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As alterações quanto às execuções de Títulos Executivos Extrajudiciais relativas à expropriação de bens do devedor e à oposição de embargos, advindas com a Lei 11.382/06, face aos princípios constitucionais do processo

As alterações quanto às execuções de Títulos Executivos Extrajudiciais relativas à expropriação de bens do devedor e à oposição de embargos, advindas com a Lei 11.382/06, face aos princípios constitucionais do processo

 

 

 

 

Danielle de Almeida Menezes*

 

 

 

RESUMO

 

 

 

A Lei 11.382 alterou dispositivos do Código de Processo Civil relativos à execução dos títulos extrajudiciais objetivando tornar seu procedimento mais eficiente, bem como garantir maior efetividade na satisfação do direito do credor. Uma das mais significativas alterações refere-se à expropriação dos bens do executado e ao oferecimento por este dos embargos à execução. O presente estudo buscou verificar se as alterações implementadas pela Lei 11.382/2006 observaram os princípios constitucionais que norteiam o processo, bem como os demais direitos e garantias individuais legalmente previstos no sistema jurídico brasileiro. Questionou-se também se a busca incessante pela efetividade pode ultrapassar os limites impostos na Constituição e nas demais normas à satisfação da obrigação inadimplida pelo devedor.

 

Termos Chave: execução autônoma por quantia certa, títulos executivos extrajudiciais, expropriação de bens, embargos de devedor, Lei 11.382/06.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

Não se aperfeiçoa uma forma de organização social sem a realização de constantes mudanças na estrutura que a rege. Entretanto, no Estado Democrático de Direito, tais mudanças não se legitimam sem a participação efetiva dos cidadãos, que são os sujeitos de direitos e formam a própria sociedade. Esta participação necessária à interação entre representantes e representados deve-se realizar através de um instrumento democrático, estruturado em procedimentos igualitários. Um destes instrumentos é o processo judicial com as suas várias espécies. Tendo esta função, é fundamental que o processo acompanhe as mudanças da sociedade que ocorrem ao longo do tempo, sejam elas culturais, políticas, religiosas ou econômicas. Caso contrário, o processo seria incapaz de realizar sua função bem como possibilitar a defesa dos direitos e garantias legalmente previstos.

 

Efetivar a participação dos cidadãos nas funções administrativa, legislativa e judiciária não é tarefa fácil, haja vista a prevalência dos interesses dos grupos políticos e econômicos que influenciam nas decisões governamentais. Além disto, é preciso avaliar as condições sócio-econômicas em que se encontra a maior parte da população brasileira, que não possui, muitas vezes, o ensino fundamental completo. Por isso, há a necessidade de se buscar a simplificação dos atos procedimentais, seja nos processos judiciais ou legislativos, de modo que qualquer cidadão possa compreender seu andamento e a importância de sua participação. A limitação desta participação nas decisões que envolvem os sujeitos de direito acarreta prejuízo à democracia e impede que estes legitimem os atos daqueles que os representam.

 

Entretanto, a eficácia da democracia não se faz com uma integração simulada entre o Poder Público e os cidadãos, na qual o Estado se utiliza de meios processuais que não permitem aos indivíduos uma participação em igualdade de condições. Ao contrário, a participação popular na construção e alteração das normas por eles mesmos seguidas deve ser previamente e legalmente definida, haja vista que uma das principais características do Estado Democrático de Direito é a previsão anterior das normas.

 

O processo civil brasileiro, antes da edição da Constituição de 1988, marcava-se por procedimentos autoritários, acarretando eventuais injustiças no tratamento das partes envolvidas na ação judicial. Após a Constituição de 1988 e a conseqüente constitucionalização dos direitos (individuais e coletivos) e garantias dos cidadãos, houve a necessidade de adequar o processo às garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório, dentre outras, proporcionando uma prestação jurisdicional efetiva.

 

O presente trabalho teve como objetivo avaliar algumas das alterações no processo de execução por quantia certa fundadas nos títulos extrajudiciais, advindas com a Lei 11.382/2006, sobretudo no que tange ao oferecimento de embargos e à expropriação de bens do devedor. Para tanto, foi preciso apontar alguns aspectos do processo civil brasileiro anteriormente à Constituição de 1988 para então verificar a estrutura procedimental deste no Estado Democrático de Direito antes e após a vigência da Lei 11.382, de 2006. Além de apontar tais alterações, foi necessário verificar as eventuais implicações destas durante sua aplicabilidade, pois a efetividade do processo de execução e a ênfase na máxima satisfação do crédito devem observar os princípios constitucionais do sistema jurídico, sobretudo o do menor sacrifício do devedor. Questionar a legitimidade das alterações que são realizadas em um sistema jurídico é fundamental para a manutenção da democracia e do próprio Estado.

 

 

 

2. O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1988.

 

 

Para a organização de uma sociedade, é imprescindível que, ao exercício de condutas individuais seja colocado um limite, a fim de que a esfera de liberdade de um cidadão não ultrapasse a esfera do outro. Sem a presença de tal limite, voltar-se-ia a um Estado de Anomia, no qual os indivíduos defendem, por si próprios, seus interesses, prevalecendo a auto-tutela. Tomando-se como referência algumas das maiores organizações societárias da história da humanidade, como a romana e a grega, é possível perceber que a criação de um conjunto normativo é imprescindível à manutenção da própria comunidade e, consequentemente, do Estado, pois regula tanto as condutas dos indivíduos que a integram, quanto as relações destes com outras sociedades e com o próprio Estado.

 

Diante da preocupação estatal em tornar efetiva a normatividade legal, tornou-se necessária a criação de um meio adequado que servisse aos propósitos estatais. Surgiu, então, o processo como um instrumento, a princípio, à disposição do Poder Estatal, tendo como finalidade precípua a recondução daqueles que inobservassem as normas por eles mesmos postas, uma vez que renunciaram parte de suas soberanias em benefício da criação de um Estado organizado. A evolução das sociedades permite a alteração dos sistemas jurídicos bem como dos procedimentos que integram o processo. Entretanto, para que uma sociedade efetivamente evolua, é imprescindível que haja um esforço em conjunto tanto dos autores, quanto dos destinatários das normas, sendo inaceitável que não seja levada em consideração a participação dos indivíduos nos procedimentos de alterações da organização social da qual fazem parte.

 

No caso da evolução da sociedade brasileira e, consequentemente, do sistema jurídico por ela estruturado não deveria ter sido diferente. Entretanto, a própria história do processo civil brasileiro indica que as reformas processuais realizadas desde a época da colonização portuguesa foram superficiais, exatamente com o objetivo de adequar as normas à realidade dos grupos dominantes de cada época. Tal atitude autoritária impediu os indivíduos de exercerem seu papel de participantes tanto na construção de um novo sistema, quanto nas reformas do antigo, bem como de exercerem sua cidadania.

 

As alterações no ordenamento jurídico de uma sociedade devem ser pautadas de acordo com a realidade desta, sobretudo analisando-se suas mazelas sociais, base ideológica e seu histórico. Não se discute, entretanto, a necessidade da integração das normas e princípios brasileiros com os dos demais Estados soberanos. Entretanto, “importar” normas, princípios e conceitos de um Estado que possui uma realidade social completamente oposta à de outro, é um ato que, no mínimo, atenta contra os próprios direitos dos cidadãos. A integração, portanto, deve respeitar a Ordem Pública e os direitos adquiridos dos indivíduos, vez que os elementos nos quais o sistema jurídico de um Estado se estrutura não podem ser afastados para a aplicação de uma lei ou princípio estrangeiros.

 

 

2.1. Evolução do processo civil brasileiro até 1988.

 

 

Inicialmente, o sistema processual brasileiro foi construído a partir de normas advindas de Portugal (Ordenações Afonsinas, 1446; Manuelinas, 1521, Filipinas, 1603 e as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia). O processo civil já era dividido em fases (postulatória, instrutória, decisória) e possuía a forma escrita predominando o princípio do dispositivo[1]. Neste sentido, comenta Humberto Theodoro Júnior:

 

Além disso, o processo dividia-se em várias fases e compreendia diversas audiências:

a) após o pedido e a citação, realizava-se a primeira audiência, que era de acusação da citação e oferecimento do libelo do autor. Iniciava-se então o prazo de contestação;

b) se ocorresse a revelia, outra audiência era realizada, para sua acusação;

[…]

d) os recursos contra decisões interlocutórias tinham efeito suspensivo;

e) ao fim de cada fase, o processo paralisava, à espera de impulso da parte (THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 13).

                     

Estas Ordenações que regularam as relações sociais do Brasil enquanto colônia e Império perduraram até mesmo após a independência, em 1822. As causas cíveis da época não deixaram de ser resolvidas conforme os dispositivos das Ordenações nem mesmo com a edição do Regulamento nº 737, em 1850, marco normativo importante na história comercial brasileira. De fato, tais Ordenações só “deixaram” de existir vinte e seis anos depois, com a Consolidação das Leis do Processo Civil, organizada pelo Conselheiro Antonio Joaquim Ribas. Apesar de as normas até então vigentes terem sido reestruturadas, aproximando-se um pouco mais da realidade social do país, a Consolidação não passou de uma seleção dos dispositivos portugueses e das leis extravagantes vigentes, definindo-se apenas quais iriam permanecer para regulamentar as relações entre os indivíduos (nacionais ou estrangeiros) e destes com o recente Estado. Não alterando, portanto, as bases ideológicas e estruturais da própria sociedade brasileira que ainda sofria os efeitos do domínio português.

 

Durante o período Republicano, houve uma significativa alteração no sistema processual brasileiro, haja vista que os dispositivos pertinentes ao Regulamento nº 737, antes específicos às relações meramente comerciais, foram estendidos às ações cíveis, permanecendo na antiga sistemática, os processos não atingidos por aquele. Tal passo foi importante para a evolução processual, pois o regulamento supramencionado foi constituído de acordo com as transações comerciais nacionais, utilizando-se do direito estrangeiro apenas de forma subsidiária.

 

Neste período, também houve a instauração da forma federativa dualista, repartindo-se as competências administrativas e legislativas entre a União e os Estados. O federalismo brasileiro, divergindo do americano, resultou da descentralização de competências de um Estado Unitário, levando autonomia aos entes federativos, em especial, aos Estados, que passaram a ter a prerrogativa de criarem suas legislações respeitando a federal. Devido à inexperiência legislativa dos Estados, seus Códigos processuais não inovaram na estrutura processual existente, com destaque apenas para o da Bahia e o de São Paulo. Além disto, criou-se a divisão da “justiça” com base no âmbito de sua competência em federal e estadual.

 

Infelizmente, o despreparo legislativo dos Estados, na elaboração de seus Códigos Processuais resultou, a partir da Constituição de 1934, na unificação do sistema processual, cabendo à União dispor sobre tal matéria. Em 1937, durante o Regime do Estado Novo, foi instituída uma Constituição que demonstrava claramente o autoritarismo político da época, concentrando grande parcela de poder no Executivo. Na mesma época, o Executivo nomeou uma comissão para a elaboração do Código Nacional de Processo Civil que, influenciado pelo período, era marcado pelo autoritarismo estatal. Fracassada a tentativa inicial de unificação processual, coube a um dos membros da comissão a tarefa de elaborar um projeto de Código que acabou sendo aprovado e entrou em vigor em 01 de março de 1974. Ao contrário da inalteração e da antiguidade da parte destinada aos procedimentos especiais, recursos e execuções, o Código de 1973 contou com uma parte geral que não perdia em qualidade para os sistemas das grandes potências internacionais, regulando grande parte das situações corriqueiras da realidade brasileira. Como aponta Humberto Theodoro Júnior:

 

Inspirado nos padrões mais atualizados do direito europeu, o Código Buzaid consagrou a tríplice divisão do processo civil, recomendada pela melhor doutrina, em “processo de conhecimento”, “processo de execução” e “processo cautelar”, correspondentes às três modalidades distintas com que o Estado presta a tutela jurisdicional (THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 15).

                                              

A Constituição de 46, ao contrário da de 1937, foi elaborada com o propósito liberal de introduzir no texto constitucional algumas garantias individuais necessárias à proteção dos direitos dos cidadãos que tiveram até mesmo sua liberdade de expressão restringida pelas censuras no período ditatorial. Entretanto, seguindo o autoritarismo político do período, ocorreu, para o retrocesso da evolução constitucional brasileira, o golpe militar de 1964, tendo como conseqüência imediata a elaboração de Emendas à Constituição de 46, a fim de formalizar e anti-democratizar ainda mais o seu texto normativo. Seguindo a mesma tendência, a Constituição de 1967 não inovou nem em princípios e garantias individuais, quiçá processuais.

 

Verificando-se os apontamentos levantados acima, sobre as etapas evolutivas da estrutura processual brasileira, são necessárias algumas considerações acerca do assunto. Até a Constituição de 1988, percebe-se que a trajetória da adaptação do processo civil à realidade brasileira foi marcada por um autoritarismo sem precedentes. Não que tal realidade infeliz tenha sido extinta com a promulgação da Constituição de 1988, denominada pelos profissionais da área do Direito como “cidadã”, uma vez que constitucionaliza direitos e garantias individuais e coletivas. Ocorre que, a partir da Constituição de 1988, os indivíduos passam a se reconhecer, finalmente, como sujeitos de direitos, e mais, passam a se conscientizar sobre o papel que devem desempenhar na construção das normas jurídicas e sobre a verdadeira função do aplicador destas. Neste sentido, expõe Antônio Cota Marçal, que o aplicador do direito deverá ser:

 

[…] um guia ou instrutor, que coordena esforços e atividades de outras pessoas em uma excursão ou em uma situação de pesquisa: ele deve estar em condição de ver além do imediatamente dado, deve ter conhecimento da atividade enquanto aquele fato ali vivenciado e enquanto processo ou procedimento tendente à realização de determinado objetivo. Se competente, o guia ou instrutor é capaz de pensar o que acontece, inclusive o imprevisto, e de poder situar-se a partir de algum referencial de sua experiência imediata ou mesmo remota, podendo então cuidar de si e estar atento àqueles por ele liderados, podendo pensar em e dispor de alternativas, estimular os envolvidos, propor e redefinir objetivos e rumos (MARÇAL,2008, p. 37-62).

                                                          

Assim, o agente, sobretudo o julgador, passa a repensar sua verdadeira função na aplicação do Direito (normas, princípios e direitos subjetivos), ou seja, deverá conhecer os dados da situação trazida pelas partes, identificar a controvérsia ou o litígio do qual se originou a suposta lesão a um direito positivado e, finalmente, construir durante o processo, mediante um efetivo/real diálogo com as partes, a interpretação mais adequada à solução do conflito. Para tanto, não se pode desejar que o julgador fique inerte perante suas próprias convicções e experiências profissionais e pessoais, se assim o fosse, e infelizmente ainda o é, seria o Direito como um “castelo de cartas”. Tratá-lo com o formalismo e a onisciência tal qual vêm sendo imposto até hoje aos futuros profissionais é ignorar o risco de se colocar a última peça de um castelo de cartas no qual até mesmo um sistema hermeticamente fechado pode sucumbir.

