Teoria Política

O Príncipe – Maquiavel

Bernardo Rohden Pires*

 

O clássico “O príncipe”, do autor italiano Nicolau Maquiavel, é leitura indispensável em qualquer curso dentro da área política. Versando sobre práticas e atos do governo dos príncipes, o livro é uma espécie de oferenda concedida pelo autor a um deles, justamente por acreditar que todos aqueles desejosos de conquistar a simpatia de um príncipe devem oferecer-lhes aquilo que têm de melhor. Separada em 26 capítulos que compreendem desde a atuação do exército no governo até a forma como alguns soberanos perderam o poder, a leitura da obra é imprescindível dentro do esforço de se compreenderem algumas nuanças do cenário político.

 

            O primeiro capítulo (“De quantas espécies são os principados e de que modo se adquirem”) garante que todos os Estados e governos que exercem autoridade sobre os homens são principados ou repúblicas. O autor caracteriza aqueles como hereditários, quando vêm de longa data através da mesma linhagem familiar, e também de novos. Estes podem assim o ser integralmente ou como integrantes anexos ao Estado hereditário do príncipe que os adquire.

 

            Já no segundo capítulo (“Dos principados Hereditários”), há uma comparação entre as dificuldades que encontram os Estados hereditários e os novos; assegura-se menos agruras àqueles em que o poder advém de um caráter sucessório. O príncipe que herdou essa condição tem menos necessidade de ofender, sendo, por conseguinte, mais amado e benquisto por todos.

 

            O terceiro capítulo (“Dos principados mistos”) dedicou diversas páginas da obra para falar das inúmeras dificuldades encontradas pelos principados novos. Um natural contratempo, sob o ponto de vista do autor, que pode ser visto em um Estado novo é a direta ofensa contra o senhor atual por conta da mudança de príncipe. O novo senhor faz uso da mesma prática, açoitando os novos conquistados -desse modo, aqueles que foram ofendidos tornam-se inimigos e é impossível manter como aliados aqueles que carregaram o príncipe ao poder. Depois de uma rebelião, mais fácil é a manutenção da ordem dentro da província, já que o príncipe, vacinado pelo motim passado, não pestaneja quando da necessidade de se investigar e punir os subversores.

 

            As dificuldades em anexar territórios podem ir além de questões militares propriamente ditas. A cultura daquela região pode ser fator determinante para que se mantenha a dominação sobre aquele contingente populacional e territorial. Quando a língua e os costumes são consoantes àqueles do Estado dominador, encontra-se maior facilidade de controle e sujeição. As províncias que possuem leis e hábitos diferentes, entretanto, têm um controle mais penoso. Medidas como habitar essas terras de modo a aproximá-las do contato do príncipe, estabelecer colônias e desestruturar o poder dos ricos para fomentar uma isonomia entre os indivíduos e o conseqüente conformismo entre os cidadãos podem ser de grande valia nesse processo de conquista. Infere-se uma máxima dessa relação: “quem é causa do poderio de alguém, arruína-se porque esse poder resulta ou da astúcia ou da força, e ambas são suspeitas para aquele que se tornou poderoso”.

 

            O quarto capítulo (“Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste”) trata do período pós-morte de Alexandre, que supostamente ensejaria uma rebelião, o que de fato não ocorreu. Houve, todavia, o nascimento de uma questão advinda da relação entre os sucessores. Os Estados têm sido governados ou por um príncipe e por barões, ou por um príncipe somente, sendo servos todos os demais. Esta última forma de governo é pautada na obediência ao príncipe e na condição de que os súditos devem total obediência a eles. Aquela se baseia na instituição de barões -por meio de linhagem sangüínea-, barões esses que são próximos aos príncipes.

