TSE

Informativo nº 31 do TSE – Ano XII – Parte II

DESTAQUE

Recurso Especial
Eleitoral nº 28.746/GO

Relator: Ministro Marcelo Ribeiro

REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO
ACIMA DO LIMITE LEGAL. ILICITUDE DA REQUISIÇÃO, FEITA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO,
DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL, NA QUAL SE SOLICITOU O VALOR DO FATURAMENTO DA
EMPRESA. ADMISSÃO DE REQUISIÇÃO QUE INDAGUE SOMENTE SE A DOAÇÃO REALIZADA SE
ENCONTRA DENTRO DOS LIMITES DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Acordam os ministros do
Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em prover o recurso, nos termos das
notas de julgamento.

Brasília, 29 de abril de
2010.

MARCELO RIBEIRO – RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR
MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor Presidente, Hidrobombas Comércio e
Representações Ltda. interpôs agravo de instrumento (fls. 2-25) contra despacho
do presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE/GO), que negou
seguimento ao seu recurso especial (fls. 107-111).

Em
19.6.2008 dei provimento ao agravo de instrumento para melhor exame do recurso
especial (fls. 147-149), que foi interposto contra acórdão proferido pelo
TRE/GO, assim ementado (fls. 54-55):

Representação
Eleitoral. Pessoa Jurídica. Preliminar de Intempestividade. Ilegitimidade
passiva. Cerceamento de defesa. Impossibilidade jurídica do pedido.
Preliminares rejeitadas. Doação excedente. Limite 2%. Faturamento bruto.
Ocorrência. Representação julgada procedente. Aplicação multa. Proibição
contratar com Poder Público.

1.
Segundo recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral inexiste prazo para a
propositura de Representação Eleitoral prevista no artigo 96, § 5º, da Lei
9.504/97, (Respe 21.199).

2.
Pessoa jurídica que faça doação à campanhas de vários candidatos em valor
excedente ao limite previsto no artigo 81, § 1º, da Lei 9.504/97, é parte
legítima para figurar no pólo passivo da representação, uma vez que será a
única a arcar com as sanções ali previstas.

3.
Não há cerceamento de defesa quando o rito previsto em lei é plenamente
observado.

4.
Não há impossibilidade jurídica de pedido na cumulação de aplicação de multa e
de proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de cinco anos, a
pessoa jurídica, no âmbito da mesma representação, sujeita ao mesmo rito
procedimental, por se tratarem de sanções de aplicação cumulada, previstas no
artigo 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 (Precedentes: TER-ES, RES 24 – TRE-MT,
AC. 14.600).

5.
O limite de 2% para doações feitas por pessoas jurídicas, previsto no artigo
81, § 1º, da Lei 9.504/97, objetiva assegurar a saúde financeira da empresa,
por isso mesmo refere-se ao montante doado durante toda a campanha política,
não importando se o excesso é decorrente de doações feitas a um ou mais
candidatos.

6.
Constatada a doação em excesso, deve-se aplicar a multa prevista no § 2o,
do artigo 81, da Lei 9.504/97, bem como a proibição de contratar com o Poder
Público, consoante § 3o, do mesmo artigo.

7.
Representação julgada procedente.

Os
embargos de declaração opostos a essa decisão foram rejeitados. Reproduzo a
ementa do julgado (fls. 89-90):

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRINCÍPIOS. ISONOMIA.
DEVIDO PROCESSO LEGAL. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. NULIDADE ABSOLUTA.
PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS.

1. Não fere o princípio da isonomia, por si só, a existência de
prazos distintos para prescrição/decadência e para o oferecimento de defesa.

2. Não há que se falar em ofensa ao princípio do devido processo
legal quando o rito seguido é o previsto em Lei.

3. As sanções previstas no art. 81, §§ 2o e 3o,
são cumulativas, não havendo qualquer afronta ao princípio do devido processo
legal;

4. A aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade não
podem significar inovação no ordenamento legal, o que é vedado ao magistrado
que se assim agir afronta o princípio da reserva legal (nulla poena sine
praevia lege
).

5. O Ministério Público, no desempenho de suas funções, pode
requisitar informações com a finalidade de instruir processos de sua
competência.

6. Informação prestada pela Receita Federal consignando, de forma
bastante sucinta, o limite de rendimento declarado por determinado doador não
configura quebra de sigilo fiscal, não sendo, portanto, predita informação
prova ilícita.

7. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade no acórdão.

8. Embargos Declaratórios conhecidos e rejeitados.

A
recorrente suscita a nulidade do processo em face da quebra do sigilo fiscal
ilegalmente obtida pelo Ministério Público Eleitoral, com violação ao art. 5o,
X e XII, da Constituição Federal1,
haja vista que o Parquet oficiou diretamente a Secretaria da Receita Federal
em Goiás para obter informação relativa ao faturamento bruto declarado pela
empresa, sem a imprescindível e prévia ordem judicial.

Aduz que
“o legislador constitucional não excepcionou garantias individuais para o
exercício dessa fiscalização, razão pela qual, com muito maior razão, há que se
exigir autorização judicial, fundamentada, para controle da legalidade do
excepcional acesso aos dados das pessoas” (fl. 96).

Apresenta
dissídio jurisprudencial.

Aponta violação ao princípio da isonomia, previsto nos
arts. 5o, caput, da CF2 e 125, I, do CPC3, que
assegura as mesmas oportunidades para as partes, devendo, portanto, aplicar-se
o prazo de 48h para a propositura da representação prevista no art. 96, § 5o,
que é o mesmo prazo para apresentação da defesa.

Argumenta
que “tendo em vista que esta egrégia Casa Guardiã da Lei já se posicionou no
sentido de que o prazo para o ajuizamento de representação eleitoral de
propaganda eleitoral deve ser igual ao prazo para a defesa, insta uniformizar
tal posicionamento” (fl. 99).

Suscita
violação ao princípio do devido processo legal e aos arts. 81 da Lei nº
9.504/97 e 5o, LV, da CF4,
aduzindo que (fl. 99)

[…] tendo em
vista a natureza jurídica das sanções aplicadas pelo órgão julgador a quo,
quais sejam, suspensão do direito de realizar contratos com órgãos públicos e
multa, a representação ora em sua fase recursal deveria ter seguido o prazo de 7 dias previsto na Lei Complementar nº
64/90, art. 22, e não o acanhado e draconiano tempo de 24 horas.

Sustenta
que as penalidades não poderiam ter sido aplicadas cumulativamente, no mesmo
processo, e que a “proibição de contratar com o Poder Público é pena que deve
ser aplicada, quando cabível, em sede de ação proposta e seguida nos termos da
Lei Complementar nº 64/90, e jamais em mera representação de rito simplório
previsto na Lei Geral das Eleições, art. 96” (fl. 101).

No
mérito, alega que o limite previsto nos arts. 81 da Lei nº 9.504/97 e 14, II,
da Res.-TSE nº 22.250/20065,
diz respeito à doação feita a apenas um candidato, não se aplicando à hipótese
vertente, porquanto a recorrente realizou doações a quatro candidatos
distintos.

Afirma
que houve equívoco contábil devidamente atestado com documentação fiscal e
declaração do contador da agravante, demonstrando-se que a verdadeira
responsável pela doação de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) foi a empresa
Sanefer – Indústria, Comercio e Construções Ltda., do mesmo grupo da
recorrente, e que esta não pode ser apenada tão gravemente em virtude de mero
erro contábil, infringindo-se, destarte, os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade.

Informa
que os dados apresentados pelo MPE divergem dos contidos na Declaração de
Imposto de Renda da recorrente, que traz como valor permitido para doação a
quantia de R$ 421.740,69 (quatrocentos e vinte e um mil e setecentos e quarenta
reais e sessenta e nove centavos), que corresponde a 2% (dois por cento) do seu
faturamento bruto, que foi de R$ 21.087.034,76 (vinte e um milhões, oitenta e
sete mil e trinta e quatro reais e setenta e seis centavos).

O MPE
apresentou contrarrazões ao recurso especial (fls. 152-159).

Assevera
que o direito à intimidade não é absoluto e “cede ante o interesse do Estado,
público e maior, de se apurar eventuais ilícitos penais” (fl. 156).

Alega que a requisição de documentos pelo MP à Receita
Federal está amparada pelos arts. 198 do Código Tributário Nacional6 e 8o, § 2o,
da LC nº 75/937, que
“obriga a autoridade fiscal, nas solicitações do Ministério Público, a
compartilhar com ela informações que detém em razão do ofício, sem, contudo,
deixar de resguardar o sigilo dessas informações” (fl. 156).

Sustenta
que não houve ofensa ao princípio da isonomia processual, pois não há prazo
legal para ajuizamento da representação prevista no art. 81 da Lei nº 9.504/97,
não podendo esta ser comparada com a representação baseada em propaganda
eleitoral ilícita.

Argumenta
que o próprio dispositivo legal prevê a possibilidade de cumulação das
penalidades e que o rito para apuração de infrações aos dispositivos da Lei nº
9.504/97 é o previsto no art. 96 do referido diploma.

Em 22 de
novembro de 2007 deferi liminar na Medida Cautelar nº 2.262, suspendendo a
execução do acórdão recorrido até o julgamento final deste recurso.

É o
relatório.

VOTO (preliminares)

O SENHOR
MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Senhor Presidente, não há como examinar a
alegação de que o prazo para o ajuizamento da representação seria o previsto no
§ 5º do art. 96 da Lei nº 9.504/978, ou seja, de 48 horas, porquanto a recorrente não
indica qual seria o dies a quo do
prazo sugerido.

O
precedente mencionado na peça recursal – Rp nº 443/DF9 – não se aplica ao caso dos autos, pois diz respeito
ao prazo de ajuizamento de representações por invasão de propaganda eleitoral
no horário gratuito.

Por outro
lado, a adoção de prazos distintos para o ajuizamento da representação e para a
contestação não constitui ofensa ao princípio da isonomia. Fosse assim, os
prazos relativos à prescrição e decadência deveriam sempre guardar paridade com
os referentes à apresentação de defesa, o que, todavia, não ocorre.

Quanto às
suscitadas violações ao princípio do devido processo legal e aos arts. 81 da
Lei nº 9.504/97 e 5o, LV, da CF, também não assiste razão à
recorrente. A uma, porque a simples referência à exiguidade dos prazos não
autoriza a declaração de nulidade processual. A duas, porque o órgão regional
consignou que “não foi sequer solicitada pela representada qualquer produção de
prova” (fl. 67).

É assente
a jurisprudência desta Corte no sentido de que não se declara nulidade sem a
demonstração de efetivo prejuízo10.

No
tocante à duplicidade de sanções – cominação de multa e proibição de celebrar
contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos – a cumulação decorre
expressamente da norma prevista no art. 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97, in verbis:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas
jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos
comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata
este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano
anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado
neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco
a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo
anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará
sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar
contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da
Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Não
vislumbro, portanto, a apontada violação legal.

Também
não procede a alegação relativa à adoção do rito previsto na LC nº 64/90, haja
vista que os ilícitos previstos na Lei nº 9.504/97 seguem o procedimento do
art. 96 do mesmo diploma legal11,
não havendo, in casu, previsão em
sentido contrário.

Em relação à aventada quebra do sigilo fiscal,
verifico que a recorrente, no agravo de instrumento convertido neste recurso
especial, deixou de juntar o inteiro teor do acórdão dos embargos de declaração
que opôs.

Embora não tenha havido recurso contra a decisão
de conversão referida, o fato é que a ausência do corpo da decisão referente
aos declaratórios impediria, ao menos, o exame da matéria referente à suposta
quebra do sigilo fiscal da empresa pelo Ministério Público.

É que esse tema foi suscitado, pela primeira
vez, exatamente nos embargos de declaração.

De todo modo, verifico que
consta dos autos a ementa do acórdão dos embargos, na qual a questão da quebra
do sigilo é tratada de modo bastante expressivo, o que permite, no caso, a
compreensão da controvérsia. Tenho, assim, que há elementos suficientes para a
apreciação da matéria.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, não estou conhecendo desse assunto neste processo. Contudo,
se a Corte entender que é suficiente – há uma ementa; posso lê-la. A ementa –
no ponto – diz o seguinte:

“5. O
Ministério Público, no desempenho de suas funções, pode requisitar informações
com a finalidade de instruir processos de sua competência.

6. Informação
prestada pela Receita Federal consignando, de forma bastante sucinta, o limite
de rendimento declarado por determinado doador não configura quebra do sigilo
fiscal, não sendo, portanto, predita informação prova ilícita”.

O que está nos autos de decisão do Tribunal a quo é o que está posto nesse trecho.
De uma maneira mais liberal, pode-se dizer que a tese está posta. Está-se
dizendo que a informação prestada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil,
consignando, de forma bastante sucinta, o limite de rendimento declarado, não
configura quebra de sigilo fiscal.

Isso já é o mérito. Não sei se o Tribunal
aceitará examinar esta questão, neste caso. Pela questão processual, entendo
que se deveria juntar uma cópia integral dos embargos de declaração no agravo.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): A
empresa doadora de recursos para a campanha eleitoral se expõe, naturalmente,
ao conhecimento de seu faturamento bruto, porque não há outro meio de aferir.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Só
se pode chegar a isso, se ultrapassada a questão processual.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Sim. Mas pela ementa de Vossa Excelência, a tese é essa.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Sim, a ementa é expressiva. Talvez, possamos adotar entendimento mais liberal e
examinar a questão.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor
Presidente, por que não convertemos em diligência para requisitar cópia do acórdão?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Não
podemos, por ser recurso especial.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Penso,
Senhor Presidente, que a questão da má formação do agravo ficou superada.

Quando se deu provimento ao agravo, a questão da
falha de sua formação ficou superada. De duas uma: ou o relator mandava
converter em recurso especial, que foi o caso, ou mandava subir os autos
principais, e não estaríamos aqui revendo a questão.

Não podemos, agora, rever esta questão. Desde
que o agravo foi provido, a falha ficou preclusa. Se o Tribunal, agora, depara
com essa questão de que não se pode conhecer do recurso especial por falta de
peças, porque o agravo foi indevidamente provido…

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Não
se trata de falta de peças – está aí a delicadeza deste assunto –; o problema é
a variedade de temas no recurso. E sobre todos eles há elementos nos autos.

Em relação a esse tema, como foi suscitado
posteriormente, em sede de embargos de declaração, foi trazida a ementa, mas
não o voto.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: E isso não
configura falta de peças?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Ocorre que o Ministério Público Eleitoral poderia ter recorrido da decisão em
que converti o agravo de instrumento em recurso especial, porque a
jurisprudência admite a recorribilidade quando há defeito no próprio agravo –
poderia ter recorrido, mas não o fez.

Contudo, isso não resolve inteiramente o
problema, caso o Tribunal entenda que a ementa não seja suficiente. Lendo a
ementa, penso que é suficiente.

Porém, se o Tribunal entender que não é
suficiente a ementa, de duas uma: ou determina que subam os autos principais,
ou, então, não admite conhecer da matéria, porque, nestes autos, não há os
elementos necessários para tanto.

Mas, depois de ler a ementa, penso que a tese
está posta. E o que o advogado sustentou da tribuna foi exatamente isto: que
configuraria quebra de sigilo requisitar diretamente essa informação sem
autorização judicial.

O Tribunal a
quo
entendeu não configurada quebra de sigilo em razão de a informação ser
muito limitada, bastante sucinta, informando apenas o faturamento bruto da
empresa, para que se pudesse fazer controle à observância do limite legal de
doação.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Ou
é quebra imprópria de sigilo.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, até tenderia a examinar o feito tal como instruído. Contudo,
se a Corte quiser, também, determinar a subida dos autos principais para ver o
agravo, não tenho grandes objeções.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): A
tese está posta e exposta com clareza.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, estou reformulando meu voto. Entendo que, apesar de não
constar o inteiro teor do acórdão, o que há nos autos é suficiente para o exame
do tema. Estou, pois, superando a questão e passo ao exame do mérito, se o
Tribunal estiver de acordo.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Vossa Excelência supera, então, a questão puramente formal e enfrenta de logo o
mérito.

VOTO (mérito)

O SENHOR MINISTRO MARCELO
RIBEIRO (relator): Senhor Presidente, superada essa questão processual, o tema
diz com a possibilidade de o Ministério Público requisitar diretamente à
Receita Federal dados referentes aos rendimentos anuais de contribuintes, tendo
em vista o disposto na lei eleitoral, que estabelece o limite de doações para
campanhas eleitorais na ordem de 10% (dez por cento) para pessoa física e de 2%
(dois por cento) para pessoa jurídica.

É certo que a garantia constitucional da
intimidade e da vida privada do cidadão, na qual se insere o sigilo fiscal,
somente pode ser mitigada em caso de interesse público relevante e de suspeita
razoável de infração à lei, devendo ser precedida de decisão judicial
devidamente fundamentada. Essa é a regra geral, conforme entendimento do
Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, no que concerne ao direito
eleitoral, entendo que a regra geral mereça tratamento ponderado, tendo em
vista as peculiaridades desse ramo do direito que prestigia, em sua essência, o
interesse da coletividade, e, em especial, a moralidade pública.

