Direito Constitucional

As Famílias Constitucionais – Miranda

As Famílias Constitucionais – Miranda

 

 

Guilherme Ricken*

 

 

Referência: MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 71-156.

 

            A evolução e a formação do Direito constitucional britânico realizou-se em três grandes fases: inicia-se em 1215, com a concessão da Carta Magna, continua no século XVII, com o Bill of Rights resultando da luta entre o rei e o parlamento, e a fase desencadeada a partir de 1832, quando foi alargado o direito de sufrágio. A Constituição inglesa não é escrita, em função de ser formada por um conjunto de costumes, precedentes e leis esparsas. Isso faz com que seja uma Constituição flexível, não necessitando de um processo legislativo especial para sua modificação. Esse modelo foi espalhado para diversas regiões do mundo devido à colonização da América do Norte, às guerras napoleônicas na Europa continental e ao imperialismo britânico. Os países que utilizam tal matriz constitucional primam pela adesão ao Common Law, pela importância do costume e da jurisprudência, peloo sentido liberal das normas constitucionais e pela menor rigidez de algumas Constituições.

 

            No outro lado do oceano, o Direito constitucional dos Estados Unidos tem sua gênese com a Declaração de Independência, a Declaração de Virgínia e as Declarações de Direitos dos primeiros estados, culminando com a Constituição federal de 1787. Tal documento é tido como simultaneamente rígido e elástico, visto que sua modificação requer um processo complexo que envolve até mesmo a participação das assembléias estaduais, mas ao mesmo tempo tem sido adaptada pela ação dos tribunais. Nesse país, a Constituição exerce a função de lei fundamental e de pacto constitutivo da União. Ela também garante o federalismo, caracterizado pelo Poder Constituinte de cada estado, pela igualdade jurídica entre estes e pela especialidade das atribuições federais (o que não for de competência própria do Estado federal passa a pertencer aos estados federados). Além disso, o texto original não trouxe os direitos fundamentais, sendo estes garantidos pelas emendas posteriores. Esse sistema de matriz americana foi difundido pelo mundo de maneira total (apenas na aparência) ou parcial. Os principais institutos exportados foram o federalismo, a fiscalização judicial da constitucionalidade e o presidencialismo.

 

            De volta à Europa, os sistemas constitucionais de matriz francesa originam-se a partir de 1789, em função da revolução que destronou a dinastia vigente. A ordem constitucional criada não foi homogênea, tendo a França experimentado catorze Constituições ao longo de sua história. Essas mudanças foram marcadas ora pela predominância das idéias de Montesquieu (liberdade), ora pelo pensamento de Rousseau (máxima democracia). Embora algumas diferenças tenham marcado os diferentes ordenamentos jurídicos desse país, ele costuma primar pela garantia dos direitos individuais, pela soberania nacional e pela separação dos poderes. Tal sistema foi transmitido a outras nações européias principalmente logo após a Revolução de 1789 e depois da revolução de 1848. Também houve uma importação do modelo francês por uma série de países que conseguiram sua independência dos impérios em seguida ao fim da Primeira Guerra Mundial e pelos países que sofreram o processo de descolonização que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial.

 

            Completamente diferente dos sistemas constitucionais supracitados, o sistema constitucional soviético teve seu início com a revolução russa de 1917. A primeira Constituição surgiu no ano seguinte, afirmando os princípios coletivistas. Foi a primeira Carta Magna que adquiriu um conteúdo não liberal. Depois dela, surgiram as Constituições de 1924, 1936 e 1977. Como principais características, o constitucionalismo soviético assegurava o dominío de todo o poder pelo partido comunista, que age como a vanguarda consciente da classe operária. Assim, o poder não se encontra nos órgãos de Estado, mas na figura do partido. O modelo em questão foi utilizado pelos países que sofreram dominação direta da União Soviética, como as repúblicas que a compunham, bem como pelos países por ela influenciados, como China, Cuba e as nações do leste europeu.

 

            Além da divisão tradicional, ainda existem os sistemas constitucionais não integrados em famílias. Entre eles, destacam-se os modelos suíço, alemão, dos regimes fascistas e dos Estados asiáticos e africanos. O sistema constitucional suíço é caracterizado pelo federalismo cantonal – o que faz com que os estados aparentem-se às cidades-Estados da Grécia antiga –, pela prática de democracia direta em cinco dos menores cantões, pela consagração da prática da iniciativa popular e do referendo e pela flexibilidade da Constituição. Por sua vez, o sistema constitucional alemão prima pelo Estado federal, mesmo com a representação inigualitária dos estados no parlamento federal e por um Executivo bicéfalo, com Chefe de Estado e Chefe de Governo. É importante salientar que a segunda das três constituições alemães – a famosa Constituição de Weimar – foi a primeira das grandes constituições européias a interessar-se pela questão social, em contraste com as constituições liberais que a precederam. Já os sistemas constitucionais dos regimes fascistas tinham por características em comum a exaltação da força, o culto ao Chefe de Estado, a ideologização da política e o partido de massas elevado à categoria de partido único, assegurando um regime de governo totalitarista. No que tange aos sistemas constitucionais dos Estados asiáticos e africanos, destacam-se a precariedade da unidade política e a dependência externa como fatores da problemática jurídica que atinge tais países. Neles, as instituições ou são moldadas naquelas das respectivas potências ex-coloniais ou mesmo passam a formar regimes nacionalistas revolucionários. Devido a isso, são comuns as intervenções das Forças Armadas, o autoritarismo, o sistema de partido único e até mesmo o surgimento do fundamentalismo islâmico.

 

            No que diz respeito à Portugal e suas colônias, a atual Constituição portuguesa tem por fundamentos a democracia representativa e a liberdade política, valores esquecidos pelo regime autoritário derrubado em 1974. Ela garante os direitos fundamentais, embora traga alguns elementos utópicos em função do repúdio ao antigo ordenamento. Quanto ao sistema constitucional brasileiro, sua principal contribuição contemporânea é a prioridade com que trata dos direitos fundamentais em relação as demais matérias. No que condiz ao sistema vigente nos países africanos de língua portuguesa, as primeiras constituições – surgidas após a independência de tais nações – trouxeram como caracteres distintivos um Estado dirigente, a ditadura de partido único, organização econômica de tipo coletivizante e a má-formação da separação de Poderes. Alguns desses elementos foram extirpados graças aos ordenamentos jurídicos posteriores, mas outros ainda permanecem.

 

 

* Colunista do Portal Jurídico Investidura

 

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Como citar e referenciar este artigo:
RICKEN, Guilherme. As Famílias Constitucionais – Miranda. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-constitucional-resumos/as-familias-constitucionais-miranda/ Acesso em: 28 mar. 2024