 

            Dentro do quinto capítulo (“De que modo se devam governar as cidades e principados que, antes de serem ocupados, viviam com suas próprias leis”), lançam-se três formas de conservar aqueles Estados conquistados que estão habituados a viver com suas próprias leis e em liberdade, a saber: arruiná-los seria a mais sucinta das maneiras; habitá-los pessoalmente seria outro modo de conservá-los e também cobrando tributos em seu interior, criando um governo de poucos, que se mantêm amigos. Para se conservar a liberdade de uma cidade, o jeito mais fácil é através de seus cidadãos, porém não é essa a maneira de se mais bem controlá-la. As duas primeiras citadas são investidas de menor dificuldade de execução.

 

            O sexto capítulo (“Dos principados novos que se conquistam com as armas próprias e virtuosamente”) traz a observação como forma de se construir um Estado melhor. Enveredar-se por mares nunca dante navegados não é a mais correta forma de se constituir um Estado ideal. Há de haver inspiração na virtude daqueles que foram comprovadamente excelentes. Não pode haver coisa mais difícil que se instituir um novo governo e, por conseguinte, novas resoluções e medidas. Estas podem ser prejudiciais a alguns que eram favorecidos outrora, o que pode despertar um sentimento de insatisfação dentro da província. Mas o fato de esses atos do príncipe serem nada mais que inovação também pode trazer certa desconfiança. É preciso averiguar se os atos ensejados pela nova administração têm alguma referência que demonstre qualidade, a fim de que se dirimam dúvidas acerca do tema.

 

            O sétimo capítulo (“Dos principados novos que se conquistam com as armas e fortunas dos outros”) traz que aqueles que exclusivamente por condições financeiras galgam a condição de príncipe facilmente o fazem, porém somente mediante muito esforço assim se mantêm. As dificuldades que vêm quando do período no poder têm seu gérmen no fato de serem esses homens de pouco engenho, de pouca prática no poder. A qualidade que os poria em tal condição de poder veio através de seu poderio econômico, não sendo o trato da questão pecuniária fator que contribua sobremaneira à eficiência no governo do principado.

 

            No oitavo capítulo (“Dos que chegaram ao principado por meio de crimes”), descobre-se que há outras duas maneiras de se chegar ao poder que não pela fortuna ou através da virtude. São elas: quando por um meio criminoso se ascende ao poder ou quando um cidadão torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de seus concidadãos. Cabe ao conquistador, quando da ocupação de um Estado, exercer de uma só vez todas aquelas ofensas que julgar necessário, de modo a conquistar os homens com benefícios e conceder-lhes segurança. Paulatinamente, só benefícios devem ser conferidos, com o intuito de fazer-lhes ruminar por anos entre os cidadãos conquistando, assim, a simpatia e compaixão dos mesmos.

 

            O nono capítulo (“Do principado civil”) diz que um cidadão privado torna-se príncipe de sua pátria a partir do favor do povo ou com o favor dos grandes. Em todas as cidades, encontram-se essas duas tendências. Elas são resultado de um desejo popular de não ser mandado nem coagido pelos poderosos, e estes desejam oprimir o povo. A divergência entre essas ânsias que enseja o nascimento, nas cidades, de um dos três efeitos, a saber: principado, liberdade ou desordem. O principado é constituído pelos grandes ou pelo povo, à medida que uma dessas partes consiga uma oportunidade para fazê-lo -quando os grandes se vêem impossibilitados de resistirem ao povo, emprestam prestígio uns aos outros de sorte a dar expansão ao seu apetite; o povo, por seu turno, quando sem resistência aos poderosos, investe um cidadão de um poder de príncipe para que a autoridade do mesmo o defenda. Aquele que chega ao principado com o auxílio dos grandes lá se mantém com mais dificuldade em relação ao que ascende ao posto com o apoio popular.

