Teoria Política

A Teoria das Formas de Governo – Bobbio ver.2

Capítulo I – Uma Discussão Célebre

 

 

 

            Este capítulo trata da visão de Heródoto a respeito das tipologias de governo. O narrador conta a história de três persas – Otanes, Megabises e Dario – que discutem sobre a melhor forma de governo no seu país depois da morte de Cambises (o rei). A passagem é digna de estudo, uma vez que trata das três maneiras clássicas de governo; ainda, embora, sem as nomenclaturas atuais (democracia, aristocracia e monarquia).

 

            Otanes propõe entregar o governo ao povo persa que sofreu com a arrogância e a prepotência de um monarca (Cambises). Além disso, o defensor da democracia vê que o poder corrompe o ser humano que, mesmo sendo bom antes de governar, estará sujeito aos males do poder: prepotência, tirania, inveja e vaidade. Enquanto isso, no governo do povo, todos são iguais, os cargos são distribuídos pela sorte, os magistrados têm que prestar contas e todas as decisões estão sujeitas a voto popular. Essa é, portanto, a melhor maneira de governo.

 

            Já Megabises sugere o governo oligárquico e apóia Otanes no que tange à monarquia. A respeito do poder do povo, contudo, discorda, pois para ele (Megabises) a massa é inepta e inapta. Como argumento a favor da aristocracia afirma que o poder deve ser dado a um grupo de homens escolhidos entre os melhores e esses tomariam as decisões mais acertadas pelo fato de serem os melhores.

 

            Dario acredita na monarquia e, tomando como base o raciocínio de Megabises, justifica sua escolha dizendo que se deve escolher o melhor entre os melhores e esse faria as deliberações com correção. A respeito dos outros tipos de governo ele concorda com seu colega oligarca sobre a democracia, já em relação à aristocracia mostra-se preocupado com os conflitos pessoas que surgiriam nas disputas.

 

            A discussão de Heródoto possui caráter prescritivo e apresenta aspectos positivos e negativos de cada uma e cada personagem emite um julgamento de valor. Pode-se resumir o debate afirmando que há sempre dois lados: a monarquia pode virar tirania, a aristocracia; oligarquia e a democracia; oclocracia (despotismo da massa).

 

 

 

Capítulo II – Platão

 

      

            Neste capítulo Bobbio trata das concepções de Platão a respeito das formas de constituição (governo). Essa discussão basear-se-á, principalmente, nos diálogos República e Político.

 

            A obra República é a descrição da república ideal, que busca a justiça – atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias aptidões. Trata-se de um Estado utópico onde os homens conviveriam harmonicamente.

 

            Os Estados verdadeiros (reais) são naturalmente corrompidos, de formas diversas, uma vez que não são perfeitos (perfeição existe uma só). Por conseguinte, o diálogo platônico trata todas as formas de governo como más, embora diferentemente ruins.

 

            Platão era um homem conservador e, como tal, tem uma visão pessimista da história. Para ele, as formas de governo tendem a piorar sendo cada uma pior do que sua precedente. Essa concepção dá-se, em grande parte, pela época em que viveu o filósofo, a decadência ateniense.

 

            As concepções analisadas, em ordem decrescente, timocracia (governo pelo mérito), oligarquia, democracia, e tirania. A ausência da aristocracia e da monarquia a essa lista deve-se ao fato que as duas são associadas, sem muita distinção, à constituição ideal.

 

            Com exceção da primeira, todas as outras (não ideais) correspondem às formas corrompidas das tipologias tradicionais: a oligarquia, da aristocracia; a democracia, da politeia (governo do povo ideal para Aristóteles) e a tirania, da monarquia. A timocracia corresponderia a um estágio de transição da forma ideal para a corrompida.

 

            Ainda que se tenha mostrado as formas degeneradas das boas como idéia platônica, para ele isso não ocorria. Baseando-se em uma perfeita todas as outras seriam inferiores e piores do que as antecedentes.

 

            Para caracterizar cada governo o filósofo distingue os homens de cada governo (quem governa). Assim temos:

 

O homem timocrático: sabe liderar, é honroso e educado;

O homem oligárquico: o acúmulo de capital o faz corromper-se, perdendo valores;

O homem democrático: tem liberdade de palavra e licença para fazer o que quiser, e

O homem tirânico: lidera com violência.

           

 

            A troca de uma forma pela outra ocorre, sobretudo, com mudanças na sociedade e alternância de gerações. Essas costumam ser rápidas e inevitáveis e iniciam com a perda de velhos e a incorporação de novos valores à cultura. A partir daí, a mudança torna-se inevitável.

 

            E como ocorre a corrupção? Essencialmente pela discórdia. Existem, basicamente, dois tipos dela (discórdia): a entre os dirigentes e entre as classes (governantes e governados). Na passagem da aristocracia para a timocracia, por exemplo, ocorre o primeiro tipo, enquanto na da oligarquia para a democracia, a segunda.

 

            A filosofia platônica concebe que o Estado é como um organismo – teoria orgânica da sociedade – e, consequentemente, possui características de natureza humana. Todos os Estados estão sujeitos a três almas: a racional, a passional e a apetitiva. A república ideal seria dominada pela racional; a timocrártica, pela passional e as demais pela apetitiva.

 

            A República é uma descrição de melhor forma de constituição; o Político é um estudo e uma descrição do melhor governante – o rei filósofo, que possui a ciência do bom governo. Esta obra trata, também, da tipologia das formas de governo e possui muita semelhança com a das seis formas (clássica), porém a democracia possui apenas uma denominação.

 

            Para Platão, assim como para Heródoto, há formas boas e más. A monarquia se degeneraria em tirania; a aristocracia em oligarquia; a democracia seria dividida em “boa” e “má”. Na seqüência, ele confronta as formas e avalia as melhores.

 

            Nessa avaliação tem-se, em ordem decrescente, monarquia, aristocracia, democracia “boa” e “ruim”, oligarquia e tirania. Agora fica claro por que a democracia não possui dois “nomes”, ela corresponde a uma continuação, uma transição. Se ela é a pior entre as melhores, fica sendo a melhor entre as piores.

 

            Outro ponto a ser observado soa os critérios usados na distinção anterior. Eles são, basicamente, dois: a violência e o consenso, legalidade e ilegalidade. As formas boas baseiam-se no consenso e na legalidade, onde se atua de acordo com as leis estabelecidas e não arbitrariamente.

 

 

Capítulo III – Aristóteles

 

 

 

            A teoria clássica das formas de governo é aquela exposta por Aristóteles em Política. Nessa grande obra, vamos nos ater a dois assuntos: a descrição e a classificação das formas de governo (constituições).

 

            Deve-se, primeiramente, definir, segundo Aristóteles, o que é constituição. Pode-se dizer que ela “é a estrutura que dá ordem à cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e, sobretudo, da atividade soberana”.

 

            As constituições variam muito e podem ser retas – as que visam o interesse público – ou não – interesses particulares. Temos, visando o bem comum, a monarquia, a aristocracia e a politia (governo da massa). As degenerações dessas são, respectivamente, tirania, oligarquia e democracia. A tirania trabalha em favor do monarca; a oligarquia, para os ricos e a democracia, para os pobres.

 

            A axiologia aristotélica trará da hierarquização das formas de governo. Essa, em nada difere da platônica: monarquia, aristocracia, politia, democracia, oligarquia e tirania, em ordem decrescente. Novamente vemos a democracia ocupando uma posição intermediária (assim como para Platão), demonstrando que ela é a que menos se afasta de seu ideal.

 

            Aristóteles analisa cada uma das seis formas de governo subdividindo-as em muitas espécies particulares. A monarquia, por exemplo, é subdividida em “a dos tempos heróicos”, “a de Esparta”, “dos chefes supremos eleitos”, “a monarquia dos povos bárbaros” e o “despotismo oriental”.

