Direito de Família

Modelo de Contestação – namoro – descaracterização de união estável

ILUSTRÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ___ VARA DA COMARCA DA CAPITAL

Processo no 0000000-00.0000.0.00.0000

BENTO , já devidamente qualificado nos autos da ação em epígrafe, vem, respeitosamente, mediante seus procuradores constituídos, apresentar CONTESTAÇÃO ao processo ajuizado por SANCHA, sob a representação de CAPITOLINA,conforme os fatos e fundamentos expostos a seguir:

I.    FATOS

1.            Primeiramente, cabe fazer alguns esclarecimentos quanto aos fatos apresentados pela autora. Foi alegado que o requerido manteve relação afetiva e morou, durante cinco anos, com Capitolina, vivendo, supostamente, como se casados fossem e que os pressupostos para a configuração de união estável estariam contemplados no caso concreto. Foi alegado, também, que o requerido deu cabo ao relacionamento, pura e simplesmente, por ter sido aprovado no concurso e sentir-se independente de Capitolina.

2.            De fato, o requerido e Capitolina mantiveram relação afetiva entre janeiro de 2009 e janeiro de 2014, sem caracterizar, no entanto, união estável, pois os requisitos subjetivos não foram contemplados, quais sejam, a convivência more uxória e o affectio maritalis.

3.            Pois bem, o requerido, atualmente servidor público, e Capitolina, desenvolvedora de programas de computador, realmente namoraram durante esse período. Por possuírem uma relação afetiva muito próxima, o requerido costumava passar dias na residência de Capitolina, onde aproveitava para estudar e namorar. Nesse período, contudo, não compartilhou-se qualquer tipo de contas ou despesas, não adquiriu-se nenhum bem conjuntamente e, tão pouco, procedeu-se com qualquer espécie de formalização da relação.

4.            Em janeiro de 2014, o requerido, diante de problemas na relação, decidiu pelo término, mudando-se para a cidade de São Paulo (SP), onde fixou residência. No entanto, cabe ressaltar que o término não se deu porque o requerido sentiu-se independente de Capitolina, mas sim pelo fato de que havia uma suspeita de que a mesma estivesse mantendo relações amorosas com Ezequiel, amigo íntimo dos dois. Dessa forma, diante das brigas constantes, decidiu-se pelo melhor a todos, o término.

5.            Já em janeiro de 2015, Capitolina procurou o requerido, apresentando-o à autora, sua suposta filha, que contava, na época, com quatro meses de idade, com o intuito de conseguir auxílio financeiro. Diante disso, o requerido, desconfiado da paternidade da autora, ofereceu-se para exame de DNA, o qual foi prontamente rechaçado por Capitolina, visivelmente perturbada por não ter conseguido o que queria.

6.            Nesse contexto, oito meses depois, portanto, de ter procurado o requerido, Capitolina, representando a autora, propôs ação objetivando o reconhecimento da união estável e da paternidade em face do requerido, bem como a condenação a pagar pensão alimentícia no valor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais). Em juízo perfunctório, foi deferido[1] o pedido de antecipação de tutela, determinando o requerido a arcar, desde já, com os valores a título de alimentos provisórios, no montante de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais).

II.   FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A)           DO NÃO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL

7.            Preliminarmente, cabe salientar que a autora não juntou aos autos documentos ou provas testemunhais que comprovem a existência de união estável entre Capitolina e o requerido, se atendo, somente, a alegações desarrazoadas e inverídicas sem base concreta.

8.            Conforme já exposto, de fato, o requerido e Capitolina mantiveram uma relação amorosa bastante íntima. Entretanto, esse relacionamento está longe de caracterizar união estável, pois ausentes elementos nucleares para tal configuração. Nesse sentido, são cediços os pressupostos subjetivos e objetivos necessários à configuração da união estável. Ao caso concreto, importam salientar apenas os entendíveis como subjetivos, quais sejam, a convivência more uxória e o affectio maritalis.

9.            Por convivência more uxória, entende-se como um casal que age de acordo com os costumes de casado, como se casados fossem. Enquanto affectio maritalis reflete o objetivo de constituição de família, que é aferido através de características objetivas dos fatos. A jurisprudência do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA é remansosa no sentido de que:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVELC/C PARTILHA DE BENS, ATRIBUIÇÃO DE GUARDA E FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ESTABELECIMENTO DO PERÍODO DE DURAÇÃO DA CONVIVÊNCIA. FALTA DE PROVAS DE NOTORIEDADE, DURABILIDADE E CONTINUIDADE DO RELACIONAMENTO AFETIVO, BEM COMO DO ÂNIMO DE CONSTITUIR FAMÍLIA, ENTRE MARÇO DE 2003 E NOVEMBRO DE 2008. ÔNUS PROBATÓRIO DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU A AUTORA. ART. 333, INCISO I, DO CPC. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA APENAS PARA O PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE DEZEMBRO DE 2008 E MARÇO DE 2010. SENTENÇA REFORMADA NESTE ASPECTO.   O reconhecimento da união estável pressupõe a existência de uma relação pública, contínua e duradoura, com o nítido objetivo de constituir família. Assim, não se desincumbindo a Apelante de produzir prova apta a demonstrar o preenchimento dos requisitos necessários à configuração da união estável, como lhe competia (CPC, art. 333, I), não há como acolher o reclamo. […][2]

