Leonardo Reis*
O terceiro maior território do mundo (9,6 milhões de quilômetros quadrados), a terceira maior população do mundo (300 milhões), o maior PIB do mundo (US$ 13 trilhões, em 2006), o segundo maior exército do mundo (1,8 milhões de soldados), o mais poderoso e moderno arsenal bélico em dez milênios de humanidade. Isso está em jogo. Vale tudo. O mundo terá novo presidente.
Milhões de norte-americanos e estrangeiros residentes vão às urnas nos cinqüenta estados federados e ao redor do globo para dizer quem tem e quem não tem o direito de disputar o cargo. A disputa pela Casa Branca – que, em tese, mas só em tese, é a sede do governo dos Estados Unidos – fica mais à frente, em 4 de novembro.
Vale explicar: o sistema eleitoral local é complicado. A briga, agora, está nas primárias – ou caucus, em Iowa e Nevada, uma espécie de reunião de conselho político -, onde os pré-candidatos buscam emplacar seus delegados conforme suas votações nas unidades (há estados onde quem faz mais votos leva todas as indicações). Em seguida, a decisão vai para as convenções, onde os delegados votam e finalmente é oficializado o candidato – depois, claro, disputam o eleitorado e o Colégio Eleitoral. Tudo pode parecer estranho porque não é comum, no Brasil, termos essas eleições primárias; a única vez de que tenho notícia, a nível nacional, foi em 2002, quando o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e o então presidente de honra do Partido, Luiz Inácio Lula da Silva, disputaram a indicação da sigla para as eleições presidenciais daquele ano.
Os dois mega-partidos de lá, claro, apostam em suas melhores fichas. Do lado republicano, atual detentor da presidência, o mais cotado, disparado, é o senador do Arizona, John McCain. Estudante relapso na juventude que, como diz, encontrou sua redenção nas Forças Armadas, vem de uma linhagem de militares que antecede à revolução e escora sobre o peito as medalhas de um veterano da guerra do Vietnã.
Entre os democratas, engalfinham-se dois. A senadora de Nova York e ex-primeira-dama, Hillary Clinton, que conta com uma assessoria experiente, herdada dos áureos tempos, e um fortíssimo apelo entre as mulheres e, em especial, entre os eleitores imigrantes (destaque para os latino-americanos). O senador de Illinois, Barack Obama, afro-descendente, advogado diplomado em Harvard, dono de um semblante simpático e um discurso enfático que leva jovens e negros ao delírio.
E neles, os democratas, eu aposto todas as minhas fichas. Qual dos dois terá a candidatura homologada, não sei, mas quem tiver, deve levar a disputa.
Os últimos oito anos foram suficientes para deixar, nos americanos, saudades dos escândalos sexuais do democrata Bill Clinton. Isso era brisa. Desde 11 de setembro até a recente crise imobiliária, passando pela invasão do Afeganistão e do Iraque, muita água rolou, e foi suficiente para levar consigo a frágil popularidade do Grand Old Party – como é chamado o Republicano.
Há algum tempo, o jornal US Today fez um levantamento que constatou que dois em cada três norte-americanos estão insatisfeitos com o país, com o moral baixo. Isso que a recessão ainda era algo que se via dois passos depois do horizonte.
Em dezembro, a revista Time afirmou que os republicanos sofrem de “fadiga intelectual”. Suas idéias são conservadoras, retrógradas. Seus candidatos não têm apelo popular (são antipáticos, antiquados) e o governo de George W. Bush – tal qual o de George Bush, o pai, aliás – foi um desastre. Em outubro, o Pew Research Centre mostrava o atual inquilino da mansão da avenida Pensilvânia com 70% de rejeição. Além, é claro, da inferioridade numérica em relação ao partido de oposição.
Nessa sucessão de fatos negativos, qualquer um pode capitalizar a fulminante e agora traíra pergunta de Ronald Reagan: are you better off today than eight years ago?
Mas, afinal, e o Brasil como fica nisso? Em 2004 o presidente Lula chegou a dizer que, embora fosse mais simpático ao Democratic Party, a eleição de Bush seria politicamente mais interessante para o País. Por quê? Tentando surfar nos vales da concorrência, a dupla Kerry-Edwards (Democrata) criticava o outsourcing (geração de empregos em outros lugares) e dava sinais de erguer novas barreiras protecionistas. E isso ia de encontro aos pleitos brasileiros na Organização Mundial do Comércio. Mas e a situação mudou?
Pode-se dizer que sim. Lembro-me que, nas primeiras prévias democratas, em Iowa, os atuais “corredores”, quando confrontados com o nacionalismo comercial do ex-senador John Edwards (ele mesmo, o vice de Kerry em 2004), então presidenciável, lavaram suas mãos. Hillary não se comprometeu. Obama disse que era preciso maior integração. Isso é confortante, pois não põe sob ameaça o ainda cambaleante crescimento agrícola de países emergentes, em especial os africanos. Há, ainda, outras questões em jogo e que merecem destaque: ambos são a favor do combate à venda de armas e munições, da retirada de tropas no Iraque e, em especial, defendem ações emergenciais e firmes para reduzir os efeitos do aquecimento global – nisso entram os nossos poderosos biocombustíveis e uma tecnologia de ponta pronta para ser exportada.
O mundo estará mais livre, pode-se assim dizer e queremos assim crer. Não haverá mais ameaças constantes de invasões, mega-exercícios militares em territórios estrangeiros e pitacos à ponta de fuzil em política interna. Os democratas têm tradição de não-intervencionismo, cuidam mais do seu próprio quintal. Se o sossego de um mundo com menos guerras e de um pacto de recuperação ambiental é ponto positivo, podemos começar a respirar aliviados.
* Estudante de Administração Pública na UDESC/ESAG
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