Ressalte-se que são públicos os processos
relativos a registros de candidatos e de prestação de contas, podendo ser as
declarações de bens e os dados relativos às contas dos candidatos livremente
consultados por qualquer cidadão.

Nesse contexto, entendo que àquelas pessoas,
físicas ou jurídicas, que resolvam fazer doações para campanha eleitoral, deva
ser aplicado princípio semelhante, tendo em vista o interesse público
envolvido, principalmente na lisura do processo eleitoral.

Quem faz doação para campanha política deve, a
meu ver, submeter-se a ter revelada, sem maiores complicações, sua receita,
para aferição do cumprimento da norma legal.

Vale transcrever as ponderações do Parquet, aventadas no Agravo Regimental
no Recurso Especial nº 28.218, rel. Min. Joaquim Barbosa, a cujos fundamentos
me filio (fl. 227):

A questão em análise deve ser tratada com maior
cuidado por estar sob a óptica do Direito Eleitoral. A Lei 9.504/97 (arts. 23 e
81) é clara ao disciplinar que as pessoas físicas e jurídicas só poderão fazer
doações até o limite de 10% de seus rendimentos e 2% de seus faturamentos
respectivamente. Implicitamente, há um dever de quem doa de demonstrar a
legalidade da doação.

Qual seria o
sentido do limite imposto pela norma se não for possível a verificação dos
dados fiscais daqueles que fazem doação? Seria necessário recorrer ao
judiciário requerendo a quebra de sigilo fiscal de todas as pessoas que fizeram
doações? Refletindo sobre a disciplina da Lei 9.504/97, vê-se que as pessoas
físicas e jurídicas quando decidem contribuir financeiramente nas campanhas
eleitorais deveriam estar cientes de que resolveram também abrir mão do sigilo
em torno de seus dados fiscais, uma vez que devem demonstrar que não doaram
acima dos limites permitidos. Ao se entender de forma diversa, estaríamos
esvaziando a norma, numa espécie de burla à lei, possibilitando que doações
fossem feitas sem a observância de qualquer limite.

Creio, portanto, ser lícito ao Ministério
Público requisitar diretamente à Receita Federal os dados relativos somente aos
valores dos rendimentos brutos dos doadores, para subsidiar a representação de
que trata os arts. 23 e 81 da Lei nº 9.504/97.

Entendo que tal procedimento não configura
quebra de sigilo fiscal, tendo em conta que os dados a serem fornecidos deverão
ser apenas dos valores brutos recebidos pelo contribuinte no ano anterior ao
pleito, sem a individualização dos bens ou das demais informações acerca do
patrimônio do doador.

Dessa forma, entendo pela licitude da prova
apresentada pelo Ministério Público.

ESCLARECIMENTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Ministro
Marcelo Ribeiro, Vossa Excelência está afastando de pronto a ilicitude (que foi
objeto principal da peroração do procurador-geral eleitoral), ou seja, houve
licitude no comportamento porque, como assentado por Vossa Excelência, o
Ministério Público pode fiscalizar a empresa, na linha do que ele disse.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Limitado a essa informação. Não quero expor entendimento diferente do que tem
estabelecido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação à quebra
de sigilo.

Não penso que o Ministério Público pode, por
exemplo, apurar sonegação ou outra coisa, e requerer à Receita Federal que
encaminhe as declarações de renda da pessoa. Estou dizendo que, no caso
específico, como a lei prevê esse limite, ele pode requerer esta informação
exclusiva: qual foi o faturamento da empresa

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Para saber se a lei foi cumprida.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Até
porque, com essa informação, o Ministério Público somente poderá verificar a
observância do limite de doação previsto na legislação eleitoral – tal
informação é insuficiente para apurar crimes tributários ou violação a outros
dispositivos legais.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Vossa
Excelência está afirmando que há licitude deste dado, deste elemento tomado
como prova, porque o Ministério Público se ateve exclusivamente no pedido dessa
informação e na obtenção dela, que é diferente de, por exemplo, o Ministério
Público (não estou antecipando voto) adentrar a empresa e determinar que sejam
apresentados os livros contábeis.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Não. O Ministério Público pode requerer à Receita Federal única e
exclusivamente a informação de quanto é o faturamento bruto de determinada
empresa.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Ministra
Cármen Lúcia, permita-me uma observação.

Fiquei impressionado com a assertiva do eminente
Procurador-Geral Eleitoral de que o combativo Ministério Público teria firmado
um convênio com a Receita Federal relativamente à Lei 9.504, de 1997, para a
troca de informações, não apenas no que tange ao artigo 81 dessa lei, mas
também aos artigos 23 e 27.

O DOUTOR ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS
(procurador-geral eleitoral): O convênio foi firmado pelo TSE.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Autorizando o acesso à informação, mantendo a cláusula da confidencialidade.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Estamos
discutindo, no artigo 81, a possibilidade de o Ministério Público requisitar
diretamente, dentro do contexto desse convênio firmado pelo Tribunal Superior
Eleitoral com a Receita Federal, mas que também prevê o fornecimento de
informações relativamente aos artigos 23 e 27 da Lei 9.504, de 1997. Diz o
artigo 23:

“Art. 23. A partir do registro dos comitês
financeiros, pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em
dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.”

Portanto, é algo bastante genérico. Claro que há
parágrafos, incisos que especificam as hipóteses em que tal pode ser feito.

O artigo 27, por seu turno, dispõe:

“Art. 27. Qualquer eleitor poderá
realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia
equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não
reembolsados.”

E, finalmente, o artigo 81 se refere à receita
bruta do faturamento.

Portanto, estamos aqui tratando de uma série de
dados que dizem respeito a pessoas físicas e jurídicas, e nosso pronunciamento
– que se fará em torno do artigo 81 – certamente poderá ser utilizado como
precedente para esses outros artigos que acabei de ler.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Mas o Ministro
relator assenta que é só para o artigo 81.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): É
porque todos eles se referem a doação de recursos para o partido, comitê ou
campanha.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Eu,
na verdade, não examinei dessa forma.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Esse é um
contexto que temos de examinar. Não se trata apenas de saber se o Ministério
Público pode ou não requisitar, diretamente, à Receita Federal, a informação
que se refere ao faturamento bruto. Isso está dentro de um contexto que se
insere em um convênio, em um acordo do TSE com a Receita Federal, mas que cuida
de uma série de outras informações igualmente relevantes.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Há
uma identidade temática: só doação de recursos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Não há
dúvida. Mas se, eventualmente, optarmos decidir no sentido de que é lícito ao
Ministério Público requisitar as informações do artigo 81 diretamente à Receita
Federal, penso que dificilmente poderemos negar a consequência ou o
desdobramento, que será também negar a possibilidade de se requisitarem as
informações relativamente aos artigos 23 e 27 da mesma lei.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Perfeito. É a mesma lógica.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: De
qualquer maneira, isso já implica um aprofundamento – digamos assim – na
inquirição ou na inquisição do patrimônio, das verbas, da movimentação
financeira de pessoas físicas e jurídicas.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): No
voto do relator, não. É limitado o pedido do Ministério Público, como é
limitada a resposta da Receita Federal.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: O Supremo
Tribunal Federal tem decidido a respeito dessa matéria, a respeito da qual o
Ministro Marcelo Ribeiro até fez alusão. Lembro-me de que em alguns casos,
sobretudo quando se trata do TCU, e também em alguns do Ministério Público,
este pode e deve pedir autorização judicial para que esses dados que, em
sentido lato, dizem respeito à privacidade, seja das pessoas jurídicas, seja
das pessoas físicas, de fato, passem pelo crivo do Poder Judiciário.

Digo isso em tese, ainda sem também adiantar meu
voto. Quer dizer, é uma questão, realmente, magna.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Ministro, creio
que o que se está assentando é o bônus e o ônus do doador; ele doa porque quer,
conforme a conveniência dele. É importante fixar isso.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Quem tem o bônus de doar suporta o ônus de ver conhecido o seu faturamento, no
caso de pessoa jurídica.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Eu
quis fazer análise minimalista, somente vinculada a essa questão exatamente.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): O
parâmetro da lei, ou o faturamento, no caso de pessoa jurídica, ou a renda, no
caso de pessoa física.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): A
Lei nº 9.504, de 1997, estabelece:

Art. 81 […]

§ 1º As doações e contribuições de que trata este
artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à
eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado
neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco
a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo
anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará
sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar
contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da
Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Então, qual o indício de que houve, ou não, a
doação exagerada? Não há indício nenhum. A verificação é matemática.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Do
contrário a norma perde sua eficácia.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Então, o MP teria que ajuizar ação contra todas as pessoas que doaram em
campanha, requerendo ao juiz o conhecimento desse dado fiscal. Acresce que, em
alguns casos, esse dado é sabido, pois as empresas publicam. Quando se trata de
companhia aberta, por exemplo, publica-se o balanço e é informado qual é o
faturamento.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: No caso
das empresas limitadas, não.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Então, não é informação que me pareceu que constituísse quebra do sigilo.
Agora, sem dúvida alguma, é tema da mais alta importância e muito delicado.

O Ministro Ricardo Lewandowski faz análise
mostrando que isso pode se tornar um primeiro passo para outra desconsideração
maior desse princípio. Não fiz essa análise.

O SENHOR MINISTRO FELIX FISCHER: Senhor
Presidente, fui durante muito tempo do Ministério Público. Qual seria o
problema de pedir ordem judicial nos casos em que se suponha haver indício de
uma fraude, numa área em que há certa proteção constitucional? Não vejo nenhum
problema. Pelo contrário. Se começarmos a abrir precedente de que essa
informação seria bem delimitada, pergunto como seria em alguns crimes
tributários, em que também o tipo penal tem incidência limitada, se o
Ministério Público resolvesse pedir diretamente essa informação – haveria esse
mesmo raciocínio? Não se trata de diminuir a atuação do Ministério Público,
longe disso. É que haveria certo controle.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Não. Essa é outra matéria.

O SENHOR MINISTRO FELIX FISCHER: Mas a proteção
constitucional é a mesma.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Mas, nesse
caso, há um diferencial significativo.

O SENHOR MINISTRO FELIX FISCHER: É precedente
sério.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: O criminoso, ou
aquele que eventualmente pode ser denunciado, quer esconder a informação e,
aqui, quem se apresenta como doador se apresenta como cidadão que não tem o que
esconder. Ele pode não querer mostrar o seu patrimônio, o que é diferente.

O SENHOR MINISTRO FELIX FISCHER: Como partiremos
do princípio, pelo fato de existir norma incriminadora, de que aquela pessoa é
criminosa? O raciocínio é idêntico.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: E se, com
essa informação, forem descobertos outros ilícitos e, eventualmente, levar-se à
persecução penal em outro campo?

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Creio que o relator foi muito cuidadoso. A informação se limitaria ao
faturamento, que é o parâmetro da Lei. Como saber se a doação se conteve no
limite dos 2%, se não se tem a base de cálculo?

O SENHOR MINISTRO FELIX FISCHER: Senhor
Presidente, numa situação em que a Constituição prevê uma série de proteções,
qual o problema de se pedir autorização judicial?

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Neste caso, é um sigilo impróprio, é uma quebra imprópria do sigilo fiscal,
porque não há sigilo fiscal. Quem doa se expõe. Quem entra no circuito de um
processo público – como o eleitoral – publiciza o seu faturamento.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): A
Lei poderia prever, por exemplo, que, para doar, devesse ser apresentado o
faturamento. Seria inconstitucional?

O SENHOR MINISTRO FELIX FISCHER: Mas, da mesma
forma na atividade comercial, a pessoa também se expõe e tem uma série de
obrigações.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Mas
o caso é de doação prevista em lei, para partido, comitê, ou candidato, em
campanha eleitoral. Quem entra nesse circuito eminentemente publicístico tem
que publicizar a sua base de cálculo para saber se o percentual foi observado
ou não.

Não me parece que seja quebra de sigilo fiscal,
não chega a ser isso.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Seria interessante, Senhor Presidente, destacar essa matéria, porque as outras
ficarão prejudicadas, caso o Tribunal entenda que a prova é ilícita.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Nós
temos dito que a Justiça Eleitoral não tem nenhum interesse em fechar as
torneiras do financiamento de partido, de comitê, de campanha, nada disso. O
que a Justiça Eleitoral quer é transparência, visibilidade, que é o nosso
papel.

Quem entra no circuito de uma campanha
eleitoral, volto a dizer, quem supre partidos e comitês de recursos financeiros
se submete a regime eminentemente jus-publicístico. Então, a transparência
passa a dar as cartas, a visibilidade é a regra do jogo. Não se trata de fechar
essas torneiras; mas de abri-las, com toda a transparência.

PEDIDO DE
VISTA

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor
Presidente, peço vista antecipada dos autos.

ESCLARECIMENTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Senhor
Presidente, apenas uma observação: penso que a Constituição Brasileira separou
(apesar de ser um dispositivo só) o que chamo de segredos do ser e segredos do
ter.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): É
ótima a distinção.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: O que é segredo
do ser é absoluto. O que cada ser humano tem de si é absoluto, em termos de
privacidade. Eu, diferentemente até da jurisprudência do Supremo, não refiro a
intimidade, porque estamos trazendo à baila uma empresa. Intimidade é de
íntimo, de alma; é a privacidade, é não dar a público.

É a privacidade que estaria preservada aqui com
o sigilo fiscal.

Então, em relação aos segredos do ter (e quando
os tenho a ponto de, num processo público, como é o eleitoral, dizer que quero
participar não apenas com o voto, com as minhas condições de cidadã, mas também
com a minha condição de contribuinte para determinado partido ou coligação),
penso que a sociedade tem o direito de saber não apenas quem é o candidato que
recebe os recursos, mas quem é o doador que se incorpora a essa campanha.

Creio que isso seria segredos do ter, que os
portugueses antigamente chamavam romanticamente de “bens ao luar”, porque o que
é propriedade e o que é patrimônio pode ser exposto.

Agora, acredito (e faço essa separação, porque
Vossa Excelência chamou muito bem à atenção) que aqui não estamos discutindo o
sigilo da informação, porque a privacidade está constitucionalmente assegurada.
O que discutimos é a necessidade de se mostrar a informação. Já que não é para
dar a público, o ministério é público para que eu, doadora, não precise mostrar
o que tenho? Ou seja, a questão é muito menos de segredo e sigilo do que o fato
de quem pode chegar a isso sem precisar passar pelo Poder Judiciário, como diz
o Ministro Felix Fischer.

Trago essas observações apenas porque, como diz
Sua Excelência, o Ministro Ricardo Lewandowski, o tema é muito tormentoso. Eu
mesma não antecipo voto, não só para aguardar o de Sua Excelência, mas porque
acredito que o tema seja grave; não porque nenhum de nós saiba que
constitucionalmente ele esteja assegurado, mas porque o Ministério Público
pretende que ele tenha o dever de ter acesso direto, independentemente de o
Poder Judiciário e a empresa dizerem que não, que isto realmente configuraria
ilícito.

Penso que o “ser possível”, ou o “não retirar em
segredo”, é ponto chave de menos importância, pois o juiz pode retirar. O
segredo do ser não é absoluto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Não há
dúvida, Ministra Cármen Lúcia. Agradeço as observações de Vossa Excelência e
tenho certeza de que todos nós defendemos a mais ampla publicidade em matéria
dos dados eleitorais.

O que está em causa, a meu ver, é exatamente
saber se o Ministério Público pode requisitar à Receita Federal uma informação
de natureza financeira que pertence à empresa, informação, ou precedente, que,
eventualmente, pode ser estendida a outras situações, que são exatamente
aquelas dos artigos 23 e 27 da Lei nº 9.504, de 1997, ou se é necessária a
intermediação de um magistrado para obter esses dados. Essa é a questão fulcral
que teremos de examinar e sobre a qual o Supremo tem reiteradamente se
debruçado.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Até porque,
Ministro, é preciso outra pergunta. O nobre procurador-geral eleitoral disse
que o Ministério Público pede somente que possa fiscalizar, mas quem o
fiscalizará? É sempre um dado que precisa ser trazido.

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor
Presidente, trata-se de recurso especial interposto por Hidrobombas Comércio e
Representações Ltda. contra acórdãos assim ementados:

“Representação Eleitoral.
Pessoa Jurídica. Preliminar de Intempestividade. Ilegitimidade passiva.
Cerceamento de defesa. Impossibilidade jurídica do pedido. Preliminares
rejeitadas. Doação excedente. Limite 2%. Faturamento bruto. Ocorrência.
Representação julgada procedente. Aplicação multa. Proibição contratar com
Poder Público.

1. Segundo recente
decisão do Tribunal Superior Eleitoral inexiste prazo para a propositura de
Representação Eleitoral prevista no artigo 96, §5º, da Lei 9.504/97, (Respe
21.199).