 

            Deve-se destacar o despotismo oriental que é classificado como monarquia, apesar do poder ser exercido tiranicamente. Deve-se reparar, não obstante, que é uma tirania legítima, uma vez que é aceita por todos. Esse acolhimento deve-se ao fato dos orientais serem naturalmente servis. Essa explicação também se dá para a escravidão, que para Aristóteles era uma prática normal, uma vez que os escravos são assim naturalmente.

 

            Outra análise importante é a definição de politia: uma mistura de democracia e oligarquia trabalhando para o bem comum. Deve-se atentar ao fato que a politia corresponde ao governo de muitos e não ao governo do povo. Além disso, quem exerce o poder também é importante para diferenciar democracia e politia, na primeira os que governam são os pobres e na última uma miscigenação entre ricos e pobres.

 

            Essa fusão, mesmo sendo de duas formas ruins, é o que faz a politia figurar entre formas boas. A união dos ricos com os pobres dá a oportunidade dos segmentos sociais discutirem seus interesses e chegarem a decisões equilibradas, assegurando, assim, a paz social.

 

            Aristóteles preocupa-se, também com o modo de fusão de dois regimes a chamada engenharia política. O princípio disso é a mediação que faz com que se chegue a algumas ações práticas: conciliar procedimentos que seriam incompatíveis, adotar “meios-termos” e procurar o melhor sistema legislativo.

 

            A mediania é muito importante para as idéias aristotélicas e, segundo ele, deveria ser a base da sociedade: “em todas as cidades há três grupos: o muito ricos, muito pobres e os que o ocupam uma posição intermediária”. Segundo o princípio da mediania é evidente, então que quem melhor governa é a classe média. Ela é menos parcial e pode aliar-se a qualquer um dos lados pra impedir o abuso de alguma das classes.

 

            Além de ser a que melhor governa a camada média é a mais segura para um Estado, uma vez que é a menos propensa a revoluções. Essa estabilidade ajuda a fundamentar um bom governo e evita mutações rápidas na sociedade que são, geralmente, traumáticas.

 

            A idéia de misturar duas formas de governo influenciou e influencia a mentalidade ocidental, sendo, muito discutida. Autores contemporâneos ainda expressam julgamentos dessas idéias tamanha a importância dessa teoria aristotélica.

 

 

 

Capítulo IV – Políbio

 

             Políbio nasceu na Grécia e, logo depois, foi deportado para Roma, onde se tornou historiador. No sexto livro de História ele faz uma exposição pormenorizada da constituição romana.

 

            Antes de examinar a constituição romana, ele fala sobre as constituições em geral. Nessa teoria ele expõe três teses: que existem, fundamentalmente, seis formas de governo – três boas e três más; que elas (formas) sucedem-se de acordo com determinado ritmo (monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia e oclocracia) – formando um ciclo – e que, além das seis formas tradicionais existe uma sétima, que é a síntese das três boas e, portanto, a melhor, exemplificada pela constituição romana.

 

            A primeira tese confirma a teoria tradicional. Sem grandes alterações às concepções anteriores deve-se destacar que o termo democracia é, para Políbio, uma forma boa e a oclocracia sua forma ruim. Além disso, são importantes, também, os critérios de diferenciação das formas boas das más: consenso X força e legal X ilegal.

 

            Sobre a teoria dos ciclos, afirma que tudo começa com a monarquia, que se envereda em tirania. A aristocracia toma o poder em seguida, logo se degenerando em oligarquia. O povo, então, insurgiria violentamente criando a democracia que se corromperia dando origem à oclocracia.

 

            Pode-se perceber que a abordagem dada pelo historiador á degenerativa ao longo da história, assim como fez Platão. A diferença, contudo é que no ciclo platônico cada forma é uma degeneração pequena da precedente, enquanto para Políbio ocorre a alternância de constituições boas e ruins e a boa que segue é menos boa do que a boa anterior. Ademais, para Platão a pior forma era a tirania, enquanto para Políbio a oclocracia.

 

            No seu texto Políbio deixa claro que tem uma visão fatalista da história, no sentido que uma constituição sucederá a outra. Fala, também, com naturalidade a respeito da corrupção – para ele, é intrínseca ao homem – que faz o ciclo caminhar. O fim desse é um retorno ao ponto de partida – a monarquia. (Essa pergunta não foi respondida por Platão)

 

            A principal teoria polibiana é o governo misto. Para ele todas as constituições tanto retas como corrompidas têm seus vícios e duração breve no ciclo. A solução disso seria, então, o governo misto que corresponderia à união das três formas boas (clássicas).

 

            A excelência do governo misto deve-se ao mecanismo de controle recíproco dos poderes ou do equilíbrio. Assim sendo, o rei (monarquia) está sujeito ao controlo do povo (democracia), que participa adequadamente do governo; este é controlado, por sua vez, pelos senadores (aristocracia).

 

            A razão por que Políbio enuncia a tese do poder misto é que ele considera um exemplo admirável de governo a constituição romana, em que existem três órgãos: os cônsules, o senado e as eleições populares.

 

            Deve-se confrontar a teoria do governo misto com a politia de Aristóteles. Este afirma que não há como superar o antagonismo entre as duas partes em conflito; para o historiador, em nível institucional, ocorre quando há uma classe média forte com interesse na estabilidade. Para o filósofo o equilíbrio ocorre primeiramente nas relações sociais e, em seguida, nas institucionais. Assim, conclui-se que a politia não é tanto uma forma de governo mista, mas a administração por uma sociedade sem desequilíbrios de riqueza.

 

            Uma coisa pode parecer contraditória: a teoria do governo misto parece invalidar a do ciclo. Na verdade, o governo misto não escapa da teoria do ciclo, ele apenas demora mais para terminar, uma vez que é mais estável. O próprio Políbio deixa claro que os governos nascem, crescem e morrem inclusive o roamano/misto.

 

            Pode-se arriscar a hipótese (embora não explicitada inteiramente) de que Políbio tenha estabelecido graduação de mérito entre os diversos tipos de constituição mista. Sua preferência seria pela aristocracia e preponderância democrática, o princípio do fim. Segundo essa hipótese deve predominar nas três partes aquela do meio, outro exemplo da teoria da mediania.

 

           

 

            Apêndice

 

            Cícero em De República também defende e elogia o governo misto/romano. Para ele das três formas boas tradicionais a melhor é a monarquia sendo superada apenas pela mista.

 

            Ele afirma, também, que a excelência do governo misto é garantir a “igualdade” e consequentemente a estabilidade. Enquanto nas outras formas facilmente desenvolvem-se os defeitos a mista é equilibrada, afastando possíveis motivos para queda.

 

            Assim ele afirma que há uma relação estreita entre a constituição mista e estabilidade: cada uma das partes faz o que lhe cabe dentro do conjunto. Não há, portanto, uma razão para mudança.

 

 

 

Capítulo V – Intervalo

 

            Este capítulo trata da Idade Média, isto é, do período clássico até Maquiavel. Esse período não teve grande importância para a teoria das formas de governo, por isso o autor limita-se a explicar as razoes para esse fator.

 

            Primeiramente deve-se atentar para o fato que não se conheciam alguns textos importantes, tais como Política de Aristóteles e  De República de Cícero.

 

            Reencontrado o texto aristotélico (século XIII), teve grande repercussão. Ele foi usado praticamente na íntegra por Marcílio de Pádua (1324) e tido como verdadeiro na baixa idade média.       

 

            Deve-se atentar ao outra razão: grande parte das teorias dos primeiros séculos via o Estado com algo negativo (tal concepção só mudou com os escolásticos, que retomaram Aristóteles). Bobbio considera a “natureza negativa do Estado” a que lhe atribui função essencial de controlar a maldade do homem principalmente com repressão.

 

            Para quem, na idade média, afirma que o homem possui natureza má vê no Estado um instrumento de controlar, com a espada da justiça, o desencadeamento das paixões que atrapalham a convivência. Para elas quem provê a salvação é a Igreja e não o Estado, mas este tem funções importantes para os homens.