 

Não se podem negar as contribuições das grandes teorias processualistas do século passado ao desenvolvimento do processo brasileiro. É inquestionável que o positivismo jurídico[2] e outras construções ideológicas auxiliaram no amadurecimento do conceito e do papel do Direito, necessários à estruturação da sociedade. A Teoria dworkiniana sobre o Direito como Integridade[3], por exemplo, ampliou a concepção dos indivíduos no sentido de constatarem que o complexo normativo é dinâmico e interdependente em suas várias áreas (Civil, Processo, Penal etc.). Além disto, ressaltou a importância de os princípios nortearem a interpretação dos casos concretos bem como fundamentar a construção e aplicação do Direito. Alertou, porém, que, apesar de ser atribuída a eles [princípios] a natureza de normas e não haver hierarquização entre os mesmos, deve-se utilizar, preferencialmente, na solução de cada conflito, aqueles princípios intrinsecamente relacionados à natureza de cada situação. Não que tal preferência seja absoluta, como Dworkin mesmo aponta, mas se há vários ramos no Direito, haver-se-á também situações específicas a cada um destes.

 

Entretanto, questiona-se até quando os indivíduos, principalmente, os agentes do direito não irão se conscientizar sobre a realidade atual da sociedade brasileira, libertando-se das “amarras” teóricas que só foram úteis, na essência, aos autoritários e não às funções estatais, que em nome de um progresso hipócrita, torturaram, assassinaram e acabaram com os movimentos populares deste país. As repressões aos movimentos estudantis e até mesmo ao partido comunista trouxeram conseqüências que ficaram gravadas na memória e na alma do povo brasileiro. A população não luta nem mesmo por um processo eleitoral verdadeiramente democrático e participativo, aceitando eleições cada vez mais vexatórias, nas quais os candidatos, despreparados e, quem sabe, comprados brincam de fazer política. Cobra-se um processo efetivo[4], com o qual os jurisdicionados obtenham do Judiciário uma solução da situação fática conflituosa dentro de um curto espaço de tempo, passando a imagem de uma Justiça realmente eficaz. A fim de se obter um processo efetivo, é imprescindível que os jurisdicionados conheçam primeiro seus próprios direitos, para, aí sim, buscarem os meios para assegurá-los. Para tanto, deve-se realizar o que seria tarefa obrigatória de qualquer cidadão brasileiro: estudar com muito cuidado as disposições da Constituição Federal e, principalmente, as garantias processuais para a busca da efetivação dos direitos nela constitucionalizados.

 

 

2.2. O processo civil brasileiro e a Constituição de 1988.

 

 

Atrelada ao conceito de Direito está a discussão sobre a função primordial do Estado, qual seja, a de exercer a jurisdição. Por jurisdição entende-se a prerrogativa do Poder Estatal aplicar o Direito de modo a solucionar os conflitos sociais e enquadrar as condutas dos cidadãos ao interesse público. A Constituição de 1988 trouxe em seu texto normativo, mesmo que implicitamente, um rol de princípios, dentre eles, o da Legalidade, o da Ampla Defesa e o do Contraditório acarretando a necessidade de se repensar a atuação do Estado.

 

De fato, além de solucionar os conflitos individuais, mesmo que de forma monopolizada, não permitindo uma efetiva abertura do processo aos jurisdicionados, a jurisdição passa a assegurar os direitos fundamentais constitucionalmente previstos. Buscando, para isto, reestruturar o processo brasileiro em todas as suas espécies (civil, penal, administrativo etc.), tornando-o apto a ser o meio pelo qual os cidadãos buscam efetivar os seus direitos. A proposta constitucional de processo foi resultado da exteriorização do período histórico-social pelo qual a população da época passava. O movimento constitucionalista nasceu no período pós guerra (1939-1945), uma época em que os países europeus dependiam de auxílio para se reconstruírem da destruição. Teve repercussão em diversos países, contribuindo diretamente para a elaboração da Constituição de 1988. Os cidadãos, que passavam pelos resquícios do regime ditatorial militar, buscavam um Estado voltado às suas necessidades e, principalmente, clamavam por garantias individuais previamente asseguradas. Com isto, procurou-se construir um Ordenamento Jurídico que não se restringisse à regulamentar condutas. Influenciado, sobretudo, pelo princípio da Legalidade que passa a limitar o exercício das funções do Estado (sejam elas legislativa, executiva e judiciária).

 

As Constituições obtêm, então, relevante importância nos sistemas jurídicos atuais, pois adquirem a natureza de verdadeiros “escudos” contra o autoritarismo dos regimes antidemocráticos e influenciam a construção de uma nova forma de processo. Comungando deste entendimento, Rosemiro Pereira Leal comenta:

 

[…] A constituição não é mais instrumento estatal magno, político-normativo de asseguração de equilíbrio entre poderes imanentes ao Estado e a serviço do voluntarismo deste ou de mera distribuição de funções, competências e atribuições administrativas, judiciárias, jurisdicionais e legislativas para fins de bem-estar e paz social não devidamente equacionadas em parâmetros institucionais inequívocos e eficazes […] (LEAL, 2005,p. 71).

 

A presença de uma constituição, elaborada por meio de um processo legislativo legítimo e com a efetiva participação popular, limita a atuação do Estado, vez que este deverá observar os direitos fundamentais e as garantias processuais previstas no texto constitucional. O que deve ser ressaltado, entretanto, é a verdadeira aplicabilidade do texto constitucional na realidade brasileira, já que o processo brasileiro é estruturado em procedimentos técnicos que demandam um conhecimento específico dos cidadãos, comuns apenas aos profissionais da área jurídica. Dificultando-se, assim, a integração entre os cidadãos e a função Judiciária e a realização da inclusão social.

 

As constituições enfatizam o Princípio da Reserva Legal no momento em que protegem e fiscalizam o cumprimento do direito de todos terem sua liberdade atingida somente por dispositivo de lei constitucionalmente válido. A jurisdição, adquirindo o status de Constitucional, reafirma que somente o povo, através de seus representantes, no Estado Democrático de Direito, possui a legitimidade de elaborar normas por meio de um Processo Legislativo Constitucional. Como bem afirma Rosemiro Pereira, “[…] o que se tem que dizer em nível de Direito Democrático é que o direito ruim, bom, certo ou errado, há de ser produzido pelo povo diretamente (espaço político-jurídico processualmente aberto […]”. (LEAL, 2005, p.71).

 

A conscientização do cidadão da importância de sua participação na construção das normas deve vir acompanhada dos meios para tanto. A concepção de um processo intermediário entre os cidadãos e a função Judiciária resulta da evolução cultural tanto dos legisladores, quanto dos agentes do Direito. Infelizmente, as teorias processuais adotadas pelos agentes do direito, como a instrumentalista etc., levaram à concepção de que o processo é um simples instrumento de imposição de condutas tal qual o é ainda hoje. Ao contrário, o processo não é apenas a exteriorização das relações intersubjetivas formadas pelo juiz e as partes, sendo o provimento final a conseqüência de tal interação. Realmente, o processo não visa apenas à obtenção do provimento jurisdicional, ele é meio para a construção do próprio Direito.

 

A concepção de um processo, instrumento jurisdicional, tal qual predomina no pensamento dos agentes do direito, intensifica, sem dúvida, a segurança jurídica do Ordenamento Jurídico. Isto porque, a aplicabilidade imediata das normas impede um efetivo diálogo entre as partes e o julgador limitando ao máximo a liberdade de interpretação deste na busca da solução mais adequada a um caso concreto. O julgador não é, nem nunca foi o robô enfatizado por Dworkin como o “juiz hércules”[5]. Pelo contrário, ele possui limitações e deve ser essencialmente humano para levar à interpretação das situações fáticas conflituosas os fatores sociais como a política, a história, as ciências físicas, biológicas e aplicadas, a filosofia, dentre outras, sem os quais não será possível encontrar a melhor solução para aquelas. É vexatória a concepção de que o Direito é um fim em si mesmo, hermeticamente fechado à realidade social na qual é aplicado. 

 

Deve-se esclarecer que o exercício da jurisdição não presume a imediata existência de um processo, haja vista que para sua ocorrência, além dos procedimentos básicos, deve estar presente um conjunto de garantias sem as quais o mesmo inexistiria. Daí a importância do processo na preservação de garantias fundamentais, indo muito além da função simplista a que estava sujeito. Neste sentido, se manifesta Francisco de Castilho Prates:

 

Assim, qualquer análise da Teoria Geral do Processo tem que se remeter, ainda que indiretamente, aos ditames constitucionais, pois são estes que traçam e delimitam seu desenvolvimento, não se admitindo, desta maneira, que os institutos processuais sejam compreendidos em uma perspectiva estanque, isolada, isto é, em um marco democrático o processo demonstra ser não apenas um instrumento formal e técnico a serviço da idéia de justiça, mas também um forte aliado do exercício da liberdade e da igualdade (PRATES, 2003).

 

Não basta que haja apenas um conjunto de procedimentos concatenados que almejem um provimento jurisdicional, pois sem a presença do contraditório, da ampla defesa e outros princípios constitucionais, as partes não exerceriam plenamente a igualdade de se comunicarem e defenderem os direitos envolvidos no conflito. No mesmo sentido, Rosemiro Pereira Leal defende que:

 

Sabe-se que hoje, em face do discurso jurídico-constitucional das democracias, o contraditório é instituto do Direito Constitucional e não mais uma qualidade que devesse ser incorporada por parâmetros doutrinais ou fenômenos ao procedimento pela atividade jurisdicional. É o contraditório conquista teórica juridicamente constitucionalizada em direito-garantia que se impõe como instituto legitimador da atividade jurisdicional no processo (LEAL, 2005, p. 97).

 

O processo, na Constituição de 1988, ganha o status de constitucional, podendo ser definido como o conjunto mínimo de características essenciais, expressadas pelos princípios e garantias previstos no sistema jurídico, como os do contraditório, ampla defesa e isonomia. Tais características dão a ele [processo] o caráter de assegurador do espaço político/comunicativo no qual todo cidadão interage efetivamente com as funções executiva, legislativa e judiciária de um Estado. Ressalta-se que, muito embora tenham sido elencados alguns dos princípios essenciais à existência de um processo legítimo, não há que se falar na exclusão dos demais princípios e garantias dispostos ao longo do sistema jurídico. Reconheceu-se, portanto, a importância de a população possuir voz ativa no interior dos espaços político-jurídicos tais como as câmaras dos deputados, as assembléias legislativas e toda instituição que conte com a representação popular. A implementação de mecanismos processuais como as consultas on-line, os programas radio – televisivos, como a “Rádio Justiça”, promovida pelo Supremo Tribunal Federal, as consultas jurídicas gratuitas realizadas por meio de uma parceria entre Executivo e Tribunais de Justiças de todo o país, os juizados especiais e as reformas processuais atuais vêm, gradativamente ampliando as possibilidades de integração dos cidadãos com os meios processuais existentes no direito brasileiro. Sobretudo aos grupos com menores recursos financeiros que vêem nos Juizados Especiais a chance de efetivarem seus direitos, haja vista a simplificação procedimental, a ênfase nos princípios da oralidade, e da desnecessidade de representação técnica[6]. De fato, de nada adiantaria evoluir na forma e no regime de Governo sem que a estrutura processual a acompanhe.

 

Um dos instrumentos de participação popular na construção das normas é o orçamento participativo. Iniciado em Porto Alegre (RS), os orçamentos participativos têm como principal objetivo integrar os cidadãos às funções executiva e legislativa, através da instituição de Assembléias Populares que contem com representantes das comunidades regionais do município. A idéia é unir a técnica e a experiência administrativa do chefe do Executivo local com a vivência dos moradores de cada região, que conhecem de perto as mazelas das regiões em que vivem. Desta forma, é possível que as prefeituras conheçam realmente os problemas que afligem a população, buscando com ela as soluções possíveis de serem realizadas com os recursos disponíveis no município. Tal experiência, que vem sendo implementada em outros municípios brasileiros, demonstra que é possível, através de mecanismos simples como os orçamentos participativos e os conselhos municipais, levar a democracia aos meios de integração entre Estado e sociedade civil.

 

O maior problema enfrentado atualmente é que, apesar de constitucionalizado, o processo ainda não efetiva um diálogo entre cidadão e executivo, legislativo e judiciário. O processo legislativo é cercado por minúcias procedimentais inacessíveis ao conhecimento da população, especialmente a mais pobre. E o judicial, até mesmo com as recentes reformas, continua despertando dúvidas nos agentes do direito quanto à aplicabilidade dos procedimentos alterados, ocasionando interpretações divergentes sobre qual o momento e o prazo corretos para se praticar um ato, ou a quem deve ser encaminhada uma intimação distanciando-o da simplificação procedimental e da efetividade.

 

Atualmente, o processo civil tem como espécies o de conhecimento, o de execução e o cautelar. É no processo de conhecimento, preferencialmente, que às partes são disponibilizados o conjunto de procedimentos que definirão a quem cabe o direito tutelado, colocando aparentemente um fim ao litígio. Trata-se de um fim aparente, pois, o término do processo de conhecimento não implica necessariamente no cumprimento espontâneo do provimento judicial, fazendo-se necessário o cumprimento de sentença. Já no processo de execução, são disponibilizados às partes os procedimentos necessários tanto à realização do direito do credor previamente definido, quanto à realização do direito de defesa pelo devedor. Por fim, no processo cautelar são disponibilizados procedimentos que visam assegurar o andamento e o sucesso do processo principal, evitando com que o abuso de uma parte interfira no direito de a outra ter o provimento estatal.

 

Ressalta-se que nenhum Ordenamento é perfeito desde o momento de sua constituição permanecendo inalterado durante todo o processo de evolução da sociedade na qual será aplicado. Se assim o fosse, estar-se-ia fadado às perpétuas injustiças e incongruências, uma vez que as normas devem acompanhar os acontecimentos sociais, dando uma resposta às situações que surgem ao longo do tempo. Com isto, não se recriminam as reformas no Ordenamento que almejam modernizar o conjunto normativo e adequá-lo à realidade de uma sociedade. Grande parte destas reformas visa melhorar a estrutura do processo, a fim de obter maior celeridade na tramitação das ações o que é, sem dúvida, atitude louvável. Não é possível, entretanto, modernizar um campo específico de atuação do Ordenamento sem a preocupação com os efeitos que a mesma depositará nas demais normas.

 

Tomando-se por base as recentes alterações nos institutos da expropriação de bens e do oferecimento de embargos pelo devedor, introduzidas pela Lei 11.382/06 às execuções autônomas por quantia certa, devem ser verificados alguns dos efeitos de tais mudanças para o exeqüente (autor) e executado (réu) face ao conjunto de princípios e garantias fundamentais efetivadas pelo processo constitucional.

 

 

3. O PROCESSO DE EXECUÇÃO, SUAS ESPÉCIES E PROCEDIMENTOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

Assim como o ser humano evolui sua forma de pensar, agir e conviver em sociedade, o processo, instrumento utilizado para efetivar direitos e garantias e possibilitar a participação do cidadão na construção das normas, não seguiu caminho diverso. A conscientização dos cidadãos acerca de seu papel de sujeitos de direito, os levou à compreensão de que são eles próprios os autores e os destinatários das normas positivadas. As ações públicas, sejam na esfera administrativa, legislativa e judiciária, passaram a ser questionadas pelos sujeitos de direito e limitadas pelos princípios da legalidade, da moralidade pública, da impessoalidade, dentre outros, caracterizando o próprio Estado Democrático de Direito. Além disto, a Constituição de 1988 determinou, dentre princípios, direitos e garantias, a necessidade de normas e de um processo prévios para restringir os direitos dos cidadãos e legitimar as ações do Estado, a limitação da autonomia da vontade bem como do uso da propriedade privada, dentre outros, levando à reestruturação do sistema jurídico brasileiro como um todo, em especial do processo.