2. Pessoa jurídica que
faça doação à
(sic) campanhas de
vários candidatos em valor excedente ao limite previsto no artigo 81, §1º, da
Lei 9.504/97, é parte legítima para figurar no pólo passivo da representação,
uma vez que será a única a arcar com as sanções ali previstas.

3. Não há cerceamento
de defesa quando o rito previsto em lei é plenamente observado.

4. Não há
impossibilidade jurídica de pedido na cumulação de aplicação de multa e de
proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de cinco anos, a pessoa
jurídica, no âmbito da mesma representação, sujeita ao mesmo rito
procedimental, por se tratarem de sanções de aplicação cumulada, previstas no
artigo 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 (Precedentes: TRE-ES, RES 24-TRE-MT, AC.
14.600).

5. O limite de 2% para
doações feitas por pessoas jurídicas, previsto no artigo 81, §1º, da Lei
9.504/97, objetiva assegurar a saúde financeira da empresa, por isso mesmo
refere-se ao montante doado durante toda a campanha política, não importando se
o excesso é decorrente de doações feitas a um ou mais candidatos.

6. Constatada a doação em excesso,
deve-se aplicar a multa prevista no §2º, do artigo 81, da Lei 9.504/97, bem
como a proibição de contratar com o Poder Público, consoante §3º, do mesmo
artigo.

7. Representação julgada
procedente”
(fls. 54-55).

“REPRESENTAÇÃO ELEITORAL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRINCÍPIOS. ISONOMIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL.
RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. NULIDADE ABSOLUTA. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS
FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS
CONHECIDOS E REJEITADOS.

1. Não fere o princípio da
isonomia, por si só, a existência de prazos distintos para a
prescrição/decadência e para o oferecimento de defesa.

2. Não há que se falar em
ofensa ao princípio do devido processo legal quando o rito seguido é o previsto
em Lei.

3. As sanções previstas no
artigo 81, §§ 2º e 3º, são cumulativas, não havendo qualquer afronta ao
princípio do devido processo legal.

4. A aplicação dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade não podem significar inovação
no ordenamento legal, o que é vedado ao magistrado se assim agir afronta ao
princípio da reserva legal
(nulla poena sine praevia lege).

5. O Ministério Público, no
desempenho de suas funções, pode requisitar informações com a finalidade de
instruir processos de sua competência.

6. Informação prestada pela
Receita Federal consignando, de forma bastante sucinta, o limite de rendimento
declarado por determinado doador não configura quebra de sigilo fiscal, não
sendo, portanto, predita informação prova ilícita.

7. Ausência de omissão,
contradição ou obscuridade no acórdão.

8. Embargos Declaratórios
conhecidos e rejeitados”
(fls. 89-90).

A recorrente aponta ofensa ao art. 5º, X e XII,
da Constituição Federal e argui a “nulidade
do processo em face da quebra de sigilo fiscal obtida pelo recorrido”
(fl.
93).

Alega, ainda, que o Ministério Público

“oficiou diretamente a Secretaria da Receita
Federal em Goiás, requisitando dado referente ao faturamento bruto declarado
pela empresa recorrente no exercício anterior ao fato que envolve a demanda”
(fl. 93).

Acrescenta, também, que a Receita Federal
atendeu à solicitação do Parquet e
informou que

“Em relação a (sic) tal matéria o Tribunal
Regional de Goiás asseverou o seguinte:

‘Não vislumbro a ocorrência de quebra de sigilo
fiscal por parte do Ministério Público Eleitoral ao solicitar informações à
Receita Federal.

(…) a Receita Federal informou que a
Embargante declarou em seu imposto de renda ter auferido faturamento bruto no
valor de R$ 20.926.775,51.

Ora, não houve quebra de sigilo fiscal, uma vez que
a informação requerida e a dada foi extremamente superficial estando
autorizadas pelo preceito Constitucional insculpido no art. 129, VI’”
(fls. 93-94).

Sobre esse ponto, argumenta que

“As garantias fundamentais e constitucionais da
intimidade e privacidade de dados são protegidas pelo art. 5º, incs. X e XII da
CF/88. Assim, para o raro caso de quebra dos sigilos fiscais e bancário deverá
haver a imprescindível e prévia ordem emanada da autoridade judicial
competente, a qual deve ser devidamente fundamentada, consoante determina o
art. 93, inc. IX da CF/88. Na espécie, a requisição feita diretamente pelo
Órgão Ministerial à Secretaria da Receita Federal, demonstra desobediência ao
mandamento constitucional, o qual não cede ante a prerrogativa conferida ao
Ministério Público da União prevista no art. 8º, inc. II, da Lei Complementar
nº 75/93, seja pela hierarquia da norma protetiva violada, seja pela
especialidade das matérias que são objeto das garantias constitucionais”
(fl. 94).

Aduz, mais, que

“Embora haja (…) disciplina
infraconstitucional editada em consonância com ditame constitucional
concernente à necessidade de fiscalização do pleito eleitoral, pressuposto de
sua legitimidade, o legislador constitucional não excepcionou garantias
individuais para o exercício dessa fiscalização, razão pela qual, com muito
maior razão, há que se exigir autorização judicial, fundamentada, para controle
da legalidade do excepcional acesso aos dados das pessoas em geral em poder da
Administração Pública”
(fl. 96).

Suscita, ainda, divergência jurisprudencial e
cita precedentes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP).

Argui, também, violação do art. 5º, caput, da Constituição Federal e do art.
125, II, do Código de Processo Civil, ao argumento de que

“se a defesa teve 48 horas para apresentar sua
defesa, também deverá ter o autor tal prazo, sob pena de violar o princípio da
isonomia. Ora, se o prazo para representação seria de 24 horas em caso de
propaganda eleitoral ilegal, porque não haveria de ser para o presente caso, já
que em ambos a Representação se baseia no mesmo rito, qual seja, no art. 96 da
Lei Geral das Eleições”
(fl. 99).

Alega afronta ao art. 81 da Lei 9.504/97, ao
art. 5º, LV, da Constituição Federal e ao Princípio do Devido Processo Legal,

“Tendo em vista a natureza jurídica das sansões
aplicadas pelo órgão julgador a quo, quais sejam, suspensão do direito de
realizar contratos com órgãos públicos e multa, a representação ora em sua fase
recursal deveria ter seguido o prazo de 7 dias previsto na Lei Complementar nº
64/90, art. 22, e não o acanhado e draconiano tempo de 24 horas
” (fl. 99).

No tocante às penas aplicadas pelo Regional,
sustenta que

“não há respaldo legislativo na aplicação de
ambas as penas (multa e proibição de celebrar contratos) em um mesmo processo,
o que explicitamente foi tratado de forma diferenciada na Lei das Eleições, no
§3º do art. 81
(fl. 100).

Defende a aplicação, ao caso, dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade e assevera que o art. 81 da Lei das
Eleições não pode ser interpretado “de
forma tão restritiva como pretendeu o TRE
a quo(fl. 103), já que

“a restrição estabelecida na lei é a de que as
empresas realizem doações em montante superior a 2% do seu faturamento bruto,
para um candidato apenas, o que não ocorreu no caso sub exame”
(fl. 103).

Informa, ainda, que a doação considerada
excedente pelo Ministério Público se deu em decorrência de erro contábil, o
qual estaria devidamente atestado na documentação anexada aos autos (fl. 105).

E conclui, por fim, que

“de acordo com o Propalado Princípio da Verdade
Real dos Fatos, a verdadeira responsável pela doação de R$ 60.000,00 não foi a
representada, mas sim a empresa Sanefer – Indústria, Comércio e Construções
Ltda, que por sinal são empresas do mesmo grupo familiar”
(fl. 105).

O Ministério Público Eleitoral apresentou
contrarrazões às fls. 152-159.

Defendeu a requisição de informações diretamente
à Receita Federal, tendo em vista que:

I) “a garantia constitucional da
inviolabilidade da intimidade, na qual insere o sigilo fiscal (CF, art. 5º, X e
XII), não é absoluta. Cede ante o interesse do Estado, público e maior, de se
apurar eventuais ilícitos penais”
(fl. 156);

II) o art. 198, II, §1º, do Código
Tributário Nacional “assegura que sejam
fornecidas informações por autoridade administrativa no interesse da
Administração Pública”
(fl. 156);e

III) “o artigo 8, §2º, da Lei Complementar 75/93,
obriga a autoridade fiscal, nas solicitações do Ministério Público, a
compartilhar com ela informações que detém em razão do ofício, sem, contudo,
deixar de resguardar o sigilo dessas informações
” (fl. 156);

Argumentou,
ainda, que

“não existe prazo legal
para o ajuizamento de Representação visando a imposição de multa em decorrência
de doação para campanhas eleitorais acima do limite legal. Outrossim, não há
qualquer razão para comparar a referida medida judicial com a Representação
aviada em face de propaganda eleitoral ilícita

(fl. 157).

Sustentou, mais, que “a cumulatividade das penalidades que foram impostas à Agravante no caso
sub examine são decorrência do próprio artigo 81 da Lei nº 9.504/97
” (fl.
158).

Acrescentou, também, que

“quando se trata do descumprimento de alguma
disposição da Lei 9.504/97, aplica-se o rito sumário previsto em seu artigo 96,
só incidindo o procedimento arrolado no artigo 22, da Lei Complementar nº
64/90, quando houver expressa determinação legal, como ocorre com o artigo 41-A
daquele diploma legal

(fl. 158).

Alegou, por fim, a ausência
do “devido cotejo analítico e a
demonstração de similitude fática das decisões tidas como divergentes
” (fl.
158).

Em sessão de 25/8/2009,
o Ministro Marcelo Ribeiro proferiu seu voto e desproveu o recurso especial.

Entendeu pela
impossibilidade de examinar a alegação de que o prazo para o ajuizamento da
representação seria o de 48 horas, previsto no art. 96, § 5º, da Lei 9.504/97,
já que o autor não indicou qual seria o dies
a quo
desse prazo.

Assentou, mais, que a “adoção de prazos
distintos para o ajuizamento da representação e para a contestação não
constitui ofensa ao princípio da isonomia”.

Afastou as suscitadas
violações do princípio do devido processo legal e dos arts. 81 da Lei 9.504/97
e 5º, LV, da CF, tendo em vista que
“a simples referência à exiguidade dos
prazos não autoriza a declaração de nulidade processual”
e “porque o órgão regional
consignou que ‘não foi sequer solicitada pela representada qualquer produção de
prova’”.

Afirmou,
também, que a duplicidade de sanções – cominação de multa e proibição de
celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos – decorre
expressamente do disposto no art. 81, § 3º, da Lei 9.504/97.

Rejeitou a

“alegação relativa à
adoção do rito previsto na LC nº 64/90, haja vista que os ilícitos previstos na
Lei nº 9.504/97 seguem o procedimento do art. 96 do mesmo diploma legal, não
havendo, in casu, previsão em sentido contrário”.

Quanto à quebra de
sigilo fiscal da recorrente, entendeu
“pela licitude da prova apresentada pelo
Ministério Público”.

Nesse ponto, adotou a
seguinte fundamentação:

“É certo que a garantia
constitucional da intimidade e da vida privada do cidadão, na qual se insere o
sigilo fiscal, somente pode ser mitigada em caso de interesse público relevante
e de suspeita razoável de infração à lei, devendo ser procedida de decisão
judicial devidamente fundamentada. Essa é a regra geral, conforme entendimento
do Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, no que concerne
ao direito eleitoral, entendo que a regra geral mereça tratamento ponderado,
tendo em vista as peculiaridades desse ramo do direito que prestigia, em sua
essência, o interesse da coletividade, e, em especial, a moralidade pública.

Ressalta-se que são
públicos os processos relativos a registros de candidatos e de prestação de
contas, podendo ser as declarações de bens e dos dados relativos às contas dos
candidatos livremente consultados por qualquer cidadão.

Nesse contexto, entendo que
àquelas pessoas, físicas ou jurídicas, que resolvam fazer doações para campanha
eleitoral, deva ser aplicado princípio semelhante, tendo em vista o interesse
público envolvido, principalmente na lisura do processo eleitoral.

Quem faz doação para
campanha política deve, a meu ver, submeter-se a ter revelada, sem maiores
complicações, sua receita, para aferição do cumprimento da norma legal.

(…)

Creio, portanto, ser lícito
ao Ministério Público requisitar diretamente à Receita Federal os dados
relativos somente aos valores dos rendimentos brutos dos doadores, para subsidiar
a representação de que trata os arts. 23 e 81 da Lei nº 9.504/97.

Entendo que tal
procedimento não configura quebra de sigilo fiscal, tendo em conta que os dados
a serem fornecidos deverão ser apenas os valores brutos recebidos pelo
contribuinte no ano anterior ao pleito, sem a individualização dos bens ou das
demais informações acerca do patrimônio do doador.

Dessa forma, entendo pela
licitude da prova apresentada pelo Ministério Público”.

Pedi vista dos autos
para melhor exame da matéria.

Passo a proferir o meu
voto.

Reconheço, igualmente, pelas razões já aduzidas
no voto do Ministro Marcelo Ribeiro:

I) a impossibilidade de se examinar a alegação
de que o prazo para o ajuizamento da representação seria o previsto no art. 96,
§ 5º, da Lei 9.504/97;

II) que a duplicidade de sanções – aplicação de
multa e proibição de celebrar contratos com a administração pública – decorre
do previsto no art. 81, § 3º, da Lei 9.504/97;

III) que não há violação dos princípios da
isonomia e do devido processo legal, do art. 81 da Lei 9.504/97 e do art. 5º,
LV, da Constituição Federal;

IV) que as representações dos ilícitos previstos
na Lei 9.504/97 seguem o rito do art. 96 desse diploma legal, não havendo, no
caso dos autos, previsão em sentido contrário;

V) que o limite previsto no art. 81, caput e § 1º, da Lei 9.504/97 diz
respeito a todas as campanhas em que houve doação e não a cada candidatura,
conforme argumentou a recorrente; e

VI) que para se examinar a tese de que a doação
não teria sido feita pela recorrente, mas por empresa do seu grupo empresarial,
seria necessário o reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável no
âmbito do recurso especial, a teor da Súmula 279/STF e 7/STJ.

No entanto, com a devida vênia do Ministro
Relator, dele divirjo no que diz respeito à legalidade das provas obtidas pelo
Ministério Público diretamente por meio da Receita Federal.

Os sigilos fiscal e bancário, espécies do
direito à privacidade, encontram-se devidamente protegidos pelo art. 5º, X, da
Constituição Federal.

Contudo, é firme o entendimento jurisprudencial
de que a garantia desses sigilos não é absoluta e pode ser afastada em
decorrência de relevante interesse público. Confiram-se os seguintes julgados
desta Corte:

Recurso em Mandado de Segurança. Sigilo
bancário. Quebra. Conduta delituosa. Indícios. Interesse público relevante.
Negativa de seguimento.

– O direito aos sigilos bancário e fiscal não
configura direito absoluto, podendo ser ilidido desde que presentes indícios ou
provas que justifiquem a medida, sendo indispensável a fundamentação do ato
judicial que a defira”
(RMS 440/BA, Rel. Min. Caputo Bastos).

“RECURSO
ESPECIAL. CASSAÇÃO DE DIPLOMA. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. ELEIÇÕES
MUNICIPAIS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTE DO STF. ANULAÇÃO DOS VOTOS VÁLIDOS. NÃO-INCLUSÃO DOS VOTOS NULOS.
REEXAME DE PROVAS. NEGADO PROVIMENTO.

1. Justificada a quebra de sigilo bancário,
ordenada pelo juiz monocrático, tem-se que o disposto no art. 22, VI, VII e
VIII, da LC nº 64/90 permite ao julgador proceder às diligências que julgar
necessárias ao deslinde da causa, buscando salvaguardar a licitude das
eleições. Tese que encontra respaldo na jurisprudência do STF, consolidada ‘no sentido de não possuir caráter absoluto
a garantia dos sigilos bancário e fiscal, sendo facultado ao juiz decidir
acerca da conveniência da sua quebra em caso de interesse público relevante e
suspeita razoável de infração penal
’ (STF – AgRg no AI nº 541.265/SC, Rel.
Min. Carlos Velloso, DJ de 4.11.2005).

(…)

6. Recurso especial eleitoral parcialmente
conhecido e não provido
” (REspe 25.937/BA, Rel. Min. José Delgado – grifei).

Nesse ponto, não tenho dúvidas de que há na
regra disposta no art. 81 da Lei 9.504/97, e no Direito Eleitoral como um todo,
o necessário interesse público, apto a afastar a proteção constitucional à
intimidade.

Não questiono, portanto, a existência desse
interesse nas apurações dos ilícitos eleitorais. Ao contrário, acredito que as
normas eleitorais, por visarem à igualdade e à legitimidade das eleições e à
plena manifestação da vontade popular, possuem ainda um maior interesse
público.