 

            Na realidade a tônica medieval é a dicotomia Estado-Igreja. Um influi no outro e, às vezes, acabasm confundidos.

 

            Para outros autores também há concepções negativas de Estado: Platão afirma que é aquele deferente do ideal. Marx vê a divisão da sociedade em classes como tal. Comparando rapidamente platonismo e marxismo vê-se um antagonismo completo: para o grego, o ideal seria um Estado dividido em classes eternamente, enquanto para o socialista é justamente o contrário.

 

            As concepções ideais variam conforme a época e o autor, para a Igreja, por exemplo, é o fim do Estado de maneira que ela (a Igreja) torne-o desnecessário. Para Marx é o fim do estado, mas, diferentemente da Igreja, isso deveria acontecer através de uma ditadura do proletariado, que deveria impor o fim das classes sociais e do Estado.

 

            Pode-se dar, também, uma explicação filosófica para a falta de interesse que os escritores cristãos têm sobre a classificação das formas de governo: o problema central dos escritores é moral. É a relação entre Estado e justiça. Santo Agostinho afirma que a diferença entre um ladrão e do Estado é que o último é mais repreensivo.

 

            Conclui-se, portanto, que na Idade Média a concepção de Estado está diretamente ligada à tirania. Essa forma tem duas subdivisões: o tirano que conquistou o poder sem ter direito e aquele que abusa do poder – Bartolo (De Regime Civitatis).

 

            Coluccio retoma a classificação: principitatus regius, politicus e despoticus. A distição é baseada em critérios familiares, o primeiro é semelhante à relação pai/filho; o segundo, marido/esposa e o terceiro, senhor/escravos.

 

            Por antítese, podemos concluir que o príncipe devia ser legítimo e justo, governando com justiça. Essa indicação fica clara na análise da Idade Média que só vê o Estado como tirania.

 

 

Capítulo VI – Maquiavel

 

             Neste capítulo Bobbio trata de Maquiavel, que inovou o pensamento das formas de governo. Esse assunto é trata nos livro Príncipe e Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio (os Discorsi).

 

            Em Príncipe Maquiavel afirma que “todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas e monarquias”. Logo, vê-se a diferença entre ele e os autores clássicos. Para ele o principado corresponde ao reino e a república à democracia à aristocracia.

 

            Resumidamente, o critério é quantitativo ou é um só – principado – ou muitos – república. Deve-se atentar ao fato de que há repúblicas democráticas e aristocráticas, dependendo de quem exerce o poder, uma vez que se fundamentam mesmos princípios básicos de governo.

 

            Para Maquiavel, o sucesso de um Estado baseava-se em sua estabilidade, que só seria atingida com o principado ou a república. Todas as outras formas (Estados intermediários) seriam efêmeras.

 

            Essa tese parece contradizer a teoria do governo misto, da qual Maquiavel, admirador da república romana, é um defensor (seguindo os passos de Políbio). O fato é que nem todas as combinações são boas, ou seja, governos mistos. O Estado intermediário que ele critica deriva não de uma fusão de diversas partes num todo que as transcende, mas da conciliação provisória entre duas partes conflitantes que não chegam a uma constituição superior que as abranja.

 

            Seguindo em Príncipe, Maquiavel classifica os principados, deixando as repúblicas de lado. A primeira distinção é entre principados hereditários – poder transmitido com base numa lei de sucessão – e novos – poder conquistado por alguém que não é príncipe.

 

            A respeito dos hereditários há duas espécies: aquela que o príncipe governa sem intermediários (poder absoluto) e os súditos são seus servos, mesmo os ministros. Há, também, os que governam com a intermediação da nobreza, cujo poder provem da antiguidade da família. Nesse tipo, o rei não tem poder absoluto e, consequentemente, tem poderes diminuídos.

 

            Quanto aos principados novos existem quatro espécies, de acordo com a maneira como o poder foi conquistado: pela virtu, pela fortuna, pela violência e com o consentimento dos cidadãos. Virtu é a capacidade pessoal de dominar eventos; fortuna, a sorte, o acaso.

 

            A diferença entre os principados do virtu e da fortuna é que os primeiros seriam mais duradouros. O ideal seria um governo baseado nos dois.

 

            O local onde o poder foi conquistado com violência não é considerado um mau principado. Seria apenas um outro modo de conquistar o poder. Segundo ele, todos os príncipes novos são tiranos, no sentido moderno da palavra – aqueles que possuem o poder de fato – e a sua legitimação só ocorreria com o tempo.

 

            No contexto maquiaveliano não há distinção entre tipos bons e maus de principados, desde que mantenham o poder. Aqueles que conquistaram o poder pela virtu, por exemplo, seriam celebrados com protagonistas do desenvolvimento histórico, mas sem relação com um bom ou mau governo.

 

            Deve-se enfatizar que o critério para distinguir a política boa e má é o êxito. No que tange os príncipes novos é a manutenção do poder e da estabilidade. Bom é aquele que, mesmo com artifícios criminosos, consegue manter o poder. Para Maquiavel “os fins justificam os meios”, ou seja, pode-se usar da crueldade, tirania e qualquer outra maneira para atingir um fim.

 

            A respeito da República, Maquiavel escreveu os Discorsi, antes mesmo de ter começado Príncipe. Assim como Políbio, ele se limita à constituição romana. Para discorrer sobre o assunto ele começa com uma breve exposição das constituições em geral.

 

            Como comentado por alguns autores, o que fala Maquiavel é praticamente uma tradução de Políbio. Ele expõe as três teses: a das seis formas e sua ordem de degeneração, a dos ciclos e a da república romana/mista. Para ele todas as formas simples eram más, inclusive as tidas como boas, uma vez que são efêmeras.

 

            Com relação à teoria dos ciclos ele é mais realista. Discorda da idéia de repetição eterna ao final de cada ciclo. Afirma que, geralmente, até o final do ciclo um Estado é dominado por algum vizinho, governado com mais sabedoria.

 

            Essa teoria confirma a concepção naturalista que tem Maquiavel da história. O objetivo do historiador seria extrair do estudo da história as grandes leis que regulam os acontecimentos. Só quem tem condições de explicar o porquê das coisas pode explicar como vão acontecer e sugerir possíveis soluções para os futuros problemas.

 

            Para formular tal teoria ele baseou-se na admissão da constância humana – os seres humanos teria sempre as mesmas paixões, desejos e ambições; sendo assim tudo sempre acontece de maneira igual.

 

            A solução dos males seria, então, o governo misto, tendo a república romana seu exemplo. Lá, há um perfeito equilíbrio dos três poderes (cônsules, senado e povo) não pela harmonia forçada, mas pelo conflito entre classes, pelo antagonismo.

 

 

Capítulo VII – Bodin

 

             Bodin (1530 – 1576) escreveu De la Republique no período de formação dos grandes Estados territoriais. Essa obra é a mais densa e sistemática desde a Política de Aristóteles.

 

            O francês é conhecido como teórico da soberania, entretanto esse conceito de soberania como caracterização da natureza do Estado não foi por ele inventado. Soberania significa poder supremo – em uma sociedade hierarquizada verifica-se que todo o poder inferior é subordinado a um superior; no ápice deve haver um que não é subjugado por ninguém, o poder supremo, que é o poder soberano.

 

            Para Bodin, soberania é “o poder absoluto e perpétuo que é o próprio Estado”. Há, portanto, dois atributos de soberania: a perpetuidade e o caráter absoluto, O primeiro diz respeito à forma como o poder é atribuído: por tempo indeterminado. Já o segundo afirma que o soberano não deve precisar obedecer às leis positivas.

 

            Não obstante, ao contrário do que se pensa, poder absoluto não é poder ilimitado. Que dizer que o soberano pode fazer leis válidas para todo o país e não estar sujeito a elas, pois não pode dar ordens a si. Porém, como todos, o soberano deve obedecer às leis naturais e divinas, pois acima dele e de todos há poder soberano de Deus. Além disso, as leis fundamentais do Estado (sucessão ao trono) são imutáveis e a propriedade privada é intocável.

