Processo Penal

Modelo de resposta à acusação – prova ilícita e princípio da consunção

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE XXXX

 

XXXX, já qualificado nos autos, que lhe move o representante do Ministério Público de Santa Catarina, vem à presença da Vossa Excelência por meio de seus procuradores (procuração anexa), oferecer

RESPOSTA À ACUSAÇÃO

com fulcro nos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, pelos fatos e fundamentos que a seguir serão delineados:

 

SÍNTESE DOS FATOS

O acusado está respondendo por supostamente ter efetuado a falsificação de documentos de um terceiro e, fazendo uso dos mesmos, teria realizado uma transferência, no dia 15 de dezembro de 2015 e no Banco Bradesco, de valores equivalentes à R$ xxxx.

No momento de prestar depoimento na delegacia perante o delegado que instaurou o inquérito policial, o acusado exerceu o direito constitucional de permanecer em silêncio.

Após, a autoridade policial, sem ordem judicial, expediu oficio determinando ao Banco xxxxx o envio do extrato detalhado das contas do acusado e da suposta vítima.

Desta forma, o Ministério Público, frisa-se, tendo como única prova o ofício expedido pela autoridade policial, denunciou o acusado pelo delito de estelionato previsto no artigo 141 do Código Penal, em concurso material com o delito de falsificação de documento particular, estabelecido no artigo 298 do Código Penal.

DO DIREITO

DA PROVA ILÍCITA

No inquérito policial, a autoridade policial, por iniciativa própria, decidiu expedir ofício ao Banco Bradesco determinando o envio detalhado das contas do acusado e do terceiro.

Importante verificar que a prova foi produzida de forma ilícita, tendo em vista que esta não foi solicitada por autoridade competente para tal, conforme preconiza o artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: 

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

O artigo 5º, inciso LVI da Carta Magna, prevê a inadmissibilidade de provas ilicitamente obtidas, se não vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Diante disso, o Código de Processo Penal, em seu artigo 157, prevê além da inadmissibilidade, o desentranhamento das provas ilícitas contidas no processo:

Assim, é evidente que o oficio expedido ao Banco pela autoridade policial constitui ilicitude da prova e, portanto não deve ser utilizada para embasar a denúncia contra o acusado.

DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO

Segundo Escobar e Vanzolini (2014, p. 275), no princípio da consunção ocorre “quando um fato definido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática atinente àquele crime”.

Nestes termos, a súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça regulamenta que “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

No caso em tela, não configura concurso material o crime de estelionato e o de falsificação de documento particular, uma vez que este é absorvido pelo crime de estelionato.

DA AUSÊNCIA DE PROVAS E JUSTA CAUSA

O suposto crime teria ocorrido no dia 15 de dezembro de 2015, entretanto, o acusado, que é jogador profissional de voleibol, encontrava-se em excursão com seu clube pela Indonésia, tendo deixado o Brasil em 30 de novembro de 2015 e retornado apenas em 31 de dezembro de 2015, como se comprova nas passagens aéreas e na produção cinematográfica, ora juntadas.

O Código de Processo Penal estabelece a rejeição da denúncia ou queixa quando da falta de justa causa para embasamento da ação penal, com base no artigo 395, inciso III, in verbis:

Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

[…]

III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. RESPOSTA DO ACUSADO. RETRATAÇÃO. POSTERIOR REJEIÇÃO DA INICIAL ACUSATÓRIA. RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA APÓS A RESPOSTA DO RÉU. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014). II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. III – “O recebimento da denúncia não impede que, após o oferecimento da resposta do acusado (arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal), o Juízo reconsidere a decisão prolatada e, se for o caso, impeça o prosseguimento da ação penal.” (AgRg no REsp 1.218.030/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 10/4/2014). Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a ilustre decisão do Magistrado de primeiro grau que rejeitou a denúncia com fundamento no art. 395, III, do CPP.(STJ – HC: 294518 TO 2014/0112040-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 02/06/2015,  T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2015).(Grifo nosso).

Deste modo, é possível a retratação do recebimento da denúncia posteriormente à resposta do acusado. Além do mais, diante da ilicitude da única prova que fundamenta a presente demanda, não há qualquer outra justificativa para o recebimento da denúncia ofertada.

Ante a demonstração de inexistência de provas lícitas, deve o magistrado absolver o acusado, podendo utilizar-se como fundamento o artigo 386, incisos II e IV do Código de Processo Penal.

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

[…]

II – não haver prova da existência do fato.

[…]

IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal.

Salienta-se que no País em que o acusado se encontrava, qual seja, Indonésia, não há agência do Banco xxxx, tornando impossível a realização de qualquer transferência por parte deste.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer:

a) O desentranhamento nos autos da prova ilícita, conforme artigo 157 do Código de Processo Penal;

b) A rejeição da denúncia, diante da ausência de justa causa para o exercício da ação penal, com base no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal;

c) A absolvição do acusado diante da inexistência de provas do fato e comprovação de não concorrência deste para o cometimento da infração, conforme artigo 386, III e IV do Código de Processo Penal.     

d) Caso Vossa Excelência não entenda pela rejeição da denúncia ou absolvição do acusado, requer-se ainda a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial a testemunhal.

 

Nestes termos,

Pede deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura do Advogado]

[Número de Inscrição na OAB]

ROL DE DOCUMENTOS:

1.Procuração;

2.Documentos pessoais do acusado;

3. Passagens aéreas.

Como citar e referenciar este artigo:
INVESTIDURA, Portal Jurídico. Modelo de resposta à acusação – prova ilícita e princípio da consunção. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/processo-penal-modelos/modelo-de-resposta-a-acusacao-prova-ilicita-e-principio-da-consuncao/ Acesso em: 16 abr. 2024