Entendo, entretanto, que, a despeito das
peculiaridades suscitadas, a quebra do sigilo fiscal/bancário necessita de
autorização judicial.

Sobre o tema, assim lecionam Gilmar Ferreira
Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:

“O sigilo bancário tem sido
tratado pelo STF e pelo STJ como assunto sujeito à proteção da vida privada dos
indivíduos.

(…)

O direito ao sigilo
bancário, entretanto, não é absoluto, nem ilimitado. Havendo tensão entre o
interesse do indivíduo e o interesse da coletividade, em torno do conhecimento
de informações relevantes para determinado contexto social, o controle sobre os
dados pertinentes não há de ficar submetido ao exclusivo arbítrio do indivíduo.

A jurisprudência do STF
admite a quebra do sigilo pelo Judiciário ou por Comissão Parlamentar de
Inquérito, mas resiste a que o Ministério Público possa determiná-la
diretamente, por falta de autorização legal específica.

(…)

O sigilo haverá de ser
quebrado havendo necessidade de preservar outro valor com status
constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo. Além
disso, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido, bem
assim a sua efetiva necessidade – i. é, não se antever outro meio menos
constritivo para alcançar o mesmo fim. O pedido de quebra do sigilo bancário ou
fiscal deve estar acompanhado de prova de sua utilidade. Cumpre, portanto, que
se demonstre que ‘a providência requerida é indispensável, que ela conduz a
alguma coisa’; vale dizer, que a incursão na privacidade do investigado vence
os testes da proporcionalidade por ser adequada e necessária.

A quebra do sigilo bancário
– ou fiscal –, assim, deve ser adotada em caráter excepcional
12.

Destaco, ainda, os seguintes julgados do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

“1. RECURSO.
Extraordinário. Inadmissibilidade. Instituições Financeiras. Sigilo bancário. Quebra. Requisição.
Ilegitimidade do Ministério Público. Necessidade de autorização judicial.
Jurisprudência assentada.
Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo
regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a
impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte”
(AgR-RE 318.136/RJ – STF, Rel. Min. Cezar Peluso –
grifei).

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. QUEBRA DE SIGILO FISCAL PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

I – A proteção ao sigilo
bancário e fiscal não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando
presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público
relevante ou de elementos aptos a indicar a possibilidade de prática delituosa
(Precedentes).

II – Entretanto, o
Ministério Público não tem legitimidade para proceder a quebra de sigilo
bancário e fiscal sem autorização judicial (Precedentes).

Recurso desprovido (RMS 25.375/PA – STJ, Rel. Min. Felix
Fischer).

No caso dos autos, ainda que presente o
interesse público na quebra do sigilo fiscal da recorrente, os dados obtidos
pelo Ministério Público por meio da Receita Federal teriam que ser precedidos
de autorização judicial.

O fato de os processos de registro de
candidatura e de prestação de contas serem públicos não torna igualmente
públicos os dados fiscais dos doadores a campanhas eleitorais, a não ser o quantum por eles doado.

Assim, com vênia ao Ministro Relator, discordo
dele nesse ponto e considero ilegais as provas obtidas pelo Ministério Público
por meio da Receita Federal sem a prévia autorização do Poder Judiciário.

Entretanto, o caso em questão apresenta uma
peculiaridade que deve ser observada.

Com efeito, a ilicitude das provas obtidas na
quebra de sigilo geraria a nulidade absoluta do processo. Porém, inexiste essa
nulidade quando os fatos obtidos ilegalmente tenham sido utilizados como
argumentos de defesa pelo investigado. Nesse sentido, colho da obra
anteriormente citada:

A evidência obtida a partir de
quebra irregular do sigilo é considerada prova ilícita, sendo, pois,
‘desprovida de qualquer eficácia, eivada de nulidade absoluta e insuscetível de
ser sanada por força da preclusão’. Se, porém, o indivíduo faz uso de tais
provas como meio de defesa no processo, a situação se modifica
13.

Corroborando esse entendimento, transcrevo a
ementa do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

“HABEAS CORPUS.
PREFEITO MUNICIPAL. ARTIGO 1º-I DO
DECRETO-LEI 201/67. CONDENAÇÃO. PROVA ILÍCITA. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. FALTA
DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ORDEM DENEGADA. A quebra do sigilo bancário – não
observado o disposto no artigo 38-§1º da Lei 4.595/64 – não se traduz em prova
ilícita se o réu, corroborando as informações prestadas pela instituição
bancária, utiliza-as para sustentar sua defesa. Ordem denegada
” (HC 74.197,
Rel. Min. Francisco Rezek).

É o que ocorre na hipótese dos autos. Ainda que
o Ministério Público tenha obtido de forma ilegal os dados referentes à
recorrente, o TRE/GO, ao julgar o feito, levou em consideração as informações
prestadas pela própria empresa em sua defesa. Isso pode ser verificado em
trechos do acórdão regional (fls. 57-59):

Devidamente notificada, a
representada apresentou defesa alegando as seguintes preliminares:

(…)

No mérito aduz que:

(…)

e) o faturamento da empresa
foi de R$ 21.087.034,76 (vinte e um milhões, oitenta e sete mil, trinta e
quatro reais e setenta e seis centavos) e não R$ 20.926.775,51 (vinte milhões,
novecentos e vinte e seis mil, setecentos e setenta e cinco reais e cinqüenta e
um centavos), como informado pelo Ministério Público Eleitoral.

(…)

Considerando a diferença
existente no que tange ao faturamento bruto da empresa, foi solicitada à
Delegacia da Receita Federal que esclarecesse o valor correto.

Às folhas 76/77, a
Delegacia da Receita informa que ‘o faturamento correto a ser considerado
corresponde a R$ 21.087.034,76’ (vinte um milhões, oitenta e sete mil, trinta e
quatro reais e setenta e seis centavos), que é o valor que foi informado pela
representada
”.

Nota-se que a recorrente não suscitou a
ilicitude das provas obtidas e a nulidade do feito quando apresentou sua
defesa. Apenas divergiu do faturamento bruto apresentado pelo Parquet e informou a quantia que seria
correta, a qual foi ratificada posteriormente pela Receita Federal.

Dessa forma, não vejo como reconhecer a nulidade
suscitada pela recorrente, pois foram por ela apresentados os fatos que
fundamentaram a decisão regional.

Isso posto, com as ressalvas feitas, nego provimento ao recurso especial.

VOTO
(ratificação)

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, quero apenas ponderar que, neste caso específico do Direito
Eleitoral, entendi que haveria diferença entre uma pura e simples quebra do
sigilo fiscal ocorrida em processo comum – seja para fins criminais, seja para
outros fins – e o que discutido neste caso específico.

A lei estabelece que as pessoas físicas podem
doar até 10% do que tiveram de rendimento no ano e que as pessoas jurídicas
podem doar até 2%.

Como é que se controla a aplicação dessa regra?
A meu ver, é ônus do doador demonstrar que a doação realizada está dentro do
limite legal, porque somente ele tem essa informação. Ou seja, a lei exige uma
limitação, cuja observância depende de informação que somente o próprio doador
e a Receita Federal detêm. Então, entendo que o próprio doador deveria
demonstrar a observância do limite, porém a lei não dispõe dessa forma.

Entre outras questões, considerei, neste caso, a
forma de controle de eventual excesso de doação. Se entendermos que o acesso à
informação exige autorização judicial, em todos os casos de doação deverá ser
requerida ao juiz a quebra do sigilo, indistintamente, porque não há como se
ter indícios de doação acima do limite previsto na legislação.

E qual a razão de se submeter ao juiz sempre o
requerimento de autorização de quebra de sigilo? É para o juiz verificar se,
naquele caso concreto, há fundamento para a quebra do sigilo

Agora, no caso em exame, não. Realizada a
doação, deverá ser quebrado o sigilo – sem se realizar análise das razões que
fundamentam tal medida –, a fim de que seja verificada se a doação se deu
dentro do limite legal.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: É uma quebra de
sigilo automática no Direito brasileiro.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Sim. Mas será assim, porque não há como demonstrar indício de doação acima do
limite legal. Como saber qual é a receita bruta da doadora? Como saber se
parece que ela excedeu a receita, se não se sabe qual é a receita?

Mas há um pequeno detalhe: as empresas de
capital aberto têm os balanços publicados no jornal. Nesse caso, não há quebra
de sigilo, porque a receita já está publicada no jornal, é só conferir. Não é
necessário acessar a informação da Receita Federal.

Por outro lado, entendi que a informação é muito
objetiva, porque restrita ao valor da receita bruta em determinado ano – não se
pedirá a declaração de renda da empresa para verificar se ela excedeu, ou não,
o limite previsto na lei, e a informação não poderá ser utilizada para outros
fins.

Esse é o meu posicionamento, Senhor Presidente.
Claro que esta matéria será posta em votação. Se meu voto não for acolhido, o
eminente Ministro Ricardo Lewandowski admite o dado, porque foi usado na
defesa.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Isso, em
conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Nessa hipótese, peço vênia para discordar, porque a empresa usou o dado depois
que ele estava levantado; não foi ela que trouxe. Ela está sendo processada
porque se está afirmando que usou mais do que poderia, e a informação está nos
autos. Até pelo princípio da eventualidade, ela tem que dizer que não poderia
ter vindo aos autos. Se se entender que veio, tem que se defender.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: A defesa não
teria sido livre.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Exatamente. Penso que, quando a parte traz aos autos espontaneamente um dado
coberto, a situação é uma. Outra é o dado constar do processo. Ela tinha que
dizer algo sobre esse dado.

Então, pedindo vênia ao eminente Ministro
Ricardo Lewandowski, mantenho minha
decisão.

E, finalmente, parece-me que ainda que superada
esta questão, teremos mais um tema a analisar. Ao analisar o recurso, observei
que há uma alegação da empresa de que este limite de 2% é individualizado para
cada candidato.

Então, há mais este argumento para analisar.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Com todo
respeito, rejeito o automatismo no tocante à quebra dos sigilos fiscal e
bancário, até porque a coisa mais simples é pedir um provimento judicial,
dentro e fora do período eleitoral. O juiz, de plano, vendo razões necessárias
e suficientes, ele, que é o guardião dos direitos e garantias fundamentais,
concordará ou não.

A requisição direta desse dado à Receita
Federal, penso que poderá criar um precedente perigoso, e, estudando para
trazer esse voto à consideração dos eminentes pares, verifiquei que há a
Portaria Conjunta 74, que dispõe a respeito do intercâmbio de informações entre
o Tribunal Superior Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal, em que há esse
intercâmbio de informações exatamente para a finalidade de verificar se os
recursos recebidos e utilizados pelos candidatos na campanha eleitoral são
exatamente aqueles informados ou não.

O artigo 2º dessa Portaria Conjunta me causou
muita impressão no sentido de dizer que “qualquer
cidadão poderá apresentar denúncia à Secretaria da Receita Federal sobre o uso
indevido de recursos financeiros, ou não, em campanha eleitoral nas atividades
dos partidos políticos
”.

Ou seja, há uma formalidade que deve ser
cumprida. Esse automatismo, data venia,
não é agasalhado pela lei. Por melhor que sejam as propostas, as intenções, e
por mais que se entenda que a Justiça Eleitoral deva ser ágil, esse é um
princípio constitucional caríssimo aos magistrados de modo geral, o qual o
Supremo Tribunal Federal tem guardado de forma muito ciosa.

É como entendo, com todo respeito.

PEDIDO DE
VISTA

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Senhores Ministros, há muitas matérias constitucionais em causa e, por isso,
tenho direito a voto.

Antecipo o pedido de vista. Há duas teses muito
bem expostas, porém não posso deixar de lembrar que o direito positivo, em suas
categorias, é apropriável cognoscitivamente por modo gradativo e muitas vezes
precário. Quando pensamos saber tudo sobre determinado tema, alguém apresenta
angulação analítica diferenciada e nos leva a um repensar sobre o tema.

Eu estava a supor, em rápidas palavras, que o
processo eleitoral é, todo ele, heterodoxo. Ainda há pouco eu dizia que só a
Justiça Eleitoral para fazer de uma atividade administrativa algo ombreado à
sua própria atividade jurisdicional. Todo o processo eleitoral, mesmo em sua
parte administrativa, não é meio, no âmbito da Justiça Eleitoral, é fim. E não
o é interna corporis, é externa corporis; ou seja, a atividade
administrativa, no âmbito da Justiça Eleitoral, diferentemente do que sucede no
âmbito dos demais ramos do Poder Judiciário e na esfera de todo o Poder
Legislativo, a atividade administrativa, aqui, não é simplesmente meio, é,
também, fim. E não é simplesmente interna
corporis
, é, também, externa corporis.
Basta dizer que administramos um cadastro de 132 milhões de eleitores.
Administramos, então, os interesses da massa, de toda a população, como se
fôssemos entidade ou órgão de natureza administrativa, singelamente.

Dentro, então, dessa heterodoxia do Direito
Eleitoral, eu estava a supor, até o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que,
como a eleição é matéria de ordem pública, de direito público eminentemente,
quem entra no processo eleitoral como doador se expõe, se submete a controles
do Ministério Público, de nossos órgãos de fiscalização que são de caráter
administrativo, e não jurisdicional, para fornecer essas informações, sem as
quais não temos a base de cálculo da doação. A doação é permitida, mas a partir
de uma base de cálculo que precisa ser conhecida, sem o que não se afere a
contenção do doador nos limites da lei.

Então, entrar no circuito eleitoral, é se expor,
é publicizar os seus atos, porque o processo eleitoral é, todo ele, público.

Eu ousaria a pensar que o faturamento da empresa
que doa se descola do seu sigilo fiscal; já não há sigilo fiscal quanto ao
faturamento, porque foi qualificado pela lei como base de cálculo para doação
até determinado limite.

Para melhor estudo da matéria, peço vista
antecipada dos autos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor
Presidente, eu me permitiria apenas lembrar – e peço que Vossa Excelência leve isso em consideração – que esses dados estão
disponíveis à Justiça Eleitoral. A Justiça Eleitoral terá acesso a eles a
qualquer momento, pelos meios constitucionalmente adequados, e observado o
devido processo legal.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, eu tão somente gostaria de dizer, finalizando, que este tema
é muito delicado. Cheguei a essa conclusão, mas não sem antes chegar à mesma
que chegou o Ministro Ricardo Lewandowski.

Ponderei muito a respeito do assunto e acabei
por concluir que isso não seria típica quebra de sigilo. Contudo, reconheço a
delicadeza do tema, especialmente, quando se pensa – embora, a meu ver, isso
não seja procedente – em abertura de precedente, em começar a flexibilizar uma
regra. Entendi que não se estava flexibilizando, porque me pareceu muito
específico.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Senhores Ministros, estamos abertos à rediscussão do tema.

Minha
primeira ideia era de que quem tem o bônus, a possibilidade de doar recursos
para partidos, comitês, candidatos expõe-se ao ônus, suporta o ônus da
revelação da sua base de cálculo, do seu faturamento, no caso das empresas, e
da sua renda bruta em determinado exercício fiscal, no caso da pessoa física.
Mas o Ministro Ricardo Lewandowski realmente trouxe à baila considerações que
me obrigam a reestudar a matéria.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor
Presidente, apenas mais uma pequena observação que me foi trazida à mente pela
judiciosíssima argumentação do Ministro Marcelo Ribeiro, no tocante à eventual
inocuidade do dado relativo ao faturamento. Esse é um dado importante; pode,
por exemplo, não ser relevante para um concorrente, ou, dentro de um contexto
mercadológico, é um dado que a empresa preferiria, eventualmente, preservar. É
claro que, havendo fundada suspeita de fraude, pede-se ao juiz para que se
quebre o sigilo.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Parece-me que o Ministro Marcelo Ribeiro também fez agora referência à
obrigatoriedade de publicação de balanço para certas empresas, caso em que não
há como preservar o sigilo.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Mas
isso foi só um argumento.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Mas
interessante. Pensemos em pessoa física, por exemplo.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente):
Faturamento de empresa é interessante. É uma categoria jurídica que se presta
como base de cálculo para muita coisa, inclusive para incidência de
contribuição social, por exemplo, para o faturamento do empregador.

Em suma, faturamento é uma matéria delicada do
ponto de vista jurídico quanto à preservação do sigilo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor
Presidente, o tema é fascinante, mas é preciso esgotar todas as possibilidades.
Se admitirmos, em tese, que o Ministério Público pode requisitar diretamente à
Receita Federal o dado sobre o faturamento da empresa para verificar se
corresponde aos 2% do faturamento bruto anterior às eleições a que alude o
inciso II do artigo 14, também, teoricamente, poderemos admitir que o
Ministério Público, no caso da pessoa física, possa pedir a informação
diretamente à Receita Federal para verificar se o limite de 10% foi também
observado pela pessoa física.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): A
regra seria a mesma.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Sim. E aí
estamos entrando realmente no campo, data
venia

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Se
o caráter público do processo eleitoral – e só se entra nele espontaneamente,
no plano da doação – é forte o suficiente para quebrantar a regra da
intimidade.