10.         Nesse mesmo sentido, os ensinamentos de PAULO LÔBO caem como luva:

O requisito exclusivo é a convivência de um homem e de uma mulher em posse de estado de casados – more uxorio -, ou seja, em conformidade com o costume de casado, ou como se casados fossem, com todos os elementos essenciais: impedimentos para constituição, direitos e deveres comuns, regime legal de bens, alimentos, poder familiar, relações de parentesco, filiação.

[…] o objetivo de constituição de família não apresenta características subjetivas, devendo ser aferido de modo objetivo, a partir dos elementos de configuração real e fática da relação afetiva (a exemplo da convivência duradoura sob o mesmo teto), para se determinar a existência ou não de união estável.[3](grifo acrescido)

11.         Dessa forma, no caso em tela, verifica-se a ausência de dois requisitos indispensáveis para se determinar a existência ou não de união estável, pois, em momento algum, restou comprovado que o requerido agia como se casado fosse, nem que houvesse planos de constituir uma família.

12.         É presunçoso pensar que, pelo simples fato de que duas pessoas namoram por anos, elas necessariamente ajam como casados e pensam em constituir uma família. Não se pode confundir namoro com união estável . Conforme depreende-se dos brilhantes ensinamentos de CARLOS ROBERTO GONÇALVES:

Não se configuram união estável, com efeito, os encontros amorosos mesmo constantes, ainda que os parceiros mantenham relações sexuais, nem as viagens realizadas a dois ou o comparecimento junto a festas, jantares, recepções e etc., se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma família.[4]

13.         Diante disso, é imperioso dar mais uma ênfase na confusão entre namoro e união estável. O relacionamento amoroso entre o requerido e Capitolina não passa de um namoro, pois faltam elementos subjetivos e objetivos para que se possa configurar uma união estável. Aos olhos de terceiros, pode-se pensar que se trata de uma união estável, ao passo de que, internamente, seja apenas um namoro descompromissado. O entendimento do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA não destoa:

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C. PARTILHA DE BENS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA E DURADOURA, COM INTUITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA – ART. 1.723 DO CC – ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA AO AUTOR, QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM DEMONSTRAR A VERACIDADE DE SUAS ALEGAÇÕES – DEPOIMENTO DAS PARTES E TESTIGOS QUE SE REVELAM CONTRADITÓRIOS – INDICATIVOS DE QUE O RELACIONAMENTO SUB JUDICE LIMITAVA-SE A MERO NAMORO – ENVOLVIMENTO AFETIVO SEM VIDA EM COMUM, QUE NÃO PODE SER EQUIPARADO AO CASAMENTO – CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE O ACOLHIMENTO DO PLEITO E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, A DIVISÃO DO PATRIMÔNIO DITO REUNIDO POR ESFORÇO COMUM – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA VERGASTADA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.   Essa intenção subjetiva dos envolvidos tem essencial importância quando se examina a existência ou não da sociedade conjugal de fato. Isso porque para terceiros, talvez o namoro qualificado possa dar pistas de uma sociedade conjugal de fato, já que em festas e viagens os envolvidos aparecem unidos, além de um pernoitar na casa do outro. O problema é que, entre si, jamais perquiriram cultivar uma união nos moldes da convivência estável, instituída com objetivo de formar família, com planos em comum e imaginando a infindável companhia alheia. Por isso que, externamente, a relação pode muito se assemelhar à união more uxório, porém, intrinsecamente e para íntimas pessoas, o relacionamento não passa de mero namoro descomprometido, aventureiro, transitório e, às vezes, até marcado pela pluralidade de relações íntimas com terceiros ou terceiras (POFFO, Mara Rúbia Cattoni. Inexistência de união estável em namoro qualificado. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=601>. Acesso em 25/08/2011).[5] (grifo acrescido)

14.         Diante do exposto, é notório que o relacionamento amoroso entre o requerido e Capitolina não passou de mero namoro, diante da ausência dos requisitos essenciais à caracterização de uma união estável.

B)           DO NÃO RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E DA REVOGAÇÃO DA DECISÃO LIMINAR

15.         Como exposto anteriormente, em janeiro de 2014, Capitolina procurou o requerido com o intuito de ser reconhecida a paternidade da autora e obter seu consequente auxílio financeiro. Na ocasião, o requerido, desconfiado de que a autora fosse filha de Ezequiel, ofereceu-se para a realização do exame de DNA, pois, se positivo, ele arcaria com o auxílio requerido.

