História do Direito

Os índios e o direito da guerra – Vitória

Os índios e o direito da guerra – Vitória

 

 

Francisco de Vitória, teólogo jurista, é considerado por muitos como o Pai do Direito Internacional Moderno. Em seu livro Os índios e o direito da Guerra, Vitória procurava um conceito de “Guerra justa”, reconhecendo o direito de todos os povos.

 

 

Títulos Legítimos pelos quais os Índios acabaram ficando em poder dos Espanhóis

 

Os espanhóis têm o direito a percorrer aqueles territórios e permanecer ali, sem causar, no entanto, dano algum aos índios e estes também não o podem proibir. Todos podem percorrer as regiões que quiserem, por isso a chegada dos espanhóis é lícita, e se os índios não estão em guerras com eles, não é justo que eles, sem causar dano algum, não possam se estabelecer em terras indígenas, e atracar em suas águas. É lícito também, que os espanhóis comercializem com os índios. Se há bens comuns tanto para cidadãos indígenas como para estrangeiros, podem os espanhóis ter participações nesses bens, inclusive no ouro de um campo comum, nos rios ou em pescar pérolas. Se filhos de espanhóis residentes em território indígena lá nascerem, e quiserem ser cidadãos indígenas, isso não pode lhes ser negado, e ele poderá gozar dos privilégios de ser cidadãos, se também puder suportar as mesmas cargas que os outros.

 

Se os índios quiserem impedir os espanhóis de exercerem algum direito citado, estes devem demonstrar que não querem causar danos a nação indígena, e que desejam residir ali pacificamente. Se os índios não aceitarem, e quiserem usar de violência, os espanhóis têm o direito de se defender. Se não estiverem seguros, podem inclusive construir fortificações e com a autorização do príncipe, vingar-se com guerra, porém causando-lhes o menos dano possível, pois se trataria de uma guerra defensiva.

 

Depois de demonstrada a intenção dos espanhóis de se manterem ali pacificamente, se os índios ainda assim preservarem sua má vontade, os espanhóis podem tratá-los como inimigos, e poderiam exercitar todos os direitos de guerra, reduzi-los a servidão e depor seus antigos senhores e colocar outros novos e tudo o que se capturar na guerra, passa ao poder do vencedor.

 

Os cristãos têm o direito de pregar e anunciar o Evangelho nos territórios dos índios. Cabe aos cristãos instruir nas ciosas divinas aqueles que as ignoram, corrigindo-os e direcionando-os a salvação.

 

Se os índios permitirem aos espanhóis pregar o Evangelho livremente, aceitando ou não a fé, não têm os espanhóis, esse motivo para declarar guerra. Se forem proibidos, podem declarar guerra, até que consigam pregar o Evangelho com segurança, e que sejam permitidas as conversões.

            Os espanhóis podem promover guerra em favor dos oprimidos.

 

            Se alguns índios se converterem a Cristo e seus príncipes quiserem fazer voltá-los a idolatria, os espanhóis podem declarar guerra. Isso se dá não só pela defesa da religião, mas pela amizade humana, podendo os espanhóis, inclusive destituir os governantes que querem afastar os índios de Cristo e instruir novos.

 

            Se uma boa parte dos índios tiverem se convertido, e forem verdadeiramente cristãos, o papa pode por causa razoável ou por pedidos dos convertidos, conceder príncipes cristãos e depor os infiéis. Se sob o domínio de infiéis os convertidos sejam oprimidos pelos seus senhores, o papa pode depor esses. A igreja tem o direito de libertar todos os escravos cristãos que servem aos infiéis.

 

            Os espanhóis podem proibir aos índios todo costume e todo ritual desumano, porquanto podem defender os inocentes de uma morte injusta. Se não puderem ser abolidos os sacrílegos ritos, pode-se destituir seus chefes e estabelecer um novo governo. Se todos os índios concordam com esse tipo de lei e sacrifício, e não desejem ser libertados deles pelos espanhóis, ainda assim, os espanhóis devem atuar, pois nesse ponto os índios não são donos de si mesmos.

 

            Se os índios, por vontade própria, quisessem aceitar como príncipe o Rei da Espanha, isso poderia acontecer. Tudo o que a maioria determina obriga inclusive aos que não estão de acordo. Se em alguma cidade ou província houver maioria de cristãos, e quisessem ter um príncipe cristão, poderiam elegê-lo contra a vontade dos demais.

 

            Os próprios índios fazem guerras legitimas entre si. A parte que foi vitima da injustiça tem o direito de declarar guerra, podendo chamar em seu auxilio os espanhóis e repartir com eles o resultado das pilhagens. Essa guerra seria justa, porque se faria em favor de amigos e aliados.

 

 

Num oitavo título que não foi, com certeza, afirmado por Vitória, o autor admite a incapacidade de governar dos índios:

 

Mesmo que os índios não sejam totalmente desprovidos de juízo, se diferenciam muito pouco dos dementes, de maneira que parece que não são aptos a constituir e administrar uma republica legitima, nem mesmo dentro de limites humanos e civis. Pelo bem dos índios, os reis da Espanha poderiam assumir a administração e nomear prefeitos e governadores para suas cidades; inclusive dar-lhes novos governantes, que isso é conveniente para eles. Que tudo seja feito para o bem deles e não somente em beneficio dos espanhóis.

 

 

Se os índios não dessem motivos à guerra justa, nem quisessem ter príncipes espanhóis, cessariam todas as expedições, com grande prejuízo para os espanhóis:

1.         Os espanhóis mantêm um intenso comércio com essas nações. Nas terras dos índios abundam muitas coisas que os espanhóis podem trazer em troca de outros produtos. Se os espanhóis deixassem de ocupar essas terras, outros povos iriam ocupá-las.

2.         Sem faltar com equidade e justiça, os espanhóis poderiam impor um tributo sobre o ouro e a prata que fossem importadas das terras dos índios com razão, uma vez que os reis abriram essa via de navegação e por sua autoridade os mercadores se sentem em segurança.

3.         Depois que lá se converteram muitos índios, não seria conveniente nem lícito que o príncipe abandonasse o governo daqueles territórios.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
2008/2, Direito UFSC. Os índios e o direito da guerra – Vitória. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/historia-do-direito-resumos/os-indios-e-o-direito-da-guerra-vitoria/ Acesso em: 28 mar. 2024