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO AYRES
BRITTO (presidente): Senhores Ministros, cuida-se de recurso especial
eleitoral, manejado contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás.
Acórdão que, ao julgar procedente representação, consignou a possibilidade de o
Ministério Público requisitar informações com a finalidade de instruir processo
de sua competência. Assentou o Tribunal de origem que “informação prestada pela Receita Federal consignando, de forma bastante
sucinta, o limite de rendimento declarado por determinado doador não configura
quebra de sigilo fiscal, não sendo, portanto, predita informação prova ilícita

(fls. 89).

O relator
deste processo, Ministro Marcelo Ribeiro, entendeu ser lícito ao Ministério
Público Eleitoral obter da Receita Federal, de forma limitada, conhecimento do
faturamento bruto da empresa doadora.

Já o
Ministro Ricardo Lewandowski, invocando a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, considerou ilícita a requisição direta pelo Ministério Público à
Receita Federal. Deu pela necessária autorização judicial para a obtenção dos
dados.

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre o tema.

Pois bem, com as vênias de estilo, ouso discordar do entendimento
esposado pelo Ministro Ricardo Lewandowski. É que não tenho por quebra de
sigilo fiscal a requisição do Ministério Público, pois toda empresa que doa
recursos para fins eleitorais já se expõe ao conhecimento do seu faturamento
bruto como condição necessária de controle sobre sua contenção, ou não, nos
limites legais da doação em si. É como dizer: ninguém está obrigado a fazer
doações a partido político, comitê eleitoral ou
candidato a cargo político-eletivo.
Contudo, se o fizer, passa a fazer parte de um processo eminentemente público,
que é o processo da eleição popular em si: aqui, tudo se passa no reino do
coletivo, e não no reino das relações de caráter privado. O espaço do sigilo é
unicamente aquele que a própria Lei Maior já definiu
como da própria natureza do voto “direto
e secreto
”, diz a Constituição pelo caput do seu art. 14 e pelo inciso II do § 4º do seu art. 60, este último tipificador
do que se convencionou chamar de cláusula pétrea. O mais é dominado pelo
princípio da publicidade, sem o que não se tem como aferir da “legitimidade e
normalidade” das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (§ 9º do art. 14
da mesma Constituição Federal).

Quanto à habilitação específica do Ministério Público para velar pela
observância dos limites legais da doação em causa (§ 1º do art. 81 da Lei nº
9.504/97), é competência que deflui diretamente da Constituição Federal, pois a
ele, Ministério Público, incumbe defender toda a Ordem Jurídica e o próprio
regime democrático (cabeça do art. 127). E o fato é que eleição popular é o
único processo regular de produção dos quadros dirigentes do país, no contexto
da nossa democracia representativa. Donde a nossa Lei Maior proclamar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente
”, tudo conforme os expressos
dizeres do parágrafo único do art. 1º da Carta de Outubro.

Outro não
é o sentido do § 1º do art. 81 da Lei nº 9.504/97, ao determinar que as doações
realizadas por pessoas jurídicas “ficam
limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição
”.
E os §§ 2º e 3º do mesmo diploma legal prescrevem que: a) a “doação de quantia acima do limite fixado
neste artigo sujeita
a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia
em excesso
”; b) sem “prejuízo do disposto no parágrafo anterior,
a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à
proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o
Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça
Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa
”.

Renove-se, então, o
juízo: a doação para campanha eleitoral pressupõe a concordância do doador em
divulgar o valor do seu faturamento do ano anterior. Não existe quebra de sigilo, porque não há sigilo a ser quebrado. Na verdade, aquele que doa recursos ou contribui para eleger alguém fica
automaticamente envolvido no processo eleitoral e submetido à respectiva
fiscalização. Se não quer compartilhar a informação com o Ministério Público e
com a Justiça Eleitoral, que não participe, como doador, da festa maior da
democracia. Em outras palavras, quem decide ceder recursos para campanha
eleitoral tem o bônus de doar e suporta o ônus de ver conhecido o seu
faturamento. Entrar no processo eleitoral é, portanto, publicizar ou expor seus
próprios atos aos controles estabelecidos em lei.

Nas palavras do Ministro
Gilmar Mendes, “o sigilo haverá de ser
quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com
status constitucional, que se sobreponha ao
interesse na manutenção do sigilo
14.
Ora, não há como enquadrar a solicitação do Ministério Público Eleitoral à
Receita Federal (faturamento bruto da empresa) como indevida violação ao
direito de privacidade do indivíduo (art. 5º, inciso X). Logo, o ato em si de
fazer doação gera para o doador a obrigação de divulgar o valor do faturamento
bruto (art. 81 da Lei nº 9.504/97) e, para o donatário, a obrigação de incluir
a contribuição na respectiva prestação de contas de campanha (artigos 28 e 29
da Lei nº 9.504/97 e inciso XI do artigo 30 da Resolução-TSE nº 22.715/2008).

Por outro giro, conforme bem ponderou o Min. Marcelo Ribeiro,
o Ministério Público só pode solicitar uma informação: o faturamento bruto da
pessoa jurídica no ano anterior às eleições. Só e só. Não há que se falar em
requisição de cópia da declaração prestada à Receita Federal. Solicitação
ministerial pública – singela e específica – que, a meu ver, se encaixa
perfeitamente na função institucional de fiscal da lei, nos termos dos artigos
127 e 129 da Constituição Federal15.
Convergentemente, é a lição de Hugo Nigro Mazzilli16, para quem:

“Confere-se hoje ao
membro do Ministério Público acesso incondicional a qualquer banco de dados de
caráter público ou relativo a serviço de natureza pública, sem prejuízo de sua
responsabilidade civil e criminal pelo eventual uso indevido das informações e
documentos sigilosos, aos quais teve acesso.”

De certo, seria inócua a
norma que fixa um limite, de 2% para as pessoas jurídicas (art. 81 da Lei nº
9.504/97), sem a possibilidade de o fiscal da lei, defensor da ordem jurídica e
do regime democrático, obter, de forma direta, a informação necessária para seu
mister constitucional17.

A propósito, o § 1º do
artigo 176 da Lei nº 6.404/76 impôs a obrigatoriedade de publicação da
demonstração financeira de cada exercício social das sociedades por ações de
capital aberto. E ainda: estabeleceu a norma prevista na cabeça do citado
artigo que as demonstrações financeiras deverão exprimir com clareza a situação
do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício. É certo, pois,
que o fim buscado pela norma é a possibilidade de permitir aos sócios o
acompanhamento e a fiscalização da vida mercantil da empresa de que participam.
Interesse privado, portanto. No caso dos autos, a divulgação para o Ministério
Público é ainda mais relevante, posto que há um indiscutível interesse público
na transparência das doações.

Com finalidade
semelhante é a norma que determina ao cidadão que intenta ocupar um cargo
eletivo o dever de entregar declaração de bens no momento do pedido de registro
de sua candidatura (inciso IV do § 1º do art. 11 da Lei nº 9.504/97 e inciso I
do artigo 29 da Resolução-TSE nº 22.717/2008). Mais uma demonstração do caráter
público do processo eleitoral, franqueando à cidadania o conhecimento da
evolução patrimonial daquele que postula ingresso na vida pública.

Sinta-se que, para tomar
posse em cargo efetivo, o cidadão comum apresenta sua declaração de bens e valores
constitutivos do seu patrimônio material
5º do artigo 13 da Lei nº 8.112/90). Não há que se falar em direito de tal
agente público a não fornecer tal declaração.

Prossigo para dizer que
o art. 29 da Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro
nacional, dispõe que o “órgão do
Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a
qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos
crimes previstos nesta lei
. Já o
parágrafo único do citado artigo dispõe que o “sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como
óbice ao atendimento da requisição prevista no
caput deste artigo”. É dizer: tal solicitação, autorizada por lei, não
caracteriza quebra de sigilo fiscal, pois se destina a proteger outro bem
jurídico fundamental para a sociedade: a integridade do sistema financeiro
nacional.

Daqui
resulta que o princípio democrático
e a transparência do processo eleitoral exigem
participação descortinada, tirante o mencionado sigilo do voto. O que favorece
a desataviada atuação do Ministério Público, sem
prejuízo de responsabilização civil e criminal pelo eventual uso indevido das
informações colocadas à sua disposição.

Com estes
fundamentos, e com as devidas vênias aos que pensam em sentido contrário,
acompanho o voto do Ministro Marcelo Ribeiro.

É como
voto.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor
Presidente, quando discutimos a questão, eu já havia antecipado meu
entendimento, que é na mesma linha do voto do relator.

Lembro, também, Senhor Presidente, além dos
fundamentos do relator e os de Vossa Excelência, que, em 10 de janeiro de 2006,
foi firmada a Portaria Conjunta nº 74 entre o presidente do Tribunal Superior
Eleitoral e o secretário da Receita Federal, estabelecendo, no artigo 3º §
2º, que

Art. 3º […]

§ 2º Nas
declarações de ajuste anual do imposto de renda da pessoa física e nas
declarações de informações econômico-fiscais da pessoa jurídica serão
estabelecidos campos específicos para identificar doações a candidatos, comitês
financeiros e partidos políticos, bem como gastos realizados por eleitores
[…].

Além de dispor que a omissão dessas informações
sujeita o contribuinte a sanções previstas na legislação fiscal aplicável,
assenta também que

§ 4º As informações obtidas em virtude do
disposto no § 2º serão confrontadas com as contidas nas prestações de contas de
candidatos, comitês financeiros e partidos políticos.

Essa confrontação, a meu ver, não só deve ser
feita pela Justiça Eleitoral com a participação conjunta da Secretaria da
Receita Federal, mas também com a participação do Ministério Público Eleitoral.
Sabemos que dificilmente os adversários cuidarão de resolver essa questão, que
fica entregue basicamente nas mãos do Ministério Público Eleitoral.

Então, não só por isso, e também pelo efeito
prático que isso revela, teremos de pensar na outra alternativa, qual seja: ou
o Ministério Público Eleitoral se fia nessas informações que serão prestadas,
embora tenham sido requisitadas por ele ou com a participação da Justiça
Eleitoral, no sentido de solicitar essas informações; ou ele simplesmente
requer essa informação de todos aqueles que tenham prestado doações.

De certa maneira, isso inviabilizaria o próprio
funcionamento da Justiça Eleitoral se fosse atender a todo o pedido do
Ministério Público Eleitoral. E, inclusive, na prática, alguns juízes
consideram que devem haver indícios para que esse pedido seja feito pelo
Ministério Público Eleitoral.

Não há, Senhor Presidente, como haver indícios
previamente, porque o único dado objetivo que o Ministério Público Eleitoral
quer confrontar é se a doação observou ou não o limite para pessoa física ou
para pessoa jurídica. Não há nenhum indício prévio que o Ministério Público Eleitoral
possa lançar no sentido de justificar essa quebra de sigilo.

O fato de se obter essa informação, seja por
meio da Justiça Eleitoral, seja por meio de pedido do Ministério Público
Eleitoral, a meu ver, não constitui quebra de sigilo. É apenas um dado objetivo
que o eleitor, no caso, que se colocou como doador, se expôs a fornecer essa
informação para a Justiça Eleitoral.

Por isso, peço vênia à divergência para
acompanhar o relator.

VOTO
(ratificação)

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor Presidente,
examinei esse convênio, que é uma portaria conjunta, refleti muito a respeito
dessa questão e cheguei à conclusão de que essa portaria conjunta foi firmada
pela Justiça Eleitoral e pela Receita Federal, não fazendo alusão ao Ministério
Público Eleitoral. Dessa forma, é a Justiça Eleitoral que pode quebrar o sigilo
e ter acesso a esses dados. Refleti muito sobre isso para ver se o Ministério
Público Eleitoral estaria contemplado nesse acordo, nessa portaria conjunta.

Insisto nesse aspecto, com a devida vênia,
porque não me parece que o dispositivo do artigo 23 da Lei 9.504, de 1997,
quando versa que as doações ou contribuições das pessoas físicas estão
limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos do ano anterior,
automaticamente tem tornado públicos os seus rendimentos.

Então, a pessoa doa R$ 100,00 (cem reais), R$
50,00 (cinquenta reais), R$ 200,00 (duzentos reais) e há um automatismo nessa
publicidade? Creio que a lei não quis ir tão longe, o legislador não quis
avançar tanto, porque senão ele teria dito que essa doação deve ser
imediatamente comprovada.

Mantenho meu voto, que é firme na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, que repele, quase que à unanimidade, essa quebra
de sigilo, seja em que circunstância for, por parte do Ministério Público, data venia, porque trata-se de direito
fundamental, e o garante desses direitos fundamentais – dos quais a
privacidade, a intimidade é também valor exponencial – é, sem dúvida nenhuma, o
Poder Judiciário.

Lembro-me de que, durante aquela nossa primeira
sessão em que discutimos esse assunto, vários colegas aventaram a possibilidade
de se requerer ao juiz de plantão, em face de eventual suposta irregularidade,
a quebra de sigilo. Essa é função constitucional do magistrado, e não, data venia, do Ministério Público.

Os argumentos relativos à praticidade, de índole
pragmática, com todo o respeito, não me impressionam em matérias de direitos
fundamentais. Dizer que “é mais rápido, é melhor assim, o processo eleitoral é
célere, então podemos avançar sobre os direitos fundamentais dessa maneira”, data venia, me parece demasiado.

Peço escusas pela ênfase com que estou
defendendo esse ponto de vista, mas estou convencido de que, no que diz
respeito a direitos fundamentais e sendo esta uma Casa de Justiça, um órgão do
Poder Judiciário, temos que prestigiar o Poder Judiciário e submeter cada caso
em que houver necessidade, em termos excepcionais, de quebrar o sigilo, ainda
que de parte das informações financeiras das empresas. Não estou tão
impressionado com as empresas, estou mais impressionado com a pessoa física,
porque muitas empresas, como já dito aqui por vários eminentes colegas que me
precederam, são obrigadas por lei a apresentar os seus balanços, revelar seu
faturamento. Isso está na lei e é de sabença comum, mas, quando se trata de
pessoa jurídica, a regra é a mesma.

Esse automatismo, com todo o respeito, me
impressiona, e me impressiona mal.

Portanto, insisto, data venia, no meu ponto de vista, no sentido de que essa quebra,
esse automatismo não é agasalhado pela Constituição.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): O
Ministro Marcelo Ribeiro teve esse cuidado de dizer que o objeto do pedido é
exclusivamente o parâmetro de que se valeu a lei, ou seja, o faturamento para
saber se houve ou não quebra do limite estabelecido por lei. Para o Ministro
Marcelo Ribeiro, não houve quebra de sigilo. Também penso que não há quebra de
sigilo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: No caso,
o artigo 23 menciona rendimentos brutos da pessoa física.

A empresa tem o limite de 2% do faturamento, e a
pessoa física, 10% dos rendimentos brutos. Tanto o faturamento quanto os
rendimentos brutos da pessoa física estariam expostos.

Uma lei ordinária nem poderia ir tão longe,
penso, em que pese toda essa peculiaridade da legislação eleitoral para
vulnerar o valor fundamental da Constituição.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (presidente): Às
vezes, Ministro Ricardo Lewandowski, os dados empíricos comparecem como base de
inspiração mesmo da lei.

O Ministro Arnaldo Versiani trouxe à baila um
importantíssimo dado do mundo do ser, do mundo dos fatos. Alguém já viu aqui um
candidato denunciar outro, um partido político denunciar outro, um comitê
eleitoral denunciar outro por quebra do limite de doação? Isso nunca ocorreu, e
é provável que não venha a ocorrer. Se o Ministério Público não realizar a
fiscalização, esse dispositivo legal será inútil.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Vossa
Excelência me perdoe, ele não está impedido de fiscalizar a doação. Muito pelo
contrário – ele deve fiscalizar. Penso que ele deve pedir ao juiz a quebra do
sigilo.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Ministro, veja um detalhe. A legislação infraconstitucional determina que
empresas de capital aberto, por exemplo, publiquem seus balanços. Isso é
inconstitucional? Não.

Se a lei determinasse, por exemplo, que aquele
que realizar doação deva declarar o valor do seu faturamento em formulário à
Justiça Eleitoral, seria inconstitucional?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Quando é
capital aberto, como já diz a própria expressão, já é pública; a empresa se
tornou pública por conta própria. Espontaneamente ela vai à Bolsa de Valores e
abre o seu capital.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Se
a lei estabelecesse que um doador, qualquer que seja, se for pessoa física, por
exemplo, tem de dizer qual foi o seu rendimento bruto anual para poder
exatamente confrontar, seria inconstitucional?

PEDIDO DE
VISTA

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Senhor
Presidente, peço vista dos autos.

VOTO-VISTA

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Senhor
Presidente, farei
algumas brevíssimas observações iniciais sobre o papel do Ministério Público e
a possibilidade ou não de ele vir a obter os dados diretamente da Receita
Federal. Essa seria questão prejudicial na espécie. Se forem realmente ilícitas
as provas obtidas, o tema teria já o desenlace imediato; caso contrário é que
teria prosseguimento o exame das razões recursais.