 

Neste sentido, os processos de conhecimento, execução e cautelar sofreram várias alterações para que o primeiro atinja a prestação da tutela jurisdicional proporcionando, simultaneamente, um espaço de debate entre as partes e o julgador. O segundo, atinja a realização de um crédito ou de uma obrigação, e o terceiro, a efetividade[7] de ambos. De fato, o processo de conhecimento, quando da publicação do Código de Processo Civil brasileiro, em 1973, dotado de dispositivos autoritários, demonstrava a falta de liberdade dos sujeitos de direito para manifestarem-se durante o processo, especialmente aquele que ocupasse o pólo passivo da ação. Infelizmente, o Código de Processo Civil ainda traz artigos que restringem o exercício dos direitos dos sujeitos de direito. A título de exemplificação, menciona-se: “Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso”. (BRASIL, 2005, p. 326). O inciso demonstra claramente a restrição legal aos sujeitos do processo que questionarem a norma sobre a qual se baseia a ação. Afinal, seriam os textos normativos imunes aos questionamentos dos sujeitos de direito, principalmente no que tange à sua aplicabilidade? Também seriam imunes às implicações dos fatores externos como as ciências biológicas, humanas e exatas, sobrepondo-se até mesmo à Constituição? Se assim o fosse, o Direito seria estático e absoluto, com normas contrárias ao texto constitucional, aos limites da legalidade, proporcionalidade e igualdade sem um controle de constitucionalidade eficaz. Além disto, a todos é garantido o direito de ação, independentemente de seu pedido ser concedido ou não pelo Judiciário. Limitar o cidadão de exercer tal direito sob o argumento de que este contraria texto expresso de lei ou fato incontroverso é, no mínimo, restringir a própria democracia que, ao invés de ser meramente representativa, deve ser participativa.

 

Um Estado não será democrático, muito menos de direito se este e a democracia não puderem ser exercidos e garantidos por um sistema jurídico que esteja aberto às influências de elementos que não se restringem às normas. Mesmo porque, a integração das ciências físicas, biológicas, sociais, políticas, filosóficas, dentre outras, com o Direito torna-se uma necessidade, à medida que para as soluções das situações de fato não basta, muitas vezes, apenas o conhecimento jurídico. Portanto, deve-se questionar a veracidade de um fato ou de uma prova, verificando-se, para isto, até mesmo a aplicabilidade de uma norma face à realidade social vivida pelos sujeitos de direito, inclusive sua constitucionalidade.

 

Pela situação apontada acima, verifica-se a necessidade de os sujeitos de direito terem liberdade para participarem da realização dos atos processuais tendo como amparo os princípios do contraditório e da ampla defesa. Sobretudo nos processos que contem com a realização de atos executórios, com os quais o prejuízo do executado é praticamente inevitável. Não pode o Estado, com o objetivo de realizar o direito do credor, principalmente se fundado em título executivo extrajudicial, invadir a esfera patrimonial do devedor sem observar os princípios constitucionais.

 

Os processos de execução não observavam preceitos constitucionais, pois desconsideravam os direitos e garantias individuais do devedor na satisfação do direito do credor. Não raras eram as situações, em que o credor optava pela lesão corporal do devedor ou até mesmo sua morte. E tal fato ocorria independentemente da existência de patrimônio hábil ao cumprimento da obrigação inadimplente, tratando-se de pagamentos de quantia certa, ou da disponibilidade do devedor em fazer o acordado, caso se tratasse de descumprimento de obrigações. Não havia, portanto, respeito pelo devedor levando o processo de execução à condição de instrumento coercitivo para impor ao executado o dever de cumprir com sua obrigação.

 

Após a edição da Constituição de 1988, houve a explicitação de uma série de princípios e garantias processuais, em especial no de execução, subdividido em execuções dos títulos judiciais e extrajudiciais, que asseguram (ou pelo menos deveriam) ao executado a dignidade, o menor sacrifício[8], e a legalidade dos atos processuais. Entretanto, ainda prevalece no processo de execução o princípio da máxima satisfação, segundo o qual a execução deverá ser satisfeita na sua integralidade com os bens do devedor. A ênfase em tal princípio bem como na celeridade processual levaram à realização de alterações substanciais nos institutos das execuções dos títulos judiciais e extrajudiciais que trouxeram maior eficiência ao processo de execução. Entretanto, deve-se averiguar a que preço tal eficiência foi obtida, vez que nem sempre respeitam-se a ampla defesa, o contraditório e os demais princípios constitucionais.

 

O Direito processual civil brasileiro atual comporta basicamente dois tipos de execuções, a dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais, sendo o Título II destinado às diversas espécies de execução. Dentre estas estão as execuções para a entrega de coisa certa e incerta (arts. 621 a 631); as das obrigações de fazer e não fazer (arts. 632 a 645); as de quantia certa contra devedor solvente (arts. 646 a 731); as contra a Fazenda Pública (arts. 730 e 731); e as de prestações alimentícias (arts. 732 a 735).

 

Antes de 2005, o processo civil brasileiro espelhava-se no modelo francês de execução, exigindo do credor a propositura de uma nova ação, independentemente de se em sua base estava um título executivo judicial ou um extrajudicial (para os franceses, sentença condenatória e obrigação autenticada pelos notários, respectivamente), demonstrando autonomia em relação ao processo de conhecimento Em conformidade, esclarece Luiz Guilherme Marinoni:

 

Perceba-se, que nos casos de execução de sentença e de execução de título extrajudicial, passou a existir uma via autônoma e única para a execução. Um procedimento único e completamente neutro em relação ao direito material, para o qual era bastante a existência de título executivo (sentença condenatória ou título executivo extrajudicial (MARINONI, 2007, p. 31).

 

Posteriormente ao ano de 2005, a vigência da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, alterou significativamente a estrutura do processo de execução de títulos executivos judiciais.

 

O Código de Processo Civil não distinguia o procedimento das execuções, tanto dos títulos judiciais quanto dos extrajudiciais, situação alterada com a Lei 11.232, de 2005, a partir da qual o procedimento daquelas foi deslocado para o Livro I do Código, passando a integrar o processo de conhecimento. Estabelecia em seu artigo 583, atualmente revogado pela Lei 11.382, de 2006, que “toda execução tinha por base título executivo judicial ou extrajudicial” (BRASIL, 2005, p. 356). Pode-se mencionar que o artigo 585 do Código de Processo traz, atualmente, no rol dos títulos executivos, exemplos de documentos cuja presença literal no processo de execução é exigida, como é o caso do inciso “I: letra de câmbio, nota promissória, duplicata, debênture e o cheque.” (BRASIL, 2008-a, p. 310). Entretanto, o contrário também pode ser percebido, especialmente após a inclusão do inciso VIII, acrescido com a lei 11.382/2006, dispondo que também serão títulos executivos extrajudiciais: “todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva”. (BRASIL, 2008-a. p. 310).

 

Com isto, verifica-se, claramente, a influência do pensamento calamandreiniano no direito processual brasileiro, pois nulas são as execuções que não se basearem nos títulos dispostos nos artigos 475-N (títulos judiciais) e 585 (títulos extrajudiciais). Tal entendimento, expresso com a máxima nulla executio sine titulo, representa a cautela dos legisladores, sobretudo no século XIX, para invadirem a esfera patrimonial do devedor, retirando-lhe patrimônio suficiente à satisfação do crédito e ilustrando perfeitamente o princípio da realidade da execução[9]. Sobretudo pelo fato de que a propriedade privada era, no auge do liberalismo econômico, um valor absoluto.

 

Os títulos executivos facilitaram e legitimaram a realização dos processos de execução, sejam de obrigações de fazer/não fazer ou de quantia certa. Vários autores discutiram a natureza dos títulos executivos para buscarem um conceito adequado à finalidade atribuída a eles. Dentre estas, destacam-se: a teoria documental e a teoria do ato. Conforme o próprio nome indica, a teoria documental exprime que a apresentação do título original no processo de execução demonstrando, assim, sua cartularidade e literalidade é fundamental à comprovação da existência do direito nele contido. Defendida por autores como Carnelutti, é possível dizer que a juntada do próprio título aos autos seria uma das condições da ação de execução. Por outro lado, a teoria do ato preconiza que um documento terá o status de título executivo se a lei assim o definir.

 

Não é possível dizer qual das duas possui maior razão, vez que no Ordenamento brasileiro verifica-se com facilidade a presença de ambas. Para José Frederico Marques:

 

“Não há, pois, que discutir se o título é ato jurídico ou documento: ele é ato jurídico e documento a um só tempo, visto que sua força executiva provém da tipicidade ou enquadramento da prestação no tipo legal” (MARQUES, 1999, p. 18).

 

Dessa forma, Vicente Greco Filho conceitua título executivo como “o documento ou o ato documentado que consagra obrigação certa e que permite a utilização direta da via executiva” (GRECO FILHO, 2000, p. 23). Entretanto, a função precípua dos títulos executivos foi, sem dúvida, garantir a legitimidade de o Estado retirar bens do patrimônio do devedor estando, para tanto, apoiado na indicação da existência de um direito, mesmo que este pudesse ser questionado posteriormente. Aliada a esta legitimidade estão os requisitos necessários à configuração de um título executivo, pois, na falta de um único destes, o processo de execução não poderá se realizar. Neste sentido, o Código de Processo Civil dispunha no caput artigo 586 (alterado pela lei 11.382/2006) que “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível”. (BRASIL, 2005, p. 356). A fim de apontar a alteração do artigo 586, necessário se faz compreender o significado dos requisitos necessários aos títulos executivos. Para tanto, Costa Machado expõe que:

 

[…] O requisito identificado pela certeza não é a inquestionabilidade do direito, como se costuma dizer, mas apenas a precisa determinação formal, isto é, por escrito, da natureza do direito subjetivo material consagrado no título. Liquidez, por seu turno, corresponde à exata determinação do quantum debeatur no próprio título ou, pelo menos, à determinabilidade do montante devido por simples cálculos aritméticos a partir de índices conhecidos (ORTN, OTN, BTN, IPC, TR, etc) […] (MACHADO, 2006, p. 1020).

                                                              

Com isto, depreende-se que o requisito da certeza, necessário à configuração de um título executivo, corresponde à existência da obrigação da qual se originou o débito. Quanto à liquidez, injusta seria a cobrança de um crédito, cujo valor desconhece o devedor, pois dele serão retirados quantos bens forem necessários à satisfação da execução. Já a exigibilidade corresponde à existência do inadimplemento da obrigação acordada entre credor e devedor.

 

Atualmente, o artigo 586 do Código de Processo Civil dispõe que “A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível. (BRASIL, 2008-a, p. 310) Tal mudança, apesar de aparentar-se singela, possui grande importância na realização das execuções sejam por títulos judiciais, sejam pelos extrajudiciais. A redação do artigo supramencionado, dada pela Lei nº 11.382, de 2006, deixa claro que é a obrigação precursora do título que deve ser certa, líquida e exigível e não este propriamente dito. Assim, nas hipóteses dos títulos judiciais, afirma-se que a execução (fase de cumprimento de sentença, após a vigência da lei 11.232/2005) será nos moldes dos artigos 461 e 461-A (obrigações de fazer/não fazer e entrega de coisa respectivamente) ou de acordo com o artigo 475-J (obrigações de pagamento de quantia certa). E somente será iniciada, se na sentença de mérito for reconhecida uma destas obrigações nas quais estejam presentes os requisitos em exame, pois, caso contrário, independentemente da presença dos requisitos do título judicial, não sendo comprovada a obrigação, não haverá execução.

 

 

3.1. O procedimento das execuções dos títulos judiciais e as principais alterações instituídas pela Lei 11.232/2005.

 

De acordo com o artigo 475-N do Código de Processo, incluído pela lei 11.232, de 2005, são títulos executivos judiciais:

 

I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;

IV – a sentença arbitral;

V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;

VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal (BRASIL, 2008-a, p. 303).

 

Indicadas as espécies de títulos executivos judiciais, ressalta-se que, por ser a mais recorrente no processo brasileiro, será dada ênfase apenas na sentença proferida no processo civil, pelo que não se discutirá acerca das demais espécies dispostas no artigo supracitado.

 

A sentença proferida no processo civil, via de regra, não encerra mais a prestação jurisdicional tal qual ocorria antes do Estado Democrático de Direito. De fato, um processo incapaz de dar ao cidadão o que a sentença reconheceu seu por direito contraria a Constituição da República, sobretudo no que diz respeito à impossibilidade de uma lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV). A decisão final decorre da realização dos atos processuais que visam comprovar a existência ou não da pretensão indicada pela parte autora e a razoabilidade das alegações da parte contrária, demonstrando, portanto, a presença do contraditório. Percebe-se, neste sentido, que as sentenças condenatórias transitadas em julgado demonstram a existência do direito do autor, legitimando, portanto, a invasão da esfera patrimonial do condenado por meio do processo de execução, atualmente, fase de execução. Alienar bens do executado para satisfazer um crédito sem a prévia certeza da existência deste é inaceitável no Estado Constitucional, pautado pela legalidade, principalmente pelo fato de tal certeza não ser absoluta, vez que as ações rescisórias almejam a anulação das sentenças que se enquadrem numa das situações do artigo 485 do Código de Processo Civil.[10] Atualmente, as execuções fundadas nos títulos executivos judiciais passaram por uma importante reforma.

 

O Projeto de Lei nº 3.253/04 (relativo à Lei 11.232/05) originou-se do Anteprojeto de Lei elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual visando modificar os artigos do Código de Processo Civil que dizem respeito às execuções de sentenças (título executivo judicial por excelência) que condenassem o réu ao pagamento de quantia certa. Ressalta-se que os dispositivos da referida lei poderão ser utilizados subsidiariamente pelas demais espécies de execução, inerentes às obrigações de entregar e fazer (disciplinadas, sobretudo, pelos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil), no que não lhes forem contrárias.

 

É necessário, no entanto, deixar claro, que o procedimento de execução, hoje conhecido por “cumprimento de sentença”, será utilizado nas situações em que há a precedência de um processo de conhecimento, cujo resultado é o proferimento de uma sentença condenatória que, conforme sustenta Luiz Guilherme Marinoni, deverá ser dependente de execução. A crença de que a simples sentença de mérito era suficiente para satisfazer a tutela jurisdicional prestada pelo Estado foge à realidade processual brasileira. Enfatizado por autores eminentemente processualistas, tal entendimento é no sentido de que o devedor, apenas por ter sido condenado, já se incumbiria de cumprir a obrigação que lhe foi imposta. Se assim fosse, não haveria razão para a existência das execuções de sentenças condenatórias, uma vez que, tão logo transitasse em julgado a decisão de primeiro grau, ela seria cumprida pelas partes condenadas.

 

Em sentido contrário, autores eminentemente materialistas comungam do entendimento de que a sentença condenatória, por si só, não é suficiente para realizar o direito buscado pela parte vencedora. Neste sentido, verifica-se a importância do processo de execução como um instrumento efetivador de direitos. Comunga deste entendimento Luiz Guilherme Marinoni:

 

Como está claro, a sentença é uma técnica processual que não se confunde com a tutela do direito, tanto é que pode não ser suficiente para prestá-la, dependendo da conjugação de outra técnica processual, a tutela executiva (MARINONI, 2007, p.23).

