Processo Civil

Ação sincrética, instrumento para minorar a morosidade dos processos (L.11232/05)

Ação sincrética, instrumento para minorar a morosidade dos processos (L.11232/05)

 

 

J. A. Almeida Paiva(1)

 

 

 

 

1. Classificação das ações segundo as categorias de cargas eficaciais nas sentenças; 2. Conceito de ação sincrética; 3. O sincretismo após a Lei nº 11.232/2005; 4. Conclusão.

 

 

1. Classificação das ações segundo as categorias de cargas eficaciais nas sentenças

 

O sistema processual vigente conhece várias categorias de eficácia de sentença, sendo que a doutrina tradicional parece conceber como classificação das ações, tão-só a trinária ou ternária, como querem outros, mesmo sob os olhares críticos de Luiz Guilherme Marinoni. (2)

 

A doutrina brasileira pouco tem tratado do assunto, restando apenas alguns apontamentos da doutrina tradicional que praticamente só admite a existência de três categorias de eficácia da sentença:

 

“a) declaratória – que declara a existência ou a inexistência de relação jurídica, a falsidade ou a autenticidade de certo documento, mais precisamente, declara uma situação preexistente;

 

b) condenatória – que condena o réu a dar, pagar, fazer ou não fazer alguma coisa, preparando a execução futura, com a criação de um título executivo judicial;

 

c) constitutiva – por sua força assegura ao autor a criação, a modificação ou a extinção de uma relação jurídica.” (3)

 

Glauco Gumerato Ramos doutrina que “o tema da classificação das ações ganha relevo a partir da empreitada de processualistas italianos, em especial da primeira metade do século XX, em classificar as ações de conhecimento, o que fizeram levando em consideração o conteúdo da respectiva sentença, ou, afirmou Liebman, a partir dos diferentes tipos de sentença que o autor pede”. Daí surge a divisão trinaria (ou clássica) das ações de conhecimento em ação meramente declaratória, ação constitutiva e ação condenatória”. (4)

 

Deixando ao largo essa classificação trinária, ao que parece já superada, alguns processualistas falam ainda na existência da classificação quinária, fase pós Pontes de Miranda, incluindo mais duas categorias de cargas eficaciais presentes em muitas sentenças.

 

Seriam elas, segundo Pietroski, mais as seguintes, completando as cinco:

 

“d) mandamental – mero ato estatal praticado pelo juiz em substituição da parte autora, sem, contudo, produzir coisa julgada material;

 

e) executiva – contém no seu bojo uma força interna, oriunda do direito material com aptidão para realizar uma mudança no mundo físico.” (5)

 

Dessa classificação, trinária e quinária, trata também Joel Dias Figueira Júnior, mas com outra conotação.

 

Diz ele: “afigura-se-nos a formulação de uma classificação diversa das “ações” tomando-se como ponto de partida e critério a tutela jurisdicional perseguida e baseada na respectiva relação de direito material sobre a qual incidirá a proteção pleiteada. Nessa seqüência, classificamos as ações da seguinte forma: a) declaratória; b) constitutiva; c) ressarcitória; d) recuperatória; e) vindicatória; f) inibitória; g) acautelatória; e h) executivas stricto sensu.” (6)

 

 

Dinamarco (7) e José Garcia Medina (8), dentre outros, já trataram do princípio do sincretismo entre cognição e execução.

 

Como não é nosso propósito questionar ou querer polemizar as teorias sobre classificação das ações, mas tão somente tratar das ações sincréticas, tema que exige conhecimento, ainda que superficial, sobre a classificação das ações, acreditamos que o instituto ora sob comento, deverá ser nos próximos anos a base de todo procedimento; consignamos a observação acima pois está na doutrina das ações e fatalmente sobre ela muito se verá escrito doravante.

 

 

2. Conceito de ação sincrética

 

Denominam-se ações sincréticas “todas as demandas que possuem em seu bojo intrínseca e concomitantemente cognição (processo de conhecimento) e execução, ou seja, não apresentam a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exequíveis.” (9)

 

Ganha-se tempo, custo e torna-se o processo mais rápido e eficaz, o que à toda evidência, representa melhor distribuição e acesso à Justiça.

 

Na linguagem gramatical, o sincretismo é o nome que se dá ao fenômeno de uma palavra exercer duas ou mais funções. (10)

 

É claro que ao se falar em ações sincréticas, o sentido é o da linguagem gramatical, pela qual temos as duas funções de um processo, conhecimento e execução, numa mesma fase.