16.         No entanto, Capitolina não aceitou que fosse feito exame de DNA, o que gerou uma maior desconfiança por parte do requerido, pois se Capitolina estava certa sobre a paternidade da autora, por que se negou a fazer o exame?

17.         Diante disso, cabe ressaltar a demora na propositura da ação. A ação foi proposta oito meses depois do episódio supracitado, evidenciando-se a ausência do periculum in mora, qual seja, a urgência da necessidade do auxílio financeiro requerido pela autora. Apenas por esse ponto, data venia, o deferimento do pedido de antecipação da tutela já se mostra teratológica, tendo em vista que nenhuma explicação sobre a demora foi dada na petição inicial. No entanto, cabe trazer a lume o fato de que não restou comprovado a união estável no caso concreto.

18.         Ora, se por um lado não restou comprovado a urgência da tutela, a fim de que fosse deferido o pedido liminar, diante da não juntada aos autos de documentos que apoiassem tal alegação, por outro não há nem que se falar em fumus boni iuris, tendo em vista que a relação amorosa entre o requerido e Capitolina não passou de um namoro. A autora pura e simplesmente ajuizou uma ação requerendo o reconhecimento da paternidade da filha e a consequente condenação em alimentos, violando frontalmente o disposto pelo artigo 2º da Lei Federal 5.478/1968[6], uma vez que o parágrafo primeiro do referido artigo não abarca o caso concreto.

19.         Por fim, imperioso se faz transcrever acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, que possui extrema semelhança com o caso concreto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE VERBA ALIMENTAR PROVISÓRIA INALDITA ALTERA PARS. PETIÇÃO INICIAL DESACOMPANHADA DE PROVAS OU INDÍCIOS DE COMPROVAÇÃO DA ALEGADA PATERNIDADE DO AGRAVANTE. RECURSO PROVIDO.   Nada impede que sejam fixados alimentos provisórios em ação de investigação de paternidade; contudo, necessária se faz a existência de prova ou indícios fortes da alegada paternidade.   Tendo em vista que no caso em exame a petição inicial vem desacompanhada de elementos probatórios indicadores da alegada paternidade do requerido, em face da autora, inadmissível a fixação liminar de alimentos provisionais.   Tratando-se de pretensão de natureza satisfativa antecipatória, se a autora fizer prova inequívoca do alegado durante a instrução, nada obsta que ela o pedido em questão, ou, ainda, se demostrado ficar o abuso do direito de defesa ou manifesto protelatório do réu. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2010.043750-7, de Rio do Sul, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 15-02-2011).

20.         Nesse sentido, data venia, cai por terra a justificativa utilizada no deferimento do pedido liminar, ante a ausência dos requisitos necessários para tanto, quais sejam, a verossimilhança das alegações e prova inequívoca e o risco de dano irreparável, dispostos no artigo 300 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 e artigo 3º da Lei 12.153/2009.

III. REQUERIMENTO

17.         Diante do exposto, requer-se:

17.1      A produção de todos os meios admitidos em direito, como a obtenção de prova, por meio de exame de DNA, da presença de vínculo paternal entre a autora e o requerido;

17.2      Seja revogada ou suspensa a decisão interlocutória que deferiu o pedido de antecipação da tutela, conforme o disposto no artigo 343 do Código de Processo Civil[7]. Caso este não seja o entendimento de Vossa Excelência, requer-se seja minorado o valor dos alimentos provisórios;

17.3      Subsidiariamente, após a publicação do resultado de DNA, diante de uma provável negativa de paternidade, a total improcedência dos pedidos formulados pela autora, com a consequente condenação aos ônus sucumbenciais.

Pede deferimento.

De São Paulo (SP) para Florianópolis (SC), __ de ____________de 20____.

………………………                   ………………………….                      ……………………..

OAB/SC nº 00.001                  OAB/SC nº 00.002                        OAB/SC nº 00.003



[1] Ante o exposto, entendo razoável a fixação de verba alimentar provisória a ser fixada no valor de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), devidos pelo requerido à autora.

[2] TJSC, Apelação Cível n. 2012.037750-6, de Criciúma, rel. Des. Stanley Braga, j. 17-09-2015.

[3] LÔBO, Paulo. Famílias. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 152-153.

[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, direito de família. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 615.

[5] TJSC, Apelação Cível n. 2011.022443-9, da Capital, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 25-08-2011.

[6] Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe.

§ 1º Dispensar-se-á a produção inicial de documentos probatórios;

I – quando existente em notas, registros, repartições ou estabelecimentos públicos e ocorrer impedimento ou demora em extrair certidões.

II – quando estiverem em poder do obrigado, as prestações alimentícias ou de terceiro residente em lugar incerto ou não sabido.

[7] Art. 343.  Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de Contestação – namoro – descaracterização de união estável. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-de-familia-modelos/modelo-de-contestacao-namoro-descaracterizacao-de-uniao-estavel/ Acesso em: 28 mar. 2024