 

            A importância dessa última limitação serve para demonstrar que, para Bodin, a sociedade se divide em esfera pública e privada. Que há o Estado e a sociedade civil, a cada qual se aplica um código de leis, direito público (Estado x pessoa) ou privado (pessoa x pessoa).

 

            Segundo o francês há, apenas, três formas de Estado (não de governo) a monarquia, a oligarquia e a democracia. Não há, pois, formas más de Estado nem tampouco qualquer forma de Estado misto. Para ele se tivesse que distinguir as constituições boas nas más o número de categorias seria infinito. Posteriormente, ele diferenciará o bom e o mau quando falar das formas de governo.

 

            No que tange o governo misto, ele é classificado como uma democracia, uma vez que é a junção de todos os segmentos da sociedade. Para um Estado ser verdadeiramente misto ele deve alternar o poder dos órgãos, sendo um dia de um, outro de pouco e outro de muitos. Como conseqüência disso, vemos o fim da soberania – pois ninguém tem mais todo o poder – e instabilidade.

 

            A questão da estabilidade contraria completamente o que dizem os defensores do Estado misto e da República Romana que tanto perdurou. Para Bodin, contudo, o exemplo República Romana como Estado misto é um equivoco, pois ela é, na verdade, uma democracia.

 

            Vejamos a diferença entre as formas de Estado e de governo através de um exemplo: um estado pode dar título de soberania a uma monarca, sendo o Estado uma monarquia, mas o monarca pode conceder participação nas assembléias nas magistraturas e dos cargos públicos a todo, sendo um regime monárquico com governo democrático.

 

            Dessa forma podemos considerar que há nove formas de governo: monarquia monárquica, aristocrática e democrática; aristocracia aristocrática, monárquica e democrática; e democracia democrática, monárquica e aristocrática.

 

            A distinção entre o Estado e governo só será retomada por Russeau, dois séculos mais tarde. Para ele a soberania reside unicamente no povo e, portanto, só há uma forma de Estado: a república. Mas ela pode ser governada de três maneiras diferentes: monarquicamente, aristocraticamente e democraticamente.

 

            Voltando para Bodin, vamos esclarecer melhor a inovação proposta por ele: a interpretação diferenciada do fenômeno da presença simultânea de órgãos mono, aristo e democráticos. Diferentemente dos teóricos do governo misto, Bodin afirma que mesmo que um governo seja regulado na base de um princípio diferente daquele que fundamenta poder soberano – que continua a residir num órgão único, o Estado. Ele não crê na possibilidade de coexistência de poderes soberanos, vê sempre um poder predominante (o verdadeiro soberano) e outros poderes subordinados que constituem o governo e não o Estado (regime): não o poder legislativo, o que fundamenta todos os outros, mas o poder executivo, que age em nome e por conta do legislativo.

 

            A distinção entre regime e governo nos permite compreender o fenômeno das formas degeneradas que representam um vício do exercício (governo) e não da soberania. Segundo Bodin cada um dos três regimes pode assumir três formas diferentes. A monarquia pode ser real, despótica e tirânica; a aristocracia, legítima, despótica e facciosa e a democracia, legítima, despótica e tirânica.

 

            A monarquia real é aquele em que o rei governa com amor, piedade, honestidade e caráter, sendo exemplo para os súditos. Seu poder é legítimo.

 

            A monarquia despótica é considerada como uma relação senhor – escravo. Para Bodin, o déspota é aquele que se assenhoreou dos súditos pelo direito das armas e da guerra justa. Sendo assim, a escravidão é um castigo por perder a guerra que só seria justa quando feita para reparar um mal feito pelo inimigo.

 

            Bodin introduz um caso novo: o despotismo colonial, relacionado com o vínculo entre europeus livres e povos servis. A existência de povos servis (inferiores) justifica o despotismo aplicado às outras nações como na América.

 

            De modo geral, distingue-se monarquia despótica da tirânica pelo fato da legitimidade. E, por esse fato, a monarquia despótica é estável enquanto a tirânica efêmera.

 

            Para Bodin, inclusive, a despótica era a mais duradoura de todas, pois, com o poder legitimado, o governante tinha toda a população como escrava e podia tratá-los como tal e esses não veriam nada de errado. No caso de uma real o rei não teria direito de tratá-los daquele jeito e rebelar-se-iam e, no caso de uma tirânica, perguntar-se-iam por que obedecem ao rei ilegítimo e, novamente, revoltar-se-iam contra o monarca.

 

Capítulo VIII – Hobbes

 

            Hobbes é o maior filósofo político da modernidade, até Hegel. O estudo sobre ele basear-se-á nos livros The Elements Of Law Natural and Politic, De Cive e Leviathan. Suas teses ligam-se constantemente a Bodin: não aceita a teoria das formas boas e más e a do governo misto.

 

            Para Hobbes, também, o poder soberano é absoluto. Para ele soberania (caráter absoluto e indivisibilidade) e poder absoluto são unum et idem. Diferentemente de Bodin que impõe limites ao tirano – leis naturais e divinas e o direito privado – para o inglês não há nada que limite o poder do soberano. O soberano é juiz da conduta de seu súdito e de sua própria.

 

            No que tange o direito privado, para Hobbes, uma vez instituído o Estado, só há esfera pública. A privada para ele seria o estado de natureza, onde todos têm o direito a tudo e, consequentemente, a nada. Assim só o Estado pode garantir, com sua força superior, o sistema de propriedade individual.

 

            Do caráter absoluto do poder estatal deriva a rejeição entre as formas boas e más. Essa distinção nasce da diferença entre os soberanos respeitarem ou não às leis, mas, como soberano, não é atingido por nenhuma norma. Além disso, não se pode falar em abuso do poder, uma vez que o poder é ilimitado.

 

            Ademais, Hobbes afirma que não há como distinguir as formas boas das más imparcialmente, uma vez que o ser humano tem emoções. Deste modo, não se designa um Estado com nomes diferentes – tirania, oligarquia, anarquia – das formas tradicionais de governo – monarquia, aristocracia e democracia -, pois são fruto das opiniões humanas.

 

            Hobbes explica, também, que não poder haver diferença entre o rei e o tirano com respeito à amplitude maior ou menor de seu poder, já que, se o poder é soberano, é ilimitado. Portanto, não há como falar que o tirano tem excesso de poder. O rei e o tirano não diferem, inclusive, pelo modo como adquirem o poder: a força. A legitimidade vem com a aceitação ou não dos súditos de forma com que o “príncipe” não aceito é um inimigo, mas não um príncipe mau, mas sim um não-príncipe.

 

            O despotismo, para Hobbes, é o “domínio adquirido com a conquista ou com vitória pela guerra”. Diferentemente de Bodin, ele não explicita que a guerra tem que ser “justa”. Ambos os lados conflitante sempre consideram a guerra justa. Dessa forma, o que determina a justiça da guerra é a vitória.

 

            O domínio do vencedor sobre o vencido é legitimado como despótico quando o derrotado, para evitar a morte declara que, enquanto lhe for concedido viver e ter liberdade de movimento, o vencedor o utilizará à sua vontade. Sendo assim, o que dá direito ao domínio é o pacto.

 

            Outra característica da soberania, a indivisibilidade, é usada por Hobbes para criticar o governo misto. Ele afirma que há pessoas que consideram que o poder concentrado nas mãos de uma pessoa ou de várias gera um estado de opressão servil. A fim de evitá-la deve-se, pois, instituir um governo com as três formas clássicas; que seja, contudo, diferente de cada uma individualmente: o governo misto.

 

            Para Hobbes nesse tipo de governo sempre predomina uma forma simples, sendo um Estado parcialmente misto. Mesmo sendo divido em partes e não inteiramente o poder está fadado à destruição. Seu raciocínio é simples: se um poder soberano está dividido ele não é mais soberano. Assim, ele critica o governo romano que era formado pelo senado e pelo povo e acabou se tornando uma monarquia.

