Teoria Política

Ensaio Comparativo entre Hobsbawn e Tocqueville

 

 

Eric Hobsbawn e Aléxis Tocqueville dissertam sobre o contexto da Revolução Francesa e suas conseqüências, fossem estas internas ou externas ao território francês. No entanto, os autores abordaram pontos distintos para compreender tais características, ainda que algumas de suas conclusões sejam de comum acordo. Tocqueville inicia sua reflexão questionando, aos leitores e a si próprio, porque a França foi o lugar exato para a concretização de tamanho empreendimento. Para Hobsbawn, a França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo, além como o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo, e os códigos legais, modelo de organização técnica e científica, e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países, fatores que já podem ser elencados para a resolução da duvida de Tocqueville. Para o autor, bandeiras tricolores de um tipo ou de outro se tornaram o emblema de praticamente todas as nações emergentes, sendo que a política européia entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789, oriundo da nação francesa.

 

Em seguida, Hobsbawn expõe que o final do século XVIII, foi uma época de crise para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos. Exemplos: EUA (1776-1783), Irlanda (1782-1784), Bélgica (1787-1790), Holanda (1783-1787) e até mesmo na Inglaterra (1779). Sendo a Revolução Francesa mais que um exemplo da “era da revolução democrática”, o mais dramático e de maior alcance e repercussão. Em 1789, a cada cinco europeus, um era francês. Diferentemente das outras revoluções, a francesa foi uma revolução social de massa, incomensuravelmente mais radical do que qualquer outra.

 

Para Tocqueville, a repercussão extra – nacional dos ideais revolucionários franceses do século XVIII foi heterogênea. Aos olhos dos principais dirigentes alemães, reunidos em Pillnitz em 1791, o movimento seria apenas um acidente local e transitório. Já para os ingleses, mais experientes pela própria história no que concerne a esta espécie de fenômeno, avistam uma grande revolução, no entanto, são incapazes de preparar-se para enfrentar as suas conseqüências. Até mesmo na França, era notável a incerteza sobre quais seriam as mudanças que ocorreriam na vida dos cidadãos e como tais alterações iriam se suceder até encontrar um ápice. No entanto, à medida que a revolução seguia internamente ao território francês, simultaneamente expandia-se para fora levando consigo um turbilhão de paixões e ideologias. Já segundo a visão de Hobsbawn, as repercussões da Revolução Francesa ocasionaram os levantes que levaram à libertação da América Latina depois de 1808, influenciaram até Bengala, onde foi fundado o primeiro movimento de reforma hindu, predecessor do moderno nacionalismo indiano, além de ter sido “o primeiro grande movimento de idéias da cristandade ocidental que teve qualquer efeito sobre o mundo islâmico”. Exemplo foi o fato de que por volta da metade do século XIX, a palavra turca “vatan”, que até então descrevia o local de nascimento ou a residência de um homem, tinha começado a se transformar em algo parecido com “patrie”.

 

Sobre as motivações revolucionárias, o autor de “O antigo regime e a revolução” compreende que foram diversificadas e oriundas de antagônicas camadas da sociedade. A repugnância dos revoltos contra a Igreja e contra a prática religiosa em sua totalidade foi uma justificativa, no entanto é fácil reconhecer que não foi o fator mais relevante. Ora, pois como identifica em sua obra: “à medida que a obra política da Revolução consolidou-se, arruinou-se sua obra irreligiosa (…) o poder de a Igreja reerguer-se e fortalecer-se nos espíritos.”.