                                       

Entretanto, a utilização dos meios executórios, no atual Estado Democrático de Direito, não podem acarretar ao devedor uma situação de miserabilidade apenas para satisfazer o crédito comprovado pelo título executivo. É fundamental proporcionar ao devedor os meios de defesa constitucionalmente previstos, pois o processo de execução não pode ser compreendido apenas como sendo um instrumento do Estado, à disposição da satisfação do direito do credor, vez que é ponte para os sujeitos de direitos construírem e efetivarem as normas por eles mesmos postas e discutirem suas pretensões, fortalecendo, com isto, a própria democracia. Ocorre que nem todas as sentenças dos processos de conhecimento necessitam de atos executórios para efetivarem o direito subjetivo materializado pelo título. Tratam-se das sentenças com natureza meramente declaratória e constitutiva, pois já possuem em si mesmas a tutela jurisdicional almejada pela parte dispensando, portanto, qualquer ato satisfativo.

 

O cumprimento da sentença passa a independer da iniciativa do devedor e torna-se uma fase seqüencial do processo de conhecimento. Atualmente, ao invés de o cumprimento da sentença pelo condenado depender da sua prévia intimação sobre o conteúdo da decisão, transforma-se em uma imposição, pois deverá ser realizado no prazo de 15 (quinze) dias tão logo ocorra o trânsito em julgado da decisão, independentemente de tal intimação. A iniciativa para a ciência da decisão judicial passa a ser ônus do condenado que deverá acompanhar o momento da publicação da sentença. Preferindo a parte sucumbente não apresentar recurso, deverá aguardar a publicação da referida sentença para então cumprir sua determinação.

 

Entretanto, a intimação das partes será necessária nos casos em que houver pendência de recurso no segundo grau de jurisdição. Nesta hipótese, o início do prazo para o cumprimento da sentença ocorrerá após a intimação das partes do retorno dos autos ao juízo a quo, posição defendida pelo Des. Eduardo Mariné Da Cunha no relatório da decisão do agravo de instrumento 1.0194.03.025851-2/001, interposto na Comarca de Coronel Fabriciano:

 

[…] Contudo, nas hipóteses em que o trânsito em julgado ocorrer nas instâncias superiores, enquanto os autos não retornarem ao juiz primevo, não terá início o referido prazo para o cumprimento espontâneo da condenação, posto que, sem o trâmite necessário ao retorno dos autos à instância de origem, não haverá acesso aos autos, prejudicando, assim, o cumprimento da obrigação dentro do prazo estipulado pelo art. 475-J, do CPC.

Dessa forma, ocorrendo o trânsito em julgado em instâncias superiores, o prazo para o cumprimento voluntário da sentença apenas teria o início do seu curso na data em que houver a intimação das partes do retorno dos autos à comarca de origem, através do órgão oficial. […] (MINAS GERAIS, 2001).

 

É preciso ressaltar que há divergências teóricas e jurisprudenciais acerca do termo inicial da contagem do prazo de 15 (quinze dias) para a incidência da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil. Estas divergências demonstram que os legisladores objetivavam levar maior efetividade ao cumprimento das sentenças obtidas no processo de conhecimento. Entretanto, verifica-se que a aplicabilidade de tal norma não tem contribuído para a simplicidade procedimental necessária à compreensão dos profissionais do Direito e à inclusão dos demais sujeitos de direito.

 

Nas situações de inobservância da ordem contida na sentença, o legislador previu que caberá ao credor, através de um mero requerimento, solicitar a continuidade do processo já iniciado. Neste momento, porém, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% e a ação contará, a requerimento do credor, com a realização dos atos executórios comuns a qualquer execução (penhora, oportunidade de defesa, expropriação).

 

Nota-se, portanto, que um dos principais objetivos do Legislador ao elaborar a Lei 11.232/05 foi, sem dúvida, atribuir maior eficácia e efetividade (celeridade) às execuções dos títulos executivos judiciais, uma vez que, pelo procedimento anterior, caberia ao autor iniciar uma ação autônoma para exigir o cumprimento da sentença, como se esta decisão não possuísse natureza impositiva. Desse modo, iniciada a ação de execução da sentença, teria o executado o prazo de vinte e quatro horas para pagar a quantia na qual foi sucumbente, sob pena de penhora. De fato, com tais alterações, os atos executórios reuniram-se em uma simples fase processual, dispensando uma ação autônoma tal qual ocorria no sistema da Idade Média. Conforme Luiz Guilherme Marinoni:

 

Pondo fim ao regime do processo de conhecimento mais processo de execução, surgiu recentemente a norma que, alterando o regime da execução de sentença que condena ao pagamento de soma em dinheiro, eliminou a necessidade da propositura de ação de execução (MARINONI, 2007, p.52).

 

Além disto, ao executado, foi ofertada a possibilidade de apresentar defesa à fase de execução por meio de impugnação em quinze dias, contados da intimação do requerimento do autor para o cumprimento, conforme parágrafo primeiro do artigo 475-J e não mais pelos embargos à execução. Entretanto, a matéria de defesa na fase de execução ainda é restrita, limitando-se ao rol de hipóteses do artigo 475-L. Via de regra, as impugnações não terão efeito suspensivo, podendo o juiz concedê-lo, conforme o 475-M, incluído pela lei 11.232/2005, “[…] desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.” (BRASIL, 2008-a, p 303)[11]. Outra inovação da lei, para atingir a eficiência das execuções dos títulos judiciais, foi a introdução do parágrafo primeiro no artigo 475-M que assim dispõe:

 

§ 1o Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios auto (BRASIL, 2008-a, p. 303).

 

O referido parágrafo possibilitou ao credor realizar os atos expropriatórios para satisfazer seu crédito mesmo após a suspensão da fase de cumprimento de sentença para o julgamento da impugnação apresentada pelo devedor. Anteriormente, deferido o efeito suspensivo aos embargos (hoje impugnação), seria a execução suspensa até o julgamento daqueles que ainda permaneceram com a natureza de um processo de conhecimento, julgado em apartado. De início, é possível acreditar que tal inovação poderia contrariar o princípio do menor sacrifício do devedor e até mesmo o da dignidade humana, haja vista que o executado, durante o exercício do seu direito de defesa constitucionalmente garantido, estaria obrigado a aceitar a perda do seu patrimônio sem ao menos ter a certeza do indeferimento de sua impugnação. Entretanto, ressalta o dispositivo legal que a realização da execução provisória diante do deferimento do efeito suspensivo da impugnação apresentada pelo devedor somente ocorrerá após o oferecimento de caução pelo credor no valor da penhora, a fim de assegurar que, na eventualidade do reconhecimento das razões do devedor, lhe seja devolvido o bem penhorado ou, na sua impossibilidade, lhe seja entregue a respectiva caução. Com relação aos atos expropriatórios propriamente ditos, o procedimento do cumprimento de sentença seguirá, no que couber, o das execuções extrajudiciais.

 

Outra novidade importante instituída pela Lei 11.232, de 2005, diz respeito à liquidação da sentença, vez que agora, não mais permanece em autos apartados tornando-se mera fase processual no curso da execução. A fase de liquidação, portanto, será iniciada com a intimação do requerido, na pessoa do seu advogado, e terminará com a decisão interlocutória que a julgar. Além disto, dispõe o artigo 475-B que quando a liquidez da sentença depender de cálculo aritmético apenas deverá o credor requerer de plano o cumprimento da sentença, independente da fase de liquidação, instruindo o processo, para tanto, com os cálculos que julgar devidos oportunizando vista ao requerido.

 

É inegável que a fase de cumprimento de sentença atribuiu maior celeridade à busca do credor pela realização de seu crédito, uma vez que a espera pela tramitação dos atos processuais necessários ao início de uma ação autônoma, tal qual ocorria antes de 2005, era deveras longa. Ocorre que, independentemente das alterações procedimentais sofridas, a ação autônoma (necessária às execuções dos títulos extrajudiciais) e a fase de cumprimento permaneceram com as três fases processuais: a postulação, preparação e satisfação da pretensão.

 

 

3.2. O procedimento das execuções dos títulos extrajudiciais anterior à Lei 11.382, de 2006.

 

O Título IV do Livro II do Código de processo civil foi destinado às execuções por quantia certa contra devedor insolvente. Ressalta-se que em matéria de título executivo extrajudicial serão realizadas considerações apenas no que concerne às execuções de quantia certa contra devedor solvente (Título II), ou seja, aquele que possui numerário de bens suficiente para garantir a satisfação do crédito inadimplido por ser a mais recorrente na prática forense e nela se encontrar o conjunto de atos processuais mais complexos.

 

O tratamento dispensado pelo Código às execuções, seja de títulos executivos judiciais ou extrajudiciais, era idêntico, uma vez que o objetivo precípuo do sistema jurídico era o de impor ao devedor o cumprimento forçado da decisão judicial ou da obrigação inadimplida. Não havia peculiaridades procedimentais nos quesitos propositura, tramitação e defesa do devedor. O Direito brasileiro, acompanhando o sistema processual francês, impunha aos jurisdicionados a propositura de ação autônoma na via executiva para buscarem a satisfação de um direito.

 

Diante da alteração no Título VIII do Livro I do Código de Processo, que trata do procedimento ordinário, coube ao Legislador a tarefa de adequar o processo de execução dos títulos executivos extrajudiciais ao conjunto de reformas processuais que objetivam a dinamização e efetivação do processo civil brasileiro. Neste sentido, cumpre salientar que a busca pela efetividade da prestação jurisdicional não é tema recente, visto que na própria exposição de motivos do Código de 1973, redigida pelo Ministro Alfredo Buzaid, já era possível perceber a tendência de se implementar no sistema jurídico brasileiro instrumentos processuais capazes de satisfazer, em um prazo razoável, o direito pleiteado pelas partes. Corroborando este entendimento, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier comentam:

 

Apesar das dificuldades que ao longo da história se põem diante dessa questão, que é, sem qualquer dúvida, de difícil solução, a busca da efetividade, um dos temas mais estudados contemporaneamente, exige que tanto o legislador quanto o operador do Direito empenhem-se em encontrar meios capazes de dar respostas satisfatórias aos anseios sociais existentes nesse sentido (WAMBIER, WAMBIER, 2003, p. 01).

 

Os títulos executivos extrajudiciais surgiram da necessidade de se encontrar alternativas à cobrança rápida de um crédito não adimplido pelo devedor. Com a intensificação das relações comerciais, sobretudo no fim da Idade Média, o sistema de execuções até então vigente, realizando-se primeiro o processo de conhecimento para só então efetivar o direito declarado, tornou-se inviável. As transações comerciais acompanhavam o crescimento populacional, que se intensificou sobretudo com as descobertas do início do século XV em virtude da crescente evolução marítima. Com isto, surgiu a necessidade de a sociedade encontrar soluções para o problema da demora nos pagamentos de mercadorias e outros artefatos.

 

Como forma de solucionar a questão, a alguns documentos que costumeiramente circulavam na época da expansão marítima foi dada eficácia para, por si só, expressarem a existência de um crédito. Assim, uma vez munido com um destes documentos, bastaria ao suposto credor propor uma ação autônoma para exigir que o suposto devedor pagasse o que era devido, sem a exigência de um processo de conhecimento prévio. Diz-se “supostos” credor e devedor, pois a segurança jurídica da existência do direito decresce face à ausência de um processo cognitivo anterior que a verifique. Principalmente pelo fato de que nas execuções as matérias de defesa do réu são restritas, se comparadas com as alegadas no processo de conhecimento. Sobre o assunto, comenta Luiz Guilherme Marinoni:

 

[…] Embora não se tenha certeza sobre a existência do direito, o fato dele estar representado por título extrajudicial é suficiente para dispensar o processo de conhecimento e viabilizar a imediata execução (MARINONI, 2007, p. 419).

 

Assim como as obrigações contidas nos títulos judiciais devem ser certas, líquidas e exigíveis, o mesmo ocorre com as dos títulos extrajudiciais. Neste caso, não satisfeitos tais requisitos, que acabam se confundindo com as próprias condições da ação, não é possível a instauração do processo de execução. Outro aspecto relevante que merece comentário é sobre a taxatividade do rol dos títulos executivos extrajudiciais. Percebeu o legislador que a utilização dos títulos extrajudiciais pode acarretar prejuízos irreparáveis ao devedor, posto que estes apenas indicam a existência de um direito de crédito. De fato, tais títulos dão legitimidade ao credor para propor uma ação executiva que, fatalmente, acarretará perda patrimonial ao devedor, sem a existência de um processo cognitivo anterior no qual é possível a realização de procedimentos que verificam a real existência do direito. Assim, devem os títulos extrajudiciais serem positivamente discriminados, a fim de evitar que qualquer indivíduo se auto-atribua de competência para dizer qual documento é apto a ter eficácia extrajudicial e qual não é.

 

Com isto, o rol dos títulos executivos extrajudiciais encontra-se atualmente disposto no artigo 585 do Código de Processo Civil:

 

São títulos executivos extrajudiciais:

I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

III – os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida;

IV – o crédito decorrente de foro e laudêmio;

V – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

VI – o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;

VII – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva (BRASIL, 2008-a. p. 310).

                               

Dependendo da natureza jurídica da obrigação presente no título extrajudicial (entrega de coisa, fazer, não fazer, pagamento de quantia), o credor poderá promover qualquer das espécies de execução especificadas no Título II do Código de Processo. Deve ser dito, porém que o título executivo não é prova da verdade da obrigação da qual foi originado, consistindo em uma simples autorização para o início da execução forçada, ressalvado o preenchimento dos requisitos da certeza, liquidez, exigibilidade. A verdade e a legalidade da obrigação presente no título devem ser verificadas em ação de conhecimento autônoma.

 

Assim como em qualquer ação processual, o processo de execução deve ser proposto por aqueles legalmente investidos. Neste sentido, deve-se fazer a distinção entre legitimidade ativa, passiva, ordinária e extraordinária. Os legitimados ativos são aqueles (pessoa jurídica ou física) que vão a juízo pleitear o que acreditam ser seu de direito. Já os passivos, são aqueles (pessoa física ou jurídica) que figuram como devedores no título. Por fim, a legitimidade ordinária diz respeito à situação em que o próprio indivíduo busca seu direito através de um representante com capacidade postulatória e a extraordinária refere-se àquele que, não tendo constituído originariamente a obrigação que deu causa ao título, busca, em nome próprio, direito de outrem ou defende-se em nome de outrem.

 

Desta forma, os artigos 566 e 567 do Código de Processo Civil, determinam que os legitimados ativos para proporem ação de execução são: o credor a quem a lei confere título executivo; o Ministério Público, nos casos prescritos em lei; o espólio, os herdeiros ou os sucessores do credor, sempre que, por morte deste, Ihes for transmitido o direito resultante do título executivo; o cessionário, quando o direito resultante do título executivo Ihe foi transferido por ato entre vivos e o sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal ou convencional. Já o artigo 568, determina os legitimados passivos: – o devedor, reconhecido como tal no título executivo; o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor; o novo devedor, que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo; o fiador judicial e o responsável tributário, assim definido na legislação própria.