 

            Os grandes devem ser considerados em dois grupos: aqueles que procedem de forma a se obrigar à fortuna do príncipe e aqueles que não o fazem. É preciso também que o príncipe tenha o povo como aliado para que não dê margens à adversidade dentro de seu espaço de domínio. Ademais, os principados correm perigo quando da passagem de uma ordem civil para um governo absoluto posto que os príncipes governam ou por si só ou mediante a ordem de magistrados, o que em nenhum caso constitui uma primazia à sociedade. Cabe ao príncipe arquitetar uma maneira de fazer com que os cidadãos tenham necessidade do mesmo e também do Estado, sendo os indivíduos sempre fiéis ao soberano.

 

            O décimo capítulo (“Como se devem medir a forças de todos os principados”) traz uma consideração a respeito da necessidade que tem um príncipe de um Estado tão forte e consolidado de estabelecer um exército que guarneça as fronteiras ou mantenha-se por si mesmo. Esta última opção dá-se naqueles Estados em que se encontra abundância de dinheiro e homens, tornando-se fácil recrutar cidadãos e construir fortes forças armadas. Guarnecer as fronteiras, por sua vez, faz com que se reduzam as invasões alheias justamente por se prostrarem maiores dificuldades para o assalto, afugentando os bárbaros e mantendo certa paz dentro do principado. Um príncipe que seja capaz de aliar uma cidade forte e a aprovação da sociedade caminha a passos largos para desprover-se integralmente da possibilidade de ataques externos -se isso porventura acontecesse, o príncipe haveria de se retirar do cenário em uma condição vexatória, não tendo executado sua tarefa com sucesso.

 

            Encontra-se no décimo primeiro capítulo (“Dos principados eclesiásticos”) o último trato do assunto dos principados propriamente ditos -os principados eclesiásticos são a bola da vez. Em tal categoria de principados, as dificuldades surgem antes mesmo que eles sejam possuídos, posto que são adquiridos ou através da virtude ou por meio da fortuna e sem uma nem tampouco outra se conservam, já que são subsidiados por ordens desde há muito estabelecidas dentro da religião. Essas ordens, de tão fortes e poderosas, mantêm com facilidade seus príncipes no poder. Importante ressaltar que somente dentro desse tipo de principado é que se encontram Estados felizes e seguros.

 

            Após o término da explicação dos principados e as razões do bem e do mal-estar dos mesmos, o décimo segundo capítulo (“De quantas espécies são as milícias, e dos soldados mercenários”) chega para tratar, através das armas, dos meios ofensivos e defensivos que em cada um de tais principados possam ocorrer. As armas usadas por um príncipe na defesa de seu Estado, ou são de sua propriedade ou mercenárias ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são perigosas e inúteis; aquele que dispõe de tais tropas para sua segurança pode sentir-se inseguro por conta da fraqueza moral dessa classe de combatentes. O fato de lutarem não em prol de qualquer ideal político ou mesmo por vontade de estar no front de combate, mas sim em troca de recompensa financeira, concede às tropas mercenárias uma pecha de incompetente e desprovida de confiança. Atribui-se aos mercenários a ruína de uma série de Impérios e Estados que lançaram mão de tais tropas – sua falta de galhardia e vontade de vencer acabou por catalisar um processo de decadência dessas organizações, que viram o apocalipse propriamente dito depois de serem derrotados militarmente.

 

            O décimo terceiro capítulo (“Dos soldados auxiliares, mistos e próprios”) atribui às tropas auxiliares a mesma condição de inutilidade das tropas mercenárias. Ademais de sua inoperância, quando da convocação de tropas auxiliares para compor a defesa de um Estado, este está fadado à ruína mais facilmente do que o principado que utilizou forças mercenárias para sua proteção porque as tropas auxiliares, unidas, obedecem a outrem que não o príncipe. Para este, é mais seguro que lute com suas próprias tropas, mesmo que mais fracas e com maior probabilidade de derrota, do que com as auxiliares, já que por ter sido conquistada com armas alheias, não se pode considerar uma vitória. Dessa relação, depreende-se o fato de o principado só estar seguro quando dispuser de suas próprias armas, não dependendo de outrem para garantir a segurança do Estado e dos indivíduos.

