisões tomadas de acordo com a vontade do soberano – que também é a vontade de todos.
7. A liberdade dos súditos está, somente, naquelas coisas permitidas pelo Soberano ao regular suas ações. Com referência as demais ações, se o soberano não estabeleceu regras, o súdito tem a liberdade de fazer ou de omitir, conforme sua vontade.
8. A liberdade do Estado se assemelha com aquela que todo homem deveria ter se não houvessem leis civis e Estado. Um Estado que não depende de outros tem absoluta liberdade de fazer tudo o que considerar (isto é, que seus representantes considerarem) favorável a seus interesses.
9. Na ocasião da criação de um estado, os Direitos são transferidos pelo pacto firmado entre os que se submetem ao Poder de um Representante. Tanto a Liberdade (Direitos) quanto às obrigações (Leis) decorrentes da criação do Estado são resultantes do próprio Fim da Instituição da Soberania, que é a Paz entre os súditos e sua Defesa contra um Inimigo comum.
10. O súdito possui a liberdade de desobedecer ao soberano toda vez que este, contrariando a lei da natureza, ordenar os súditos a agirem de forma a destruir ou privar suas próprias vidas.
11. O consentimento que um súdito dá ao poder soberano, através das palavras “autorizo, ou assumo como minhas as suas ações”, não implica em restrição à liberdade natural.
12. Resistir à força do estado, em defesa própria, como já foi dito anteriormente é permitido. Porém, nenhum homem é livre para resistir à força do estado, em defesa de outrem, seja culpado ou inocente, pois priva o soberano dos meios para proteger seus súditos.
13. A obrigação dos súditos para com o soberano permanece apenas enquanto dura o poder, através do qual os protege. Pois, se a finalidade da soberania é garantir a paz e a segurança e ela não o faz, não há motivos para mantê-la.
14. A finalidade da obediência é a proteção.
15. A soberania é imortal apenas na intenção de quem a criou, pois, por sua própria natureza, ela está sujeita à morte, tanto através de guerras quanto pela própria renuncia de seu soberano. Também será extinta quando um monarca morrer e não possuir herdeiros.
Capítulo XVI – Das leis civis
1. Todos os homens, membros de um Estado, são obrigados a respeitar as leis civis e seu conhecimento é de caráter geral e compete a todos.
2. A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por qualquer outro sinal suficiente de sua vontade, usando-as para distinguir o que é certo do que é errado. Isto é, do que é contrário ou não à regra.
3. Uma lei não é um conselho, mas uma ordem e é dada por aquele que se dirige a alguém, já anteriormente obrigado a obedecer-lhe. Além disso, algumas leis são dirigidas a todos os súditos, em geral, e outras apenas a determinados lugares ou pessoas.
4. Somente o Estado prescreve e ordena a observância das regras que chamamos de leis, logo ele é o único legislador. Porém o estado não é uma pessoa, então cabe ao seu representante (o soberano) legislar.
5. O soberano não está sujeito a nenhuma lei, pois como ele possui o poder absoluto ele tanto pode fazê-las como revogá-las. Portanto ele é livre da sujeição, uma vez que pode libertar-se dela quando quiser.
6. Os juristas devem aceitar as leis consuetudinárias que são razoáveis, desprezando os maus costumes. A questão da razoabilidade é em referência a opinião do soberano, não relativo à sua própria vontade. Às vezes o próprio silêncio do soberano em relação a um costume que adquire autoridade de uma lei é uma forma de consentimento.
7. A lei de natureza é uma parte da lei civil e, reciprocamente, a lei civil faz parte dos ditames da natureza. A liberdade natural do homem pode ser limitada e restringida pelas leis civis, com a finalidade de impedir que o homem cause dano a outros. O que não deixa também de ser a finalidade das leis de natureza. A lei civil e a lei natural não são de diferentes espécies, mas diferentes partes da lei, sendo a escrita, a civil e a outra não escrita, natural.
8. As leis civis escritas recebem sua força e autoridade da vontade do Estado, isto é, da vontade do soberano. No caso de um Estado vir a dominar outro e o soberano decide governar com as mesmas leis com as quais era governado antes, essas leis serão leis civis do vitorioso e não do estado subjugado. O legislador não é aquele por cuja autoridade as leis foram feitas pela primeira vez, mas aquele por cuja autoridade elas continuam sendo leis.