 

            Sua crítica ao governo misto gera uma pequena confusão, uma vez que trata de forma muito semelhante o governo misto e a separação dos poderes. A crítica fundamental de Hobbes é à separação as funções do Estado e a sua atribuição a órgãos diversos. Vemos que essa não é a idéia de governo misto, que trata da união das classes para formar um Estado. A sobreposição da teoria do governo misto e da teoria da separação dos poderes só ocorre porque se procura fazer coincidir a divisão tríplice das funções principais do Estado que deveriam ser atribuídas a diferentes órgãos (separação dos poderes) e a diferentes classes (governo misto).

 

            Mas essa coincidência é desnecessária, uma vez que os teóricos do governo misto não pregam a divisão do poder direcionada a classes. Pelo contrário, afirmam que uma função deve ser exercida ao mesmo tempo pelas três.

 

 

 

Capítulo IX – Vico

 

 

            Vico propôs uma teoria cíclica baseada na história da humanidade. A teoria tradicional das três formas de governo é empregada por ele da barbárie à civilização.

 

            Sua filosofia busca descobrir as leis gerais que presidem ao desenvolvimento da história universal, permitindo compreende seu sentido. As principais categorias que ele busca abranger o movimento histórico são, uma vez mais, as três formas clássicas – que impõe nesta ordem: aristocracia, democracia e monarquia.

 

            O mundo histórico, objeto de suas reflexões, é Roma. Interpretando o período dos antigos reis de Roma como uma república aristocrática, que se prolonga até a concessão dos direitos aos plebeus (democracia) que, por sua vez, se torna uma monarquia.

 

            A tese de Vico é a de que o estado primitivo do homem foi um estado bestial. A característica desse estado, em que os homens se conduzem como animais, completamente associais (não existia nem mesmo família). O homem vivia isolado. Essa é a primeira autoridade jurídica do homem, chamada monástica ou solitária. Assim, com sua autoridade monástica, quando assaltado precisa proteger-se, consciente de sua superioridade pela justiça mata o assaltante exercendo um direito de superioridade ou de soberania.

 

            A humanidade não teria passado diretamente do estado bestial para o das repúblicas (civil). Entre as duas etapas, ele vê uma fase intermediaria: das famílias. Com o temor de Deus, após um raio nasce a vergonha do estado bestial. Os homens passam a levar as mulheres para dentro das cavernas iniciando uma relação que daria origem ao matrimônio.

 

            A essa primeira fase da história da humanidade, Vico denomina de estado de natureza. Para ele trata-se de um estado social, primitivo e natural: a família. Essa é a primeira forma de vida comum e, embora não represente um Estado, as famílias constituíram um pequeno governo civil, transformando a autoridade monástica em econômica (oikonomus).

 

            É preciso explicar o que é uma família para Vico, que não é só a família natural, mas os filhos, os descendentes, os servos, ou seja, todos sujeitos à autoridade do pai e que dele dependem. Podemos ver que há uma autoridade social que gera desigualdade.

 

            A passagem da fase das famílias à primeira forma de organização estatal (república aristocrática), deve-se a rebelião dos escravos. Essa revolta obriga os chefes de família a unirem-se para conservar seu domínio, o que gera um Estado.

 

            Com a primeira foram de Estado se origina a autoridade civil que justifica a desigualdade e o domínio de uma classe sobre a outra (uns possuem direitos públicos e privados e outros – os inferiores – não possuem nem estado jurídico). A passagem da república aristocrática para a popular ocorre, novamente, pela luta de classes. Quando a luta termina os plebeus tomam o poder.

 

            O fim da república popular ocorre pela degeneração da liberdade em licença e o antagonismo de idéias. Surge, então, o principado para “defender o povo dele mesmo”. Para Vico, a monarquia é o governo popular levado à perfeição, quase imunizado contra a degeneração fácil e fatal.

 

            Vico classifica os governos ainda de outra forma segundo a divisão da história em: dos deuses, dos heróis e dos homens. A era dos deuses representa o Estado familiar; a dos heróis, a aristocracia; e a dos homens, a democracia e a monarquia. De onde se vê a semelhança entre democracia e monarquia.

 

            Essa conclusão se mantém se considerarmos outra classificação dos tempos históricos, as três faculdades da alma: a percepção (dos deuses/familiar), a da fantasia (dos heróis/aristocrática) e a da razão (dos homens/monarquia e democracia).

 

            O sentido do curso histórico, para Vico, é positivo, isso o faz distinguir das teorias clássicas. Em sua concepção o homem se eleva gradualmente até a melhor forma de governo. Além disso, ele é defensor da teoria dos ciclos. Assim sua concepção é progressiva e cíclica.

 

            Vale lembrar que Vico baseou-se na história de Roma: o fim do império romano é o início de uma nova era – idade média – o retorno à barbárie. Com o passar do tempo todos os estágios vão ocorrendo até voltar para a civilização com o Estado.

 

            As causas para mudança de sistema são, com exceção da passagem da fase bestial para as famílias, que é externa, internas: a revolta dos servos, luta das classes, guerra civil. Isso significa que Vico vê a luta como necessária para o avanço da sociedade.

 

            Não se pode afirmar o mesmo da passagem da monarquia para a barbárie. As mesmas coisas não geram mais os mesmo efeitos, tudo depende da época.

 

            Vico acusa a razão, que conduz os homens a falta de fé e a inquisição e refutação de tudo. Assim o homem depôs de perder o temor de Deus, volta a ser um animal. Pode-se perceber, pois, que o excesso de razão leva à falta dela.

 

 

 

Capítulo X – Montesquieu

 

             A obra mais importante de Montesquieu O Espírito das Leis (1748) não é de teoria política. Contém, contudo, alguns elementos que serão objetos de estudo. Assim como Vico, ele busca saber se há leis para o desenvolvimento da sociedade. Seu estudo, entretanto, é muito mais amplo ele inclui os Estados não-europeus.

 

            Mas a diferença essencial entre os dois autores é a dimensão sob que procuram as leis: Vico, na temporal; e Montesquieu, na geográfica.

 

            Em sua obra o francês define o que é uma lei, sua definição, não obstante, não é precisa, mas podemos extrair duas afirmações: a) todos os seres do mundo (inclusive Deus) são governados por leis; b) é possível enunciar uma lei sempre que há relações necessárias entre dois seres de modo que, dado um deles, não poder deixar de extrair o outro. Daí, ele extrai: “o mundo não é governado por cega fatalidade”.

 

            Essa concepção assemelha-se com a de um físico sobre o mundo natural. No entanto, Montesquieu afirma que o mundo da inteligência é governado de maneira inferior ap mundo natural (físico). Isso se deve a tendência natural do homem de desobedecer às leis naturais. Para assegurar a obediência a elas os homens foram obrigados a instituir leis positivas. Aqui vemos por que é mais fácil compreender a natureza de que o universo do homem que relaciona as leis naturais com as positivas.

 

            Essa relação é a que existe entre um princípio geral e suas aplicações práticas. A lei natural enuncia o princípio, enquanto a lei positiva diz, em cada sociedade, como deve ser cumprida e as possíveis sanções à não execução.

 

            Montesquieu distingue três espécies de leis positivas: as que regulam as relações entre grupos independentes (direito das gentes – internacional), as que regulam relações entre governantes e governados dentro de um grupo (direito político – público) e as que regulam as relações entre os governados (direito civil).

 

            Podemos ver, então, que devido aos caracteres dos tipos de lei, para construir uma teoria geral da sociedade é necessário considerar o maior número possível de sociedades históricas. Como as sociedades possuem leis diversas ele afirma que as causas dessa variedade são três: físicas (naturais), econômico-sociais e espirituais.