 

Verificado o inadimplemento do devedor, caberia ao credor propor a ação de execução consubstanciada no título executivo do qual é o beneficiário. Além dos requisitos presentes no artigo 282, a petição inicial deve contar com os requisitos do artigo 614, quais sejam: o título executivo extrajudicial, salvo se a execução fundasse em sentença; a prova de que se verificou a condição ou ocorreu o termo e o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa. Verificando o juiz que a petição inicial estava incompleta, ou não se achava acompanhada dos documentos indispensáveis à propositura da execução, concederia ao credor prazo para emenda de 10 dias, sob pena de ser indeferida.

 

Deferida a inicial, ocorreria a expedição do mandado de execução contendo a ordem para o devedor pagar o valor devido ou nomear bens à penhora em 24 (vinte e quatro) horas: “Art. 652. O devedor será citado para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora.” (BRASIL, 2005, p. 360). Na falta do pagamento, ou não localizado o devedor pelo oficial, caberia a este penhorar tantos bens quanto fossem necessários à satisfação da execução. Vale ressaltar, que, na prática, se o executado não fosse localizado para ser devidamente cientificado da existência da ação e da obrigação de nomeação de bens, caberia ao oficial informar tal ausência ao juízo e, desta forma, suspender a execução até que aquele fosse encontrado.

 

Nas hipóteses normais em que o executado era encontrado para receber o mandado de citação para a execução, incumbiria a ele a tarefa de nomear tantos bens quantos fossem necessários à garantia do juízo. Para tanto, deveria ser observada uma ordem de preferência dos bens que poderiam ser penhorados, tal qual indicava o artigo 655 do Código de Processo Civil:

 

Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a seguinte ordem:

 I – dinheiro;

 II – pedras e metais preciosos;

 III – títulos da dívida pública da União ou dos Estados;

 IV – títulos de crédito, que tenham cotação em bolsa;

 V – móveis;

 Vl – veículos;

 Vll – semoventes;

 Vlll – imóveis;

 IX – navios e aeronaves;

 X – direitos e ações (BRASIL, 2005, p. 360).

 

Lembrando que seria tarefa do devedor, segundo o parágrafo primeiro do supramencionado artigo, quanto aos bens imóveis, indicar-lhes as transcrições aquisitivas, situá-los e mencionar as divisas e confrontações e quanto aos móveis, particularizar-lhes o estado e o lugar em que se encontram.

 

Conforme dito anteriormente, o devedor responde com seu patrimônio pelas dívidas que fizer, salvo as restrições legais, como os bens absolutamente impenhoráveis, presentes no artigo 649. Já os bens relativamente impenhoráveis do artigo 650 poderão sofrer constrições na falta de outros. Na falta de nomeação de bens à penhora, o oficial de justiça, por indicação do exeqüente ou sem ela, penhoraria tantos bens quantos necessários à satisfação da execução. Nos casos normais de nomeação pelo devedor, caberia ao credor aceitá-la ou não. No primeiro caso, deveria o devedor apresentar certificado de propriedade e, se fosse o caso, as respectivas Certidões Negativa de Ônus, caso em que seria lavrado o termo de penhora. Em contrapartida, havendo recusa por parte do exeqüente, caberia ao juiz verificar se a recusa justificar-se-ia nas hipóteses do artigo 656 do Código de Processo. Comprovada a ineficácia da penhora, o direito de nomeação de bens passaria ao exeqüente. Neste caso, poderia ele indicar qualquer bem do executado independentemente da ordem disposta no artigo 655 acima.

Ao devedor era conferida a oportunidade de apresentar defesa, por meio dos embargos à execução, no prazo de 10 dias, contados da comprovação da realização da penhora através da juntada nos autos da prova da intimação desta, ou do termo de depósito, tal qual dispunha o artigo 738. Com isto, podia-se perceber a restrição legal ao exercício do direito de defesa do executado, haja vista que o mesmo só poderia ser efetivado após a garantia da execução, demonstrando claramente a ênfase no princípio da máxima satisfação da execução em prejuízo do menor sacrifício do devedor.

 

Importante ressaltar que os embargos do devedor sempre suspendiam a execução. Além disto, possuem natureza cognitiva e continuam sendo julgados em apartado. Após o recebimento dos embargos, não havendo rejeição liminar por parte do juiz pelas situações dispostas no artigo 739, haveria a suspensão da execução e o credor (embargado) seria intimado para apresentar impugnação no prazo de 10, quando, então, o juiz designaria audiência de instrução e julgamento. (artigo 740).

 

Após a impugnação do embargado, caberia ao juiz decidir os embargos. Neste caso, ocorrendo a procedência destes, continuaria a execução suspensa até o julgamento de uma eventual apelação interposta pelo embargado. Em contrapartida, havendo o indeferimento, dar-se-ia curso à execução que passaria à fase de expropriação, quando então ocorreria a avaliação dos bens penhorados, conforme dispunha o artigo 680:

 

Prosseguindo a execução, e não configurada qualquer das hipóteses do art. 684, o juiz nomeará perito para estimar os bens penhorados, se não houver, na comarca, avaliador oficial, ressalvada a existência de avaliação anterior (art. 655, § 1o, V) (BRASIL, 2005, p. 362).

 

Conforme o artigo 685, após a realização da penhora, caberia ao juiz mandar, a requerimento do exeqüente e, desde que ouvido o executado, determinar a redução da penhora, se o valor dos bens penhorados fosse superior ao da execução ou sua ampliação, caso ocorresse o contrário. Realizados tais atos, incumbiria ao juiz determinar o início dos atos de expropriação, consistentes, de acordo com o artigo 647, em:

 

 A expropriação consiste:

 I – na alienação de bens do devedor;

 II – na adjudicação em favor do credor;

 III – no usufruto de imóvel ou de empresa (BRASIL, 2005, p.359).

 

O início da arrematação dos bens do executado ocorria com a publicação dos respectivos editais contendo, dentre outros, o dia, o lugar e a hora da realização da praça ou do leilão. Um dos principais pontos de debate na sistemática anterior das execuções, sejam de títulos judiciais ou extrajudiciais, era a morosidade da fase expropriatória e, em grande parte das situações, a arrematação do (s) bem (s) por um valor menor que o da avaliação, gerando prejuízo para o exeqüente além de, é claro, o aborrecimento pela demora na satisfação do crédito, visto que, o devedor deveria ser intimado pessoalmente, por mandado, ou carta com aviso de recepção, ou por outro meio idôneo, do dia, hora e local da alienação judicial.

 

A arrematação do (s) bem (s) deveria ser feita em dinheiro, à vista ou em um prazo de três dias, desde que fosse prestada caução idônea pelo arrematante. Após sua realização, seria lavrado, em vinte e quatro horas, o auto que, após a assinatura do juiz, do escrivão, do arrematante e do porteiro ou do leiloeiro, ensejaria o término da fase de expropriação. Ressalta-se que, entre a arrematação dos bens e a lavratura do respectivo auto, era ofertada ao cônjuge, descendente e ascendente do devedor, nesta ordem, a possibilidade de remir (resgatar) os bens arrematados ou adjudicados, depositando o valor equivalente. Uma vez deferido o pedido de remissão, caberia ao juiz emitir a carta de remissão, contendo os requisitos do artigo 790.

 

Diante das mudanças no comportamento dos indivíduos, levando-os à perceberem a morosidade e a pouca eficiência do sistema executivo brasileiro tornou-se inevitável a criação de um conjunto de medidas procedimentais que reestruturassem as execuções dos títulos extrajudiciais tal qual fora realizado nas dos títulos judiciais, a partir, sobretudo, da Lei 11.232, de 2005. Para isto, em 2006, entrou em vigência a Lei 11.382 instituindo diversas alterações no processo de execução dos títulos extrajudiciais com o intuito de proporcionar a este a satisfação do crédito em menor tempo. Entretanto, a efetividade não pode ser atingida a partir do desrespeito de princípios constitucionais como o da ampla defesa, menor sacrifício do devedor, contraditório, uma vez que o Estado Democrático de Direito possui como um de seus maiores pilares, a democracia participativa, na qual os cidadãos, sujeitos de direitos, constroem e alteram as normas por eles mesmos postas através de processos verdadeiramente democráticos, não favorecendo apenas uma parte ou um grupo de interesses.

 

 

 

4. AS EXECUÇÕES DOS TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAS E A LEI 11.382/2006.

 

Dando sequência à busca por uma prestação jurisdicional mais ágil, foi promulgada em 07 de dezembro de 2006, com vacatio legis de 45 dias, a lei 11.382 (BRASIL, 2006), que altera dispositivos do Código de Processo Civil relativos ao processo de execução, sobretudo no que tange ao de títulos executivos extrajudiciais. A supramencionada lei decorreu de um anteprojeto elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e enviado ao Congresso Nacional. Tramitou inicialmente na Câmara dos Deputados, através do Projeto de Lei nº 4.497, de 2004 e, posteriormente no Senado, através do Projeto nº 51, em 2006. Após a vigência da Lei 11.232, de 2005. Tanto os legisladores, quanto os teóricos e profissionais do Direito perceberam que manter o mesmo tratamento processual para as execuções dos títulos judiciais e extrajudiciais era inconcebível, haja vista que a natureza de ambas não é idêntica. Conforme apontado anteriormente, a execução dos títulos judiciais, atualmente concentrada na fase de cumprimento de sentença, decorre, normalmente, da necessidade de efetivar um direito previamente definido em um processo de conhecimento, cercado pelas garantias e princípios constitucionais. É possível discutir neste a origem e a veracidade do direito invocado, ofertando-se ao réu um amplo rol de matérias de defesa. Com isto, verifica-se que, durante a fase de cumprimento, poderá o executado alegar um número restrito de matérias (artigo 475- L, do Código de Processo Civil), não lhe sendo a defesa exauriente. Em contrapartida, nas execuções dos títulos extrajudiciais, o credor afirma a existência de um direito materializado em um título, sendo este suficiente para o início da ação executiva, observados os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade. Assim, não há prévia discussão acerca do direito invocado, acarretando ao devedor a oportunidade de apresentar um número mais amplo de defesas do que no cumprimento de sentença, sendo-lhe a defesa, portanto, plenamente exauriente.

 

Tais alterações visaram introduzir no conjunto procedimental executivo uma série de dispositivos que enfatizam princípios como o da Máxima Utilidade da execução, expresso, sobretudo, no artigo 591 do Código de Processo e o da Celeridade Processual, artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.[12] Foram realizadas importantes alterações na citação, defesa, penhora e expropriação dos bens do devedor, que objetivaram melhorar a qualidade da prestação jurisdicional aos sujeitos de direito. Todavia, mais importante que verificar o conteúdo legal das disposições advindas com a Lei 11.382, será avaliar se o equilíbrio entre a efetividade e o menor sacrifício do devedor foi mantido, visto que em grandes reformas realizadas no sistema jurídico a busca de medidas que visaram atingir aquela, não respeitaram princípios como o da ampla defesa e do contraditório. E mais, deve-se avaliar se o objetivo maior do processo de execução é obter a satisfação do crédito existente no título extrajudicial sem preocupar-se com a situação em que se encontra o devedor tal qual ocorria antes das atuais reformas. Deve-se atentar, portanto, se os princípios constitucionais, presentes também no processo de execução, foram preservados com tais alterações. Sobretudo pelo fato de a função do processo no Estado Democrático de Direito é a de garantidor dos direitos e garantias positivados e permitir o diálogo entre os sujeitos de direito e seus representantes.

 

 

4.1. O procedimento das execuções para o pagamento de quantia certa dos títulos extrajudiciais, após as alterações instituídas pela Lei 11.382, de 2006.

 

4.1.1 A petição inicial da ação de execução.

 

 

Ressalta-se novamente que a ação de execução de título extrajudicial poderá ser proposta se o devedor não satisfizer a obrigação certa, líquida e exigível, da qual se originou o título executivo. Neste sentido, não sendo ao juiz possível constatar de plano a presença dos requisitos que tornem certa, líquida e exigível a obrigação e não o título executivo em si, conforme determina o artigo 586 do Código de Processo Civil, deverá o juiz indeferir a petição inicial, interrompendo, portanto, o seguimento da ação e anulando a execução. Portanto, verificado o inadimplemento do devedor, ainda caberá ao credor, tal qual ocorria no procedimento anterior, propor a respectiva ação de execução, respeitados os requisitos exigidos para a elaboração da petição inicial, presentes no artigo 282 e 614. Observa-se, no entanto, que a redação do inciso primeiro deste artigo foi alterada pela Lei 11.382, haja vista que a execução dos títulos executivos judiciais foi deslocada para o Livro I do Código de Processo Civil na presente fase de cumprimento de sentença.

 

Uma grande inovação trazida pela Lei, resultante na introdução do artigo 615-A ao Código de Processo Civil, foi a possibilidade de o credor, no ato da distribuição da petição inicial, requerer uma certidão que comprove a realização da ação de execução, averbando-a nos registros de imóveis, veículos e outros bens do devedor que possam ser penhorados. Esta medida proporciona maior segurança ao credor, pois impede a dilapidação patrimonial do devedor antes de satisfeito o crédito. É a ênfase no princípio da máxima satisfação da execução, aumentando as expectativas do credor quanto à efetivação de seu direito. A medida poderia acarretar, a princípio, ofensa ao princípio do menor sacrifício do devedor por levá-lo à impossibilidade de realizar a disposição de todas as suas propriedades, após constituída a dívida. Entretanto, é dever do credor comunicar ao juízo todas as averbações que constringirão as propriedades do executado. Com isto, tão logo seja realizada a penhora dos bens necessários à garantia da execução, haverá o cancelamento das restrições relativamente aos demais bens não penhorados. Além disto, determina o parágrafo quarto do mesmo artigo que, se o exeqüente promover averbação manifestamente indevida, indenizará a parte contrária, demonstrando que a restrição aos bens do devedor não pode ser realizada com propósitos de má fé.

 

Ao credor foi oportunizada, já na petição inicial, a indicação dos bens a serem penhorados, medida esta que facilitará a função do oficial de justiça no ato da realização da penhora. Preferindo o credor não indicá-los, tal incumbência passará ao oficial de justiça. Além disto, a indicação deixa de ser uma obrigatoriedade do executado tal qual ocorria antes.

 

Deferida a inicial, será expedido o mandado de citação ao executado para que, diferentemente do procedimento anterior, pague em 3 (três) dias o valor pelo qual se realiza a execução, conforme dispõe o artigo 652 do Código. A ampliação do prazo, permitindo ao devedor providenciar com mais tempo a quantia necessária, foi acompanhada por outra relevante alteração que influenciará a atuação dos profissionais da advocacia. Com a introdução do artigo 652-A, caberá ao juiz, no ato da distribuição da inicial fixar os honorários do advogado, que deverão ser pagos pelo executado, de acordo com os trabalhos realizados por aquele desde a propositura da ação até o início desta. Entretanto, havendo o pagamento integral e no prazo estabelecido do valor executado no prazo supramencionado, os honorários serão reduzidos pela metade. Ressalta-se que, havendo o pagamento fora do prazo, não caberia, a princípio, a redução da verba honorária por tratar-se de remição da execução, conforme indica o artigo 651 do Código.

 

Revela-se a medida, neste sentido, como um estímulo ao devedor para que efetue o pagamento em um prazo maior e com a verba honorária reduzida extinguindo o processo já na sua fase inicial. Assim, a realização dos atos de constrição e expropriação torna-se desnecessária, o que proporciona, ao mesmo tempo, maior efetividade no processo de execução e ênfase ao princípio do menor sacrifício ao devedor.