Observo, de pronto,
que o Ministro Marcelo Ribeiro, Relator, considerou lícitas as provas dentro de
determinados limites. Enfatizo este ponto por causa de minha posição final.

Considero,
inicialmente, a circunstância de ter o representante do Ministério Público
Eleitoral requisitado diretamente à Secretaria da Receita Federal informações
sobre o faturamento bruto de pessoa jurídica doadora de recursos financeiros
para campanhas eleitorais. Esses pedidos teriam sido feitos com base no art. 81
e parágrafos da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições).

No processo eleitoral,
cuja natureza é eminentemente pública, quem se apresenta como doador, além de
participar com o voto, no exercício da cidadania, também nele intervém como
contribuinte financeiro de determinado partido ou coligação. Por isso, a
sociedade tem o direito de saber não apenas quem recebeu a doação, mas também
quem doou, como enfatizado no voto-vista do Ministro presidente, Ayres Britto.

Essa atitude condiz
com o compromisso de transparência de nosso regime democrático e, neste
conceito, acho que não há dúvidas de que o Ministério Público, como asseverou,
entre outros, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira (Direito Eleitoral Brasileiro, Belo Horizonte: Del Rey, 2000), é um
“fiscal do regime político” e o cidadão também.

O Ministério Público
desempenha, portanto, um papel importante no sistema político brasileiro e é
legitimado para todas as ações eleitorais. Estou fazendo referência ao que a
legislação especificamente enfatiza neste ponto, transcrevendo lições neste
sentido, com o que, de toda sorte, mesmo nos votos que divergiram, como foi o
caso do Ministro Ricardo Lewandowski, neste particular, não dissentem.

Chamo a atenção para a
circunstância de que a legislação não assegura, entretanto, ao Ministério
Público apenas o acesso direto à informação sigilosa; ela prevê que o
Ministério Público há de propor as ações competentes, cabendo ao juiz
requisitar a informação sigilosa.

Portanto, o Ministério
Público não pode quebrar diretamente sigilo. O membro do Ministério Público, em
algumas condições, tem acesso às informações, mesmo quando ela recaia sobre
sigilo legal, a partir da decisão judicial autorizativa.

Nesse sentido, estudo
de José Anderson Nascimento (Tópicos de
Direito Eleitoral
, São Paulo: Ícone, 1998, p. 35-39) (op. cit. p. 44-46):

Na
legislação atual, não existe norma específica que diga: o representante do
Ministério Público tem legitimidade para apresentação de requerimentos,
impugnações, arguição de qualquer incidente, ou interposição de recurso.

Todavia,
como a interpretação jurídica deve ser feita de modo sistemático, a
inexistência dessa regra taxativa não afasta a legitimação da participação do
Ministério Público em todo o processo eleitoral.

Temos
defendido a legitimidade do Ministério Público em matéria eleitoral, a partir
da interpretação do artigo 127, da Constituição Federal, que enfatiza como uma
das suas incumbências: a defesa do regime democrático.

É
inadmissível regime democrático, sem eleições.

Destacamos,
ainda, que, onde não há eleições, não há democracia.

E
a democracia representativa só funciona com eleições.

Ora,
se as eleições são presididas por um dos ramos do Poder Judiciário, é
justificável a atuação do Ministério Público no processo eleitoral, em todas as
instâncias, já que é uma instituição permanente e essencial à função
jurisdicional do Estado.

O
Ministério Público tem, portanto, legitimidade para atuar no processo eleitoral
como
custus legis e como agente ativo, com amplo espaço
recursal.

Ademais,
disposições esparsas legitimam a participação do Ministério Público Eleitoral,
no processo eleitoral, a começar pelo próprio Código Eleitoral (Lei 4.737, de
15 de julho de 1965); Lei das Inelegibilidades (LC 64/90, de 18 de maio de
1990); Lei dos partidos Políticos (Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995); Lei
do Ministério Público da União (LC 75/93); Lei 8.625/93 e os Códigos de
Processo Civil e processo Penal, aplicados subsidiária e supletivamente ao
Direito Eleitoral.

Na expressão de Joel
José Cândido (1996, p. 60), a Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993, ao
dispor sobre a legitimidade do Ministério Público em matéria eleitoral, o fez
de modo correto, deixando de elencar a gama de funções a ser exercida, o que é
sempre numeração incompleta. É sabido, de há muito, que os fatos correm à
dianteira das leis. Disciplinou, assim, a legitimidade, de modo genérico,
trazendo para o processo eleitoral o conjunto de funções que existe no Direito
Comum, para as quais o Ministério Público é parte legítima, rematando no artigo
72 que:

‘Compete
ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça
Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e
instâncias do processo eleitoral’.

Entendemos
que estas funções são abrangentes a todos os direitos, inclusive aos
pré-eleitorais, como alistabilidade e elegibilidade, bem assim aos direitos de
os cidadãos organizarem-se em partidos políticos e ainda a propaganda
político-partidária e da propaganda eleitoral propriamente dita.

E
tem mais: são exercidas em todas as instâncias, ou seja, no Tribunal Superior
Eleitoral, nos Tribunais Regionais Eleitorais, nos Juízos e Juntas Eleitorais.

Assim,
nenhum procedimento, até aqueles da alçada administrativa da Justiça Eleitoral,
escapará da fiscalização do Ministério Público Eleitoral. Funcionará como
parte, como
custus legis, com a mesma capacidade postulatória
assegurada aos partidos políticos, coligações e candidatos.

Vale
ressaltar que o Ministério Público é órgão da lei eleitoral e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, tendo como alvo especial nessa atividade,
ainda, a defesa ou a fiscalização dos interesses extrapartidários.

Enfim,
o artigo 24 do Código Eleitoral dispõe, de modo categórico, sobre a intervenção
do Ministério Público em todo o processo eleitoral.

Com
efeito,
Antônio Roque Citadini (1985, p. 63) já previa que o representante
do Ministério Público devia participar de todas as sessões que os órgãos
judiciais eleitorais realizassem, e, mesmo no caso de sessão extraordinária,
esse representante deveria ser convocado, pois sua presença é obrigatória.

Fávila Ribeiro (1976, p. 132), ao tratar do assunto, frisa que a ação penal em
matéria eleitoral é sempre pública. Significa isso, que somente pode promovê-la
a instituição que dela é titular: o Ministério Público.

É
bom enfatizar que é permitido ao cidadão, apenas, dar conhecimento à Justiça
Eleitoral de qualquer ocorrência delituosa, para que seja transmitida ao órgão
do Ministério Público, a fim de que possa examinar se tem ou não procedência.
Limita-se a oferecer a
notitia
criminis e não vai adiante.

Cabe,
ainda, ao Ministério Público, oficiar todos os recursos encaminhados ao
Tribunal, manifestar-se por escrito ou oralmente em todos os assuntos
submetidos ao Tribunal, representar ao Tribunal sobre a fiel observância das
leis eleitorais, bem como requisitar diligências, certidões e esclarecimentos
necessários ao desempenho de suas atividades
”.

Já Hugo Nigro Mazzilli
(A defesa dos interesses difusos em juízo,
13ª ed. rev., ampl. e atual, São Paulo: Saraiva, 2001. p. 311-318), ao
discorrer sobre o tratamento das informações sigilosas, consigna:

Por si só, a LACP não assegurou ao
Ministério Público o acesso direto à informação sigilosa: sob sua sistemática,
o Ministério Público deveria propor a ação, cabendo ao juiz requisitar a
informação sigilosa. Já sob o ECA, o membro do Ministério Público passou a ter
acesso a toda e qualquer informação, mesmo que sobre ela recaia sigilo legal,
mas, nesse caso, torna-se responsável pelo seu eventual uso indevido. A Lei n.
8.625/93 e a LC n. 75/93 também lhe asseguram acesso imediato às informações
sigilosas, impondo-lhe, porém, responsabilidade em caso de uso indevido.

Confere-se hoje ao
membro do Ministério Público acesso incondicional a qualquer banco de dados de
caráter público ou relativo a serviço de natureza pública, sem prejuízo de sua
responsabilidade civil e criminal pelo eventual uso indevido das informações e
documentos sigilosos, aos quais teve acesso
” (op. cit. p. 311-312).

E reafirma:

O Ministério Público tem acesso
incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a
serviço de relevância pública. Desnecessário lembrar que a exceção fica por
conta de quando a Constituição suponha autorização judicial para a quebra do sigilo

(op. cit. p. 313).

3. A indagação que aqui
se faz é a seguinte: pode o Ministério Público, independentemente de
autorização do Poder Judiciário, ter acesso direto a informação relativa a
determinada pessoa jurídica, ainda que para utilização pela Justiça Eleitoral e
pela circunstância de ter sido a entidade doadora de campanha eleitoral?

O § 2º do art. 23 da
Lei n. 9.504/97 dispõe: “Toda doação a
candidato específico ou a partido deverá fazer-se mediante recibo, em
formulário impresso, segundo modelo constante do Anexo
”.

A doação realizada por
pessoa jurídica é disciplinada no art. 81 e parágrafos e, apesar de não haver
disposição específica quanto ao recibo eleitoral a ser fornecido por pessoa
jurídica, é perfeitamente aplicável o modelo fornecido no Anexo daquela lei:

Sigla e n. do
Partido/série

Recebemos
de

Endereço:

Mun. CEP

CPF
ou CGC n.

a
quantia de R$

correspondente
a UFIR

Data
/ /

Nome
do Responsável

CPF
n.

nome do partido

Recibo Eleitoral

U.F.
|R$ |

Município
| UFIR |

Valor
por extenso

em
moeda corrente

doação
para campanha eleitoral das eleições municipais

Data / /

(Assinatura
do responsável)

Nome
do Resp.

CPF
N.

Série:
sigla e n. do partido/ numeração sequencial

Dispõe, ainda, o § 4º
do art. 28 da Lei n. 9.504/97, acrescido pelo art. 1º da Lei n. 11.300/2006,
que:

Os partidos políticos, as coligações e os
candidatos são obrigados, durante a campanha eleitoral, a divulgar, pela rede
mundial de computadores (internet), nos dias 6 de agosto e 6 de setembro,
relatório discriminando os recursos em dinheiro, ou estimáveis em dinheiro que
tenham recebido para financiamento da campanha eleitoral, e os gastos que
realizarem, em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim, exigindo-se a
indicação dos nomes dos doadores e os respectivos valores doados somente na
prestação de contas final de que tratam os incisos III e IV do art. 29 desta
Lei
”.

Releva notar que esse
dispositivo, apesar de veiculado em lei que se referia às eleições de 2006,
teve sua aplicação permitida nos termos da Resolução nº 22.205, Relator o
Ministro Gerardo Grossi, por ter sido considerado norma que não afeta o
processo eleitoral, não incidindo, assim, o art. 16 da Constituição Federal.

De todo modo, essas
informações são compartilhadas entre o Tribunal Superior Eleitoral e a
Secretaria da Receita Federal, inclusive para a verificação dos limites legais,
nos termos da Portaria Conjunta TSE/SRF nº 74/2006. Entretanto, como ressaltou
o Ministro Lewandoski em seu voto, esta Portaria não afasta nenhum dado do
sigilo, com o que concordo integralmente. Também são disponibilizados no sítio
deste Tribunal, podendo ser consultados, indistintamente, a qualquer momento,
os dados que não estejam sob sigilo.

Nesse sentido,
diversos os precedentes deste Tribunal Superior:

Declaração de bens – Prestação de contas de campanha – Publicidade dos dados – Possibilidade de todos os interessados obterem
da Justiça Eleitoral os dados da declaração de bens e prestação de contas da campanha de qualquer candidato
” (Res. 21.295, Rel. Min. Fernando Neves, DJ
18.11.2002);

Os dados relativos às prestações de contas são públicos e podem ser consultados livremente pelos
interessados, que, se desejarem, poderão solicitar cópias, impressas ou em meio
magnético, ficando responsáveis pelos respectivos custos e pela utilização que
derem às informações recebidas
” (Res. 21.228, Rel. Min. Fernando Neves, DJ
7.10.2002)

Sendo obrigatória essa
declaração, no entanto, parece-me que não haveria que se falar em quebra de
sigilo fiscal ou bancário, segundo o que for requerido pelo Ministério Público.
Nesse ponto, divirjo parcialmente do entendimento do Ministro Lewandowski.

Não estou, com isso,
afirmando que pode o Ministério Público agir sem limites em seus atos
investigatórios ou, inclusive, pedir dados para exercer legitimamente as ações
de que tenha a titularidade. Há sempre que se ponderar sobre a razoabilidade da
requisição e a proporcionalidade do emprego feito com os dados obtidos.

De qualquer forma, nas
hipóteses de doações para campanhas eleitorais, no entanto, o representante do
Ministério Público, em vez de requisitar à Secretaria da Receita Federal
informações sobre o faturamento bruto de pessoa jurídica, os rendimentos brutos
de pessoa física ou do próprio candidato, em sua quase totalidade coberta pelo
sigilo, tem legitimidade, a meu ver, para solicitar apenas a confirmação ou
não de que as doações por eles declaradas obedecem aos limites estabelecidos
nas normas aplicáveis à espécie
.

Assim, se a resposta
da Receita Federal for no sentido de que a pessoa teria ultrapassado os limites
legais, caberia ao Ministério Público requerer à Justiça Eleitoral autorização
para a liberação de informações necessárias para o cumprimento de suas
obrigações de defesa da legalidade e do interesse coletivo, sem possibilidade
de se ter a quebra do sigilo constitucionalmente a todos assegurado.

Considerando,
portanto, que não se ultrapassou este espaço de dados no caso em apreço,
cingindo-se aos elementos que eram necessários, não vejo como considerar
ilícitas as provas quanto às doações das campanhas eleitorais, pelo que
acompanho o relator quanto à parte dispositiva de seu voto e nego provimento
ao recurso especial
.

Ressalto, entretanto,
que não tenho como válida a possibilidade de o Ministério Público ter acesso a
qualquer informação, mas, exclusivamente, de saber se o percentual doado por
uma pessoa corresponde ou não ao limite.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): A grande questão que se levanta
e que me preocupou mais não é tanto com relação às empresas, porque, como
regra, elas devem publicar seus balanços por força de lei. No entanto, se se
permitisse a quebra do sigilo indiscriminada, isso poderia atingir também a
pessoa física, que poderia ter perscrutada sua renda para fins de doação. Essa
é minha maior preocupação.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Por isso,
Ministro Ricardo Lewandowski, que só divirjo em parte de Vossa Excelência,
apesar de acompanhar o relator.

De toda forma, para ficar claro, não tenho como
legitimar o Ministério Público para ter acesso amplo e irrestrito a informações
que são cobertas, sim, pelo sigilo; apenas não vejo como o Ministério Público
poderá avaliar se realmente foi observado o limite de doação se não tiver
acesso a nenhuma informação.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Ministra, acredito que, no
fundo, não estamos divergindo; estamos assentando que não pode haver quebra do
sigilo sem interligação judicial. Não tenho dificuldade em admitir que o
Ministério Público possa pedir à Receita Federal a informação de que a doação
está dentro do limite permitido por lei.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: É somente isso
que admito.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): A minha preocupação é com a
proteção do sigilo constitucionalmente garantido.

O SENHOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: E se o
Ministério Público não tiver os dados em mãos, pedirá diretamente à Receita?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Minha proposta
não é essa.

O SENHOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Então, só
poderá ser realizado em sociedades que publiquem os balanços. O Ministério Público
tem um dado em mãos, informa à Receita Federal que no diário oficial de
determinado dia foi publicada receita de determinada empresa e questiona se
está correto. É somente isso?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Ministro
Fernando Gonçalves, o Ministro Ricardo Lewandowski lembra que, além de haver a
preocupação com a pessoa jurídica, há a questão da pessoa física, que não tem
seus dados publicados.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Na
verdade, meu voto é no sentido de que o Ministério Público pode requisitar a
informação relativa ao faturamento da empresa ou da receita do contribuinte
pessoa natural. Ou seja, obtendo esse dado objetivo, calculará os 2%, no caso
de pessoa jurídica, e os 10%, no caso de pessoa física.

O voto de Vossa Excelência, pelo que entendi, é
o contrário. O Ministério Público afirma que houve doação de tanto e pergunta
se isso está dentro dos percentuais permitidos.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Exatamente.
Faço o caminho contrário porque, assim, não se inviabiliza o trabalho do
Ministério Público, mas também não se abre mão da garantia constitucional.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Vossa Excelência expôs suas considerações e até pensei em adotar esse
entendimento, mas vejo um problema neste caso. O Ministério Público tem
interesse nessas informações para ajuizar representação, se for o caso, à
Justiça Eleitoral, pedindo que se apliquem sanções a quem doou mais do que
poderia e, no caso de pessoas jurídicas, sanções graves, inclusive, proibição
de contratar com o Poder Público por cinco anos.

