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MPF/MG: construção de mais um condomínio de luxo às margens de Furnas destroi Mata Atlântica

O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) ingressou com ação civil pública para impedir a implementação irregular do empreendimento denominado Green Harbour Fly-in Destiny, conhecido por Escarpas Internacional, às margens do Lago de Furnas, área especialmente protegida pela legislação ambiental.

São réus na ação as empresas Marplan Imóveis Participações Ltda, MPA Empreendimentos Imobiliários Ltda, Paraíso de Furnas Participações e Empreendimentos Ltda e os empresários Alessandro Elias Penido, Márcio Barbosa Silva Bissoli, Ecílio Vilela Carvalho e Elmânio Carvalho Vilela, além do Município de Guapé e do ex-presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento do Ambiente (CODEMA) José Antônio Marques.

Segundo o MPF, os empresários estão realizando intervenções irregulares em uma ilha fluvial e em áreas de preservação permanente do rio Grande, às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica de Furnas, inclusive com retirada de vegetação nativa de Mata Atlântica, para futura implantação de um milionário complexo de lazer formado por dois condomínios: o Coast Villa, com três loteamentos, e a Ilha de Escarpas, a ser construído na Ilha de Jacutinga.

O complexo, segundo anunciado, contará com pista de pouso, heliporto, marina, hotel design, golfe e tênis. Os empreendedores anunciaram que cada proprietário poderá chegar de jato executivo e estacioná-lo ao lado da casa, às margens do reservatório.

A área total do Coast Villa, com 63 unidades e 37 lotes, engloba mais de 144 hectares. Já o empreendimento denominado Ilha de Escarpas, que inicialmente teria 49 lotes, foi fracionado em 55 unidades, aumentando o perímetro da ilha de 17,72 hectares para 20,34 hectares.

As intervenções já realizadas promoveram supressão de vegetação nativa, com intensa degradação ambiental. Só na Ilha da Jacutinga, foram cortadas mais de 15 mil árvores integrantes da Mata Atlântica, o bioma mais devastado do país.

Ficção jurídica –
O empreendimento está situado na zona rural do município de Guapé/MG, que editou duas leis municipais (1.855/2008 e 2.120/2011), transformando, de forma irregular, área rural em área urbana, sob a expressão "núcleo urbano de área rural", instituto jurídico que não existe no ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com a ação, "não se trata de expansão da zona urbana do município, mas sim de artificial alteração da natureza da área (de rural para urbana), com o objetivo específico de favorecer as pessoas jurídicas que pretendem lotear área às margens da represa, bem como a ilha fluvial, para ali vender terrenos para pessoas interessadas em construir chácaras de lazer. Tratou da criação de uma ficção para acomodar interesses privados".

Peritos do MPF atestaram que a área continental do empreendimento, por exemplo, está isolada de qualquer núcleo urbano, coberta por vegetação nativa e por lavouras agrícolas, com acesso por estradas não pavimentadas e distante mais de 21 km da sede do município de Guapé. O isolamento e a dificuldade de acesso são usados pelos empreendedores como motivação para os futuros proprietários, com alardeada "privacidade e exclusividade do uso da área".

O MPF sustenta que a manobra da administração municipal teve o objetivo de burlar a legislação, que estabelece a faixa de 100 metros como área de preservação permanente ao redor dos reservatórios artificiais, portanto, insuscetível de intervenções antrópicas, salvo se por motivo de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental, o que não é o caso do empreendimento.

No caso da ilha, a situação é ainda mais grave, porque ela é considerada área de preservação permanente em sua totalidade. Além disso, sua vegetação era composta por espécies nativas de Mata Atlântica, bioma protegido pela Constituição, em seu artigo 225, § 4º.

Dispensa indevida – O Codema, órgão ambiental municipal, mesmo não possuindo atribuição, concedeu autorização para a implantação de determinadas estruturas do empreendimento, dispensando o rito do licenciamento ambiental.