 

Não há nenhuma conotação filosófica, onde o termo sincretismo foi usado por RENAN (L´avenir de la science) para distinguir três atos do conhecimento humano relativo a um objeto completo: 1º) visão geral e confusa do todo (sincretismo); 2º) visão distinta e analítica das partes (análise); 3º) recomposição sintética do todo com o conhecimento que se tem, das partes (sínteses).

 

As ações sincréticas são, portanto, aquelas que numa mesma fase, concomitantemente faz-se a cognição (processo de conhecimento) e execução, inexistindo os dois procedimentos, um após o outro, como comumente é feito, razão pela qual, a sentença com trânsito em julgado é auto-exequível, ou executável mediante a simples expedição de um mandado.

 

Entendemos que a lei processual deve obrigar o Juiz a dar sempre sentença líquida; na fase de conhecimento ele não só decide o “an debeatur”, como também o “quantum debeatur”; isto geralmente ocorre nas denominadas ações condenatórias, pois nas constitutivas e mandamentais, v.g., já temos a aplicação do sincretismo no sistema processual brasileiro.

 

A ação possessória tem eficácia executiva lato sensu, e em sua tese de doutoramento, sobre o título, “A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal”, o Prof. Humberto Theodoro Júnior, citado pelo Ministro Athos Carneiro no REsp. nº 739-RJ, “sustenta que da natureza executiva lato sensu das sentenças que acolhem a demanda possessória decorre o efeito importantíssimo da inadmissibilidade de embargos à execução.”

 

A impossibilidade de se apresentar Embargos de Retenção, na fase executória das ações possessórias já foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, que por unanimidade da sua 4ª Turma decidiu: “Nas ações possessórias, a sentença de procedência tem eficácia executiva “lato sensu” , com execução mediante simples expedição e cumprimento de um mandado. Inocorrência, nas ações possessórias, da dicotomia ação de cognição e ação de execução”. (11)

 

No STJ há outro julgado entendendo que não cabe embargos de retenção por benfeitorias em ação possessória, e se ele não foi pleiteado na resposta ao pedido possessório, o direito fica precluso. (12)

 

No mesmo sentido doutrina Ovídio Baptista da Silva (13) e Adroaldo Furtado Fabrício, para quem “há um outro ângulo pelo qual o problema pode e deve ser encarado, e é o da eficácia da sentença. Seja de manutenção, seja de reintegração, o julgado impõe por si mesmo os seus efeitos, sem necessidade de um ulterior processo de execução: esta se restringe à expedição e cumprimento de um mandado, sem necessidade de outra citação ou formalidades outras. A auto-executabilidade da sentença deferitória da reintegração ou manutenção é característica da proteção interdital e, portanto, independente do rito, assim como independente de haver decorrido tempo maior ou menor de ano e dia desde a ofensa à posse até o ajuizamento da ação.” (14)

 

As ações possessórias, a ação de despejo, o mandado de segurança, v.g. são exemplos clássicos de ações sincréticas, pois não exigem, após o trânsito em julgado do processo de conhecimento, um novo processo (execução) para haver o direito pleiteado.

 

 

3. O sincretismo após a Lei nº 11.232/2005

 

Com o advento da Lei 11.232/2005, que acabou com o processo de execução fundado em título executivo judicial, o legislador deu um passo, ainda que pequeno para solucionar de vez o problema da morosidade no andamento ou tramitação dos processos no Judiciário.

 

Há necessidade de se eliminar todos os entraves burocráticos e processuais de sorte a permitir que o vencedor do conflito de interesses possa ter acesso rápido à satisfação do direito lesado e reclamado judicialmente; a prestação jurisdicional deve ser rápida e eficaz para não se tornar injusta.

 

Esperar como hoje, 10, 20, 30 ou até 50 anos para se concluir um processo é algo tão estarrecedor, como sentir que no nosso País as dificuldades de acesso ä Justiça equivale à total negação de Justiça, ao comprometimento do Estado de Direito, princípio fundamental da Lei Maior.

 

A comissão de reforma do Processo Civil, que optou pelo sistema de mudanças parceladas, por mais ponderáveis que sejam os argumentos da opção por este sistema, que não concordamos com a devida vênia, pois como reiteradamente temos manifestado, defendemos a substituição de um Código por outro e não a montagem de uma colcha de retalhos.