 

            Essas características das sociedades influem na escolha de uma das três formas de governo: a republicam a monarquia e o despotismo. No que tange a república, ela pode ser democrática ou aristocrática dependendo de quem exerce o poder.

 

            O despotismo sempre foi tratado como uma forma má de monarquia. Dessa forma, não haveria forma degenerada da república. Entretanto, Montesquieu trata o despotismo como o mau caminho de ambas: o despotismo de um só e o de todos.

 

            Deve-se considerar, também, que Montesquieu deu enorme importância ao mundo extra-europeu, especialmente o asiático. Para ele a inclusão do despotismo como forma de governo é essencial para entender o oriente.

 

            Como outros autores, Montesquieu também podia ver em Roma os aspectos de sua teoria: a monarquia inicial; a república (primeiro democrática, depois aristocrática) e o despotismo do período inicial.

 

            Em comparação com outros teóricos ele apresenta outra novidade: sua teoria está baseada em dois planos, o da natureza dos governos e dos princípios que os orientam. A natureza corresponde a “quem e como” e os princípios às paixões fundamentais que induzem os súditos a agirem conforme a lei.

 

            Essa tese da diversidade dos princípios lembra Platão que via, também, relações com a forma de governo. Para Montesquieu, os três princípios são: virtude cívica (república), honra (monarquia) e o medo (despotismo).

 

            A virtude republicana é o amor das leis e da pátria, que exige o interesse público em oposição ao privado, ou seja, a busca da igualdade. Essa virtude não é nem moral nem cristã, mas sim política, uma mola que impulsiona a república.

 

            Por honra entende-se aquele sentimento que nos leva a executar uma boa ação exclusivamente pelo desejo de ter ou manter uma boa reputação. A honra é uma mola individual que serve, contudo, ao bem comum. Ela pressupõe uma sociedade estamental, uma vez que a mola é apenas dos que, por meio do soberano, receberam poderes.

 

            O medo no despotismo é essencial. Sem ele a estrutura despótica ruiria rapidamente, Além disso, a virtude é desnecessária; a honra, perigosa.

 

            A preferência de Montesquieu é a monarquia. Ele justifica sua escolha pelo fato da monarquia possuir órgãos controladores intermediários – os contrapoderes – que limitam e impedem o abuso do monarca.

 

            Ele introduz, também, uma nova figura: o governo moderado que seria uma obra prima de legislação, onde todas as potências teriam poder de controlar as outras se necessário. Nesse governo haveria uma separação dos poderes em legislativo, executivo e judiciário, mas diferentemente do governo misto esses poderes não deveriam ser divididos conforme as partes da sociedade cabendo a cada uma certa função.

 

            A importância que Montesquieu atribua à separação dos poderes, que caracteriza os governos moderados, confirma a tese de que ao lado da tríplice classificação (república, monarquia e despotismo), que corresponde ao uso descritivo e histórico da tipologia. Há outra tipologia, mais simples, relacionada com o uso prescritivo, a qual distingue os governos em moderados e despóticos (abrangendo estes últimos não só monarquia, mas também repúblicas).

 

 

 

Capítulo XI – Intervalo: O Despotismo

 

 

            Este capítulo trata do despotismo que embora tenha sido tratado em praticamente todos os autores, só na obra de Montesquieu se tornou fundamental para a análise das sociedades. Ademais, foi o primeiro escritor político a considerar o despotismo uma forma diferente da monarquia.

 

            O critério de diferenciação é a distribuição dos poderes existente nas monarquias, que inexiste no despotismo. Essa categoria é descrita por Montesquieu em vários aspectos: naturais, econômicos, jurídicos, sociais e religiosos. Em outros autores esse tema é tratado como a relação senhor/escravo.

 

            Mas escravidão é apenas um dos elementos que distinguem o regime despótico dos demais. Há outros como o clima, a natureza do terreno (é mais fácil que se estabeleça regime despótico nos países mais férteis), a extensão territorial (o despotismo é necessário em Estados muito extensos) a índole ou o caráter dos habitantes, o tipo de leis (os hábitos, não as leis escritas) a religião.

 

            O elemento comum entre Montesquieu e os clássicos no que tange ao despotismo é a delimitação histórica e geográfica dessa forma de governo. Para todos, a região onde naturalmente ele aparece é a Ásia.

 

            Baseando-se nas observações de Montesquieu sobre as relações entre despotismo e religião, Boulanger propõe uma interpretação teocrática dessa forma de governo onde afirma que o governo da religião é a origem de todos os males da sociedade.

 

            Wittfogel em 1957 inovou com a explicação de um fenômeno: os poderosos aparelhos burocráticos que constituem o sistema déspota nascem da necessidade de regulamentar a irrigação nas grandes planícies asiáticas. Como forma de governo, o despotismo se caracteriza pelo monopólio da organização burocrática.

 

            Em todos os autores citados o despotismo é algo negativo, no entanto, no século XVIII com os fisiocratas esse panorama foi visto como positivo. Eles chamavam o despotismo iluminado, que consistia no poder centralizado na mão de um homem que criaria leis positivas para legitimar a lei da natureza, a fim de possuir um Estado fisiocrático.

 

            Dupont de Nemours, com a mesma linha de raciocínio, afirma que não se pode dividir o poder a preço da anarquia, mas que o soberano não pode criar leis, pois isso já foi feito pelo Criador; e qualquer ordem contrária à natural pode ser descumprida, uma vez que as leis naturais são superiores às positivas. O déspota deve, então, dispor de plenos poderes para garantir a execução da lei natural e não para mudá-la.

 

            Le Mercier é outro autor que vê o despotismo com bons olhos. Ele afirma que quando o governo é baseado na evidência dá-se o melhor tipo de governo. Considera esse o único modo para se libertar do arbítrio.

 

            Em 1768 Malby refutou a tese de Le Mercier. Para Malby, todas as formas de concentração de poder são ruins, portanto a única forma realmente boa seria o governo misto. Para ele o remédio para o abuso do poder é dividi-lo para haver um controle recíproco.

 

            Não será a última vez que vamos encontrar o governo misto como melhor forma de governo. Em todas, ela se encontra relacionada com a coibição do abuso do poder. Deve-se, por conseguinte, refletir sobre sua adaptação aos diferentes momentos históricos em que é invocada para compreender melhor as idéias dos teóricos.

 

 

 

Capítulo XII – Hegel

 

            Enquanto Vico e Montesquieu utilizam, respectivamente, a história e a geografia para entender as formas de governo, Hegel se vale da síntese das duas (afirmação do fundamento geográfico do processo histórico).

 

            Montesquieu muito influenciou Hegel; o alemão, no entanto, aprofundou as idéias do francês, criando uma verdadeira teoria. Hegel explica que a história passou por três tipos de bases geográficas: o altiplano – Ásia Central, nações pastoris -, a planície fluvial – regiões de solo fértil, agricultura – e a zona costeira – onde se desenvolveu o comércio e novas condições ao processo civil.

 

            Como se vê as atividades pastoril, agrícola e comercial, correspondentes às três fases do desenvolvimento da sociedade humana, do ponto de vista econômico, corresponde também a três regiões do planeta. Além disso, o fato que as três fases da civilização correspondem a três zonas distintas da Terra demonstra que a evolução das sociedades não ocorre apenas em momentos sucessivos do tempo e no mesmo espaço, mas em áreas distintas. Essa evolução ocorre em uma direção: para o Ocidente; assim a América seria o próximo estágio do desenvolvimento.

 

            A influência de Montesquieu sobre Hegel ultrapassa a concepção geográfica do pensamento histórico. Tem a ver com a própria tipologia das formas de governo. Para o alemão as formas de governo historicamente relevantes eram o despotismo (oriental), a república (antiga) e a monarquia (moderna). A história universal é o processo mediante o qual se dá a educação do homem, que passa da fase desenfreada da vontade natural à universal, e à liberdade subjetiva. O Oriente sabia e sabe que um só é livre; o mundo grego e romano, que alguns são livres; o mundo germânico, que todos são livres.

