Novo CPC

Comentários ao Novo CPC – Art 15º

 

CAPÍTULO III

DA JURISDIÇÃO

Art. 15. A jurisdição civil é exercida pelos juízes em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código.

 

A jurisdição, que em latim significa “ação de dizer o direito”, resulta da soberania do Estado e, junto com as funções administrativa e legislativa, compõe as funções estatais típicas.

 

Segundo Chiovenda, jurisdição é a função estatal que tem por finalidade a atuação da vontade concreta da lei, substituindo a atividade do particular pela intervenção do Estado (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. Paolo Capitanio, vol. I. Campinas: Bookseller, 2000, pp. 59-60.). Através do seu exercício, declaram-se direitos pré-exis tentes (Teoria Declaratória ou Dualista do ordenamento).

 

Por outro lado, Carnelutti afirma que a jurisdição é a função do Estado que busca a justa composição da lide, sendo essa última o conflito de interesses qualificado pela pretensão de uma das partes (caracterizada pela exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio), bem como pela resistência da outra. (Teoria Constitutiva ou Unitarista).

 

A lide é verdadeiro pólo metodológico da doutrina de Carnelutti. Todavia, subsistem críticas quanto a sua imprescindibilidade, eis que constituiria conceito sociológico, meta jurídico. De fato, o exercício da jurisdição não solucionaria o conflito de interesses instaurado, apenas o tornaria juridicamente irrelevante. Nesse senti do são as críticas de Calamandrei e de Liebman, que afirmam que a lide só entra no processo se for apresentada ao juiz, e, ainda assim, com as feições que o autor a descreveu no seu pedido, que nem sempre correspondem à realidade dos fatos. Dessa forma, a lide pertenceria, nas palavras de Calamandrei, “ao mundo sociológico, não ao jurídico”, e poderia existir, por tanto, processo sem lide, que seria elemento acidental e não essencial para a sua instauração. Nesse sentido, conferir DINAMARCO, Cândido Rangel, A Instrumentalidade do Processo, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 54-56, onde o autor acrescenta que o sistema baseado na lide não explica situações em que, mesmo não havendo conflito de interesses, é necessária a instauração do processo, dada a indisponibilidade do direito.

 

Por fim, necessário fazer a referência à obra de Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Contemporâneo. In Estudos de Direito Processual Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 13-66.), que vem retomando a idéia de um processo civil constitucionalizado, revendo os conceitos tradicionais de jurisdição apresentados pelos mestres italianos.

 

A partir das premissas dos modernos mestres italianos, como Ferri, Comoglio, Taruffo, Trocker, Varano e outros, o processo é visto, necessariamente, sob o prisma constitucional. Se o ordenamento jurídico fosse uma árvore, o direito constitucional seria o tronco e o processo civil seria um ramo ou galho dessa árvore (Hermes Zaneti, Processo Civil Constitucional. Baracho, Direito Processual Constitucional, entre outros).

 

Sistematizando o pensamento, Marinoni, na obra antes referida, assim se manifesta:

 

“Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar as antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio da supremacia da lei e ao positivismo acrítico. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Expressão concreta disso são os deveres de o juiz interpretar a lei de acordo com a Constituição, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmente atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade, e de suprir a omissão legal que impe de a proteção de um direito fundamental. (…) O direito fundamental à tutela jurisdicional, além de ter como corolário o direto ao meio executivo adequado, exige que os procedimentos e a técnica processual sejam estruturados pelo legislador segundo as necessidades do direito material e compreendidos pelo juiz de acor­do com o modo como essas necessidades se revelam no caso concreto. (…) O juiz tem o dever de encontrar na legislação processual o procedimento e a técnica idônea à efetiva tutela do direito material. Para isso deve interpretar a regra processual de acordo, tratá-la com base nas técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto e suprir a omissão legal que, ao inviabilizar a tutela das necessidades concretas, impe de a realização do direito fundamental à tutela jurisdicional”.

 

Como se pode perceber, sem maiores dificuldades, é impossível conceber nos dias atuais a atividade jurisdicional divorciada dos princípios constitucionais, especialmente, do acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana.

 

Nessa esteira, e aprofundando a noção constitucional, interessante ressaltar a observação feita por Mauro Cappelletti segundo o qual toda atividade jurisdicional tem feição criativa visto que toda interpretação cria, de alguma forma, um direito novo.

 

Para o autor, é impossível conceber-se o trabalho dos juízes como a mera aplicação da lei, tornando-os simplesmente a ‘boca da lei’, como eram vistos no passado, de modo que interpretação e criação do direito não podem mais ser vistas como conceitos contrapostos já que os juizes são força dos a serem livres na sua tarefa.

 

Por outro lado, o autor também aponta um intenso crescimento desta criatividade em virtude da incorporação ao nosso ordenamento de leis que trazem conceitos vagos e fluidos, principalmente após o fenômeno do Welfare State (CAP PEL LET TI. Mauro. Juízes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1993. Nesse sentido, ver também MARINONI, Luiz Guilherme; ARE NHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2001, p. 430).

 

Como já ressaltamos em comentários anteriores, fundamental a leitura de François Ost (Os três modelos de juiz) e de Boaventura de Souza Santos (Os Tribunais na Sociedade Contemporânea) para se compreender o atual alcance e as consequências dessa postura na pós-modernidade.

 

 

 

*Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Promotor de Justiça no RJ. Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ e na UNESA. Acesse: http://humbertodalla.blogspot.com

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários ao Novo CPC – Art 15º. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/novo-cpc/comentarios-ao-novo-cpc-art-15o/ Acesso em: 01 jul. 2025