 

 

4.1.2 A realização da constrição dos bens do devedor: penhora.

 

A partir da Lei 11.382/2006 o oficial de justiça, munir-se-á de duas vias do mandado citatório, a fim de entregar ao devedor a primeira no ato da sua citação e a segunda, na hipótese de não haver o pagamento do valor da execução, no prazo de três dias. Neste caso, o oficial procederá de imediato, conforme determina o artigo 652, à realização da penhora e avaliação seja dos bens indicados pelo credor, seja de quantos forem necessários à satisfação “do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios”, tal qual determina o artigo 659. (BRASIL, 2008-a, p. 314), caso em que o devedor será intimado na mesma ocasião. Penhorando-se os bens indicados pelo credor, oportunizar-se-á ao devedor anuir ou não com a indicação realizada. Anuindo, dispensar-se-á nova penhora pelo oficial. Não anuindo, realizar-se-á pelo oficial a penhora dos bens indicados, cabendo ao executado requerer, após a intimação da penhora, sua substituição em 10 (dez dias). Para tanto, deverá estar amparado em uma das situações previstas no artigo 656: observar a máxima satisfação da execução, comprovar que será menos oneroso para si e, em se tratando do oferecimento de bem imóvel, a substituição só ocorrerá com a anuência do cônjuge. Deve-se ressaltar que a necessidade da intimação do cônjuge bem como da sua anuência no caso da penhora em bens imóveis, inovações trazidas pela Lei 11.382, garantirá maior proteção ao seu direito de meação, uma vez que, combinado com o artigo 655-B, recaindo a penhora em bem indivisível, caberá ao cônjuge alheio à execução o valor correspondente a sua meação com relação ao bem, objeto da alienação.

 

O credor será ouvido em três dias para concordar ou não com a substituição, situação da qual será lavrado o respectivo termo. O contrário também será possível com a nova redação do artigo 656, pois havendo a nomeação de bens pelo executado, poderá o credor, não concordando com a mesma, requerer a substituição, desde que respeite o princípio do menor sacrifício. Perceba-se que a alteração supramencionada contrabalanceia a necessidade de se satisfazer o crédito com a indispensável proteção do devedor, que não poderá sofrer prejuízo maior desnecessariamente apenas para a satisfação da vontade do devedor.

 

Na hipótese de o credor não indicar inicialmente os bens a serem penhorados e de o oficial não localizar bens para a efetivação da penhora, o juiz poderá determinar, inclusive de ofício, a intimação do devedor para que aponte, em 5 (cinco dias), os bens passíveis de penhora. Além de apontá-los, deverá o executado exibir a prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus, gerando maior segurança à satisfação do crédito, pois evitará a penhora de bens que já estejam com alguma constrição judicial averbada. A fim de garantir o cumprimento da determinação judicial, o inciso quarto do artigo 600, incluído pela Lei 11.382/2006, dispõe que a recusa do devedor em apontar quais e onde se encontram seus bens será considerada atentatória à dignidade da justiça.

 

De acordo com a nova redação do artigo 655, a penhora de bens do executado ocorrerá, sempre que possível, com a observação da seguinte ordem:

 

A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

 I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II – veículos de via terrestre;

III – bens móveis em geral;

IV – bens imóveis;

V – navios e aeronaves;

VI – ações e quotas de sociedades empresárias;

VII – percentual do faturamento de empresa devedora;

VIII – pedras e metais preciosos;

IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;

X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

XI – outros direitos (Brasil, 2008-a, p. 313).

                   

A alteração na ordem de penhora, instituída pela Lei 11.382, demonstra mais uma vez que o sistema jurídico não foi elaborado para se tornar estático face às mudanças no comportamento e nos valores da sociedade. A redação pretérita do artigo supramencionado tornou-se obsoleta diante das novas prioridades dos sujeitos de direito e da necessidade de tornar o processo de execução mais efetivo. A alteração da redação do inciso primeiro do artigo 655, especificando as formas como o dinheiro poderá ser penhorado, demonstra claramente a adaptação à mudança nos costumes dos indivíduos, pois o hábito de guardar dinheiro em espécie nos locais freqüentados pelo devedor tornou-se incomum. Por outro lado, as aplicações financeiras tornaram-se o meio mais corriqueiro de investimento, levando, acertadamente, à mudança do artigo. Para todo direito deve haver uma garantia que possibilite seu exercício. Estaria incompleta a lei 11.382 se permitisse a penhora de dinheiro, seja em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira, mas não disponibilizasse os meios para tanto. Atento a isto, os legisladores trataram de incluir o artigo 655-A, sendo, na realidade a regulamentação legal de um costume já utilizado anteriormente: o bloqueio judicial de valores pertencentes ao executado que poderá ser realizado, inclusive, por meios eletrônicos (art. 659, parágrafo 6º). Como forma de resguardar o executado, caberá a ele comprovar que os valores bloqueados na forma do inciso primeiro do artigo 655 são bens absolutamente impenhoráveis, tal qual dispõe o artigo 649, inciso IV. A lei 11.382/2006 também fez referência à hipótese de bloqueio judicial de valores pertencentes à pessoa jurídica, conforme dispõe o parágrafo terceiro do artigo 655-A:

 

[…]

§ 3o Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida (BRASIL, 2008-a, p. 313).

 

Entretanto, a relação estabelecida no artigo 655 não é de modo algum absoluta, cabendo ao juiz, ao apreciar cada situação, verificar se esta deve ser seguida ou não, levando-se sempre em consideração o princípio do menor sacrifício do devedor. Sobre o assunto:

 

[…] Pode ocorrer que, levando-se em conta as circunstâncias da causa, se constate que é muito mais proveitoso para o executado a penhora de um bem imóvel, em vez de um veículo de via terrestre (MEDINA; WAMBIER; WAMBIER, 2007, p. 112).

 

Realizada a penhora, haverá a intimação do devedor na pessoa do seu advogado, se já tiver sido constituído. Caso contrário, a intimação será pessoal. Outra inovação da Lei foi determinar que na hipótese de o executado não ser localizado para a realização da respectiva intimação, o oficial anotará as diligências realizadas e caberá ao juiz decidir se esta poderá ser dispensada ou se novas diligências deverão ser tomadas. Mais uma vez é possível perceber que o objetivo da Lei 11.382/2006 foi proporcionar maior efetividade ao processo de execução, uma vez que agora é possível até mesmo a dispensa da intimação do executado sobre a realização da penhora em seus bens, evitando-se, assim, o entrave à sequência dos atos processuais caso aquele não seja localizado. Em contrapartida, é inegável que a dispensa de intimação ao executado, seja por não ter advogado constituído, seja por não ser localizado, acarreta continuidade do processo de execução e, consequentemente, aos atos de expropriação do patrimônio penhorado. Com isto, possivelmente realizar-se-á a adjudicação ou a alienação dos bens sem a presença do executado, diminuindo, portanto, a proteção ao devedor, conforme indica o princípio do menor sacrifício.

 

 

4.1.3 A influência da Lei 11.382, de 2006 sobre os atos expropriatórios.

 

Após a penhora, ocorrerá a avaliação dos bens e, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária, realizar-se-ão os atos do artigo 685, tal qual no procedimento anterior. Dar-se-á início, portanto, aos atos de expropriação dos bens penhorados, objeto de significativas alterações após a vigência da Lei 11.382/2006.

 

Expropriar significa retirar bens da esfera de propriedade do devedor e transmití-los ao credor como forma de satisfação do crédito. Esta transferência justifica-se pelo fato de ser o processo o meio pelo qual os jurisdicionados obterão a efetividade de seus direitos subjetivos, constitucionalmente garantidos. É evidente que a satisfação do crédito não pode, como ocorria anteriormente, ser indiscriminada, devendo o credor e os profissionais da área observarem as limitações impostas pelo próprio código a tal restrição, como é o caso dos bens absolutamente impenhoráveis. Os atos da expropriação, portanto, possuem o objetivo de transferir propriedade, ressalvado o usufruto de móvel ou imóvel, pois apenas permite que o credor utilize-se dos rendimentos obtidos com o uso e o fruto da propriedade do executado. Esta forma de expropriação pode ser mais eficaz à satisfação do crédito do que propriamente os demais em que há a transferência de propriedade. Neste sentido, comenta Luiz Guilherme Marinoni:

 

[…] é possível que imóvel ou empresa de propriedade do devedor gerem rendimentos, quando se dá a expropriação destes frutos mediante o usufruto do imóvel ou da empresa por determinado período de tempo, suficiente para a satisfação do direito de crédito (MARINONI, 2007, p. 93).

 

A expropriação de bens na sistemática anterior era marcada pela morosidade e pela complexidade procedimental, que dificultavam a satisfação do crédito. Assim, havia a necessidade de se implementar medidas procedimentais, que oportunizassem ao credor o recebimento do crédito em um prazo razoável e com maior eficácia. Neste sentido, o artigo 647 passa a ter a seguinte redação:

 

A expropriação consiste:

I – na adjudicação em favor do exeqüente ou das pessoas indicadas no § 2o do art. 685-A desta Lei;

II – na alienação por iniciativa particular;

III – na alienação em hasta pública;

IV – no usufruto de bem móvel ou imóvel (BRASIL, 2008-a, p. 312).

                                                                

A alteração da ordem do artigo pode parecer, a princípio, pouco expressiva. Entretanto, representou um dos avanços mais significativos no processo de execução. Primeiramente, é preciso compreender o que seja expropriação bem como os atos que nela se inserem. Conforme o entendimento de Luiz e Teresa Wambier e José Miguel Garcia:

 

Na execução por quantia certa, em um primeiro momento deve realizar-se a penhora, isto é, a definição judicial dos bens que se submeterão aos atos executivos. Na fase seguinte, autoriza-se a realização de atos de transferência forçada de tais bens […] (MEDINA; WAMBIER; WAMBIER, 2007, p. 112).

 

Pelo procedimento anterior de expropriação, a adjudicação era remetida à segunda opção do credor para a satisfação do crédito, mesmo assim, esta só ocorreria caso a alienação judicial dos bens não lograsse êxito. Adjudicar pode ser entendido como receber o bem penhorado como forma de pagamento do débito. O recebimento do bem, porém, não pode ser por preço inferior ao da avaliação realizada anteriormente pelo oficial de justiça, cabendo ao credor depositar a diferença, caso o valor do bem seja superior ao da dívida ou requerer a realização do remanescente, na hipótese de aquele ser inferior. Novidade importante trazida com a inclusão do artigo 685-A, parágrafo segundo, foi a possibilidade de a adjudicação ser requerida pelo credor com garantia real, pelos credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, pelo cônjuge, pelos descendentes ou ascendentes do executado. Desta forma, observa-se o fim da hipótese de o devedor requerer a remição da penhora (artigos 787 a 790), tal qual ocorria no procedimento anterior, pois o resgate dos bens poderá ser realizado apenas no curso da adjudicação. A ênfase na adjudicação, em detrimento dos demais atos expropriatórios demonstrou avanço significativo na busca pela efetividade do processo de execução, haja vista que o credor poderá ser satisfeito desde o início da fase expropriatória, evitando-se, assim, o prosseguimento da ação. Como afirma Luiz Guilherme Marinoni:

 

Com a nova sistemática, cresce a importância da adjudicação. A entrega do bem penhorado para o credor, por meio da adjudicação, simplifica a execução, além de permitir-lhe ficar com o bem em troca da dívida ou aliená-lo fora do processo (MARINONI, 2007, p. 314).

 

Além disto, a adjudicação dos bens pelo credor evita a complementação da diferença a menor do valor do bem em relação ao do crédito, salvo se este for superior àquele, o que na arrematação não era incomum, haja vista a possibilidade de se arrematar o bem na segunda hasta pública ou leilão por quantia inferior à da avaliação. Assim, tanto credor, quanto devedor são beneficiados pela alteração, pois o primeiro passa a ter a possibilidade de satisfazer o crédito de forma mais rápida, podendo até mesmo alienar o bem, após o término do processo por preço superior ao fixado na avaliação. O devedor passa a ter mais chances de não necessitar complementar o valor do bem tal qual mencionado acima. A adjudicação considerar-se-á perfeita e acabada com a lavratura do auto pelo juiz, pelo adjudicante, pelo escrivão e, se for presente, pelo executado, expedindo-se a respectiva carta, se bem imóvel, ou mandado de entrega ao adjudicante, se bem móvel. Após a lavratura do respectivo auto, a adjudicação considerar-se-á perfeita e irrevogável, salvo por vício ou insatisfação na execução.

O credor também poderá optar, após a vigência da Lei 11.382, de 2006, pela realização da alienação por iniciativa particular em detrimento da venda judicial do bem. Isto porque, o procedimento da arrematação, mesmo após as alterações instituídas pela supramencionada lei, demanda maior tempo, necessita da participação de terceiros e não gera a segurança da satisfação plena do crédito de imediato. Assim, dispõe o artigo 685-C, incluído pela Lei 11.382, que

 

Não realizada a adjudicação dos bens penhorados, o exeqüente poderá requerer sejam eles alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária (BRASIL, 2008-a, p. 316).

 

Ao contrário do que ocorre na adjudicação, somente o credor tem legitimidade para requerer a realização da alienação particular. Com isto, a venda por particular deverá contar com um mínimo de publicidade e não poderá ser efetivada por preço inferior ao da avaliação, uma vez que traria prejuízo ao devedor, acarretando para este a obrigação de completar o débito remanescente. Assim, caberá ao juiz, na forma do parágrafo primeiro do artigo 685-C, estabelecer a forma como a alienação se procederá, o que poderá ocorrer, inclusive, com o auxílio de meios eletrônicos. Perceba-se que o processo de execução conta atualmente com o ingresso nítido dos meios eletrônicos na realização dos atos procedimentais, agilizando o andamento da ação e proporcionando maior eficácia na satisfação do crédito. Ocorre, no entanto, que a utilização destes recursos deve-se pautar pela publicidade e pela idoneidade. Caso contrário, os princípios constitucionais, como a ampla defesa, o contraditório, a igualdade e os intrínsecos ao processo de execução, como o do menor sacrifício ao devedor ficarão prejudicados, ameaçando a própria segurança jurídica.

 

Não sendo a adjudicação e a alienação particular de interesse do credor, caberá a ele requerer a realização da alienação judicial do (s) bem (s) penhorado (s). O início da arrematação ocorre com a publicação do edital de hasta pública observando-se os requisitos do artigo 686, conforme o caso, ressalvando-se, de acordo com o inciso quinto do mencionado artigo, “o dia e a hora de realização da praça, se bem imóvel, ou o local, dia e hora de realização do leilão, se bem móvel”. (BRASIL, 2008-a, p. 316). De acordo com Luiz Guilherme Marinoni:

 

A alienação em hasta pública requer a oferta ao público do bem penhorado, objetivando despertar os terceiros e gerar competição pela aquisição do bem. Espera-se que esta competição possa otimizar o preço do bem em benefício da execução, que chegará ao seu objetivo mais rapidamente (MARINONI, 2007, p. 318).