9. A lei nunca pode ser contrária a razão. Apesar disto, a dúvida é: qual razão deve ser aceita como lei. Não deverá ser alguma razão privada, pois ocasionaria muitas contradições. Nem tampouco uma razão artificial, obtida através de muitos estudos e observações, porque sempre haveria discórdia entre os estudos. A razão preponderante é a do soberano, pois representa o Estado. Todos os juízes devem, ao dar uma sentença, considerar a razão que levou o soberano a fazer determinada lei, caso contrário será uma sentença injusta.
10. A lei é uma ordem e, como tal, só pode ser obedecida por aqueles que podem tomar conhecimento dela.
11. As leis obrigatórias para todos os súditos, que não foram escritas, nem publicadas são as leis de natureza, que podem ser resumidas em uma única sentença: Não faças aos outros o que não consideras razoável que outro te faça.
12. A lei é, também, obrigatória a todos os súditos, sem exceção, pois todos deram o poder e a autoridade, através do pacto, para ele criar leis.
13. As leis, mesmo as escritas e publicadas, necessitam também de provas que evidenciem que ela traduz a vontade do soberano, pois indivíduos que para garantir injustos desígnios publicam leis que lhes são oportunas. Portanto não basta apenas uma declaração da lei, são necessários sinais suficientes do autor e da autoridade, dados através do conhecimento do soberano pelos súditos.
14. A natureza da lei não consiste na letra, mas na intenção ou significado, isto é, na sua autêntica interpretação – ou seja, aquilo que o legislador quis dizer.
15. O juiz, no ato de judicatura, verifica se o pedido de cada uma das partes é compatível com a eqüidade e a razão natural. A sentença dada é, portanto, uma interpretação da lei de natureza.
16. Há uma diferença entre a letra e a sentença da lei, no caso da primeira ser interpretada como tudo que se possa inferir das palavras, isto é, todos os possíveis sentidos da lei. Então, a sentença é diferente da letra da lei, pois para uma lei só pode haver um único sentido. Mas, se a letra for entendida no sentido literal, as duas possuem o mesmo sentido.
17. Um bom juiz deve ter o conhecimento da lei através dos estatutos e constituições do soberano. E deve julgar a todos sob a luz da lei, sem preocupar-se antecipadamente sobre aquilp que vai julgar.
18. E o que faz um bom juiz ou intérprete é uma correta compreensão da lei da equidade – principal lei da natureza – não dependendo dos escritos de outrem, mas apenas da própria razão. Além disso, deve desprezar a riqueza.
19. As leis podem ser divididas em naturais e positivas. As naturais, também chamadas de leis morais, são as que tem sido eternamente leis. Consistem nas virtudes morais, como a justiça e a eqüidade. As positivas são as que não existem desde a eternidade, mas se tornaram leis pela vontade dos que exerceram o poder soberano. Entre as positivas, umas são humanas e outras divinas e, entre as leis positivas humanas, umas são distributivas e outras penais. As distributivas determinam os direitos dos súditos, enquanto que as penais determinam a penalidade a ser infligida aqueles que violam a lei.
Capítulo XXIX – Das coisas que enfraquecem ou levam à dissolução do Estado
1. Enfermidades são as coisas que levam o Estado à dissolução. Entre elas podemos destacar: as que são originadas em uma instituição imperfeita – quando um homem contenta-se com menos poder do que o necessário para manter a paz e a defesa do Estado – , as doutrinas sediciosas, os exemplos de governos diferentes nos vizinhos, e a pleurasia – quando algum súdito torna-se popular e poderoso.
2. O Estado é oficialmente dissolvido quando o inimigo obtém a vitória, em uma guerra (externa ou intestina), resultando na desproteção dos súditos leais – que constitui a finalidade do soberano. Embora o direito de um monarca soberano não possa ser extinto por um ato alheio, contudo a obrigação dos membros pode, porque quem necessita de proteção deve procurá-la em qualquer lugar e, quando a obtém, fica obrigado a assegurar sua proteção enquanto for capaz. Porém, uma vez suprimido o poder soberano, o direito desaparece, pois a própria assembléia é extinta e, conseqüentemente, não existirá a possibilidade de retorno para a soberania.
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