"Além de expedir autorizações por meio da fixação de condicionantes e compensação ínfimas, praticamente inexistentes frente à magnitude do Escarpas Internacional, o Codema imiscuiu-se em bem público – a Ilha de Jacutinga – pertencente à União, ou, no mínimo, ao Estado, mas jamais ao município", afirmam os procuradores da República.

Para burlar a realização obrigatória do processo de licenciamento ambiental, "os empreendedores requereram perante a SUPRAM-Sul de Minas a regularização ambiental de parcelas/frações do complexo de lazer, descaracterizando a sua unicidade, no intuito de burlar o processo de licenciamento, que demanda maiores exigências técnicas (a exemplo da elaboração de EIA/RIMA). Aproveitaram-se, para tanto, da diversidade de nomes atribuídos às glebas (a maioria em língua estrangeira) e da diversidade de matrículas imobiliárias, tudo de forma a dificultar a compreensão da real dimensão do que se pretende implementar no local". A ação relata que foram atribuídos diversos nomes a partes do empreendimento, com o preenchimento de formulários individualizados para cada um dos fracionamentos.

A Supram-Sul Minas dispensou a Ilha de Escarpas, o heliporto a ser construído nela e os loteamentos Marina Fly Villa e Fly Villa da obtenção de licença e mesmo de autorização ambiental de funcionamento, concedendo a AAF para o Fly Vila I.

Para o MPF, os atos são irregulares, porque o potencial poluidor do empreendimento, que deve ser considerado em sua totalidade e não por frações, é significativo.

"Na melhor das hipóteses, o complexo, com uma área de 95 hectares, possui médio potencial poluidor e médio porte, o que, mesmo assim, obrigaria à realização do licenciamento ambiental", sustentam os procuradores da República. "Jamais poderia ter sido aplicado, no caso, a autorização ambiental de funcionamento, muito menos a completa dispensa de autorização por porte e potencial poluidor não significativos".

O empreendimento também não possui autorização da Marinha do Brasil quanto ao ordenamento do espaço aquaviário e à segurança da navegação. Com isso, a Capitania dos Portos notificou os empreendedores para que apresentem a documentação exigida, sob pena de lavratura de auto de infração e até de ordem de demolição das construções.

A própria concessionária da hidrelétrica não emitiu qualquer autorização e, instada pelo MPF, irá demarcar a cota de desapropriação do reservatório para verificar se o Escarpas Internacional não está invadindo a faixa de segurança da represa.

Liminares concedidas –
Para impedir danos ainda maiores ao meio ambiente e também para resguardar os direitos de futuros adquirentes dos lotes, que poderiam adquiri-los sem conhecimento das irregularidades, o Ministério Público Federal ajuizou ação cautelar no último dia 15 de agosto.

O juízo federal de Passos acatou os argumentos do MPF e concedeu parte das liminares, determinando a paralisação de qualquer intervenção na faixa de 30 metros do nível normal da represa de Furnas, na parte "continental" do complexo, assim como intervenções de qualquer natureza na Ilha de Jacutinga.

O juízo também determinou a averbação nas matrículas dos imóveis da existência das ações judiciais, obrigando os empreendedores a informar a terceiros, antes do contrato de assinatura de compra e venda, sobre a existência tanto da ação quanto da decisão judicial.

Na ação civil pública, ajuizada no último dia 25 de setembro, além da confirmação dos pedidos cautelares, o MPF ainda pede a suspensão dos efeitos das Leis Municipais editadas para favorecer o empreendimento, bem como a retirada de todas as construções existentes na área de 100 metros do condomínio Coast Villa e na área em que se encontrava o bioma Mata Atlântica, assim como em toda a extensão da ilha. A retirada das construções deverá ser acompanhada da recuperação da área degradada, com a adoção de medidas compensatórias em relação aos danos que se mostrarem irrecuperáveis.

O MPF também pede a condenação dos réus por danos materiais e morais coletivos.

Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
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Fonte: MPF

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. MPF/MG: construção de mais um condomínio de luxo às margens de Furnas destroi Mata Atlântica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/mpf/mpf-mg-construcao-de-mais-um-condominio-de-luxo-as-margens-de-furnas-destroi-mata-atlantica/ Acesso em: 20 abr. 2024