 

Entendemos com Humberto Theodoro Júnior, que “uma sentença para ser havida como tal, deve resolver por inteiro, todos os pedidos deduzidos em Juízo,” (15) proibida a condenação genérica e ilíquida, abandonando por completo qualquer possibilidade de dupla fase processual para solução dos conflitos de interesses.

 

Quando muito aceitamos poder haver a liquidação por cálculo, a ser feita pelo próprio Advogado, sem necessidade de nova citação pessoal da parte vencida.

 

Esperamos que a Lei 11.232/2005 seja um marco definitivo para a total implantação do sincretismo no sistema processual, lembrando Lopes da Costa que afirmava: “tudo isso está a evidenciar que deveríamos repudiar de vez o tal pedido genérico. E acabar com as tais liquidações”. (16)

 

Devemos acabar de uma vez por todas, com um processo dito de conhecimento para determinar o “an debeatur” , outro para proceder à liquidação e fixar o quantum debeatur, e finalmente um terceiro para executar e receber do vencido o que for de direito; isto é uma barbaridade! É execrável!..

 

O próprio Ministro Athos Gusmão Carneiro, a propósito, doutrina: “Mediante este artigo (17) é concretizada a nova sistemática, de ação “sincrética” (conhecimento + execução), ficando dotada de eficácia executiva a sentença de procedência, nos casos de condenação ao pagamento de quantia líquida (valor já fixado na sentença de procedência, ou avaliado em procedimento de liquidação por arbitramento ou por artigos).” (18)

 

Todavia, o próprio Ministro Athos, no mesmo trabalho afirma: “Em sinopse, a Lei 11.232/2005 consagra o abandono do sistema romano da actio judicati, com o retorno ao sistema medieval pelo qual a sentença habet paratam executionem

 

Registramos que Humberto Theodoro Júnior, citado pelo Ministro Athos, já afirmou: “Nossa posição é que, em se abandonando velhas e injustificáveis tradições romanísticas, toda e qualquer pretensão condenatória possa ser examinada e atendida dentro de um único processo, de sorte que o ato final de satisfação do direito do autor não venha a se transformar numa nova e injustificável ação, como ocorre atualmente em nosso processo civil”. (19)

 

Sob a ótica da atual legislação, Daniel Amorim Assumpção Neves, escrevendo sobre “O novo Conceito de Sentença” pós Lei 11.232/2005, afirma que com “o advento generalizado das ações sincréticas, independentemente da natureza da obrigação objeto da condenação, obrigou o legislador a repensar o conceito de sentença, modificando o critério utilizado anteriormente. Em vez de efeito da decisão , o novo conceito de sentença tem como critério conceitual o conteúdo do pronunciamento, fazendo expressa remissão aos arts. 267 e 269 do CPC, dispositivos que indicam as causas que geram o julgamento do mérito da ação (sentença definitiva) e aqueles que extinguem o processo, mas não julgam o mérito da ação. (sentença terminativa)”. (20)

 

Seja qual for definido pela doutrina o efeito ou conteúdo do pronunciamento, o importante é que quanto mais rápido possível, o legislador adote um único Código, com regras claras e objetivas procurando eliminar atos desnecessários ou protelatórios, capazes de propiciar uma sentença final de mérito, eficaz, justa e capaz de manter a paz social e garantir o retorno do respeito e confiança no Judiciário, única maneira de garantir a esperança de dias melhores.

 

 

4. Conclusão

 

Precisamos ter um novo CPC, no qual fiquem compiladas todas as normas gerais de processo; os diversos procedimentos hoje existentes, tais como: o comum, que seria aplicado a todas as hipóteses de processo, com pequenas variações, já que dispomos do instituto de antecipação de tutela; os procedimentos especiais do atual CPC que passariam a ser normados pelo processo comum; as cautelares; as execuções e todos os procedimentos previstos na legislação extravagante, v.g.: Ação Discriminatória (L. 6.383/76); Ações regidas pelas Leis de Registros Públicos (Lei 6.015/73) e afetação (L. 10.931/04; Alienação Fiduciária (DL 911/69); Alimentos ( Lei 5.478/68); Arbitragem (L. 9207/96); Assistência Judiciária ( Lei 1060/50; Código de Processo Civil antigo, na parte não revogada (DL 1608/39); Desapropriação (DL 3.365/41) e outras; Divórcio e Separação Judicial (L.6515/77); Execução Fiscal (L. 6830/80) e as diversas Execuções Especiais; Falências DL 7661/45) e Recuperação de Empresas (L. 11.101/05); Investigação de Paternidade (L. 8560/92); Juizados Especiais (L. 9099/95); Locação (L.8.245/91); Mandado de Segurança (1533/51); Recursos (L. 8038/90).