 

            No décimo quarto capítulo (“O que compete a um príncipe acerca da tropa”), vê-se

 

que o príncipe não tem outra preocupação senão a guerra e sua organização e disciplina, já que são essas as únicas artes que competem a quem comanda. A guerra e seus contornos podem sublevar as condições sociais de um cidadão, tornando-o até mesmo príncipe, dependendo de seu engenho em batalhas. O príncipe não pode, portanto, canalizar seus esforços para outra área que não o pensamento em exercício de guerras. Essa preocupação pode dar-se por dois modos: com ação ou pela mente. A ação, como exercício bélico, mantém as tropas bem organizadas e exercitadas. Esses conhecimentos são importantes, já que se adquire, a partir dele, maior conhecimento das áreas de batalha e o conseqüente aprisionamento do inimigo desprendendo menor esforço. O pensamento, por seu turno, consiste na leitura de histórias de guerra, histórias essas que constituem o arcabouço teórico

 

de que deve dispor o príncipe à hora de comandar, por si só, o andar do exército. Mais uma

 

vez é fundamental que se inspire naqueles que já obtiveram sucesso em suas empreitadas a

 

fim de que se consiga o mesmo desempenho satisfatório.

 

            O décimo quinto capítulo (“Daquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados”) trata dos modos que deve ter um príncipe para com seus súditos e amigos. Um príncipe que queira se manter no posto deve aprender a não ser bom ou assim sê-lo, segundo a necessidade. Parte-se do princípio que todos os homens são notados por atributos que podem causar louvor ou reprovação, porém nenhum dispõe apenas de características que contemplem apenas uma das possibilidades acima destacadas. Destarte, cabe ao príncipe ser prudente de modo a fugir à infâmia dos vícios que facilmente o tirariam o poder.

 

            Nascer livre é um bem, diz o início do décimo sexto capítulo (“Da liberdade e da parcimônia”). A liberalidade, entretanto, se usada de forma a tornar-se conhecida de todos,

 

é prejudicial ao príncipe. Este, se estiver disposto a manter entre os homens o nome de liberal, precisa levar a cabo a idéia de opulência e suntuosidade, de sorte a consumir em ostentação todo tipo de riquezas. Por isso, ele deve cravejar o povo com impostos a fim de conseguir extrair o máximo de dinheiro possível com vistas a manter tal condição. Isso o torna inimigo de todos, inferindo-se dessa relação a impossibilidade de um príncipe manter-se liberal sem sofrer danos. Por isso, o príncipe deve ter prudência para que sempre seja considerado liberal, usando de parcimônia na utilização de recursos do erário público, protegendo o principado de açoites externos e sem severamente onerar o povo. É preferível

 

à reputação do príncipe ser tachado de miserável a receber a alcunha de liberal, pelos motivos acima citados.

 

            O décimo sétimo capítulo (“Da crueldade e da piedade; se é melhor ser amado que temido, ou antes temido que amado”) reporta-se à predileção que têm os príncipes de serem

 

chamados de piedosos, e não como cruel. Nasce daí uma indagação: é melhor ser amado ou

 

temido? Talvez a resposta mais completa seria reunir as duas classificações em um mesmo príncipe, porém é complicado fazê-lo. Há de se escolher uma resposta, e a preferência é por ser temido em relação a ser amado. A justificativa é simples: os homens são, no mais das vezes, ingratos e ambiciosos. Enquanto se lhes fizerem bem, oferecerão seu suor e sangue ao príncipe; caso contrário, revoltam-se. O príncipe que confiou integralmente em suas palavras encontra-se desprovido de outros meios de defesa, estando, por conseguinte, perdido. Não tomando os bens dos cidadãos, podem coexistir com mais facilidade o ser temido e não ser odiado. Ademais, a crueldade pode ser fator importante para um líder de uma tropa do exército, a julgar pelo exemplo de Aníbal, ríspido comandante que levou ao sucesso seu batalhão, sem solavancos, à vitória graças aos seus atos e práticas cruéis.