 

            Para Hegel, todos os Estados do mundo passaram pelas três formas de governo – primeira – o despotismo, forma de reino patriarcal; a segunda a república, Estado livre, embora de liberdade particularística; a terceira, a monarquia, em que o rei governa uma sociedade articulada em esferas relativamente autônomas. Essa passagem aparenta ser uma repetição de Montesquieu, mas possui uma diferença: o critério usado para distinguir as três formas. O alemão não usa mais o “quem e como”, e sim a estrutura da sociedade no seu conjunto.

 

            Se cada forma de governo é a estrutura política de uma sociedade bem determinada, cada sociedade possui sua própria constituição – e não pode ter uma outra. Cada constituição dependa do espírito do povo, sendo necessário ao desenvolvimento dos Estados.

 

            Essa dependência do espírito do povo é a razão pela qual ele ataca os iluministas, que acreditam que há uma constituição bela e perfeita que pode ser imposta a povos diferentes. Rejeita, também, qualquer discussão sobre a melhor forma de governo, que não pode ser definida pela razão, mas está subordinada à sociedade.

 

            Uma coisa pode parecer estranha em Hegel: ele divide a história em quatro – e não três – épocas: o mundo oriental, o helênico, o mundo romano e o mundo germânico. Ele foi obrigado a isso pela reflexão sobre a era imperial romana.

 

            Pele metodologia hegeliana, não havia categoria tradicional onde pudesse se encaixar o império. Concluiu, ele, portanto, que essa era uma fase de transição entre o mundo antigo e o mundo moderno. Transição, pois o império não é propriamente uma forma de Estado, uma vez que abrange uma variedade de povos e essa variedade não faz com que tenham um espírito comum. Ademais, em um império só há relações de direito privado, o que também desconstitui um Estado.

 

            A primeira épica, o despotismo, corresponde ao mundo oriental. Deslocando-se do Oriente para o Ocidente, os Estados despóticos são três: o despotismo teocrático da China, a aristocracia teocrática da Índia e a monarquia teocrática da Pérsia. Como se vê o caráter dominante do regime despótico é, para Hegel, a teocracia.

 

            Hegel chama o mundo oriental de “era infantil da história”; com isso quer dizer que na Idade do despotismo o homem ingressa pela primeira vez na historia (sem Estado não há história). No entanto, apesar de já ser “história” o despotismo oriental ainda não apresenta um verdadeiro desenvolvimento histórico. A história como processo real, a história “histórica” só tem começo no ocidente.

 

            Antes do ingresso do homem na história, ele era natural, fora da história. Para Hegel esse homem pré-histórico é o africano. Em sua obra, antes de citar o mundo ele dedica algumas laudas à África afirmando que os negros são homens no estado bruto, na sua total barbárie e, por conseguinte não possuem freios.

 

            Como já foi dito Hegel se recusa a falar sobre qual seria a melhor forma de governo. A tarefa que ele se propõe é entender a razão das formas de governo. Isso não impede que ele defenda uma forma de Estado: a monarquia constitucional. Não obstante, em várias oportunidades transparece que sua preferência pela monarquia constitucional não se deve a que ela seja a melhor, mas aquele que corresponde melhor ao espírito do tempo – ele afirma que só quer procurar a fase do desenvolvimento histórico atual.

 

            Em alguns dos escritos hegelianos pode-se ver sua visão positiva da monarquia constitucional. Sua superioridade seria relativa; e relativa a duas condições: é a forma mais apropriada a grandes Estados (a melhor aos pequenos é a democracia) e é a forma que melhor se ajusta ao sistema civil. O fato dos EUA serem um Estado grande e democrático, não era problema, pois, para Hegel, não constituía uma sociedade civil, sendo um Estado < xml=”true” ns=”urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags” prefix=”st1″ namespace=””>em formação. Vale ressaltar que Hegel considerava a sociedade civil como um “meio-termo” entre família e Estado.

 

            A forma de excelência do Estado Moderno seria a monarquia constitucional. Com a divisão dos poderes o Estado estaria bem articulado e, assim, seria o melhor para a época.

 

            Na comparação da monarquia constitucional com as formas clássicas o critério de distinção é a complexidade da sociedade. As formas clássicas só se adaptariam às sociedades mais simples; enquanto a monarquia constitucional, às mais complexas.

 

            Outra questão que surte, novamente, é o governo misto. Quando Hegel afirma que as três formas clássicas de governo se reduzem a momentos da monarquia constitucional, dá a impressão à alusão ao governo misto. Mas a monarquia constitucional não consiste em quem exerce o poder, mas na divisão do poder em órgãos, sendo p caráter quantitativo falho.

 

 

 

Apêndice: Monarquia Constitucional

 

            Neste capítulo são tratadas as relações entre Montesquieu e Hegel a respeito da monarquia constitucional.

 

            A constituição monárquica que Hegel e Montesquieu descrevem em muito se difere da tipologia clássica das formas de governo – são bem mais complexas e articuladas. Do ponto de vista da modernidade ambos consideram a monarquia constitucional como a forma mais adaptada e as outras ineficientes, em vista da falta de articulação das formas clássicas.

 

            A inovação hegeliana, com relação a Montesquieu, é a maneira de considerar a sociedade moderna e suas articulações. Ele afirma que a vida social se desenvolveu tanto que acabou por duplicar-se em sociedade civil e Estado. Isso significa que a sociedade civil esfera privada, funciona com interesses próprios e possui sistema autônomo mediante sua dependência recíproca e objetiva. É nessa esfera que se dão as atividades econômico-juridico-administrativas.

 

            Pode-se dizer que para Hegel a monarquia constitucional é uma constituição articulada, pois reflete a sociedade moderna da época (diferenciada). Para Montesquieu a concepção é praticamente a mesma. Contudo, o que para Hegel é sociedade civil é um pouco diferente para o francês: a sociedade civil não é vista como separada do Estado e suas diferenciações são também diferentes.

 

            A diferenciação de classes é outro elemento que distingue os dois: para Montesquieu é horizontal, buscando a honra; e, para Hegel, vertical, baseada em critérios socioeconômicos. Assim, podemos ver que a desigualdade vem das particularidades de cada um e não de uma ordem anterior.

 

            Para Hegel o fato de Montesquieu considerar honra como “mola” da monarquia é devido ao fato da mente do francês estar focada na monarquia feudal e não na constitucional. Caso estivesse na constitucional moderna, a “mola” seria o dever.

 

            As noções de liberdade também diferem: Para Hegel é levar uma vida universal, e para Montesquieu, a ausência de opressão e dos abusos. Ambos, porém, vêem que a liberdade é conseguida através do Estado e suas leis, que para Hegel garantem o bom comum e para Montesquieu a garantia dos privilégios (na prática).

 

            A idéia do francês de separar os poderes para evitar abusos do rei e manter o equilíbrio é, também, criticada por Hegel, pois considera que essa divisão deve-se à garantia da liberdade pública.

 

            Ainda dentro do modelo hegeliano, o princípio da divisão dos poderes assume novo significado: é algo orgânico. É o principio de organização do corpo político, no qual as esferas particulares são conduzidas a universal. Essa divisão é a forma racional da unidade política, na diferenciação própria da vida social moderna.

 

            Os poderes compreendidos pelos dois também diferem: para Hegel, do príncipe, do governo e legislativo; para Montesquieu, executivo, legislativo e judiciário. Vale lembrar que para o alemão a administração da justiça é carda da sociedade civil.

 

            O modelo hegeliano não vingou. Como se sabe a teoria de Montesquieu influenciou mais do que a do alemão, mesmo com aspectos mais antiquados apontados por Hegel.

 

 

 

Capítulo XIII – Marx

 

            Este capítulo trata da teoria política de Marx que, embora não tenha nenhuma obra sobre este assunto, deixa transparecer sua opinião em trechos de seus textos.