 

Concluímos citando Cândido Rangel Dinamarco, ao afirmar: “essa renúncia a tradicionais postulados do direito processual está, contudo, muito longe da ilegitimidade, dada sua destinação a propiciar uma justiça mais ágil, mais rápida e, para tanto, descompromissada dos preconceitos irracionais que envolvem todos esses dogmas. Não se trata de repudiar aquelas regras tradicionais de inegável relevância quando se trata de assegurar a segurança jurídico-processual dos litigantes, mas somente de dimensionar adequadamente sua aplicação e compatibiliza-las com o objetivo maior, que é o de oferecer em tempo razoável a tutela jurisdicional plena e efetiva”, (21) sem, todavia, macular o legítimo direito de ampla defesa do réu.

 

Só assim teremos a possibilidade de por um fim na morosidade dos processos, com uma Justiça mais rápida, eficaz e Justa, para o que outras medidas também hão de ser tomadas.

 

 

(1) J. A. Almeida Paiva é Advogado em São Paulo, Professor de Direito Processual Civil, com Mestrado na PUC/SP; foi Magistrado e deu Cursos, Palestras e aulas na Escola Superior de Advocacia; possui artigos públicos em diversos SITES, Portais e Revistas Jurídicas.

 

(2) Tutela Inibitória, ed. RT São Paulo, 1998, p.362/363.

 

(3) cf. TERCILI PIETROSKI, artigo in RT 648, p. 55 e segts.

 

(4) Cf. Cap. 5, da obra Reforma do CPC, edição RT 2006, p.107/108 apud Liebman, Manual de Direito Processual Civil, p. 178.

 

(5) idem.

 

(6) Revista de Processo nº 98, p. 7/25

 

(7) Instituições de direito processual Civil, v.3, p. 246.

 

(8) Cf. Medina, Execução Civil – Princípios Fundamentais, p.190-191.

 

(9) JOEL DIAS FIGUEIRAS JÚNIOR. Ações sincréticas e embargos de retenção por benfeitorias no atual sistema e no 13º anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil – Enfoque às demandas possessórias. Revista de Processo, nº 98, p. 11

 

(10) LUIZ ANTÔNIO SACCONI, Gramática em termos de comunicação, Edição Cia. Editora Nacional, 4ª ed.., 1976, p. 334.

 

(11) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp. nº 739-RJ, Registro nº 89.0010026-2, Rel. Min. ATHOS CARNEIRO, j. 21.08.1990, 4ª Turma, VU, in Revisto do STJ, 3(17), pág. 293.

 

(12) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp. nº 46.;218-5-GO, Reg. nº 94.0008883-3, j. 25/10/1994, 3ª Turma, Relator: Ministro NILSON NAVES, in Revista STJ, vol. “a, 7, (75)”, pág. 357 e seg.; no mesmo sentido REsp. nº 14.138, referido.

 

(13) OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, Procedimentos Especiais, AIDE Ed., nº 131.

 

(14) ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª ed., Forense, Vol. VIII, tomo III, nº 353.

 

(15) As Novas Reformas do Código de Processo Civil, ed. Forense, 2006, p.6

 

(16) Direito processual civil brasileiro, 1947, t. IV, n. 50, p.41, citado por Athos Gusmão Carneiro, no cap. IV “Do Cumprimento da Sentença”, na obra coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier, “Aspectos Polêmicos da Nova Execução 3”, ed. RT 2006, p.62.

 

(17) Está falando do 471-I

 

(18) Idem, p.68

 

(19) A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Rio de Janeiro, Aide, 1987, p. 239 – Tese de doutoramento na Universidade Federal de Minss Gerais.

 

(20) Reforma do CPC, ed. RT 2006, p. 79.

 

(21) Nova era do processo civil, São Paulo, RT 2003, p. 20

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PAIVA, J. A. Almeida. Ação sincrética, instrumento para minorar a morosidade dos processos (L.11232/05). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/acao-sincretica-instrumento-para-minorar-a-morosidade-dos-processos-l1123205/ Acesso em: 19 abr. 2024