 

            O décimo oitavo capítulo (“De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada”) diz que é louvável a um príncipe manter a lealdade à palavra dada, a despeito de ter havido príncipes que muito conseguiram mesmo sendo infiéis à palavra dada. Há dois modos de combate, a saber: um com as leis e outro com a força. O primeiro é

 

inerente aos homens; o segundo, aos animais. Quando o primeiro não é suficiente ao príncipe, surge a necessidade do emprego do segundo. É imprescindível, pois, ao príncipe, saber bem usar o animal e o homem. Um homem prudente não pode nem deve guardar a palavra quando isso for prejudicial a seus interesses; saber dissimular é característica importante para que se encontre quem se deixe enganar. Costumeiramente, os homens julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, pois todos sabem ver, porém a faculdade de sentir não é tão disseminada entre as pessoas.

 

            O décimo nono capítulo (“De como se deva evitar o ser desprezado e odiado”) discorre sobre qualidades tais como a fuga do príncipe àquelas circunstâncias que o tornam odioso e desprezível. Diz que o príncipe deve ter dois temores -um de ordem interna, por parte de seus súditos, e o outro de cunho externo, advindo das nações estrangeiras. A situação interna estará sempre controlada desde que a externa assim também o estiver. Quando não há nenhuma turbulência de ordem externa, deve temer-se que os súditos, secretamente, estejam engendrando algum tipo de conspiração. Para dar cabo desses embriões conspiratórios, o príncipe pode usar como arma a conquista da maioria, pois quem conspira não o faz sozinho, dependendo de outros para encontrar eco em suas manifestações. O príncipe, portanto, deve dar pouca atenção às conspirações se o povo lhe é benevolente; caso contrário, deve temer a tudo e a todos.

 

            O vigésimo capítulo (“Se as fortalezas e muitas outras coisas que a cada dia são feitas pelos príncipes são úteis ou não”) versa sobre as maneiras que os príncipes encontraram para conservar o Estado de forma segura. Nunca houve um príncipe que, ao assumir, desarmou um povo previamente armado, porém sempre que os súditos não possuíssem armas, o príncipe logo tratava de fornecê-las à população. Isso se dava com vistas à conservação da fidelidade daqueles que já eram anteriormente fiéis e ao assenhoramento dos súditos por parte do soberano. Contudo, quando um príncipe conquista um novo principado que, antes da conquista, fazia parte da oposição, a medida mais correta é desarmá-lo, fazendo com que as armas concentrem-se somente nas mãos daqueles que sempre foram aliados do príncipe. Outra forma de se obter proteção é através da construção de fortalezas capazes de guarnecer as fronteiras do principado. Aquele príncipe que tiver mais medo de seu povo do que dos estrangeiros, deve construí-las; caso contrário, o correto

 

é abandoná-las.

 

            Segundo o início do vigésimo primeiro capítulo (“O que convém a um príncipe para ser estimado”), “nada faz estimar tanto um príncipe como as grandes empresas e o dar de si raros exemplos”. Se quiserem ser bem-vistos, príncipes precisam dar exemplos no

 

trato com os súditos, precisam esforçar-se em dar de si um conceito de grande homem e de uma inteligência descomunal. Outra maneira de um príncipe ser estimado é fugindo de assumir posição, por assim dizer, em cima do muro; quando de um litígio, por mero que seja, o soberano há de se posicionar de um lado, mesmo que concomitantemente esteja prostrando-se contra outro súdito. A cautela para não fazer aliança com um indivíduo de maior poder do que ele para atacar os outros também deve fazer parte das lições de um grande príncipe. Este deve ainda mostrar-se desejoso de homens virtuosos trabalhando junto a ele, pois deve dar valor às virtudes e aos homens que as possuem.