Se a Receita disse que está dentro do limite,
estaremos atribuindo à Receita Federal fazer esse trabalho.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Mas é
atribuição legal dela.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Refiro-me à questão eleitoral.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Estará atendendo ao convênio.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Certo. Se a Receita Federal disser que está dentro do limite legal, não haverá
problema algum; o Ministério Público não representará, porque estará
demonstrado que não há nenhuma improcedência. E se disser que não está no
limite, terá que informar o valor?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Não. Nesse caso, quebra-se o
sigilo.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Será requerida
ao juiz a quebra do sigilo.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor
Presidente, se Vossa Excelência me permite uma ponderação, no Estado de Goiás, o
que aconteceu, em 2006, foi algo extraordinário que não ocorreu nos outros
estados.

O termo de cooperação entre este Tribunal e a
Secretaria da Receita Federal é de 2006. Na eleição de 2006, o Ministério
Público Eleitoral – não em todos os estados, mas em alguns deles,
especialmente, no Estado de Goiás – requisitou diretamente as informações à
Receita Federal.

Nos demais estados, como as pessoas jurídicas e
físicas declaravam que efetuaram doações, a Receita Federal encaminhava para a
Justiça Eleitoral a informação daqueles que desrespeitaram os limites. A
Justiça Eleitoral encaminhou a informação para o Ministério Público e este
ajuizou as respectivas representações.

Então, isso reforça exatamente o que a Ministra
Cármen Lúcia disse: a informação se cinge a divulgar se foram observados os
limites ou não; e o Ministério Público ajuiza a representação por doação acima
do limite legal; não se informa o valor.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Cabe, entretanto, a este
Tribunal deixar isso muito claro. Estamos em um momento no qual a Receita
Federal está com um projeto de lei com o objetivo de instituir a quebra do
sigilo diretamente, penhora, arresto de bens. Estamos vendo que as
procuradorias estaduais, e mesmo a Advocacia-Geral da União estão querendo
fazer a execução manu militari dos bens, independentemente do Poder
Judiciário. Ou seja, é uma fase difícil em que o Poder Judiciário precisa tomar
uma posição muito firme com relação a esse extravasamento dos lindes
constitucionais, eventualmente, com todo respeito ao Ministério Público.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Quero dizer que cheguei à conclusão de que a Ministra Cármen Lúcia, ao adotar
esse critério, encontrou um caminho que entendo ser o mais adequado, porque, se
houver desacordo, propõe-se a representação e pede-se ao Judiciário a quebra de
sigilo para provar a extrapolação.

VOTO

O SENHOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Senhor
Presidente, não vejo obstáculo de se requerer ao juiz para que colha
determinada informação. Não tenho nada contra o Ministério Público, pelo
contrário, já fui do Ministério Público Federal, em um tempo em que se podia
requisitar diretamente a informação, e a Receita Federal encaminhava a
declaração de renda integral. Fazíamos o papel de Ministério Público e de
advogado da União, anteriormente a 1988, e requisitávamos informações, às
vezes, para encontrar o endereço do devedor.

O problema é que, de concessão em concessão,
iremos chegar a um ponto irreversível de quebra de todas as garantias,
inclusive a do sigilo, que, apesar de não ser absoluto, a Constituição Federal
dispõe ser inviolável e depender de autorização judicial.

No tocante ao controle desses dados, em relação
à pessoa jurídica que publica o balanço, não há conflito, aliás, nem é
necessária autorização, porque o balanço está publicado e presume-se ser
legítimo. Em relação à pessoa física é que não há como: haverá violação do
sigilo, mas direto.

Não vejo o porquê desse obstáculo. Qual é a
dificuldade de se requerer ao Judiciário o acesso a determinada informação com
o intuito de se fazer o confronto de dados? Não existe contratempo nenhum, é
uma garantia, inclusive, para o próprio Ministério Público, que terá em mãos
prova lícita e suficiente; ele não se arriscará em propor representação e a
parte alegar ilicitude por violação de direito assegurado na Constituição.

Portanto, Senhor Presidente, data venia, acompanho Vossa Excelência
integralmente.

VOTO
(retificação)

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, somente para ficar claro, reajusto meu voto.

O voto da Ministra Cármen Lúcia resolve minhas
preocupações. A principal é a de que ainda não foi definido o prazo para
propositura da representação, pelo Ministério Público. Minha preocupação, entre
outras, foi a de que, se exigida essa quebra de sigilo de todos os candidatos,
ela ocorrerá sem ter havido nenhum indício de extrapolação, pois não há como
saber se o valor doado está de acordo com o limite legal.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Mas a presunção da doação é de
ilegalidade. Por isso presumimos que é ilegal a doação.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Exato. O que Vossa Excelência diz reforça o que digo: se a presunção fosse de
ilegalidade, então, haveria que se quebrar o sigilo de todos os doadores,
porque se presume que todos sonegaram…

A meu ver, a Ministra Cármen Lúcia criou uma
forma muito inteligente de resolvermos a questão. Indaga-se à Receita Federal
se está ou não dentro do limite. A Receita Federal se limitará a responder
somente isso –; não apresentará nenhum dado do contribuinte. É claro que a
Receita Federal não é juiz, logo não será ela quem estabelecerá se foi violada
a lei eleitoral, e, sim, o juiz.

Evita-se, com isso, que o Ministério Público
proponha inúmeras ações desnecessárias, porque só proporá a representação
quando a Receita Federal informar que os dados são incoerentes, ou seja, que a
doação superou o limite. O Ministério Público, nesse caso, pedirá que seja
confirmado o dado, pois o juiz também não poderá julgar com base em informação
oculta da Receita Federal; o juiz terá que se certificar de quanto foi a renda.
Levantará o sigilo e, com base na informação obtida, poderá julgar a
representação.

O DOUTOR JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN (advogado): Senhor Presidente,
neste caso, realmente ocorreu a requisição do valor do faturamento da empresa.
Não houve o comportamento preconizado pela Ministra Cármen Lúcia, mas foi
solicitado o dado à Receita Federal.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Nos
autos, o Ministério Público dispõe: “[…] que ao verificar a ocorrência de
vultosa doação de pessoa jurídica, expediu oficio à secretaria da Receita
Federal e a resposta do ofício apurou-se que a empresa […]”.

Então, recebeu a informação do faturamento, ou
seja, houve a requisição direta da informação.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Vossa Excelência me permite
apenas uma reflexão?

Isso me foi despertado por um comentário feito
por um colega do Supremo Tribunal Federal que me alertou para o seguinte fato:
o ato de doar determinada quantia para uma campanha ou para um candidato é
direito fundamental do cidadão, direito político fundamental que não podemos
inibir.

Se colocarmos o cidadão, a empresa sob o guante
das autoridades, toda vez que houver doação de determinada importância para uma
campanha política ou para determinado candidato, jogando sobre o doador a
presunção de ilegalidade dessa doação, com o risco de automaticamente se
quebrar o seu sigilo, inibiremos os doadores. Não queremos isso.

Temos que partir da presunção da legalidade
dessa doação para, só em caráter excepcional, admitirmos a quebra do sigilo da
empresa, protegido pela Constituição Federal; admitiremos sobretudo do
particular, da pessoa física. Temos que fortalecer esse direito fundamental de
participação intensa na política, não apenas votando, participando dos partidos
políticos, dos comícios, mas também doando parte do seu patrimônio para o
sucesso dessa empreitada, dessa festa cívica, que é uma eleição.

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:
Senhor Presidente, inicialmente eu estava inclinado a pedir vista, mas, à
medida que o debate foi se consolidando, novos argumentos foram surgindo e já
amadureci minha ideia num sentido, porque eu conjecturava com base em algo que
Vossa Excelência disse em seguida.

Se, efetivamente, ampliarmos a possibilidade de
quebra do sigilo, ainda que indireta, isso levará a uma inibição do próprio
escopo, que é de se pulverizar, de se evitar que existam grandes doações e que
o apoio popular a uma candidatura seja na verdade disseminado pelo povo,
inclusive, por meio de cartões de crédito, enfim, trata-se de facilitação desse
processo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Como ocorreu na campanha
americana.

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:
Exatamente.

O que vejo é que se, efetivamente, além da
própria Receita Federal, formos abrir a possibilidade dessa requisição, dessa
obtenção de dados via Ministério Público, tenho impressão de que muitas pessoas
deixarão de fazer essas doações, porque, em princípio, aumenta-se muito o
espectro de acesso a dados sigilosos.

Dentro da linha manifestada pelo Ministro
Fernando Gonçalves com muita ênfase, sigo a linha restritiva, que me parece que
assegura o direito ao cidadão e ao propósito da lei, que é o de facilitar as
doações.

Acompanho a divergência, com a máxima vênia.

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Senhores Ministros, temos uma
situação complexa para proclamar o resultado. Há três votos, o meu voto, que
inicia a divergência, o do Ministro Fernando Gonçalves e o do Ministro Aldir
Passarinho Junior, que vedam de forma absoluta a quebra do sigilo pelo
Ministério Público nessas hipóteses.

Há dois votos, na verdade, intermediários. O
Ministro Relator evoluiu para acompanhar a Ministra Cármen Lúcia.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Penso que no caso dá no mesmo, Senhor Presidente, pois todos não aceitam a forma
como foi feita.

No caso concreto, todos entendemos que a prova
foi ilícita, salvo o Ministro Ayres Britto, que, não estando aqui, não teve
oportunidade de se manifestar.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Foi ilícito.
Neste caso, sim.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Na verdade, toda a nossa
discussão fica registrada como obiter
dictum
.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Ministra Cármen Lúcia, a requisição foi direta?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Foi direta e
não teve o limite.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Não
teve o limite. Pelo menos o meu voto, o de Vossa Excelência, o do Ministro
Ricardo Lewandowski, o do Ministro Fernando Gonçalves e o do Ministro Aldir
Passarinho Junior…

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas qual foi
então?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Requisitou diretamente o valor.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Estou evoluindo para entender que não se pode requisitar o valor; deve-se, tal
como sugerido pela Ministra Cármen Lúcia, indagar se o valor doado está dentro,
ou não, dos limites. Se não estiver, será requerida ao juiz a quebra do sigilo.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Exatamente.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Nesse sentido, Vossa Excelência
está dando provimento ao recurso?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Não, estou negando nessa parte.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Nessa parte,
teria que haver a sequência do julgamento.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Para essa parte, o quorum está
incompleto, mas, na verdade, não precisa de quorum completo; a questão é que o Ministro Ayres Britto participou da primeira parte
do julgamento, e não sei se podemos passar ao exame da segunda questão na
ausência de um ministro que já participou da primeira parte.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Mas essa segunda questão é de
natureza constitucional? Para mim, a questão fundamental, de natureza
constitucional, já tem o quorum.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Para a
licitude, ou não.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): A
segunda questão é legal – é saber se esse limite de 2% ou de 10% é total ou
referente a cada candidatura

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Se entendermos
que a prova é ilícita, o exame dessa questão fica prejudicado.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Não
há mais nada a ser discutido.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Salvo
engano, Vossa Excelência deu provimento ao agravo para mandar subir este
recurso.

O que imaginei é que o Ministério Público tinha
requisitado não só o valor, mas também a informação de que essa doação
específica atingiu o limite de 2% ou não.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Leio trecho da manifestação do Ministério Público: “ao verificar a ocorrência
de vultosa doação, expediu ofício à Secretaria da Receita Federal, a fim de
verificar se a empresa havia respeitado os limites. Em resposta ao ofício,
apurou-se que a representada auferiu um faturamento bruto em um montante de 20
de milhões”.

Já obteve o dado do faturamento.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Nas
declarações novas, tanto de pessoas jurídicas quanto de pessoas físicas, há um
campo próprio para preenchimento de informação referente à doação para
campanhas eleitorais.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Mas teria que haver sempre o
confronto dessa importância doada com o faturamento ou com a receita bruta da
pessoa física.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas é a
Receita Federal que faz esse confronto.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): A Ministra Cármen Lúcia está
propondo que a Receita Federal faça esse confronto sem que haja abertura dos
dados.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Exatamente. Ela
responde somente se está de acordo ou não com o limite legal.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas se,
nesse caso, o Ministério Público requereu a informação para saber se, na
declaração de renda dessa pessoa jurídica, foi observado ou não o limite, e a
Receita Federal foi que informou o faturamento dela, iremos considerar prova
ilícita somente por isso?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Isso não consta dos autos.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: O recurso
especial é da pessoa jurídica ou é do Ministério Público?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): É
da pessoa jurídica. O problema é que não temos elementos aqui, Ministro Arnaldo
Versiani.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas se não
temos, não podemos julgar contra o Ministério Público.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Podemos. O Ministério Público é que deve demonstrar que requereu de outra
forma.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas, se o
Tribunal entendeu que a prova é lícita, não seria investigação de matéria de
fato?

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Não, é de direito. O Ministério Público afirma que recebeu o dado.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Sim, que o
recebeu, mas não que o pediu. Pode ter pedido para saber se observou o limite
ou não, e a Receita Federal cuidou de encaminhar o valor do faturamento.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): O
que sabemos de concreto é que o Ministério Público obteve informação que não
poderia ter recebido e usou essa informação para propor a ação.

O DOUTOR ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS
(procurador-geral eleitoral): Aparentemente não houve.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Não
sei, os autos não revelam nada.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Se não me
engano, até neste caso, o Ministério Público, depois de ajuizar a
representação, também pediu nova confirmação de valores.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Do que vi nos
autos, não há transcrição de como foi pedido, sequer dos seus termos.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Cabia à
pessoa jurídica impugnar isso.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Esse caso, Ministro Arnaldo Versiani, houve intercorrências, não sei se Vossa
Excelência está lembrado disso: dei provimento ao agravo, mas não constava dos
autos o acórdão dos embargos de declaração.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas a
questão é saber se o Parquet requisitou essa informação.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Nesse caso, lembro-me, eu estava
negando provimento ao recurso e Vossa Excelência se opôs a esse meu
entendimento, porque, num primeiro momento, afirmei que, de fato, o Ministério
Público não poderia ter obtido os dados dessa forma, mas, depois, assentei que
o próprio recorrente apresentou seus dados no processo espontaneamente.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Em que se
discutia até qual era o critério do faturamento.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Sim. O recorrente veio aos autos
espontaneamente, então, entendi que, como ele mesmo veio aos autos e expôs os
dados…

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor
Presidente, se não me engano, acredito que houve expedição de ofícios
posteriores à Receita Federal para confirmar os valores.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): No
acórdão não há nenhuma informação nesse sentido.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas o recurso
especial é da pessoa jurídica.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): Mas
nem nas contrarrazões o Ministério Público alega isso.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Mas o
Ministério Público não tem que alegar nada em contrarrazões; quem tem que alegar
é a parte, na petição de recurso. Se a pessoa jurídica quer interpor recurso
para reformar o acórdão, é ela quem deve fornecer os elementos para que o
Tribunal examine.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(vice-presidente no exercício da presidência): Quero ler somente o final do meu
voto, talvez possa esclarecer: Trago um longo voto expondo o seguinte:

A limitação de um direito fundamental,
ademais como recomenda a boa técnica hermenêutica, exige uma interpretação
restritiva, não sendo possível superar a autorização do judiciário para a
quebra dos sigilos fiscal e bancário no exercício de seu múnus de guardião
último dos preceitos constitucionais.

Assim, data máxima vênia, considero ilegais as
provas obtidas pelo Ministério Público por meio da Receita Federal, sem que
estas sejam precedidas de autorização judicial. O caso sob exame, porém,
apresenta uma peculiaridade que deve ser observada, a ilicitude das provas
produzidas pelo
Parquet, de fato, geraria nulidade absoluta do
processo. Essa nulidade, todavia, desaparece quando as informações obtidas
ilegalmente foram utilizadas como argumentos de defesa pelo investigado, é o
que ocorre na hipótese dos autos.

Ainda que o Ministério Público tenha obtido de
forma ilegal os dados referentes à recorrente, o Tribunal Regional de Goiás, ao
julgar o feito, levou em consideração as informações prestadas pela própria
empresa em sua defesa. Noto que a recorrente não suscitou a ilicitude das
provas obtidas e a nulidade do feito quando apresentou sua defesa, apenas
divergiu do faturamento bruto apresentado pelo
Parquet e informou a quantia, que segundo ela,
seria correta e que foi posteriormente ratificada pela Receita Federal.

Dessa forma não vejo como reconhecer a nulidade
suscitada pela recorrente, visto que a decisão regional fundamentou-se nas
informações por ela mesma apresentada.

Isso posto, com as ressalvas feitas no que tange
a competência do Ministério Público, nego provimento ao recurso especial”

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Na verdade, exatamente
como afirmou o Ministro Ricardo Lewandowski, a Receita Federal confirma os
dados e a recorrente apenas impugna o valor e como esse valor foi calculado.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Esse argumento eu até superaria porque, na verdade, a empresa tem que se
defender do que está posto nos autos.