 

Pelo procedimento anterior da arrematação, o executado deveria ser cientificado do dia, hora e local da arrematação. Esta determinação, disposta no parágrafo quinto do artigo 687 do Código, poderia ser avaliada como negativa para o credor, mas positiva para o devedor, pois a necessidade da ciência deste sobre a realização da alienação de seus bens é fundamental ao cumprimento dos princípios da ampla defesa, do contraditório e menor sacrifício, uma vez que ao executado é oportunizado o oferecimento de embargos à arrematação ou à adjudicação, mesmo que seja obrigatória a realização prévia da penhora. Entretanto, exigir que a intimação seja pessoal demonstrava, mais uma vez, a morosidade do processo de execução, já que a intimação para a arrematação não poderia ser feita por edital/ficta mesmo se não localizado o devedor. Assim, restaria prejudicada a continuidade dos atos expropriatórios. Havia, portanto, a necessidade de dinamizar os atos de arrematação, sem, contudo, excluir do conhecimento do devedor a realização destes.

 

Com a atual redação do parágrafo quinto do artigo supramencionado, instituída pela Lei 11.382,

 

O executado terá ciência do dia, hora e local da alienação judicial por intermédio de seu advogado ou, se não tiver procurador constituído nos autos, por meio de mandado, carta registrada, edital ou outro meio idôneo (BRASIL, 2008-a, p. 316).

 

Verifica-se, com isto, que a necessidade do conhecimento do executado sobre a realização da alienação judicial passa a não mais depender de sua intimação pessoal, podendo ser efetivada pela simples comunicação ao advogado, ou na falta deste, até mesmo por edital, não prejudicando o andamento processual da expropriação na hipótese de ausência do devedor, mas também não retirando a obrigatoriedade do conhecimento deste sobre a realização da hasta pública ou do leilão, respeitando-se o contraditório, ampla defesa e a satisfação da execução.

 

Outra grande inovação trazida pela lei foi a possibilidade da realização da alienação judicial virtual, semelhante às licitações na modalidade pregão eletrônico, que já são realidade nas funções administrativas do Estado. Tal inovação será regulamentada pelo Conselho da Justiça Federal e os Tribunais de Justiça, no âmbito das suas respectivas competências, conforme determina o artigo 689-A:

 

O procedimento previsto nos arts. 686 a 689 poderá ser substituído, a requerimento do exeqüente, por alienação realizada por meio da rede mundial de computadores, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por entidades públicas ou privadas em convênio com eles firmado (BRASIL, 2008-a, p. 316).

 

É preciso ressaltar a necessidade de garantir a idoneidade deste procedimento, sobretudo para que os direitos e garantias do devedor sejam resguardados com o oferecimento dos embargos à arrematação.

 

Pode-se verificar que o procedimento anterior da alienação judicial não estimulava os candidatos à arrematação, pois não lhes oferecia condições facilitadas para o pagamento do valor arrematado. Com isto, não raras eram as vezes em que uma segunda praça ou leilão deveria ser realizada por falta de interessados, uma vez que não se admite arrematação inicial por valor inferior ao obtido na avaliação dos bens penhorados, sendo aceita apenas na segunda. Assim, os interessados nos bens optavam por não comparecerem na primeira praça ou leilão, mas apenas na segunda, a fim de obterem um valor menor e terem condições de pagá-lo, gerando prejuízo ao devedor que tinha por obrigação completar a diferença.

 

A partir disto, houve a necessidade de se alterar o artigo 690, para obter maior efetividade (satisfação e celeridade processual) na realização da alienação judicial, oportunizando-se aos interessados condições mais atrativas de pagamento e evitando-se, assim, uma segunda praça ou leilão e, consequentemente, resguardando-se o menor sacrifício do devedor. Deste modo, poderá o interessado pagar o valor do bem arrematado imediatamente ou em 15 (quinze dias), e não mais em 3 (três) desde que, para isto, preste caução. Além disto, dispõe o parágrafo primeiro que:

 

[…]

 

§ 1o Tratando-se de bem imóvel, quem estiver interessado em adquiri-lo em prestações poderá apresentar por escrito sua proposta, nunca inferior à avaliação, com oferta de pelo menos 30% (trinta por cento) à vista, sendo o restante garantido por hipoteca sobre o próprio imóvel (BRASIL, 2008-a, p. 316).

 

É preciso destacar a importância da alteração do caput e do parágrafo segundo do artigo 694. Dispõe o referido artigo:

 

Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado.

 

[…]       

 

§ 2o No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença (BRASIL, 2008-a, p. 317).

 

O artigo supramencionado traz a possibilidade da imutabilidade da arrematação, mesmo com a procedência dos embargos do executado. A implicação desta disposição deve ser avaliada com cautela, haja vista que, uma vez procedentes os embargos para a não existência do crédito, não há que se falar na realização dos atos expropriatórios. Nas situações em que a transferência do (s) bem (s) ocorra anteriormente ao julgamento do incidente, coube à lei determinar a entrega do valor recebido com a arrematação ao executado. Neste sentido, é possível perceber que o processo de execução, sobretudo o lastreado nos títulos extrajudiciais, possui como principal objetivo a mera transferência de riquezas do patrimônio do devedor para o do credor. Enfatizar o princípio da máxima satisfação da execução em detrimento dos demais princípios constitucionais como a ampla defesa, o menor sacrifício do devedor, tal qual pode ser visto com o artigo 694, contraria a própria segurança jurídica.

 

Concluída a arrematação, será lavrado de imediato, e não mais após vinte e quatro horas, o auto de arrematação que deverá ter a assinatura do juiz, do arrematante e do serventuário da justiça no qual serão indicadas as condições da alienação. Além dos atos mencionados anteriormente, a Lei 11.382 trouxe a possibilidade da realização do usufruto de bem móvel ou imóvel, não restringindo mais o âmbito de incidência deste ato a tão somente bem imóvel ou de empresa[13], tal ocorria no procedimento anterior. O usufruto, ao contrário dos demais atos expropriatórios, não visa transferir a propriedade do bem ao exequente, mas satisfazer seu crédito a partir das receitas auferidas com a fruição do bem. Para que o usufruto judicial seja instituído, é preciso que haja a penhora de um bem que possa produzir frutos e rendimentos. Tal instituto demonstra que, apesar de a busca pela satisfação do crédito ainda ser objetivo primordial do processo de execução, é preciso respeitar o princípio do menor sacrifício do devedor, haja vista que “O juiz pode conceder ao exeqüente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito.” (BRASIL, 2008-a, p. 317).

 

O usufruto é o meio que melhor atende à função protetora do principio do menor sacrifício, haja vista que o executado permanece com a propriedade dos bens usufruídos, restringindo apenas alguns dos poderes a ela inerentes. Além disto, não se sujeita, a princípio, à possibilidade da arrematação destes por valor inferior ao da avaliação. Entretanto, para o credor, tal medida pode representar demora na satisfação do crédito, uma vez que sua natureza é essencialmente de longo prazo. Uma vez requerido, será oportunizado ao executado apresentar sua manifestação, sendo-lhe lícito alegar que o usufruto não satisfará a execução ou que existe outro meio igualmente capaz de fazê-lo, que lhe trará menor prejuízo. Novidade advinda com a lei foi a desvinculação da realização do usufruto da vontade do executado, uma vez que a nova redação do artigo 722 indica que “ouvido o executado, o juiz nomeará perito para avaliar os frutos e rendimentos do bem e calcular o tempo necessário para o pagamento da dívida” (BRASIL, 2008-a, p. 318). Diferentemente da sistemática anterior, a respectiva avaliação somente ocorreria após a concordância da realização do usufruto pelo executado, demonstrando pouca agilidade procedimental. Deferido o usufruto, o juiz ordenará a expedição de carta para averbação no respectivo Cartório de Registro.

 

 

4.1.4 O procedimento dos embargos do devedor após a vigência da lei 11.382, de 2006.

 

O processo de execução dos títulos extrajudiciais, ao contrário do que ocorre com os títulos judiciais, necessita de uma ação autônoma para realizar o direito de crédito do exeqüente. A simples presença do título confere ao credor a prerrogativa de propor uma ação executiva para exigir que o devedor cumpra com a obrigação nele estabelecida, mesmo que a existência de tal direito não seja absoluta. Com isto, é preciso conferir ao devedor os meios necessários para o exercício do direito de defesa que a própria Constituição lhe confere. Neste sentido, surge para o devedor a prerrogativa de opor embargos à execução, para questionar, dentre outros aspectos, a existência e a legitimidade da obrigação em que se funda o título. De fato, a ausência de um processo cognitivo prévio, com o qual seja possível esgotar as hipóteses de defesa, produzir as provas necessárias à comprovação das alegações levantadas pelas partes, permitindo, enfim, o diálogo entre estas e o juiz, geraria para o executado a insegurança de eventualmente participar de uma execução injusta. Com isto:

 

Para resguardar os interesses do executado, o Código contempla uma ação autônoma de conhecimento, denominada embargos do devedor. Não se trata de defesa ou contestação, exercitada no bojo da execução, mas sim de ação autônoma, cujo objeto é a desconstituição ou depuração do título que lastreia o processo executivo. Os embargos têm natureza constitutiva, posto que, se procedentes, transmudarão a situação jurídica do executado: de devedor para não devedor (NUNES, 2003, p. 428).

 

Ao contrário do que ocorre com as impugnações, a matéria de defesa que pode ser alegada através dos embargos é ampla. Sendo, portanto, uma ação de natureza autônoma, cuja cognição é plena e exauriente. Neste sentido:

 

O executado se protege da execução atacando-a, seja por aspectos viciados de seu procedimento, seja por defeitos do título apresentado, seja ainda sustentando a insubsistência do crédito afirmado pelo exeqüente. Assim, a defesa se faz por via de ação, movida pelo devedor em face do credor (MARINONI, 2007, p. 447).

                                         

O procedimento anterior dos embargos demonstrava maior “preocupação” com a hipótese de o devedor perder patrimônio com a realização de uma execução injusta. Todavia, não contribuía de forma incisiva para uma prestação jurisdicional mais ágil e eficaz.

Por ter a natureza de ação autônoma, os embargos à execução devem ser propostos por petição inicial, que será distribuída por dependência à ação executiva, autuada em apartado e deverá contar com os requisitos exigidos pelo artigo 282, além de outros específicos. O instituto dos embargos sofreu algumas das mais significativas alterações após a vigência da Lei 11.382, de 2006. De acordo com a nova redação do artigo 738, os embargos serão apresentados no prazo de 15 (quinze) dias, e não mais em 10 (dez), contados da juntada aos autos do mandado de citação. Durante este prazo, o executado passa a ter a possibilidade de, no prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando a realização do depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, requerer o pagamento do restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros.

 

Ao contrário do procedimento anterior, expressado pelo revogado artigo 737, o oferecimento dos embargos não está mais atrelado à segurança prévia do juízo, ou seja, à realização da penhora de tantos bens quantos forem necessários à garantia da satisfação da execução. Assim, os legitimados à propositura dos embargos, que não se restringem apenas ao executado, não terão seu direito de defesa limitado pela realização obrigatória da penhora, uma vez que não raras eram as vezes em que o devedor não possuía bens suficientes à garantia da execução. A medida enfatiza o princípio do menor sacrifício do devedor, pois além de ampliar o prazo para a propositura da respectiva ação, torna-a independente da constrição dos bens.

 

Com o novo procedimento, os embargos poderão ser rejeitados liminarmente por sua intempestividade, pela inépcia da inicial e quando manifestamente protelatórios, conforme dispõe o artigo 739. Na realidade, a alteração da redação deste artigo pela lei 11.382 não afetou o sentido das duas primeiras hipóteses. Entretanto, não restringiu as matérias que podem ser alegadas nos embargos apenas às dispostas no artigo 741, tal qual era visto com a redação anterior (artigo 739, inciso I). Recebidos os embargos, o exequente será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias, caso em que o juiz julgará de imediato o pedido ou designará audiência de conciliação, instrução e julgamento (artigo 740).

 

Outra importante alteração diz respeito à concessão de efeito suspensivo aos embargos. Anteriormente à Lei 11.382, os embargos eram sempre recebidos com efeito suspensivo. Isto quer dizer que, uma vez concedido tal efeito, não poderiam ser realizados os atos de expropriação dos bens já penhorados, tornando-os dependentes do julgamento daqueles. Atualmente, e visando atingir a efetividade do processo executivo, “Os embargos do executado não terão efeito suspensivo” (BRASIL, 2008-a, p. 318), conforme dispõe o artigo 739-A. Entretanto, o juiz poderá conceder tal efeito quando o embargante apresentar relevantes fundamentos, comprovando que o prosseguimento da execução poderá causar manifestamente grave dano de difícil ou incerta reparação ao executado. Outro requisito para a concessão do efeito suspensivo, e não para o oferecimento de embargos, é a prévia realização da penhora, depósito ou caução suficientes para assegurar a satisfação da execução. Percebe-se com tal mudança, que o executado, apesar de não mais ter seu direito de opor embargos à execução restringido pela realização da penhora, o terá, de certa forma, quando pleitear o efeito suspensivo. É possível deduzir que nas situações que preencham os requisitos para a concessão do efeito suspensivo, o juiz deverá fazê-lo tratando-se não de uma faculdade, mas de um poder-dever. Entretanto, a Lei 11.382 nada menciona sobre este aspecto, fazendo com que os legitimados ao oferecimento dos embargos dependam da avaliação do juiz.

 

Promover uma execução de um título extrajudicial, no qual a existência do direito do credor não é absoluta, sem a concessão imediata de efeito suspensivo aos embargos, é fazer com que o embargante arrisque a propriedade de seus bens durante uma expropriação que pode, inclusive, não ser legítima, vez que “Negada a existência do direito pelo julgamento dos embargos do executado, veda-se a satisfação do suposto direito.” (MARINONI, 2007, p. 421). De fato, na pendência de embargos sem o efeito suspensivo, poderão ocorrer normalmente os atos de expropriação, que visam transferir a propriedade do devedor para o credor, ressalvado o usufruto. Entretanto, na hipótese de os embargos fundamentados na inexistência do débito serem julgados procedentes após a transferência supramencionada, não seria possível, a princípio, desfazer a expropriação, haja vista a defesa dos direitos do terceiro de boa fé. Nesta situação, poder-se-ia obrigar o credor a indenizar o devedor, mas e na impossibilidade de ele o fazer? Tal questionamento também é estendido à inovação da lei 11.382, presente no artigo 587. Trata-se da possibilidade de se realizar execução provisória dos títulos extrajudiciais, quando for interposta apelação de improcedência dos embargos do executado, recebidos com efeito suspensivo. Neste caso, mesmo com a concessão de tal efeito será permitido ao credor requerer o prosseguimento da execução, consequentemente, dos atos de expropriação. Ocorre que a lei 11.382 não faz menção à necessidade de o credor prestar caução idônea para resguardar o apelante da possível procedência da decisão relativa à inexistência do débito sobre o qual se funda a execução, tal qual ocorre no artigo 475-M, parágrafo primeiro, incluído pela lei 11.232, de 2005:

 

[…]

 

§ 1º Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (BRASIL, 2008-a, p. 303).

 

Observa-se, portanto, que neste ponto da lei 11.382 o princípio do menor sacrifício do devedor foi prejudicado pela busca incansável da máxima satisfação e da efetividade da execução. Entretanto, é preciso que os sujeitos de direito avaliem até que ponto a efetividade deve ser sobreposta aos demais princípios existentes no Estado Democrático de Direito. Além disto, não se poderia falar em segurança jurídica em uma prestação jurisdicional que não respeita sequer o exercício pleno do direito de defesa do embargante. Os sujeitos de direitos devem se atentar para o fato de que o processo, em todas as suas espécies, é um instrumento de efetivação dos direitos e garantias legalmente previstos e não apenas o meio pelo qual o Estado coíbe os cidadãos a realizarem forçosamente as disposições legais.