 

A análise de Hobsbawn, por outro lado, é bem mais aprofundada quanto à conjuntura que o país ultrapassava. Vários foram os fatos enumerados pelo autor, entre eles: quatrocentas mil pessoas formavam a nobreza, detentora de consideráveis privilégios como, isenção de vários impostos e o direito de receber tributos feudais; a monarquia absoluta, conquanto inteiramente aristocrática, tinha destituído os nobres de sua independência política e responsabilidade, e reduzido ao mínimo suas velhas instituições representativas. Fato que continuou a agravar-se entre a mais alta aristocracia e entre a “noblesse de robe” mais recente, criada pelos reis para vários fins, principalmente financeiros e administrativos; uma classe média governamental enobrecida que expressava o duplo descontentamento dos aristocratas e dos burgueses através de assembléias e cortes de justiça remanescentes. Também há os gastos com status de nobre, que eram cada vez maiores e cujas rendas caiam, pois eram raramente administradores inteligentes e ainda a inflação tendia a diminuir o valor das rendas fixas, como os aluguéis. Portanto, era natural que os nobres usassem os privilégios reconhecidos, invadindo decididamente os postos oficiais que a monarquia absoluta preferira preencher com homens da classe média, politicamente inofensivos e tecnicamente competentes. Concomitantemente, tentou neutralizar o declínio de suas rendas, usando ao máximo seus direitos feudais, explorando cada vez mais o campesinato.

 

Além disso, a França envolveu-se com a guerra da independência americana contraindo dívidas, as quais somadas aos já existentes problemas financeiros da monarquia e a falta de sucesso efetivo de muitas reformas que se sucederam para tentar diminuir os gastos que se excediam à renda, notabilizaram uma crise, que a aristocracia recusou-se a pagar se seus privilégios não fossem estendidos. Começou-se então a revolução na tentativa da aristocracia de recapturar o Estado.

 

Ainda assim, para Tocqueville, não era objetivo isolado de a Revolução Francesa mudar o governo, mas também dissolver toda a estrutura constituinte da antiga forma de sociedade. Para tanto o ataque revolucionário foi múltiplo, desde os poderes legalmente estabelecidos até as velhas tradições culturais. Portanto, o objetivo da revolução é considerado, pelo autor, como intrinsecamente anárquico.  Há um consenso entre os autores nesse ponto, porque segundo Hobsbawn a Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado, mas um surpreendente consenso de idéias gerais entre um grupo social bastante coerente dando ao movimento revolucionário uma unidade efetiva, a burguesia, com o ideal do liberalismo clássico, difundidas pela maçonaria e associações informais. É verdade que a ideologia de 1789 era a maçônica, expressa na “Flauta Mágica” de Mozart(1791), uma das primeiras grandes obras de arte propagandísticas de uma época em que as mais altas realizações artísticas pertenceram tantas vezes à propaganda.

 

A década de 1780 foi um período de grandes dificuldades. Uma má safra em 1788 e 1789 e um inverno muito difícil dificultaram a vida do campesinato e dos pobres da cidade que viram os alimentos minguar e os respectivos preços, aumentarem. Como resultado, uma inflação ainda maior e uma depressão industrial, esta resultado do empobrecimento do campo e conseqüente redução do mercado de manufaturas. Famintas, desconfiadas e militantes, as massas de Paris, mobilizaram-se em 14 de Julho para a queda da Bastilha, prisão estatal que simbolizava a autoridade real e onde os revolucionários esperavam encontrar armas. Três semanas depois, a estrutura social do feudalismo rural francês e a máquina estatal da França Real ruíram em pedaços. Tocqueville expressa que a revolução não foi feita exclusivamente em frente ao império das crenças religiosas, foi essencialmente uma revolução social e política. A pretensão principal era aumentar a autoridade e o domínio dos clamores públicos, e não perpetuar a anarquia como realidade eterna. Para o autor, o único efeito consistente da revolução foi a abolição das revoluções feudais, por uma ordem política mais transparente e universal, pautada em condições de igualdade.

 

Em oposição, segundo Hobsbawn, as exigências do “burguês” foram delineadas na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, 1789, manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres, mas não a favor de uma sociedade democrática e igualitária. A propriedade privada era um direito natural, sagrado, inalienável e inviolável, sendo os homens iguais perante a lei e as profissões igualmente abertas aos talentos.

Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. Ensaio Comparativo entre Hobsbawn e Tocqueville. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoriapolitica/ensaio-comparativo-entre-hobsbawn-e-tocqueville/ Acesso em: 28 mar. 2024