INDICAÇÃO
DE ADIAMENTO

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, peço vênia para indicar seja adiado o julgamento deste
processo.

VOTO (retificação)

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, os votos já foram proferidos. Houve uma dúvida porque, no
momento de concluir o julgamento, o Tribunal liberou no sentido de que não é
licito ao Ministério Público requerer diretamente a informação sobre o faturamento
da empresa, mas pode requisitar à Receita Federal a informação referente a
encontrar-se a doação dentro, ou não, do limite previsto em lei. No caso de vir
resposta afirmando estar fora do limite, aí, sim, seria requerida ao juiz a
apresentação das informações.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(presidente): No caso, proferi voto pela ilicitude das provas colhidas, pois
entendi, firme na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não cabe ao
Ministério Público requisitar diretamente informações à Receita Federal. Mas,
no mérito, entendi que o próprio recorrente havia informado o seu faturamento.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Indiquei adiamento da conclusão deste julgamento para analisar o que acontecera
realmente.

A dúvida suscitada pelo Ministro Arnaldo
Versiani na sessão de 15 de abril de 2010 é se, após o ajuizamento da ação,
teria havido expedição de ofício à Secretaria da Receita pelo Judiciário.

Na inicial, o Ministério Público afirma ter
oficiado diretamente à Secretaria da Receita Federal e obtido a resposta de que
a empresa auferiu o faturamento bruto no montante de R$ 20.926.000,00. Então o
Ministério Público, diretamente, solicitou a informação, sem intermediação do
juiz.

Na defesa, a empresa Hidrobombas, ora recorrente,
não alude à questão de quebra de sigilo, apenas alega que o limite seria de
doação para um candidato e não para todos – a tese de que o limite de doação é
individual, para cada candidatura.

Na defesa, a empresa também afirma que seu
faturamento não fora de R$ 22 milhões e sim R$ 21milhões. Aliás, aumentou um
pouco, o faturamento foi de R$ 20 milhões e ela afirma ser R$ 21 milhões e
fração, até para aumentar o limite. Em razão disso, o Tribunal a quo requisitou informação da Receita
Federal.

O Ministério Público deu início à ação
utilizando informação obtida de forma que o Tribunal entendeu ser ilícita. Em
razão dessa ação e da defesa da empresa, que foi motivada pela informação que
já constava dos autos, o Tribunal oficiou à Receita Federal para conferir o
faturamento correto.

O caso é muito interessante, que leva a saber se
aplicável ou não a teoria do fruto da árvore envenenada, pois apenas houve a
defesa da empresa Hidrobombas porque o Ministério Público veio com uma
informação obtida de modo ilícito e afirmou o valor. A empresa, para se
defender, alegou que teve faturamento maior, mas somente se colocou nessa
posição porque o Ministério Público iniciou o processo com uma informação
ilícita.

Embora, posteriormente, tenha havido um ofício
do Tribunal para a Receita Federal, meu entendimento é de que a informação não
foi válida, porque o processo começou mal e não havia mais como corrigir quanto
a esse ponto.

De forma que mantenho meu voto e evoluo para
assentar que o Ministério Público pode indagar à Receita se o valor doado está
dentro do limite legal, devendo a resposta se restringir tão somente a essa
informação. Se o valor doado extrapolar o limite previsto na lei, deverá o Parquet pedir ao juiz a quebra do
sigilo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: De qualquer
forma, há quebra de sigilo dos dados pelo Ministério Público.

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Eu
juntamente, com os Ministros Ricardo Lewandowski e Fernando Gonçalves ficamos
vencidos.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(presidente): Na verdade, prevaleceu o voto intermediário. Eu e os Ministros
Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior tínhamos posição mais radical,
calcados em entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que o Ministério
Público não pode requisitar diretamente informações sem intermediação do juiz.

A Ministra Cármen Lúcia trouxe voto
intermediário, com o entendimento de que seria lícito ao Ministério Público
solicitar à Receita tão somente a informação relativa à doação ter sido
realizada dentro dos limites legais, ou seja, 10% para pessoa física ou 2% para
pessoa jurídica.

Prevaleceu esse entendimento intermediário, e a
dúvida, ao que me recordo, dizia respeito ao comparecimento espontâneo da
recorrente aos autos e à abertura de suas contas.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor
Presidente, parece-me que o voto da Ministra Cármen Lúcia trouxe este dado de
que o Ministério Público não havia requerido ao juiz.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Quero esclarecer que as interpretações jurídicas podem variar, mas os fatos são
esses.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Mas o
Ministério Público teve acesso às informações que lhe interessavam.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Neste caso, Ministro Marco Aurélio, aconteceu o contrário, o Ministério Público
obteve diretamente o valor do faturamento da empresa, e o Tribunal entende que
isso não é permitido.

Na contestação, a empresa se defendeu afirmando
que o valor seria maior, até para melhorar sua situação em relação ao limite. E
digo que ela foi obrigada a dizer isso porque o Ministério Público ajuizou a
ação com base em dado ilícito, forçando-a, assim, a se defender.

Quando, na contestação, a empresa afirmou o
valor, o Tribunal detectou incongruência entre aquela afirmação e a do Ministério
Público e oficiou à Receita Federal, requisitando essa informação para
verificar quem tinha razão.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(presidente): Eu me permitiria trazer o final de meu voto, embora tenha
afirmado que, em tese, a prova colhida é ilegal. Digo o seguinte:

“É o que ocorre na hipótese dos autos. Ainda que
o Ministério Público tenha obtido de forma ilegal os dados referentes à
recorrente, o TRE/GO, ao julgar o feito, levou em consideração as informações
prestadas pela própria empresa, em sua defesa. Isso pode ser verificado em
trechos do acórdão regional abaixo [explicitado].”

Aí mostro que o faturamento da empresa foi de R$
21.087.034,76, e não de R$ 20.926.775,51, como informado pelo Ministério
Público.

“Considerando a diferença existente no que tange
ao faturamento bruto da empresa [isso diz o regional], foi solicitada à
Delegacia da Receita Federal que esclarecesse o valor correto.

Às folhas 76/77, a Delegacia da Receita informa
que ‘o faturamento correto pode ser considerado o correspondente a
21.087.034,76’, que é o valor que foi informado pela representada.”

Então, digo mais:

“Nota-se que a recorrente não suscitou a
ilicitude das provas obtidas e a nulidade do feito quando apresentou sua
defesa. Apenas divergiu do faturamento bruto apresentado pelo
Parquet. Informou a quantia que [segundo ela] seria
correta, a qual foi ratificada posteriormente pela Receita Federal.

Dessa forma, não vejo como reconhecer a nulidade
suscitada pela recorrente, pois foram por ela apresentados os fatos que
fundamentaram a decisão regional.

Isso posto, as ressalvas feitas [no que tange à
competência do Ministério Público], nego provimento ao recurso especial.”

A questão é apenas saber, como diz o Ministro
Marcelo Ribeiro: se aplicamos a teoria dos frutos da árvore envenenada, porque,
em tese, a prova seria ilícita; ou então entendemos que, no caso presente, a
decisão do Tribunal Regional Eleitoral baseou-se em informação da própria recorrente.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: De toda sorte,
a empresa foi praticamente obrigada a prestar a informação.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator): O
acórdão, depois, nos embargos de declaração, trata especificamente desse tema,
que já fora prequestionado.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(presidente): Eu não hesitaria, diante da evolução da discussão, em reformular
meu voto para dar provimento ao recurso.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Senhor
Presidente, tenho várias dúvidas. Em primeiro lugar, trata-se de agravo de
instrumento convertido em recurso especial. Tenho lembrança de que a Ministra
Cármen Lúcia propôs que ao Ministério Público fosse permitido indagar à Receita
Federal tão somente se foram ou não observados os limites legais.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN
LÚCIA:
Eu
assentei que não permitir ao Ministério Público requisitar informações
inviabilizaria seu papel de fiscal da lei, até porque poderíamos chegar ao
ponto em que não se obtém nenhuma informação e os juízes ficam assoberbados de
casos para decidir. Quebrar sigilo também não me parece possível.

Por isso eu dizia que pode ser considerado
válido o Ministério Público requerer diretamente à Receita Federal apenas a
confirmação se o valor indicado corresponde ou não ao percentual legalmente
estabelecido. Se for isso, não considero ter havido quebra de sigilo porque não
transpôs os umbrais da Receita nenhum dado que esteja acobertado pelo segredo
constitucionalmente protegido.

Neste caso, o Ministro Marcelo Ribeiro fez
questão de acentuar que o Ministério Público pediu diretamente a informação,
portanto haveria invalidade. Mas isso não é relevante, porque a parte trouxe as
informações e com base nelas o Tribunal Regional Eleitoral decidiu.

Estaria suplantado, então, neste caso, o dado
que o Ministro Marcelo Ribeiro diz ter existido, porém a razão por que a parte
se viu instada a ter de apresentar as informações não se deu espontaneamente,
mas porque a empresa entendeu fazê-lo, mas diante da atuação do Ministério Público.
Assim, realmente, muda a configuração.

VOTO
(ratificação)

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Peço vênia,
Senhor Presidente, para manter a negativa de provimento ao recurso. Não sei se
no caso dos autos está esclarecida essa questão referente aos ofícios expedidos
à Receita Federal, pelo Ministério Público, porque se trata de agravo de
instrumento convertido em recurso especial, e não sabemos se estava devidamente
instruído.

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Para esclarecer, Ministro, a própria inicial do Ministério Público afirma que
se apurou que a representada auferiu faturamento bruto no montante de R$ 20
milhões e fração.

O SENHOR MINISTRO ARNALDO VERSIANI: Não sei se
no ofício o Ministério Público requereu a informação do faturamento bruto da
empresa ou apenas a informação referente à observância do limite de 2%. A
Receita Federal informou não só que a pessoa jurídica não observou o limite
como também o faturamento bruto e, em virtude dessa informação, o Ministério
Público ajuizou a representação, indicando na inicial o valor do faturamento.

Aplico, Senhor Presidente, o mesmo entendimento
que o Tribunal adotou por ocasião do julgamento de recurso em que fiquei
vencido como relator. É certo que a parte pode ter-se sentido obrigada a
prestar a informação, mas não parece ter sido o caso. A parte representada, na
contestação, não alegou a ilicitude da prova, mas limitou-se a dizer que a
informação obtida da Receita Federal não correspondia à realidade, porque o
faturamento teria sido um e não outro. Em sede de contestação, não foi alegada
a ilicitude da prova.

Parece-me, então, que, uma vez não suscitada
ilicitude da prova, não haveria como, numa fase posterior, avançarmos para dar
argumento em favor daquilo de que não se utilizou a empresa. Ao contrário, ela
trouxe informações na defesa que contestariam exatamente esse faturamento
bruto, ou seja, a discussão toda seria em torno de saber de fato qual seria o
limite de 2% em relação a R$ 22 milhões ou R$ 21 milhões. Se não se alegou, contudo,
desde a contestação, a ilicitude da prova, não vejo como, com a devida vênia,
possamos dar nova oportunidade à parte para que esse fato seja alegado
posteriormente.

Entendo, portanto, como Vossa Excelência
consignou ao final de seu voto, Senhor Presidente, que, não fosse o fato de a
parte ter trazido esses elementos, se afastaria eventual ilicitude da prova.

Assim, pedindo vênia ao relator, mantenho meu
voto anterior, no sentido de negar provimento ao recurso.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente):
Colho os votos novamente, porque após a discussão, alguma modificação poderá
ter ocorrido.

VOTO
(ratificação)

O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO (relator):
Senhor Presidente, mantenho meu voto.

No caso, a empresa afirmou que seu faturamento
não era aquele, e sim outro – esse é o fato. A questão jurídica de saber se
isso é lícito ou ilícito foi ventilada, está no acórdão – o tema foi nele
tratado –, portanto a matéria está prequestionada, pode ser examinada e a estou
examinando nesse sentido.

Dou provimento ao recurso, por entender que a
ação teve início com uma informação que o Ministério Público não poderia ter
obtido diretamente.

VOTO
(ratificação)

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA: Senhor
Presidente, peço vênia ao Ministro Arnaldo Versiani para acompanhar o relator.

VOTO
(ratificação)

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:
Senhor Presidente, a discussão é interessante. Mas, tendo sido a ação originada
de prova ilícita, pois não poderia ter havido essa obtenção direta de dados – e
não deveríamos prestigiar esse tipo de atitude do Ministério Público –,
acompanho o relator, pedindo vênia à divergência.

VOTO
(retificação)

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI
(presidente): Senhores Ministros, o Ministro Ayres Britto havia votado negando provimento
ao recurso especial e eu, em face do desdobramento das discussões, reformulo
meu voto para dar-lhe provimento, acompanhando, portanto, o Relator, um pouco
na linha do que o Ministro Aldir Passarinho Junior disse.

Como votei louvando-me no princípio que me
parece ser muito caro ao Supremo Tribunal Federal, minha conclusão,
necessariamente, tem de ser a mesma que a do Relator. Rememorando o voto que
trouxe na assentada em que a matéria foi discutida, vejo que a recorrente
alegou, em síntese, ofensa ao artigo 5°, incisos X e XII, da Constituição
Federal, quanto à nulidade do processo em decorrência da quebra de seu sigilo
fiscal sem autorização judicial.

Portanto, dou provimento também ao recurso
especial.

DJE de
28.9.2010.

1. Constituição Federal.

Art. 5º. […]

X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;   

[…]

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e
das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo,
no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal;  

2. Constituição Federal.

Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

3. Código de Processo Civil.

Art. 125.  O juiz dirigirá o
processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de
tratamento;

4. Constituição Federal.

Art. 5o. […]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

5. Res.-TSE nº 22.250/2006.

Art. 14. A partir do registro dos comitês financeiros,
pessoas físicas e jurídicas poderão fazer doações mediante cheque ou
transferência bancária, ou ainda em bens e serviços estimáveis em dinheiro,
para campanhas eleitorais. As doações e contribuições ficam limitadas (Lei nº 9.504/97, arts. 23, § 1o, I e II e 81,
§ 1o): […]

II – a 2% do
faturamento bruto do ano anterior à eleição, no caso de pessoa jurídica;

6. Código Tributário Nacional.

Art. 198. Sem prejuízo do
disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda
Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a
situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

§ 1o Excetuam-se
do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
 

I – requisição de
autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de
autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja
comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade
respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a
informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela
Lcp nº 104, de 10.1.2001).

7. Lei Complementar nº 75/93.

Art. 8º Para o exercício de
suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de
sua competência:

§ 2º Nenhuma autoridade
poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo,
sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do
dado ou do documento que lhe seja fornecido.

8. Lei nº 9.504/97.

Art. 96. […]

§ 5º Recebida a reclamação
ou representação, a Justiça Eleitoral notificará imediatamente o reclamado ou
representado para, querendo, apresentar defesa em quarenta e oito horas.

9. Propaganda eleitoral gratuita: representação
por invasão de propaganda de candidato ao pleito majoritário no programa
reservado à das eleições proporcionais (Res./TSE 20.988/2002, art. 26: prazo de
48 horas para o ajuizamento da reclamação, por aplicação analógica do art. 96,
§ 5º, L. 9.504/97).

(Rp nº 443/DF, PSESS
de 19.9.2002, rel. Min. Gerardo Grossi).

10. Precedentes.

Respe nº 30.974/SC, PSESS
de 30.10.2008, relator Min. Joaquim Barbosa; Respe nº 32.303/RN, DJE de
16.2.2009, relator Min. Eros Grau.

11. Precedentes.

REspe nº 28.127/PI, DJ de
15.2.2008, rel. Min. José Delgado; RMS nº 401/PE, DJ de 3.2.2006, rel. Min.
Marco Aurélio Mello, REspe nº 24.600/RS, DJ de 15.4.2005, rel. Min. Caputo
Bastos.

12. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 375-377.

13. Op. Cit. p. 377.

14. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 386.

15. Artigo constitucional regulamentado pela Lei
Complementar nº 75/93, in verbis: “art. 8º – Para o exercício de suas
atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua
competência: (…) VII – expedir notificações e intimações necessárias aos
procedimentos e inquéritos que instaurar
”.

16. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses
difusos em juízo. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 312

17. Exemplificadamente, realço que foram
realizadas, por pessoas físicas e jurídicas, aproximadamente, 22.569 (vinte e duas mil quinhentas e
sessenta e nove) doações
para candidatos do Estado de Minas Gerais nas
eleições de 2006. Já no Distrito Federal, foram realizadas 7.136 (sete mil cento e trinta e seis) doações para
candidatos a cargo eletivo naquele ano. Fonte:
<http://www.tse.jus.br/internet/eleicoes/2006/prest_contas_blank.htm>.
Acesso
em 26.3.2010.

Como citar e referenciar este artigo:
TSE,. Informativo nº 31 do TSE – Ano XII – Parte II. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/tse-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-31-do-tse-ano-xii-parte-ii/ Acesso em: 29 mar. 2024