 

            O vigésimo segundo capítulo (“Dos secretários que os príncipes têm junto de si”) vê como fundamental uma triagem rigorosa para que se escolham os ministros e adidos dos príncipes. A inteligência de um homem -caráter imprescindível a um príncipe – pode ser julgada a partir da escolha daqueles que trabalham diretamente com ele, sendo de suma importância a correta atribuição de cargos dentro do principado. Para que não haja equívocos nessa escolha, há um método praticamente infalível: quando o candidato a ministro parecer pensar mais em si do que nos anseios dos indivíduos, quando visar predominantemente ao interesse próprio, não pode ser digno de um cargo político no principado por não atender a um critério básico: fidelidade ao príncipe.

 

            O vigésimo terceiro capítulo (“Como se afastam os aduladores”) versa sobre como dar cabo dos bajuladores que atrapalham o príncipe. Um meio de se exterminar a adulação é usar a verdade sempre, e fazer com que os homens não se sintam ofendidos por ouvir a verdade sobre os fatos. A escolha de homens sábios, aos quais é atribuída a liberdade de ouvir o que há de ser ouvido, caracteriza a prudência de um príncipe. Este deve acostumar-se a ser aconselhado quando julgar necessário, e não quando os conselheiros acharem por bem fazê-lo; deve perguntar sempre e também sempre estar disposto a ouvir nada além da verdade escoimada de qualquer bajulação. Por fim, tem-se que os bons conselhos nascem

 

da prudência do príncipe, e não o contrário.

 

            O vigésimo quarto capítulo (“Por que os príncipes da Itália perderam seus estados”) retrata a maneira com que ocorreu a ruína de alguns estados italianos. Existem fatores comuns em todos os casos de apocalipse estatal dentro da Itália: defeito quanto às armas; ingerência na relação com o povo ou até mesmo na relação do povo com os grandes,

 

entre outros. A perca dos principados deu-se não por fatores sobrenaturais, mas sim por incompetência e por covardia dos príncipes italianos, que fez com que estes só se defendessem e fugissem, não encarando os problemas para tentar superá-los.

 

            O vigésimo quinto capítulo (“De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir”) assevera que a sorte pode ser responsável por metade de nosso destino, sendo a outra metade reservada à conjectura humana. A despeito de sua imprevisibilidade, a sorte pode desbastada de modo a não causar tantos estragos para o homem, mesmo que venha de encontro aos seus interesses. Protegendo a sorte de suas possíveis conseqüências, tem-se um mundo mais seguro e menos suscetível às imprevisíveis intempéries por ela causadas. Quando sorte e obstinação no modo de agir concordam, tem-se um mundo feliz; senão, a infelicidade pode surgir da discordância.

 

            O vigésimo sexto capítulo (“Exortação para procurar tomar a Itália e libertá-la das mãos dos bárbaros”) trata da conclamação de alguém com capacidade para livrar a Itália do domínio bárbaro. Parece ter surgido alguém suficientemente hábil para tal missão, porém a sorte deu cabo dessa ínfima possibilidade. A Itália é um lugar onde facilmente uma revolução pode ser engendrada por conta do espírito reformista que possui a população. A impressão que se tem, contudo, é que esse ethos não se faz presente nos chefes, que não têm sido capazes de conduzir a Itália à liberdade. Um líder redentor para a Itália teria status de herói nacional; nada lhe seria negado se conseguisse livrar a Itália dessa condição de submissão sobre a qual repousa. A repugna causada pela dominação seria convertida em um eterno sentimento de gratidão para com aquele que for capaz de libertar o território italiano.

 

 

 

*Acadêmico de Direito da UFSC

 

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PIRES, Bernardo Rohden. O Príncipe – Maquiavel. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/oprincipe/ Acesso em: 20 abr. 2024