 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Direito, assim como toda ciência social, deve sempre atentar para a evolução do comportamento, dos costumes e da base ideológica dos indivíduos. Sendo um meio de organização societária, ele deve buscar constantemente realizar as atualizações necessárias à proteção dos princípios, direitos e garantias que visam resguardar os sujeitos de direito e legitimar as ações do Estado no exercício de suas funções. Para isto, os próprios cidadãos, profissionais ou não da área jurídica, devem pressionar seus representantes para que reformem as diversas ramificações do direito, sobretudo o processo. Este, ao contrário do que ainda é transmitido pelos teóricos do direito à comunidade, em especial aos futuros advogados, promotores, defensores e juízes, não é um simples instrumento da realização da vontade pública. Ele é o meio com o qual, sobretudo após a elaboração da Constituição de 1988, os sujeitos de direito participam da construção e da reforma das normas por eles mesmos impostas. É um instrumento de efetivação de direitos e garantias, e como tal, deve estar em sintonia com a alteração dos valores da sociedade ocorrida ao longo do tempo.

 

As alterações processuais iniciaram-se no processo de conhecimento para possibilitar aos indivíduos um efetivo debate acerca da existência do direito questionado. Entretanto, não basta, no atual Estado Democrático de Direito, que a função judiciária apenas declare a existência dos direitos, pois a própria Constituição garante aos cidadãos a realização destes. Não basta elencar e positivar um rol de direitos e garantias individuais se os mesmos sofrem constantes limitações pela esfera pública e pela minoria que detém força econômica e política. De fato, é preciso questionar a aplicabilidade dos princípios constitucionais na atual estrutura do Judiciário, pois a eficácia das limitações constitucionais ao exercício da função pública e à realização das ações privadas depende de um acesso simplificado ao processo, objetivo que pode ser alcançado.

 

A antecipação de tutela, a simplificação e a eficiência da estrutura dos agravos de instrumento, a previsão específica para as obrigações de fazer e não fazer assegurando seu cumprimento são alguns dos exemplos das melhorias no processo que o tornaram mais eficiente. Recentemente realizou-se a união da fase cognitiva com a fase executiva através da lei 11.232, de 2005, proporcionando um significativo avanço para a simplificação do processo de conhecimento e para a realização da prestação jurisdicional em um prazo razoável. A referida lei expressou claramente a tendência sincretista do processo brasileiro que já vinha sendo atingida gradativamente desde 1994, com a tutela antecipatória.

 

As alterações no processo de conhecimento foram acompanhadas pelo processo de execução, que possuía natureza meramente satisfativa, sendo o meio pelo qual o Estado impunha ao executado o dever de cumprir a obrigação inadimplida. Tornou-se necessário alterar tal procedimento para enquadrá-lo nos princípios, direitos e garantias consolidados com o Estado Democrático de Direito, sobretudo no que diz respeito ao tratamento processual dispensado ao executado. A vigência da lei 11.382, de 2006 resultou em melhorias no processo de execução dos títulos extrajudiciais, sobretudo no que tange à expropriação de bens do devedor e ao oferecimento de embargos à execução.

 

Entretanto, um dos temas que merecem maior cautela por parte dos sujeitos de direito diz respeito à busca pela efetividade de direitos e garantias, sejam individuais ou coletivos. De fato, atingir uma prestação jurisdicional eficiente e efetiva requer a cautela dos sujeitos de direito para que estas não sejam conquistadas em prejuízo da ampla defesa, do contraditório, em especial, da segurança jurídica. Não se discute a necessidade de os cidadãos contarem com uma função judiciária que lhes proporcione o gozo de seus direitos e a punição aos que desrespeitarem a esfera de liberdade do seu semelhante. Entretanto, tão importante quanto efetivar direitos e garantias é garantir que os meios utilizados para tanto sejam igualmente democráticos e legítimos. De nada adiantará para a concretização da democracia participativa e efetiva no Brasil se o processo, principal instrumento para atingí-la, inobservar os preceitos constitucionais. Por isto, aos sujeitos de direitos, principalmente aos profissionais da área, cabe a tarefa de analisar se a aplicabilidade das alterações realizadas no sistema jurídico comunga com as proteções constitucionais da ampla defesa, simétrica paridade, contraditório, dentre outras, seja em qualquer das espécies de processo, seja em procedimentos específicos.

 

Verifica-se que se por um lado a lei 11.382, de 2006, facilitou e proporcionou uma prestação executiva mais célere e eficiente, por outro, implementou medidas que restringiram, de certa forma, o exercício dos direitos do devedor à ampla defesa e ao menor sacrifício. De fato, a inversão na ordem dos procedimentos expropriatórios, a penhora on-line, a nomeação de bens pelo credor, as facilidades no pagamento dos bens arrematados, a atualização na ordem de preferência dos bens a serem penhorados demonstram a ênfase no princípio da máxima satisfação da execução e na efetividade do processo executivo.

 

Em contrapartida, a alteração na regra da concessão do efeito suspensivo nos embargos, a possibilidade de o credor realizar execução provisória sem prestar a respectiva caução para assegurar o devedor, a alteração na nomeação de bens para a efetivação da penhora poderão levar o devedor a participar de uma execução injusta, com maior freqüência. A continuidade da execução dos títulos extrajudiciais, mesmo na pendência de recurso de apelação da sentença que julgar os embargos do devedor, não ocasionaria uma eventual expropriação injusta, caso fosse exigida do exeqüente caução suficiente para a segurança do juízo, tal qual o é no procedimento do cumprimento de sentença (Art. 475-M, parágrafo primeiro do Código de Processo Civil). De fato, poder-se-ia imaginar qual seria a obrigação do credor em relação ao devedor, na hipótese de os embargos, que discutam a própria existência do crédito, sejam julgados procedentes após a efetivação dos atos de expropriação? Caberia ao credor devolver ao executado a quantia perdida, sem dúvida. Entretanto, não seria razoável nem eficaz atribuir algum ônus àquele por ter procedido com a execução provisória, cujo direito é garantido pelo próprio Código de Processo Civil. Além disto, se ao terceiro de boa fé for imputada a obrigação de devolver ao executado a propriedade dos bens adquiridos durante a expropriação, respeitar-se-ia a segurança jurídica?

 

Com isto, é preciso questionar se as possíveis implicações de algumas medidas implementadas pela lei 11.382, a longo prazo, acarretarão efetivamente a celeridade e a eficácia ao processo de execução ou se, ao contrário, poderão inobservar os princípios constitucionais e processuais bem como afetar a segurança jurídica. Não se pode negar que a lei 11.382, de 2006, também ampliou o exercício de direitos e garantias do devedor que o resguardam na tramitação da ação executiva. A ampliação do prazo para pagamento, bem como as facilidades e os benefícios para a realização deste, a inexigibilidade de caução para a propositura dos embargos, a inversão da ordem expropriatória, diminuindo as chances da arrematação do bem por um valor muito inferior ao da avaliação acentuaram o cumprimento do princípio do menor sacrifício do devedor, dentre outros.

 

É preciso deixar claro aos sujeitos de direito que o processo de execução não pode mais ser meio de transmissão de riquezas, sem que haja, para tanto, o mínimo de garantias a ambas as partes. Conciliar celeridade e efetividade com os princípios constitucionais não é, de fato, tarefa fácil, tampouco rápida de ser obtida, mas é estritamente necessária à evolução democrática do sistema jurídico de um Estado. Para que o equilíbrio seja realmente atingido, é necessário o esforço e a participação de todos os sujeitos de direito, haja vista que não se pode deixar a defesa dos direitos e garantias individuais, conquistados com inúmeras lutas sociais, sob a responsabilidade apenas dos seus representantes. Especialmente dos grupos que exercem influência política e econômica sobre a sociedade, pois a efetivação de um Estado verdadeiramente democrático e de direito contraria, normalmente, os interesses daqueles.

 

É fundamental que os profissionais do Direito modifiquem sua concepção sobre a função do próprio Direito bem como do processo após a edição da Constituição de 1988. É preciso que os teóricos, juízes, promotores, desembargadores e ministros compreendam que o exercício de suas funções deve ocorrer com a participação direta dos cidadãos, pois resultará na construção de novas diretrizes para a interpretação e aplicação do sistema jurídico como um todo. Além disto, eles devem compreender que a função judiciária não pode, em hipótese alguma, realizar-se “a toque de caixa”, ou seja, desrespeitando os direitos dos jurisdicionados simplesmente para atingir a celeridade processual. Se a Administração Pública não consegue equilibrar o número de funcionários públicos com o aumento do número de ações judiciais propostas, não pode o ônus da má qualidade da prestação do serviço judicial ser transferido aos sujeitos de direito, acarretando-lhes prejuízos eventualmente irreversíveis. Impor aos juízes, promotores e defensores públicos a obrigação de assumir quantidade desumana de processos, cobrando-lhes a respectiva decisão ou parecer em tempo mínimo, diminui as chances da realização de um diálogo efetivo entre as partes, contrariando a própria democracia.

 

 

6. REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código de processo civil (1973). Código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Rideel, 2005.

 

BRASIL. Código de processo civil (1973). Código de processo civil. 6ª ed. São Paulo: Rideel, 2008-a.

 

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* Bacharela em Direito pela PUC-Minas. Unidade de São Gabriel. Recém aprovada na OAB pelo exame de Dez/08



[1] O princípio do dispositivo pode ser entendido como a atribuição exclusiva das partes de produzirem as provas necessárias à instrução do processo. Atualmente, tal princípio encontra-se mitigado no sistema processual brasileiro, pois ao juiz foi dada a possibilidade de determinar a realização de tais provas, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, conforme o artigo 130 do Código de Processo Civil.

[2] A teoria do positivismo jurídico, que tem como um dos principais expoentes o jurista e teórico Hans Kelsen, nasceu na Alemanha e preconiza que o Direito é um sistema hermético, livre das interpretações e juízos de valor do julgador bem como da influência dos fatores humanos externos, tais como a história, política, cultura. A aplicação das leis é pura e imediata, sendo o julgador apenas um tradutor da vontade da norma.

 

[3] Sobre o tema, vide: JORGE FARHAT, Clarisse S.; FIGUEIREDO MORAIS, Jonathas V. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis à luz da teoria da decisão judicial de Ronald Dworkin. Disponível em: <http:// www. ecsbdefesa.com.br .> Acesso em 28 Setembro 2008.

 

[4] A efetividade pode ser entendida como a necessidade de os cidadãos terem acesso a um processo capaz de proporcionar às partes a tutela jurisdicional que almejam, dentro de um prazo definido na Constituição de 1988 como “razoável”. A efetividade também representa a estruturação do processo com os procedimentos e o aparato administrativo necessários à plena satisfação do direito, pois declarar a existência de um direito sem proporcionar os meios de usufruí-lo, é negar aos jurisdicionados o próprio direito.

[5] Sobre o tema, vide: SOARES, Natália Lourenço. Uma relação entre o tipo ideal de legislação de jeremy waldron e o juiz – modelo hércules de ronald dworkin. Disponível em: <http:// www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/recife/politica_natalia_soares .> Acesso em 29 Novembro 2008.

[6] É preciso ressaltar que a dispensa da representação técnica dos jurisdicionados nos Juizados Especiais Estaduais e Federais, nas ações de até vinte salários mínimos naqueles e independente de valor nestes, conforme dispõe os artigos 9º e 10 das leis 9.099/95 e 10.259/01, respectivamente, deve ser analisada sob dois aspectos principais. O primeiro destes diz respeito à intenção do legislador brasileiro em facilitar o acesso ao judiciário dos cidadãos que não possuem condições financeiras para contratarem advogados particulares. Contando apenas, e em algumas situações, com os defensores públicos disponíveis na comarca. Entretanto, o segundo aspecto merece atenção dos agentes do direito, sobretudo dos julgadores, pois a ausência de atuação técnica de um advogado em um processo leva os cidadãos, na maioria das situações, à defenderem-se de forma precária no cumprimento dos atos procedimentais. Portanto, é necessária cautela por parte dos agentes do direito no que tange aos princípios da Oralidade e da Simplicidade, pois ao lado destes, devem estar a ampla defesa, o contraditório e a igualdade de condições entre as partes.

[7] O termo “efetividade” foi utilizado no sentido de plena satisfação do processo de conhecimento e do de execução, visto que a função precípua do processo cautelar é garantir a realização dos atos procedimentais daqueles diante de qualquer manifestação das partes que vise obstruir a obtenção da prestação jurisdicional.

 

[8] O princípio do menor sacrifício ao devedor foi uma das inovações mais significativas do processo de execução, sobretudo no que diz respeito à proteção do executado, pois visa assegurar que, para a satisfação da obrigação, sejam adotados os meios menos gravosos ao devedor. Assim, se no ato da expropriação dos bens deste, o oficial de justiça puder optar entre um que seja de menor relevância para o executado e outro de maior relevância, tendo ambos a mesma eficácia para a garantia do juízo, deverá penhorar o primeiro, sob pena de substituição. Respeita-se, assim, o princípio da dignidade humana, com o qual não poderá o devedor sujeitar-se a uma situação de miserabilidade para que a obrigação seja satisfeita.

[9] Dispõe o artigo 591 do Código de Processo Civil que “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.” (BRASIL, 2008, p. 310). Demonstra-se, com isto, a responsabilidade objetiva do devedor, que independentemente de culpa e demonstrada a existência do crédito, responde para a satisfação da execução com seu patrimônio, ainda que futuro.

 

[10] Sobre o tema das ações rescisórias, vide: OLIVEIRA, Allan Helber de; VILELA. Marcelo Dias Gonçalves. Processo civil, 1: processo de conhecimento. São Paulo: Saraiva, 2005. 313 p.

[11] A alteração nos efeitos das impugnações (cumprimento de sentença) e dos embargos do devedor (execuções autônomas por quantia certa) será avaliada no capítulo 3.

[12] Segundo o Princípio da Máxima Utilidade da Execução, o patrimônio do devedor, ressalvadas as exceções, responde com a total satisfação do crédito executado. Já o artigo 5º, inciso LXXVIII dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (BRASIL, 2008-b, p. 39).

[13] “Não existe, no sistema atual, o usufruto de empresa, anteriormente previsto. Agora, somente os bens poderão ser objeto de usufruto, o que se justifica em razão da possibilidade de alienação de empresa e pela permissão expressa de penhora e alienação do seu faturamento e dos seus bens.” (MARINONI, 2007, p. 326).

Como citar e referenciar este artigo:
MENEZES, Danielle de Almeida. As alterações quanto às execuções de Títulos Executivos Extrajudiciais relativas à expropriação de bens do devedor e à oposição de embargos, advindas com a Lei 11.382/06, face aos princípios constitucionais do processo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/obras/monografias/as-alteracoes-quanto-as-execucoes-de-titulos-executivos-extrajudiciais-relativas-a-expropriacao-de-bens-do-devedor-e-a-oposicao-de-embargos-advindas-com-a-lei-1138206-face-aos-principios-constituciona/ Acesso em: 28 mar. 2024