 

            Uma razão da falta de interesse de Marx por este assunto deve-se ao fato dele ter uma concepção negativa do Estado. Nesse ponto conflita diretamente com Hegel – que considerava o Estado o caminha para a perfeição – assim como outros autores que têm uma visão positiva.

 

            Essa visão negativista do Estado deve-se, principalmente, a dois elementos: “a consideração do Estado como pura e simples superestrutura que reflete o estado das relações sociais determinadas pela base econômica e a identificação do Estado como um aparelho de que se serve a classe dominante manter o seu domínio, movido pelo qual o fim do Estado não é um fim nobre, como a justiça, a liberdade ou bem-estar”.

 

            Em sua concepção negativa do Estado, o problema da diferenciação das formas de governo e, sobretudo, a distinção entre formas boas e más, perde grande parte de sua importância – todas as formas são más. O que importa para Marx e Engels é a relação de domínio entre classes. Desse ponto de vista todo Estado é despótico.

 

            Marx identifica uma forma nova de governo, distinta do Estado representativo – o chamado bonapartismo. Este seria um Estado em que haveria uma constate disputa entre burguesia e proletariado. Sendo assim, a função do poder estatal seria mediar esses conflitos.

 

            A visão engelsiana faz com que se considere o tirano bonapartista diferentemente do tirano clássico, uma vez que o primeiro toma o poder num momento de graves conflitos sociais. Já Marx não encara o ditador dessa forma, mas como um instrumento da classe dominante, através do qual ela cria um “salvador do povo” para tomar o poder, mas ele garante a estrutura econômica.

 

            Mais do que uma forma de governo o bonapartismo é uma inversão de papéis no Estado burguês. Com isso, a novidade desse modelo é que o poder executivo torna-se mais importante que o legislativo – como no fascismo italiano, que marginalizou a estrutura legislativa – e o Estado acaba caindo em um despotismo.

 

            Como já foi dito, a essência do Estado é o despotismo. Deve-se atentar ao fato que Marx utiliza outra denominação: ditadura. Daí, vemos as expressões, tão célebres, ditadura da burguesia e ditadura do proletariado. A última, por sinal, é extremamente importante em sua teoria, pois resulta da luta de classes e é o caminho para o comunismo – estágio superior da sociedade.

 

             Essa divisão da história da sociedade é baseada na evolução das relações de produção. Primeiro, a sociedade seria escravista; em seguida, feudal; depois, burguesa, que estaria destinada a tornar-se socialista e, na seqüência, comunista. Marx possui uma visão eurocêntrica do processo histórico e classifica a o modo de produção asiático a parte, sendo ele imutável.

 

            O comunismo marxista promete uma sociedade sem classes, sem Estado, sem poder coator e opressivo, a substituição das leis pelos costumes, liberdade e igualdade para todos e é semelhante ao que Engels trata como sociedade primitiva.

 

            Para Engels, essa sociedade primitiva evoluiria em uma fase estatal, que nasceu da necessidade de frear os antagonismos de classes, mas seguiu como meio de conflitos entre elas e reflete, em geral, as concepções da classe dominante.

 

            Dos três tipos de Estado que Marx enumera, só o terceiro – o burguês – representaria uma forma de governo. Os outros dois – escravista e feudal – se caracterizam não pela forma de governo, mas pelo tipo de sociedade que refletem (modo de produção).

 

            Com relação ao uso prescritivo das formas de governo, vemos o Marx aparentar simpatia sobre uma democracia direta, com participação dos cidadãos nos vários órgãos detentores de poder, sem representantes eleitos, em contraste com a democracia representativa do Estado burguês.

 

            Fortemente influenciado pela Comuna de Paris, Marx tece elogios e aponta certos pontos que seriam importantes à melhor forma de governo: a supressão dos chamados corpos separados como o exército e a polícia; a transformação da administração pública, da “burocracia” em corpos agentes responsáveis e demissíveis, a serviço do poder popular; extensão do princípio da eletividade e, portanto, da representação, sempre revogável, a outras funções públicas, como juiz; eliminação do mandato imperativo, isto é, obrigação de os representantes seguirem as instruções de seus eleitores sob pena de revogação do mandato e amplo processo de descentralização, de modo a reduzir o mínimo o poder central do Estado.

 

            Podemos ver que, para Marx, a melhor forma de governo é aquela que agiliza o fim do Estado. Essa melhor forma de governo, a fase de transição, é o momento da ditadura do proletariado.

 

 

 

Capítulo XIV – Intervalo: A Ditadura

      

           Como já visto, o termo ditadura foi empregado na linguagem marxista como sinônimo de despotismo. Vemos, entretanto, que hoje o primeiro é muito mias utilizado.

 

            Começou-se a falar em ditadura a propósito do fascismo italiano, depois no nacional-socialismo e, em seguida, praticamente todos os regimes constitucionais instituídos pela força, com restrição da vida social e civil.

 

            “Ditadura” vem da antiguidade romana. Chamava-se de ditador um magistrado extraordinário, ocupante de cargo instituído por volta de 500 a.C. Esse ditador era nomeado por um dos cônsules em circunstâncias extraordinárias, como uma guerra. Dada a excepcionalidade da situação, o ditador recebia poderes quase absolutos.

 

            “O contrapeso do caráter excepcional do poder ditatorial consistia na sua interinidade. O ditador era nomeado só pela duração da tarefa extraordinária que lhe era confiada.” (p.165) Assim, o poder do ditador romano era extraordinário, mas legítimo.

 

            Podemos diferenciar essa ditadura romana do despotismo e da tirania clássicos quando analisamos as características de cada um. A primeira é uma magistratura monocrática; com poderes extraordinários, mas legítimos, limitados pelo tempo. As outras, diferenciam-se dela; o despotismo pelo fato dele não ser temporário e a tirania, por não ser legítima.

 

            Maquiavel deixa claro outro aspecto diferenciador do ditador romano: ele não podia fazer nada que diminuísse o Estado, pois sua função era apenas executiva e dependia diretamente do legislativo e dos cônsules para seu poder ter legitimidade.

 

            Bodin afirma que o ditador romano – enquanto magistrado por tempo determinado – não é soberano, uma vez que um dos caracteres da soberania é a perpetuidade.

 

            Contudo, a historia da ditadura executiva, que estudamos através de Maquiavel, Bodin (que se assemelham muito com Rousseau) é apenas uma parte da história da ditadura. Precisamos ver a segunda parte para compreender o conceito de ditadura marxista. Carl Schmitt chama a ditadura tradicional de ditadura comissária, para distingui-la da outra forma, que vamos encontrar na Revolução Francesa, a soberana.

 

            Na ditadura comissária, o ditador limita-se a suspender a constituição justamente para defendê-la. Enquanto isso, na soberana, ele possui o poder soberano. O primeiro mantém-se dentro dos limites constitucionais, o segundo põe em jogo toda a constituição, atribuindo-se a função de estabelecer outra; o comissário é constituído, o soberano constituinte; o dos moldes romanos tem autoridade constituída, o dos moldes revolucionários se auto-constitui.

 

            Mas o que realmente distingue os tipos de ditaduras é a perda do caráter monocrático. Na já citada Revolução Francesa, por exemplo, vemos a ditadura soberana, pois, apesar figura humana de Robespierre, havia uma ditadura de todo um grupo. Desse modo trabalha também Marx, quando fala em ditaduras da burguesia e do proletariado.

 

            A ditadura soberana – revolucionária ou não – tem extrema facilidade de converter-se em uma tirania. “Quando um ditador, usando o poder que lhe foi confiado, se apropria de um poder maior, tornando-se soberano, para um escritor clássico ele deixa de ser um ditador e passa a ser um tirano”. Assim, é extremamente complicado classificar, com certeza, os tipo monocráticos de governo, mesmo com critérios.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
AMPAS,. A Teoria das Formas de Governo – Bobbio ver.2. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/teodasform/ Acesso em: 29 mar. 2024